
Autor – Rostand Medeiros
No Brasil a palavra “regeneração”, definitivamente é algo que o nosso povo não sabe trabalhar muito bem em suas mentes e seus corações, quando aplicada aqueles que erraram junto a sociedade, contra os que praticaram crimes diversos, contra os que sofreram as duras penas da lei e estiveram um período em alguma unidade prisional.
Dificilmente vemos o antigo presidiário como alguém que se regenerou. Olhamos para ele mais com medo do que com esperança de que ali está uma pessoa recuperada. Isso não é difícil diante verdadeiras masmorras medievais que existem nos nossos presídios.
Por isso é que na história carcerária brasileira chama tanto atenção o fato dos homens que foram cangaceiros, pelo menos os que se entregaram e aram um tempo presos, terem tido um índice de reincidência criminal baixíssimo.
Na verdade digo “terem tido um índice de reincidência criminal baixíssimo”, pois ouvi isso de outros pesquisadores do tema cangaço. Mas confesso que nunca li e não tenho dados que comprovem especificamente quantos antigos cangaceiros padeceram na prisão e quantos voltaram ao crime após a liberdade.
Entretanto é vasto, inclusive amplamente divulgado na imprensa brasileira das décadas de 1950 e 1960, que vários homens que andaram nas caatingas debaixo do peso do chapéu de couro e do “pau de fogo”, ao deixarem a prisão se tornaram os ditos “cidadãos de bem”, totalmente regenerados. Muitos se tornaram pacatos funcionários públicos, pequenos comerciantes, caixeiros viajantes e outros exerceram simples e honestas atividades. Um dos casos mais emblemáticos na minha opinião é a recuperação do chefe cangaceiro Ângelo Roque.
Vida Bandida
Em uma entrevista a um periódico carioca, repleta de fotografias, temos a história de Ângelo Roque da Costa, o conhecido cangaceiro Anjo Roque, o conhecido Labareda. Teria nascido em 1910, no lugar Jatobá, depois pertencente ao município pernambucano de Tacaratu (e por isso conhecido como Jatobá de Tacaratu), era filho de família humilde, mas respeitada em seu lugar.

Na reportagem afirmou que entrou na vida do cangaço após matar um soldado de polícia que desvirginou a sua irmã de 14 anos de idade. Roque contou que o conquistador se chamava Horácio Cavalcanti, que havia casado quatro vezes e quatro vezes abandonou as esposas. Consta que sua família buscou a justiça de sua região, mas um juiz e outras autoridades pouco deram importância ao sentimento de raiva de seus familiares.
Logo houve um encontro dos dois homens em um trem, a faca vibrou e ambos ficaram feridos. Mas logo o jovem Roque, então com 16 ou 17 anos, matou o soldado com um tiro de rifle e caiu “em desgraça” perante a justiça.
Para sobreviver em uma situação como esta, naquele sertão atrasado, só entrando para o cangaço. Foi em uma propriedade denominada Jurema que Roque entrou no bando de Lampião, que lhe deu apoio e ambos se tornaram grandes amigos.
Um Cangaceiro
Na reportagem Ângelo Roque detalhou que esperou 13 dias por Lampião na propriedade Jurema. Logo Roque ficou alcunhado no bando como Labareda. Comentou que Lampião sempre foi um homem de pouca conversa, mas era extremamente hábil na luta das caatingas. Labareda informou que ou dois anos andando junto a Lampião no seu bando, onde teve um grande aprendizado na arte da guerrilha nordestina. Devido a sua capacidade de comando e de combate, logo Labareda ou a comandar um subgrupo de cangaceiros.

Para Roque era normal Lampião ter cerca de 60 homens em seu bando. Já o famigerado cangaceiro Corisco andava com um grupo que tinha em torno de 20 a 25 combatentes e Labareda seguia com uma média de 15 cangaceiros. Nesta vida Ângelo Roque da Costa permaneceu 16 anos em luta, onde afirmou a reportagem ter combatido “200 vezes contra a polícia”.
Lembrou aos repórteres que seu primeiro combate, sem especificar datas, foi em Sergipe, onde cerca de 40 cangaceiros brigaram diretamente com vários policiais, sem perdas para os “cabras” de Lampião, mas com a morte de vários homens da lei.

Para o cangaceiro Labareda os dias de cangaço eram “Dias miseráveis!”, onde os cangaceiros tinham um ódio extremo aos policiais e, assim que tinham alguma oportunidade, não perdiam a oportunidade de desfechar terríveis ações violentas contra os membros da “Força”.
Em seus relatos Labareda afirmou categoricamente que era “Um bandido”, que aquela vida lhe trazia muitas amarguras. Tanto que para conceder a entrevista ele perguntou primeiramente ao Professor Estácio de Lima se aquela exposição na imprensa seria positivo para ele. O Professor Estácio concordou.

Na época da entrevista Ângelo Roque era um pacato funcionário do Concelho Penitenciário da Bahia, morando em Salvador, onde trabalhava como auxiliar de confiança do Professor Estácio.
Na Prisão
Após a morte de Lampião em 28 de julho de 1938, o cangaceiro Labareda andou ainda quase dois anos pelas caatingas de armas na mão, tendo se entregado as autoridades no início de abril de 1940, em Paripiranga, Bahia. Logo ele e mais outros companheiros foram recambiados para Salvador.

Na capital baiana, nos primeiros contatos com a imprensa na Secretaria de Segurança, os cangaceiros já se encontravam de cabelos cortados e usando paletó e gravata, mas Labareda fazia questão de ser tratado pela patente de “capitão”. Na ocasião houve um encontro muito animado com o cangaceiro Juriti, que já se encontrava detido. Comentaram que do terraço da repartição chamou atenção dos agora ex-cangaceiros a chegada ao porto de Salvador do paquete “L’Argentine”.

Após a sua entrega justiça, Ângelo Roque da Costa foi julgado e condenado a 95 anos de prisão, depois reduzidas a 30 anos e comutadas a apenas 10 anos de cárcere. Mesmo com condenações tão elevadas no início do seu período de detenção, ele manteve a calma e se tornou um prisioneiro de comportamento exemplar.

Primeiramente foi enviado para o “Campo Experimental de Ondina”, em Salvador, onde ou a cumprir seu tempo de prisão junto com os companheiros de luta.
Lembrou que na época do início do cumprimento de sua pena, lhe chamou atenção o interesse e a curiosidade provocada em várias pessoas pelos ex-cangaceiros. Recordou que em uma ocasião receberam a visita de Renato Monteiro, documentarista da “Tupy Films”, que realizou um pequeno filme (provavelmente pago pelo Governo Federal), mostrando a regeneração dos anteriormente temidos “Guerreiros das Caatingas”. Foram realizadas filmagens daqueles homens em uma lavoura, tendo sido capturado as imagens do antigo Labareda, de Saracura, Juriti, Jitirana, Velocidade e cinco outros ex-cangaceiros.
Inclusive pelo bom trabalho realizado nesta lavoura, em 1944, durante o período da Segunda Guerra Mundial, ele e outros 20 condenados pela justiça receberam um prêmio da LBA-Legião Brasileira de Assistência. Este programa era denominado “Hortas para a vitória!” e havia sido implantado para incrementar e ampliar o que hoje denominamos de agricultura familiar, tudo em prol do esforço de guerra brasileiro.

Como comentei anteriormente, não sei estatisticamente quantos dos cangaceiros que se entregaram as autoridades reincidiram no crime. Mas não deixa de chamar atenção pelas fotos aqui publicadas, como as autoridades faziam questão de propagar a regeneração dos antigos cangaceiros a imprensa brasileira.
Não sei se é utopia da minha parte, sei que os tempos e os problemas são outros, mas bom seria se alguém da área de direito penal, ou de alguma área relativa aos estudos penitenciários, se dispusesse a pesquisar mais a fundo estes casos específicos dos ex-cangaceiros.
Talvez o resultado de um trabalho assim, poderia trazer lições do ado que possam ajudar os “homens das leis” dos nossos conturbados e violentos dias, a terem uma nova abordagem para a recuperação dos nossos apenados.
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Caro Rostand, pelíssima matéria sobre a regeneração dos ex-cangaceiros.
Sobre o meu ponto de vista das aplicações que foram implementadas para esses homem que viveram suas vidas em armas em um ado bastantes conturbado, acredito que anteriormente não existia tantas drogas que existem hoje, a maioria dos homicídios eram cometidos por disputas de terras e brigas de famílias por questões de honra, por isso exestiam poucos homens cumprindo penas nas peneticiárias, sem citar que a maioria deles ao cometerem um homocídio, procuravam proteção dos coronéis (fazendeiros) tornando-se jagunço, ingressavam nas volantes ou se tornavam cangaceiros destemidos. Nos dias atuais, vivemos em um país dominado por vários tipo de drogas, dificilmente ocorre um homicídio por questão de honra ou disputa de terra. Devido a esse descontrole e a falta de politicas públicas em nosso país, estamos vivendo um caos na Segurança, Saúde e Educação. Caso existisse uma excelente gestão no Brasil, talvez a realidade fosse outra, mas do jeito em que está, não sabemos como será o futuro da nova geração.
Att, Neto
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EXCELENTE REPORTAGEM HISTÓRICA. ESCLARECEDORA E DE GRANDE IMPORTÂNCIA PARA MINHA VIDA.
SOU NETO DE JOÃO ROQUE DA SILVA, QUE ERA SOBRINHO DE ANGELO ROQUE.
SUAS INFORMAÇÕES SÃO VALIOSÍSSIMAS PARA EU RESGATAR A HISTÓRIA DA MINHA FAMÍLIA.
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Olá Ricardo, sobre parentesco com o Ângelo, também busco saber sobre minhas origens. Meu avô, Francisco Roque de Oliveira, falecido antes do meu nascimento, dizia ser sobrinho dele.. Se por ventura, você souber os nomes dos irmãos dele.. Ou até mesmo, mais história da família dele, agradeceria se pudesse compartilhar comigo. Obrigada.
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Prezado Rostand,
Seu leitor e apreciador das matérias que você tem estudado, sobre algumas das quais fiz pequenos comentários, conhecemo-nos pessoalmente no Cariri Cangaço de Princesa-PB. Todavia, somente agora, dois anos depois de você escrever sobre este assunto, pude lê-lo. Fui professor-assistente, na cadeira de Medicina Legal, do Prof. Estácio de Lima, e médico-legista, muitos anos, no Instituto “Nina Rodrigues”, e também membro do Conselho Penitenciário do Estado da Bahia, que este Mestre presidiu durante 40 anos, e, nestas condições, conheci particularmente o ex-cangaceiro Ângelo Roque da Costa, o “Labareda”, e seu colega Benício Alves da Silva, o “Saracura”, e também seus filhos. Conversei bastante com eles, em muitas oportunidades e durante muito tempo, e posso assegurar que lamentavam os dias que viveram como bandidos; Ângelo, eventualmente, se gabava de certos atos que praticara, como o de castrar um noivo na festa do casamento, porque o nubente teria deflorado u’a moça parenta de um conhecido do então cangaceiro … Benício só maldizia as mortes que causara, e tive ensejo de assistir uma cena que pôs a prova o seu controle emocional, quando foi ofendido moralmente por um comerciante de urnas funerárias, que não sabia quem ele era, e olhou firmemente o ofensor mas não revidou e disse apenas que palavras eram apenas bafo.
Acredito que a regeneração dos antigos cangaceiros se deu porque receberam apoio de respeito e emprego,sendo aproveitados no serviço público como funcionários de confiança, formaram família e tiveram seus filhos amparados com empregos conseguidos por amigos. Posso assegurar que o Prof. Estácio de Lima, através de pesquisa junto ao Patronato de Presos e Egressos, jamais encontrou informações de reincidência de ex-cangaceiros apenados e sob liberdade, em qualquer ilicitude.
Abraço do
Lamartine de Andrade Lima
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O sertanejo, mesmo humilde e aparentemente tímido, tem por natureza a valentia na hora de ter que defender sua honra, sua dignidade. O respeito pela família é algo sagrado que exige de cada um a defesa em qualquer circunstância, sob pena de se tornar em morto-vivo, isto é, desprezível. O homem que não tiver coragem de defender sua própria dignidade, a honra de sua família, é considerado um molambo de gente. Quem nasce nesse ambiente escolhe logo o que pretende ser quando crescer. Homem de verdade ou um desmoralizado. Quem escolhe a primeira opção já sabe o que vai ter pela frente. O que aconteceu com Ângelo Roque é um típico exemplo de reação de sertanejo moldado nesse princípios básicos absolutamente irrenunciáveis. Ele, portanto, era um homem, na acepção da palavra. “cabra macho”, como se diz vulgarmente nos rincões do sertão pernambucano. Respeitar, para ser respeitado: é a regra fundamental. Essa regrinha é impregnada por um senso de justiça aguçado cujo desacato implica revolta incontrolável. Quem sofre uma grave injustiça, entretanto, espera, de início, que a Autoridade cumpra o seu dever de punir e preservar a dignidade do ofendido. Quando a Autoridade falha, por qualquer razão, algumas vezes por entender, equivocadamente, que o pobre não deve reagir às ofensas de ordem moral, acontece exatamente o que fez Ângelo Roque. Para tanto basta apenas ter coragem e isso dificilmente falta no espírito sertanejo. Aliás, não seria nenhum disparate afirmar-se que são exatamente os melhores que são capazes de chegar a ser um “Labareda”, um Ângelo Roque.
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Sou um leitor nordestino, sergipano apaixonado pela história do cangaço, e com certeza esse documentário foi muito importante para minha percepção e minha opinião sobre os atos do bando. Orgulhosamente agradeço por ter pesquisadores como você Rostand Medeiros que foi longe no tempo em busca de respostas verídicas que é o mais importante. Parabéns!
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Fique encantada com a história, sou neta de Angelo Roque da Costa e sei muito pouco sobre o assunto. Angelo após torna-se funcionário publico teve 11 filhos. Ele faleceu dia 15/10/74 e eu nasci dia 18/10/74
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Sou fissurado, pelas histórias do cangaço.
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Na década de 50 e 60 minha mãe era vizinha do Anjo Roque no bairro da Capelinha em Salvador. Segundo ela diz, ele era uma cabra bem pacato.
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Conheci Seu Angelo Roque ja na idade mais avançada, morava proximo a familia dele, na capelinha de São Caetano, sou amigo de seus filhos, e tenho um carinho grande por sua esposa Dona Maria, sempra tinha uma palavra de amor por mim como mais um filho. Eujogava bola com eles, tem Anjinho, Roquinho, Lucas, Cosme, Raimundo, Fernando, Martinha, Aninha, Angela e uma outra que não lembro o nome, fazem parte de minha infancia. e guardo uma consideração e carinho por eles ate hoje, pretendo revisita-los.
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