Em uma recente ocasião o rei holandês Willem Alexander falou sobre “o reconhecimento do sofrimento infligido às pessoas durante a era colonial”. Ele disse: “Pelas coisas desumanas que foram feitas naquela época nas vidas de homens, mulheres e crianças, ninguém é culpado agora”, mas pediu a todos que “enfrentassem honestamente nosso ado compartilhado e reconhecessem o crime contra a humanidade que a escravidão foi”.
Coincidentemente, no Boxing Day (feriado em 26 de dezembro) eu estava folheando o livro Nederlanders in Brazilië – 1624-1654 (no Brasil lançado como Tempo dos Flamengos), escrito pelo historiador brasileiro José Antônio Gonsalves de Mello em 1947 e cuja tradução para o holandês foi publicada em 2001. O subtítulo do livro é “A influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil“. Gonsalves de Mello estudou extensos arquivos da colônia holandesa, incluindo todas as “Atas Diárias do Conselho do Brasil” de 1635-1654. Ele até aprendeu holandês para isso.
A costa norte do Brasil, ao redor do Equador, exatamente onde o litoral se curva para baixo, foi uma colônia holandesa por cerca de 25 anos. A região era então e ainda é chamada de Pernambuco. No litoral os portugueses fundaram os povoados de Recife e Olinda a partir de 1534 e começaram a cultivar cana-de-açúcar ali. Recife é hoje a capital do estado brasileiro de Pernambuco e tem mais de 1,5 milhão de habitantes. Olinda, próximo a capital, era muito maior por volta de 1630, mas hoje tem quase 400.000 habitantes.
Edição holandesa do livro Tempo dos Flamengos, de João Antônio Gonsalves de Mello– Fonte – https://ernstleeftink.com/.
Em 1630, os Países Baixos conquistaram esses lugares de Portugal e estabeleceram uma colônia lá com Mauritsstad (ou Cidade Maurícia, construída em frente à ilha do Recife) sob a liderança de Johan Maurits van Nassau, que foi governador-geral do Brasil Holandês de 1636 a 1654. Em 1654, os portugueses recuperaram todo o Brasil.
O livro de Gonsalves de Mello (1916-2002) também é interessante por isso, pois dois dos cinco capítulos são intitulados: “3 – A relação dos holandeses com os negros e a escravidão” e “4 – Holandeses, índios e catequese”. Os dois primeiros capítulos tratam de “1 – Os holandeses e a vida na cidade”, “2 – Os holandeses e a vida no campo” e o último capítulo de “5 – Os holandeses em suas relações com os portugueses católicos e os judeus mosaicos”.
Johan Maurits van Nassau, governador-geral do Brasil Holandês durante vários anos – Fonte – https://ernstleeftink.com/
Ele contém lições interessantes sobre nosso ado de escravidão e apartheid. Gostaria de compartilhar um pouco disso.
O Tratamento dos Escravos da África
As plantações de cana-de-açúcar iniciadas pelos portugueses em 1534 não poderiam ter sido estabelecidas sem trabalho escravo. Os primeiros escravos vindos da África já chegaram lá naquela época.
Ao desembarcarem no norte do Brasil em 1630, ainda havia reservas sobre o tráfico de escravos, em parte por causa “da religião praticada nos Países Baixos”. Um dos fundadores da Companhia das Índias Ocidentais em 1621, o empresário Willem Usselincx, que havia fugido de Antuérpia, também rejeitou a escravidão por questões práticas, porque é melhor trabalhar com seu próprio povo do que com escravos relutantes “um homem deste país fará mais trabalho do que três negros que custam muito dinheiro”.
Quando os holandeses conquistaram a colônia portuguesa no Brasil, havia cerca de 500 escravos lá. “A partir daí, os negros serviram como soldados no exército ao lado dos holandeses. (…) Muitos receberam e livre como recompensa por seus serviços leais como guias ou soldados”. Nas “Atas Diárias” de 1637, consta o seguinte: “Esses negros que nos vieram de seus senhores, alguns deles serviram por 4, 5, 6, até 7 anos e nos trataram fielmente (…). Se entregássemos esses negros de volta às mãos de seus senhores amargurados, seríamos bravamente ingratos”. Às vezes, viúvas e filhos de antigos escravos até recebiam benefícios do governo.
Mas, escreve Gonsalves de Mello, “em 1638 a escravidão dos negros não era mais restringida”. Os holandeses não se sentiam mais sobrecarregados, porque “para atender às necessidades de pessoal da indústria açucareira” e havia poucos colonos da Holanda, eles tiveram que “iniciar a importação de escravos africanos”.
A partir de 1641, quando os holandeses começaram a importar escravos não apenas de Gana, mas também de Angola, milhares foram transportados em condições terríveis. “As taxas de mortalidade entre 20% e 30% entre a tripulação de escravos eram bastante normais”. Eles eram comprados por uma média de 50 florins e vendidos novamente no Novo Mundo “por um preço médio de 200 a 300 florins cada.” Os produtores de cana-de-açúcar cobravam o preço de duas caixas de açúcar por negro.
Olinda na época dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – John Ogilby’s atlas America Being the Latest, and Most Accurate Description of the New World, London, 1671, p. 504
Muitos escravos africanos já haviam fugido para as selvas sob o domínio português e estabelecido ali “aldeias de negros do mato”, “o que representava um grande perigo para o campo e perturbava a estabilidade da colônia”. O governo holandês em Recife, então, contratou caçadores de escravos brasileiros que eram bem pagos por cada guerrilheiro que conseguiam capturar.
Ao mesmo tempo, disse Gonsalves de Mello, “os holandeses tratavam seus escravos negros de forma inegavelmente humana”. Pois “muitos holandeses demonstraram sincera amizade por alguns membros de sua comitiva de escravos e apreço por seus serviços leais e dedicação ao trabalho diário. Por exemplo, uma senhora holandesa recusou-se a viajar para a Holanda com seu filho sem a companhia de sua experiente babá negra”. Um membro da Suprema Corte cujo escravo ficou incapacitado por um triste acidente, escreveu aos seus clientes na Holanda sobre “minha extraordinária tristeza porque meu pequeno negro Jacques Guillardt perdeu as duas pernas”.
Há também exemplos de escravos e suas famílias recebendo e livre de seus donos ou do governo, às vezes até para se casar com uma escrava como soldada. Mas, acrescenta Gonsalves de Mello, esse também era o costume entre os proprietários de escravos portugueses e judeus, e eles tinham mais feriados religiosos do que os holandeses, que só davam folga aos seus escravos aos domingos.
Recife no tempo dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – Rerum in Brasilia et alibi gestarum by Caspar Barlaeus.
Uma observação notável de Gonsalves de Mello é a seguinte: os holandeses no Brasil lutavam por uma sociedade baseada no apartheid. “Na nossa opinião, esse é um dos aspectos mais antipáticos da colonização holandesa: essa separação quase preventiva entre a classe dominante e a classe dominada”.
Nas décadas de 1930 e 1940, alguns brasileiros relembravam com certa nostalgia aquele “período holandês“, mas “aqueles que ainda hoje lamentam a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro provavelmente não refletiram o suficiente sobre esse aspecto. As modernas colônias holandesas são um exemplo do que poderíamos esperar delas: a exploração e a dominação de um proletariado de cor por uma minoria branca”, em contraste com o que os portugueses nos deixaram: uma nação de brancos confraternizando com negros e índios”.
A Interação Com os Índios da Região
Isso também aparece em seu quarto capítulo, sobre a relação entre os holandeses e os indianos. Antes de os Países Baixos conquistarem Recife e Olinda dos portugueses em 1630, os indígenas dessa região já haviam sido treinados como intérpretes nos Países Baixos. Quando tomaram a região de Pernambuco, os holandeses prometeram que os índios teriam permissão para manter sua liberdade e “não teriam que sofrer nenhuma subjugação”. Os holandeses têm procurado continuamente estabelecer amizades com os índios.
Visão européia sobre os indígenas brasileiros no século XVII. Ritual de canibalismo visto pelo alemão Hans Staden, o barbudo nu a direita na imagem. Vejam como ele se coloca horrorizado diante da cena – Fonte – Wikipedia.com.
Os índios Tupis viviam em aldeias ao longo da costa e os índios Tapuia viviam como um “povo de moradores da floresta“. Os tupis tinham direito ao autogoverno e os tapuias eram completamente independentes. Esse direito à liberdade e, portanto, a proibição da escravidão foi mantida todos esses anos. “Nenhum índio deve ser mantido em cativeiro ou forçado a trabalhar contra sua vontade”. Na prática, a exploração, o abuso e o pagamento insuficiente ocorreram, “mas Johan Maurits, em particular, fez o máximo para erradicar tais abusos”.
Os holandeses também investiram muita energia no cultivo dos índios tupis. Foi introduzido um método completo de ensino e catecismo. Houve até pregadores missionários, como David van Dorsenlaer, que também pregaram em tupi.
E, inversamente, “muitos indianos se tornaram fervorosos seguidores da fé reformada, na verdade, quase completamente teólogos calvinistas com as Escrituras em punho”, entre eles Antônio Paraupaba. Ele chegou à Holanda em 1625, aos 30 anos, retornou ao Brasil de 1630 a 1654, onde se opôs à escravidão de índios e negros, e retornou à Holanda em 1654 com sua esposa e filhos. Ele morreu lá em 1656.
Muitas décadas após a expulsão dos holandeses do Brasil, assim o francês Jean Baptiste Debret viu o castigo a um cativo – Fonte – Wikipedia.com
No entanto, os holandeses mantinham tanta distância dos índios quanto dos escravos negros. Por mais cordial que tenha sido a amizade mútua, nunca ocorreu aos holandeses que pudessem estabelecer um relacionamento mais próximo com os indígenas do que uma simples aliança militar. Por exemplo, eles não cogitavam tomar mulheres indígenas como concubinas ou esposas legais. Havia até uma “proibição severa daqui de que ninguém se misturasse com os brasileiros”.
Gonsalves de Mello indica que esta foi uma das razões pelas quais os portugueses acabaram por reconquistar o Recife e seus arredores. A moral calvinista era claramente diferente da moral católica: não havia mistura com pessoas de outras religiões e havia estrita adesão aos princípios bíblicos. Em outras palavras: “Os holandeses não tinham a flexibilidade necessária para (…) conviver com imperfeições e aceitar condições que não seriam toleradas na metrópole. Os portugueses lidaram com tais problemas com muito mais inteligência.” A mesma Igreja Católica “conseguiu lidar com tais impurezas”.
Autor – Hermes Leôneo Menna Barreto Laranja Gonçalves*
Fonte – Revista BELLUM
Resumo: Este artigo versa sobre a Batalha do Monte das Tabocas, travada entre milícias portuguesas, compostas por elementos nascidos nos domínios portugueses e locais, e tropas regulares holandesas, da Companhia das Índias Ocidentais (WIC), em 3 de agosto de 1645, no interior de Pernambuco, no Brasil. O texto começa com um breve resumo da evolução do conflito, situado no Nordeste da então possessão portuguesa do Brasil, e destacando, inclusive, o caráter local, e peculiar, da resistência apresentada pelos portugueses, e nativos, aos agressores estrangeiros. Tais invasores, antigos parceiros comerciais dos portugueses, em face da absorção pela Espanha, seus inimigos, de Portugal, em 1580, decidiram pela ocupação das principais zonas produtoras de açúcar no Brasil, o que foi efetivado a partir de 1630. A seguir, já após a Restauração de Portugal, ocorrida 1640, a narrativa a a tratar das providências portuguesas, mesmo que de forma clandestina, haja vista a paz aparente entre Portugal e Holanda, para recuperar os territórios ocupados pelos holandeses. Dentre elas, está o apoio velado, em homens e armas, à sublevação, sobretudo de Pernambuco, contra os invasores estrangeiros. A partir daí o texto discorre sobre os eventos ocorridos logo após a eclosão da revolta ostensiva contra os holandeses, em meados de junho de 1645, culminando com a batalha, vencida de forma inesperada, pelos patriotas apoiados nas alturas do chamado Monte das Tabocas. Longe de despreparados militarmente, as milícias de Tabocas, adestradas pelo militar português Antônio Dias Cardoso, haviam se preparados por meses para apresentar valor militar suficiente para enfrentar as bem adestradas tropas holandesas. Finalizando, o artigo a então a tratar das consequências imediatas do combate nas Tabocas, destacando que foi o começo de uma longa série de vitórias das milícias locais, que, anos depois, já com apoio aberto da Coroa portuguesa, culminaram na rendição dos holandeses, na Campina do Taborda, então nos arredores do Recife, em Pernambuco.
De Formião, filósofo elegante, vereis como Anibal escarnecia, quando das artes bélicas, diante dele, com larga voz tratava e lia. A disciplina militar prestante não se aprende, Senhor, na fantasia, sonhando, imaginando ou estudando, senão vendo, tratando e pelejando (Os Lusíadas, Canto X, estrofe 153)
Conforme descrito na estrofe de Camões que abre este artigo, o ideal seria sempre buscar o conhecimento militar por meio da coleta oportuna de ensinamentos práticos no campo de batalha. Em tempo de paz, na (grata) impossibilidade de realizar essa tarefa com as duras experiências bélicas reais, entre outras possibilidades, os pesquisadores na área militar não devem esquecer-se de outro campo fecundo de ensinamentos doutrinários: a história militar.
Neste ponto, é sempre bom destacar que grandes chefes militares, como Napoleão Bonaparte, sempre instigavam seus principais oficiais a ler, e reler, os grandes clássicos militares em busca da exata noção dos princípios imutáveis da guerra.
Luís de Camões – Fonte – httpswww.cnc.pt450-anos-da-publicacao-de-os-lusiadas
Assim sendo, um dos conflitos militares de grande valor para o estudo da Arte da Guerra, em um ambiente operacional dentro do Brasil, vêm sendo as chamadas “Guerra Brasílicas”, ocorridas entre 1624 e 1654. Nesse longo conflito, dentre outras, as batalhas dos Guararapes (abril de 1648 e fevereiro de 1649) vêm sendo destacadas por historiadores militares, brasileiros e portugueses, por sua grande importância para a vitória da Restauração de Portugal (1640-1668), após a conturbada União Ibérica (1580-1640).
Contudo, tais vitórias não foram concretizadas nem rápida nem facilmente, tendo demandado uma longa preparação por parte dos patriotas portugueses empenhados, pelo menos, desde 1645, na libertação do Nordeste do Brasil do jugo holandês.
O longo conflito entre as Províncias Unidas dos Países Baixos (Holanda), representadas pela Companhia das Índias Ocidentais, e Portugal, em terras brasileiras, uma verdadeira “Guerra dos 30 anos no Brasil”, teve suas origens remotas quando os portugueses, após o desastre militar ocorrido em Alcácer-Quibir (1578), acabaram caindo sob o jugo espanhol. A Espanha, após a União Ibérica, e então sob a dinastia dos Habsburgos, tornou-se um verdadeiro império global, com inimigos diversos, dentre eles a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos (1581-1795), entidade política hoje conhecida como Países Baixos, ou, mais simplesmente, a Holanda.
Filipe II de Espanha, Filipe I de Portugal em 1570 – Fonte -Philip_II_by_Alonso_Sánchez_Coello
Esta, em face da sua antiga inimizade com a Espanha, acabou por iniciar hostilidades com Portugal, agora submetida à Coroa de Espanha. Nessa lógica, em termos práticos, os portugueses, e seus vastos territórios ultramarinos, em especial o Brasil, ficaram proibidos de comerciar com os holandeses, antigos aliados e parceiros comerciais de longa data, o que lhes acarretou enormes prejuízos.
Dentre o vasto leque de parcerias comerciais frustradas pela união das coroas espanhola e portuguesa, destacou-se a da comercialização do açúcar de cana produzido por engenhos por todo o Brasil, com destaque para os da sua região Nordeste. Estes, por terem sido originalmente financiados pelo capital holandês, foram um exemplo do arranjo econômico mutuamente satisfatório que havia entre Portugal e Holanda – até 1594, ano em que os holandeses começam a cobiçar abertamente as riquezas do Brasil – em especial o açúcar e o pau-brasil (Simonsen, 2005).
Mapa ilustrado das antigas refeituras holandesas de Pernambuco e Itamaracá, durante a ocupação holandesa do Nordeste do Brasil (1630-1654). Ano de 1662. Fonte: Atlas of Mutual Heritage.
Não obstante, os holandeses, ao se verem privados dos lucros que tradicionalmente obtinham com sua antiga parceria açucareira, e às turras com os novos senhores de Portugal, planejaram uma série de ações hostis contra a zona açucareira do Brasil: inicialmente, sem sucesso, na Bahia e, com algum lapso, invadindo um setor, até então, menos defendido, a Capitania de Pernambuco (Daróz, 2010). Cabe mencionar que as ações hostis levadas a cabo, foram realizadas por um braço comercial das Províncias Unidas, chamado Companhia das Índias Ocidentais (WIC), criada na esteira de um empreendimento similar (a Companhia das Índias Orientais), que foi usado, com sucesso por comerciantes holandeses para incursões militares contra territórios hispano-portugueses no Oriente (Ilhas Molucas, Java e outras antigas possessões ibéricas).
É interessante também notar que, desde a primeira incursão holandesa (1624-1625), o ataque à praça-forte de Salvador, já haviam ocorrido menções a uma forte resistência aos invasores por meio de uso de táticas de fustigação (ataques inesperados, desgastantes e mortíferos) pelos habitantes locais (Varnhagen, 1872). Tal estado de coisas privou aos invasores a possibilidade de firmarem o domínio sobre a Zona do Recôncavo, ou seja, as áreas de produção de alimentos para a subsistência no entorno da então cidade-fortaleza e capital do Brasil seiscentista.
Enfraquecidos pela resistência montada pelos habitantes locais, as forças holandesas mantiveram posição enquanto puderam ser reabastecidos por via marítima, o que permaneceu inalterado, até que uma forte armada de naus portuguesas, espanholas e napolitanas, a comando de D. Fadrique de Toledo, proveniente da Europa, nos primeiros meses de 1625, iniciou um bloqueio total a Salvador, forçando os holandeses à rendição (Ibid.).
Bandeira da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ou Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais (em neerlandês: West-Indische Compagnie ou WIC)- Fonte – Wikipédia.
Apesar dessa derrota inicial, os holandeses não desistiram, e, financiados com recursos obtidos por meio de incursões corsárias contra os transportes de prata espanhóis na região do Caribe, logo voltaram a atacar. Em 1630, mais experimentada, e em maior número, a WIC tentou nova incursão, desta feita na já referida Capitania de Pernambuco. Para tal ofensiva, organizaram uma força militar com 54 navios de guerra, e entre 6.200 e 7.200 militares, com os quais desembarcaram, sem muita resistência inicial, na praia do Pau Amarelo (situada a cerca de 16 quilômetros ao norte de Olinda). Rapidamente, ocuparam Olinda e, posteriormente, o porto do Recife, mais ao sul (Freire, 1675 e Jesus, 1679).
Mais importante, sem perda de tempo, e, sem dúvida, tentando evitar o ime surgido na ocupação de Salvador, as forças holandesas ampliaram a sua área de ocupação para o interior, buscando: dominar a região dos engenhos de açúcar (a chamada Zona da Mata) e garantir fontes de abastecimento alimentar para suas posições litorâneas.
Apesar do sucesso inicial avassalador, a resistência ibérica se fez notar por meio de diversas ações do mestre de campo general (tenente-general) de Pernambuco, Mathias de Albuquerque, com destaque para o incêndio dos depósitos de açúcar do Recife. Além disso, conseguiu manter vívida a reação local ao invasor, sobretudo por meio das chamadas “companhias de emboscada” ou “companhias de assalto” (Barroso, 2019, p. 16).
Olinda na época dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – John Ogilby’s atlas America Being the Latest, and Most Accurate Description of the New World, London, 1671, p. 504
Como visto acima, essas pequenas unidades de guerra irregular tiveram sua origem imediata na defesa popular apresentada anteriormente em Salvador, sendo novamente ativadas por Mathias de Albuquerque no famoso Arraial Velho do Bom Jesus – cujas fundações estão hoje situadas nos arredores do Recife – e que mantém em suspenso a vitória completa dos holandeses (Vianna, 1948).
Tais companhias de emboscadas, durante cerca de cinco anos, em que pese suas limitações de efetivos e de meios, conseguiram manter o invasor em constante sobressalto, impedindo seu livre trânsito pelas estradas, atacando patrulhas, destacamentos e comboios inimigos, impedindo assim a pacificação do território (Freire, 1675).
Esses grupamentos de milicianos locais e portugueses, reforçados por indígenas e negros escravos (libertos ou não), utilizaram ao máximo táticas de guerrilhas ancestrais do Velho Mundo, mescladas com táticas de uso corrente pelos indígenas brasileiros. Aliaram, ainda, um elevado conhecimento do terreno, e do clima tropical, para maximizar o efeito de suas ações de interdição e atrito contra o invasor.
Recife no tempo dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – Rerum in Brasilia et alibi gestarum by Caspar Barlaeus
Mesmo assim, sem apoio da metrópole, e sitiado por forças holandesas superiores, o Arraial Velho, cercado, rendeu-se em 1635, tendo Mathias de Albuquerque escapado com parte significativa dos habitantes originais de Pernambuco (cerca de 7.000 pessoas) para a Capitania Real da Bahia. No caminho, cercaram e ocuparam o forte de Porto Calvo, tendo então capturado, julgado e executado Domingos Fernandes Calabar, responsável pela traição que gerou a derrocada portuguesa naquele ano.
Deste momento em diante, até 1645, os holandeses conseguiram um arranjo político e militar que lhes permitiu obter vários anos de estabilidade na região (governo de Maurício de Nassau). Com isso, inclusive e gradualmente, ampliaram seu controle territorial sobre a região nordeste brasileira, culminando com uma nova incursão a Salvador (1638) e a breve ocupação do Maranhão (1641 a 1643).
No ano de 1645, contudo, já com o domínio holandês politicamente bastante desgastado, um grupo de patriotas nascidos dentro e fora do antigo Estado do Brasil, em plena Guerra de Restauração entre Portugal e Espanha (travada entre 1640 e 1668), decidiram reacender a luta contra os invasores holandeses no nordeste brasileiro. Essa luta, acesa desde 1624, pelo menos, haveria de se arrastar por quase mais uma década, tendo demonstrado o elevado valor militar dos combatentes portugueses, nascidos, ou não, em Portugal.
Antônio Dias Cardoso, Cavaleiro da Ordem de Cristo,foi um dos principais líderes contra os holandeses, em detalhe do quadro de Victor Meirelles – Fonte – Wikipédia.
Contudo, mesmo com a Restauração de Portugal, efetivada em 1640, o Reino liberto tentou aos poucos retomar a autonomia que perdera por 60 anos. Na realidade, de imediato, não teve condições políticas, nem, especialmente, financeiras, de lutar abertamente por suas territorialidades perdidas enquanto sob jugo espanhol.
Mesmo assim, de forma velada, as autoridades portuguesas em Salvador buscaram manter vivo o espírito de resistência pernambucano, o que fizeram por meio do envio clandestino de recursos, suprimentos e homens de armas, como, por exemplo, um destacado militar chamado Antônio Dias Cardoso.
Segundo assentamentos existentes, o mestre de campo Antônio Dias Cardoso, Cavaleiro da Ordem de Cristo, teria nascido no Porto, por volta da virada do século XVII, filho de pais com origem fora da nobreza, tendo vindo jovem para o Brasil para tentar a sorte nas lides castrenses (Bento, 2013). Por relato de cartas-patentes de 1648 e 1656, existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (situado em Lisboa), temos que esse renomado militar português teria servido no Brasil, de forma contínua e sempre de armas na mão desde 1624.
Carta-patente de promoção a mestre de campo concedida por El Rei de Portugal em 4 de maio de 1656. Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Ao longo desse longo período, foi sendo sucessivamente promovido a alferes, ajudante, capitão, sargento mor e, finalmente, mestre de campo, sempre por meritórios serviços na guerra contra os holandeses. Nesse documento, há referências a seus destacados serviços, provavelmente, sob o comando de Matias de Albuquerque, “em varios asaltos, emboscadas e recontros que se lhe ofereçerão junto da villa de Olimda nas fortificações do Reçife e outras estançias adonde proçedeo com vallor conhecido” (sic) (Lisboa, 1648), e depois, sob João Fernandes Vieira e Francisco Barreto, quando “procedendo nellas (pelejas e batalhas) cô valor conhecido signalandosse nas mais das ditas ocasioens recebendo nellas feridas de que sua vida correo grande perigo e na aclamação da liberdade daquelas Capitanias […] que demais trabalhou” (Lisboa, 1656).
Por essa destacada folha de serviços, ainda servindo no Brasil, em dezembro de 1644, ou começo de 1645, foi designado pelo Governador do Brasil, então sediado em Salvador, para se infiltrar na Capitania de Pernambuco, “acompanhado por 60 homens escolhidos”, a fim de prover apoio militar, ainda que de forma velada, aos patriotas que então começavam a querer se insurgir contra o domínio holandês (Netscher, 1942, p. 223).
A partir dessa histórica infiltração, Antônio Dias Cardoso e seus homens começaram a instruir, nas matas que cercavam alguns engenhos na Zona da Mata pernambucana, o que pode ser considerado como o núcleo militar dos patriotas em armas para a libertação de Pernambuco e das demais capitanias subjugadas pelo invasor estrangeiro. Em paralelo, em meados de 1645, a paz relativa nas áreas ocupadas pelos holandeses, rapidamente caminhou para o conflito militar aberto.
João Fernandes Vieira – Fonte – Wikipédia.
O ponto inicial dessa conflagração começou justamente quando as forças patriotas, comandadas por João Fernandes Vieira (natural da ilha da Madeira) e pelo já referido sargento mor Antônio Dias Cardoso, conseguiram atrair um considerável contingente holandês para um combate nos termos desejados pelas forças locais. Tal atração se deu justamente pela constatação dos holandeses acerca da presença de uma força insurgente significativa, nos arredores do Recife, o que levou a uma ofensiva militar.
Em 3 de agosto de 1645, uma força holandesa com cerca de 1.500 holandeses e indígenas tapuias, comandados pelo coronel Hendrik van Haus, avançou sobre posições dos chamados “rebeldes” na região hoje conhecida por Monte das Tabocas, sendo surpreendidos pelo terreno (que desconheciam) e pelo número, ímpeto e audácia das milícias patriotas que realizaram seguidas emboscadas desmoralizantes sobre suas tropas (Jesus, 1679).
Esquema gráfico mostrando movimentos militares holandeses e as posições portuguesas anteriores ao confronto de 3 de agosto de 1645. Fonte: Google Earth, com esquemas esboçados pelo autor.
Segundo o historiador brasileiro, coronel Claudio Rosty, em Tabocas, dos cerca de 1.200 patriotas em presença, somente cerca de 200 teriam armamento de fogo, estando os demais “armados” de forma improvisada (flechas, piques com pontas tostadas, terçados e mesmo pedras) (Rosty, 2002). Por outro lado, aparentemente, os cerca de 700 holandeses, e mais outros tantos indígenas aliados, estavam muito mais bem armados e equipados, do que os patriotas, muito embora Nestscher alegue que essa tropa era a última unidade móvel, fora das fortificações, e carecesse de pagamentos e o mínimo suprimento bélico (inclusive munições) (Netscher, 1942).
Conforme o frei Rafael de Jesus, na época da batalha o Monte das Tabocas, situado a cerca de 40 quilômetros do centro do Recife, tinha uma configuração vegetal que lhe deu o nome: cheio de tabocas, ou seja, renques de bambu grossos, em linhas sucessivas, com agens limitadas para o prosseguimento rumo ao topo (Jesus, 1679). A primeira linha de tabocas então distaria cerca de 1.000 metros do curso do rio Tapacurá, após uma campina, e, segundo Santiago, acompanharia a trilha em aclive para o alto do monte (Santiago, 1984).
Vista recente do Rio Tapacurá, a montante do local de travessia holandês, onde hoje existe um pequeno açude. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão.
ado este primeiro tabocal, depois de um descampado de menor extensão, haveria um segundo renque que ascendia quase ao topo do monte. Por sinal, o cimo, à época estava com densa cobertura de árvores e, em sua orla, mais um renque dos já citados tabocais (Jesus, 1679).
No caminho para a presa, que julgavam certa, os holandeses avançaram meio que temerariamente, tendo, ao cruzar o rio caudaloso, provavelmente diminuído consideravelmente (por ação da umidade) sua pretensa superioridade de fogos. Além disso, com fardas e apetrechos molhados, o solo úmido e barrento (pesado), deve ter atritado bastante a necessária coesão das linhas batavas.
Tanto Santiago como Jesus apontaram que os patriotas fizeram uma emboscada inicial na transposição do curso d´água, o que só tornou mais instintiva a reação dos holandeses ao que se mostrou ser uma isca para as emboscadas principais que transcorreram mais adiante (Santiago, 1984).
Primeiras emboscadas da Batalha do Monte das Tabocas. Ilustração de Alcebíades Miranda Júnior. Fonte: História do Exército Brasileiro, Estado-Maior do Exército Brasileiro, 1ª edição, 1972.
Com isso, após o rio, e depois de um provável dificultoso avanço pela campina barrenta, quase na primeira linha de tabocas, os atacantes foram acometidos por sucessivas emboscadas, de variados pontos (provavelmente por uma mescla de fogos, flechas e mesmo pedras). Tendo então reduzida a capacidade de fogos, após uma provável pausa para reajuste de seus dispositivos, os homens de Van Haus avançaram pelas poucas agens disponíveis na primeira linha de tabocais, rumo ao segundo descampado, já diante de aclive considerável.
Esquema da Batalha do dia 3 de agosto de 1645, no Monte das Tabocas, onde se destaca: o avanço holandês (vermelho), as emboscadas portuguesas e o contra-ataque de João Fernades Vieira (azul). No canto superior direito, detalhe com a visão do monte a partir do leste. Fonte: Google Earth, com esquemas esboçados pelo autor.
A partir daí, os holandeses sofreram novas emboscadas de desarticulação, persistindo na subida monte acima, com suas linhas bastante desarticuladas, quando então foram contra-atacados pelos defensores, provenientes do alto do monte. Estes se lançaram num decidido combate corpo-a-corpo com a tropa holandesa, já desequilibrada, que acabou por recuar.
É narrado que o destemido coronel Van Haus repetiu por mais três vezes o assalto inicial. Na quarta, e última, tentativa, já no lusco-fusco (e tendo sido o tempo inteiro fustigado por novas emboscadas), mesmo assim, quase tomou o cume. Contudo, nessa altura, a tropa estrangeira, com o moral abalado por insucessos contínuos ao longo da jornada, se desmoralizou, e começou a abandonar o campo de batalha, cruzando de volta o rio para longe dos resolutos defensores (Daróz, 2016).
Quando a noite caiu, os defensores mantiveram, e melhoraram, suas posições no campo de batalha, se preparando para os eventuais novos ataques que poderiam vir no dia seguinte. Nesse ponto, João Fernandes Vieira, mandou patrulhas percorrerem os arredores de onde transcorrera o centro da batalha, tendo os portugueses “achado 50 olandeses, que davão guarda a mais de quatrocentos feridos, que desmayados pella falta de sangue, & pello trabalho da marcha, não poderão ar avante na conserva dos seus” (Jesus, 1679, p. 305-306).
Com o raiar do dia e com a confirmação do abandono do campo pelos holandeses, ficou patente a vitória dos locais (Ibid.), com o que, com o sucesso confirmado, os patriotas, senhores do campo de batalha, capturaram grandes quantidades de mosquetes, arcabuzes, espadas, outros armamentos e, sobretudo, pólvoras e munições (Daróz, 2016).
A partir deste e de outros reveses inesperados (com destaque para o combate da Casa Forte de Rita Gomes), e até as batalhas dos Guararapes, os holandeses praticamente deixaram de atuar no interior do Nordeste brasileiro, tendo ficado s a algumas cidades e fortes litorâneos, com destaque para as localidades de Olinda, Recife e Itamaracá.
Após as batalhas dos Guararapes, entre 1649 e 1654, as forças patriotas sitiaram o centro de gravidade político holandês na região, ou seja, o binômio Olinda-Recife, sufocando essas de serem reabastecidas de víveres e outros insumos, salvo pelo mar.
Desse modo, surgiu um ime, pois graças à hegemonia naval holandesa no mesmo período e sem artilharia de sítio (pesada), não havia como as forças patriotas, sem armamentos e equipamentos adequados, investirem essas cidades fortificadas. Segundo Castro (2022), isso perdurou até que uma frota portuguesa conseguiu cortar as comunicações holandesas, levando à rendição do esquema defensivo montado pela Companhia das Índias Ocidentais, na Campina do Taborda, em 1654.
Vista aérea recente, de norte para sul, do cume do Monte das Tabocas. Fonte: Imagem aérea de Djalma Andrade.
Voltando ao Monte das Tabocas, no que tange às inovações táticas apresentadas pelos patriotas no episódio, pode-se dizer que elas surgiram tanto das circunstâncias (exército de patriotas sem recursos) quanto da natureza do ambiente operacional (clima quente, úmido e coberto de florestas, campinas e zonas alagadiças) que os envolvia. Além disso, aquele núcleo inicial de combatentes aproveitou o melhor conhecimento geográfico e a maior resistência de seus integrantes a um clima tropical do que seu inimigo europeu, apesar do apoio prestado por índios tapuias e potiguaras ao holandês.
Vista aérea do Monte das Tabocas, com a seta indicando a direção do ataque principal holandês, sobre a várzea do Rio Tapacurá, em 3 de agosto de 1645. Fonte: Imagem aérea de Djalma Andrade.
Enquanto os holandeses, mais por hábito do que por adestramento, combatiam, quase que atavicamente emassados no seu típico batalhão seiscentista, os luso-brasileiros, até por conta da carência de armamentos de ponta, foram forçados a combater em ordem aberta. Era observação comum pelos holandeses que a tática patriota era romper os “quadrados” holandeses e, a partir daí, partir para a luta corpo-a-corpo na qual a tropa local tinha grande vantagem, até mesmo pelo pouco equipamento em face das agruras do clima (Rosty, 2002).
Outra observação holandesa reveladora é que a artilharia holandesa quase sempre era inútil nas refregas, em menor ou maior escala (tornado-se assim um estorvo), haja visto que as peças visavam molestar linhas de soldados em ordem cerrada, coisa que raramente viam os patriotas perfazer em campo aberto (Netscher, 1942).
Mais uma vez é razoável presumir que tal superioridade organizacional, em que pese a penúria dos patriotas, possa ter prestado um desserviço ao invasor, ao menos naquele momento. Senão vejamos: segundo Jesus (1679), o tempo na época da batalha estava muito instável e chuvoso, com o que o caudal do rio Tapacurá, normalmente vadeável, estava bastante forte e elevado. Segundo consta, a tropa holandesa provinha da vila de São Lourenço, distante pelo menos 20 quilômetros à nordeste do Monte das Tabocas, tendo avançado, decididamente, para esmagar os patriotas, cujas posições estimavam estar no chamado Engenho do Covas. Não os encontrando ali, foram atraídos para a nova posição, distante cerca de 15 km mais adiante (Jesus, 1679).
Vista recente da várzea entre o Rio Tapacurá e o sopé do Monte das Tabocas, palco principal dos combates de 03 de agosto de 1645. Fonte: Foto de Jones Pinheiro
Dos variados relatos dessa batalha, podemos destacar alguns princípios da guerra ali utilizados que, com ligeiras variações, também estarão presentes, igualmente, nas 1ª e 2ª batalhas dos Guararapes, como por exemplo: surpresa, ofensiva, segurança e unidade de comando. Além disso, os patriotas empregaram um judicioso uso do terreno (para forçar o combate), agressividade nas ações ofensivas, amplo emprego de operações de inteligência e psicológicas, exploração das agruras do clima local, sem esquecer a notável ação de comando e capacidade de liderança evidenciadas pelos comandantes, em todos os níveis (Rosty, 2002).
Em face do acima exposto, de forma bem resumida, cabendo até maiores aprofundamentos, é lícito dizer que foi no Monte das Tabocas o ponto de partida para o processo que culminou nas chamadas batalhas dos Guararapes (já no contexto do comando militar vitorioso de Francisco Barreto de Menezes, o Conde do Rio Grande).
É certo que a formação dessa força militar efetiva, cujo cerne surgiu no Monte das Tabocas, baseou-se em um longo processo de aclimatação local de uma estratégia tão antiga como a guerra: a aproximação indireta. Esta, como bem é sabido da história militar, quase sempre foi o padrão histórico de resposta a agressores externos com grande capacidade militar frente a defensores menos preparados.
Vista da capela de Nossa Senhora de Nazaré, erguida nos anos 1960, conforme desejo nunca realizado de João Fernandes Vieira, líder da Insurreição Pernambucana (1645-1654). Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão.
Logo, nos Guararapes consolidou-se uma doutrina autóctone, que traduziu para a geografia o clima e a personalidade dos locais, os grandes avanços doutrinários da chamada Guerra dos 30 Anos, na Europa. Por outro lado, podemos dizer que nas Tabocas, por sua vez, é que teria surgido o primeiro esboço dessa futura reação militar.
É que, como vimos, foi lá que o grande artífice do chamado “Exército Libertador”, o mestre de campo Antônio Dias Cardoso, testemunhou suas tropas improvisadas aplicarem, vitoriosamente, as técnicas de emboscada, guerrilha e “de matar”, que treinaram por meses, sob toda a sorte de dificuldades, homiziados contra a repressão holandesa nas chamadas matas do “pau brasil” (Bento, 2018).
Nessas verdadeiras oficinas doutrinárias naturais, Dias Cardoso trouxe para o aprendizado inicial das táticas, técnicas e procedimentos necessários para a vitória: capatazes, ferreiros, mascates, comerciantes, escravos libertos, índios, além de um bom número de milicianos portugueses.
Tal núcleo de insurgentes, aliás, que foi fundamental para a vitória no Monte das Tabocas, é considerado, igualmente, hoje em dia, pelos historiadores militares brasileiros, como “a célula mater do Exército Brasileiro, no solo hoje defendido pelo moderno Comando Militar do Nordeste” (Bento, 2013).
Hoje, ados quase quatro séculos daquelas históricas jornadas militares, o Exército Brasileiro, além de outros vultos históricos daquele período, vem buscando homenagear o heroísmo, a coragem, a abnegação e o conhecimento profissional, demonstrados pelo mestre de campo Antônio Dias Cardoso. Isto vem sendo executado por modos diversos, mas inclusive pela atribuição do nome, e da memória, desse personagem histórico como patrono do 1º Batalhão de Forças Especiais – “Batalhão Antônio Dias Cardoso” –, atualmente sediado em Goiânia, capital do estado brasileiro de Goiás.
BIBLIOGRAFIA
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BENTO, Cláudio Moreira. As Batalhas dos Guararapes: Descrição e Análise Militar, 3ª edição. Barra Mansa: Gráfica e Editora Irmãos Drumond, 2018.
BENTO, Cláudio Moreira. Brasil – Pensadores Militares Terrestres (1631-1990), 1ª edição. Barra Mansa: Gráfica Drummond, 2019.
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Fortificações e defesa do litoral e das fronteiras terrestres. In TEIXEIRA. Francisco Carlos (Org) et al. Dicionário de História Militar do Brasil (1822-2022), v. 2, 2022.
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LISBOA. ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO. António Dias Cardoso: Carta de Mestre de Campo em Pernambuco. Livro 23. Folha 112f. Chancelaria Real Rei Dom João IV. Maio de 1656.
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VIANNA, Helio. Estudos de História Colonial. São Paulo: Companhia Editora Nacional,1948.
*Hermes Leôneo Menna Barreto Laranja Gonçalves é coronel de Engenharia do Exército Brasileiro. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras, cursou a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, onde concluiu o Curso de Comando e Estado-Maior, e, em paralelo, o Mestrado Acadêmico em Ciências Militares, este pelo Instituto Meira Mattos. Atuou como Oficial de Ligação para Assuntos Culturais e Doutrinários junto ao Exército Português entre julho de 2022 e junho de 2024. Atualmente exerce o cargo de chefe do Gabinete da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército.
”Aqui, homens do Planeta Terra pisaram na Lua pela primeira vez. Viemos em paz, em nome de toda a Humanidade.”
Biólogo e engenheiro, o francês Júlio Verne combinou seus conhecimentos científicos com uma alta dose de imaginação; e com esses, instrumentos escreveu contos proféticos, antecipando a seus incrédulos leitores do século XIX muitas das espetaculares conquistas a que o homem chegaria por meio da ciência.
Em 1870, após publicar o conto Da Terra à Lua, afirmou que não se aria um século antes que homens de carne e osso repetissem a formidável façanha conseguida por seus personagens: a conquista da Lua. aram-se 99 anos.
Em 20 de julho de 1969, cerca de um bilhão de pessoas, em todos os cantos da Terra, reuniam-se em torno de televisores. E assistiam às mais estranhas imagens já transmitidas pela TV. Era uma cena histórica.
Neil Armstrong, comandante da primeira expedição terrestre à Lua, desce lentamente pela escada do Módulo Lunar; envolto no traje de proteção, sua figura toda branca destacando-se contra um fundo de céu negro. Agora, já sobre uma das “patas” do veículo, ergue o pé esquerdo, para em seguida baixá-lo cuidadosamente, imprimindo naquele empoeirado solo a marca de sua bota. É o primeiro a pisar na Lua.
“É um pequeno o para o Homem, um gigantesco salto para a Humanidade.“
A frase do pioneiro astronauta soou nítida, em todos os pontos da Terra. O gigantesco salto fora dado, sob os bons auspícios até do nome do lugar escolhido para o pouso: o mar da Tranquilidade.
“Viemos em paz, em nome de toda a Humanidade”, dizia a mensagem deixada no solo conquistado. Muito além da imaginação de Júlio Verne, a Humanidade pudera testemunhar o gigantesco salto.
Dois Cientistas, O Mesmo Sonho
Konstantin Tsiolkowski.
“Durante quarenta anos pesquisei os princípios da propulsão a foguete, sempre acreditando firmemente em que o voo interplanetário seria possível em futuro não muito distante. As ideias persistem, só os tempos mudam. Hoje estou convencido de que muitos de vocês serão testemunhas de um voo interplanetário”.
Quem falava assim confiante à multidão que lotava a Praça Vermelha, em Moscou, a 1 de maio de 1933, não chegaria a assistir à confirmação de suas palavras. Konstantin Tsiolkowski, autor de importantes teorias sobre os voos cósmicos, morreria dois anos depois. Entre outras coisas, Tsiolkowski fora o primeiro a sustentar a necessidade do uso de foguetes a reação no voo cósmico; até então, ninguém aceitava que um jato emitido no vácuo pudesse empurrar um foguete para a frente.
Do outro lado do mundo, um contemporâneo do sábio russo tinha preocupações idênticas. Só que o americano Robert Goddard usava um sistema diferente. Professor de física experimental, procurava transformar suas ideias em coisas práticas. Construiu diversos foguetes e, depois de muitos insucessos, marcou um tento importante: em 1935 um de seus foguetes voou a 2.100 metros de altura.
Robert Goddard e o primeiro voo de foguete propelido a combustível líquido (gasolina e oxigênio), lançado em 16 de março de 1926, em Auburn, Massachusetts, Estados Unidos.
Goddard, ao contrário de Tsiolkowski, morreu esquecido. Ambos terminaram seus dias sonhando com os foguetes que no futuro libertariam o homem da estreiteza dos horizontes terrestres. Mas, em breve, os foguetes que conceberam seriam utilizados para a destruição.
1945. Hitler fracassara em seu ambicioso plano de dominar o mundo. Os aliados estão senhores das ações de guerra e marcham vitoriosos sobre a Alemanha.
Wernher von Braun e oficiais nazistas em Peenemünde, na primavera de 1941.
Nem americanos nem russos pretendem julgar o cientista Wernher von Braun e sua equipe como criminosos de guerra. Sabem que foram eles os criadores dos foguetes V-2, que, durante sete meses de 1944, caíram sobre Londres, semeando destruição e morte com seus terríveis misseis, mas, com capacidade de viajar centenas de quilômetros a uma velocidade de 5.000 km/h e acertar seus alvos com impressionante precisão. Americanos e soviéticos reservam para esses cientistas lugar especial entre seus próprios homens de ciência.
Foguete alemão V-2, capturado pelos americanos e em exibição.
Em outubro de 1945, von Braun e sua equipe já estão instalados em Fort Bliss, no Texas, trabalhando para os Estados Unidos.
Von Braun ou Colombo?
Com os cientistas alemães, foram também os mais extraordinários conhecimentos sobre a técnica de construir foguetes. Poupados anos de pesquisa, os foguetes americanos em pouco tempo começaram a subir, cada vez mais aperfeiçoados.
Von Braun, a direita e de óculos, trabalhando na NASA.
“Von Braun sempre quis ser o Colombo do espaço. Pensava em viagens espaciais, não em armas, quando vendeu a ideia da V-2 a Hitler (…) E está tentando vender aos Estados Uni- dos um projeto de viagens espaciais, disfarçado em método para dominação do mundo.” A crítica, feita por um oficial americano em 1952, sintetizava uma opinião quase generalizada nos meios militares. Queriam que von Braun fizesse armas e não veículos espaciais e estavam particularmente incomodados com a afirmação do cientista, divulgada dois anos antes – “Nos próximos dez ou quinze anos, a Terra terá um novo companheiro nos céus, um satélite construído por mãos humanas”.
Von Braun não se abalava. Continuou trabalhando intensamente, cercado dos melhores cientistas alemães e americanos. Pediam-lhe que projetasse mísseis de longo alcance, capazes de levar ogivas nucleares. Em 1954, ele apresentava o Redstone, foguete com alcance de 800 quilômetros. Mas tinha planos pacíficos para o míssil; queria verbas para poder adaptá-lo a uma aventura espacial: colocar em órbita um satélite artificial de 2,5 quilos. O projeto, que ficou conhecido como Orbiter, foi autorizado. Mas durou pouco.
Comitê do Projeto Orbiter em 17 de março de 1954.
Em 1955, pouco depois do Presidente Dwight Eisenhower ter anunciado oficialmente o início de um programa de lançamento de satélites, começaram a chegar da União Soviética notícias de êxito no lançamento de mísseis balísticos intercontinentais. Imediatamente o Projeto Orbiter foi liquidado. Von Braun trabalhava para o Exército e o Presidente Eisenhower queria deixar ao Exército a tarefa exclusiva de construir mísseis bélicos que competissem com os soviéticos. O programa espacial – Projeto Vanguard – seria entregue à Marinha.
As Luas de Metal
Na União Soviética, as pesquisas sobre mísseis estavam bem adiantadas. Vinham sendo conduzidas por Sergei Korolyev, discípulo de Tsiolkowski. Sergei liderava, desde 1930, uma equipe de competentes engenheiros, num grupo semelhante ao de von Braun. Já em 1947, também eles começaram a lançar poderosos foguetes, utilizando muito da técnica aprendida com Helmut Grottrup, o único cientista do grupo de von Braun que não seguira para os Estados Unidos. Entre 1949 e 1952, poderosos foguetes levaram cães russos, em cabinas pressurizadas, até os limites superiores da atmosfera. Daí em diante, o esforço foi cada vez mais concentrado.
Selo comemorativo ao lançamento do Sputnik I e uma réplica existente no Museu de Tecnologia Espacial e de Mísseis, em São Petersburgo, Rússia.
Na manhã de 4 de outubro de 1957, um foguete ergueu-se violentamente da plataforma de lançamentos da Base Espacial de Baikonur, furando o céu em busca do espaço. Essa base atualmente fica em território do Cazaquistão, mas que na época era parte da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou URSS.
Esse foguete era igual a muitos outros que dali haviam sido disparados. Mas tinha uma missão específica. Em seu bojo, levava uma esfera de 83 quilos, com 58 centímetros de diâmetro, provida de antenas flexíveis. Sua missão: colocar essa esfera metálica – o Sputnik I – em órbita ao redor da Terra. Horas depois, os primeiros telegramas das agências internacionais participavam aos veículos de comunicação do mundo inteiro: a Terra ganhou um satélite artificial, construído e posto em órbita pelos soviéticos.
A cadela Laika que entrou em órbita (e morreu) à bordo da Sputnik II.
O mundo inteiro ainda aplaudia o feito quando, a 1 de novembro, a URSS, realizava mais uma espetacular façanha, colocando em órbita o segundo satélite – este com 560 quilos – e levando a bordo uma cadela de raça esquimó chamada Laika.
As duas seguidas mostras da superioridade do programa espacial soviético deixam frustrados milhões de americanos. Mais que nunca, eles agora depositaram suas esperanças de reabilitação no minúsculo Vanguard, satélite de 10 quilos que a Marinha só poria em condições de lançamento no dia 6 de dezembro. Novo golpe: o foguete explodiu na rampa, destruindo o satélite e as esperanças do país de entrar na competição espacial.
William Hayward Pickering, James Van Allen e Wernher von Braun exibem um modelo em escala real do satélite artificial Explorer 1 em uma coletiva de imprensa em Washington, após a confirmação de que o artefato estava em órbita. Apesar de todo exibicionismo, nessa época a União Soviética estava muito à frente dos Estados Unidos na corrtida espacial.
Diante dos insucessos da Marinha, o Exército foi chamado. Von Braun entraria em cena, para resolver o assunto. Já a 31 de janeiro, ele colocava em órbita o Explorer I, um cilindro de 2 metros de comprimento, com 13 quilos de peso. Os Estados Unidos, finalmente, entravam na grande corrida espacial, cujo primeiro lugar ainda era da União Soviética.
A partir de então, a técnica foi sendo progressivamente aperfeiçoada, de lado a lado. Ao primeiro Sputnik, que percorria os céus emitindo seus característicos sinais de rádio (os famosos bip-bip), juntaram-se dezenas de outros objetos metálicos, das mais variadas formas e com as mais diversas funções: tanto podiam estar realizando trabalhos aerofotogramétricos ou meteorológicos, quanto tarefas de espionagem sobre os países inimigos, ou servindo de polo para cadeias internacionais de telecomunicações. Fora isso, estavam permanentemente enviando, através de seus sensíveis instrumentos, informações sobre os segredos do espaço, que o homem queria conhecer para conquistar.
“Eu Vejo a Terra. Ela é Azul!“
Girando em órbita a 28.800 km/h, a nave espacial do major soviético Yuri Gagarin inaugurava a 12 de abril de 1961 um novo capítulo na história da astronáutica: as viagens do homem ao cosmo.
Yuri Gagarin, o primeiro ser humano a orbitar a Terra.
Depois de completarem uma volta ao redor do globo em 108 minutos, a Vostok voltava tranquilamente à Terra. Gagarin trazia mais informações, além da poética descrição que lá de cima fizera sobre a cor da Terra. Ele foi o primeiro a experimentar a sensação de ausência absoluta de peso e suas consequências físicas para o organismo humano. Agora, a medicina espacial teria dados mais concretos para prosseguir em suas pesquisas, visando à proteção absoluta aos astronautas.
“Eu vejo a Terra. Ela é Azul!“
Começava com Gagarin uma longa série de voos espaciais, cada vez mais ousados. Saída de astronautas para “eios” em pleno espaço, encontro de naves em órbita, manobras de engate e desengate: americanos e soviéticos alternavam-se no primeiro lugar da corrida pela conquista do espaço, alcançando, a cada lançamento, êxitos surpreendentes. Nos Estados Unidos, o Presidente John Kennedy anunciava o grande objetivo nacional: até o fim da década, levar homens à Lua e trazê-los de volta em segurança.
Edwin “Buzz” Aldrin, segundo homem a pôr os pés no solo lunar, em 1966, quando realizou seu primeiro voo espacial a bordo da nave Gemini XII, durante a qual ou mais de cinco horas executando atividades extraveiculares.
Quando a Lua parecia estar bem perto dos terrestres, a tragédia deixou sua marca e seu sinal de advertência: a 26 de janeiro de 1967, os americanos Grissom, White e Chaffee embarcaram na Apollo 6, para o último teste antes da decolagem; um curto-circuito provocou um incêndio e a cápsula explodiu, matando os três astronautas. Três meses depois, o soviético Wladimir Komarov morria no espaço, depois que a explosão de um retrofoguete provocou a destruição do paraquedas que servia de freio na descida de sua nave. ou-se então mais de um ano, antes que soviéticos e americanos retomassem suas experimentações. O trabalho foi só em terra, onde os técnicos desdobravam- se para redesenhar naves e foguetes, de forma que os veículos espaciais se tornassem praticamente perfeitos.
Selo da antiga União Soviética de 1969, mostrando a espaçonave Zond 5.
Em fins de 1968, a Lua já não tinha quase segredos para o homem. Ele nunca fora vê-la de perto, mas mandara seus “olhos” eletrônicos as sondas lunares – que cumpriram excepcionalmente bem sua tarefa. As dezenas de sondas enviadas a partir de 1958 remeteram milhares de fotos do satélite e importantes in- formações científicas captadas por seus instrumentos.
A Lua cada vez mais perto.
Os soviéticos haviam conseguido dois êxitos que pareciam indicar sua intenção de mandar homens para ver o satélite de perto: em setembro de 1968, sua Zond 5, levando moscas e sementes, fizera, com perfeição, a viagem Terra-Lua-Terra; em novembro, a Zond 6 repetira a proeza, com tartarugas a bordo.
Mas os americanos ganharam essa decisiva fase da corrida. Em dezembro de 1968, os astronautas Borman, Lovell e Anders chegaram bem perto da Lua, num voo preciso.
Os tripulantes da Apolo X (da esquerda para direita) Eugene Cernan, John Young e Thomas Stafford, tendo ao fundo o foguete Saturno V. Essa tripulação abriu caminho para o pouso seguro dos tripulantes da Apolo XI na Lua. No retorno à Terra, em 26 de maio de 1969, a nave quebrou o recorde de velocidade no espaço por uma nave tripulada, mantido até hoje, ao atingir incríveis 39 897 km/h. A missão da Apolo X também conseguiu outro feito, ao ser a primeira a ser transmitida para o mundo todo o procedimento do voo ao vivo e a cores.
Seu retorno foi acolhido por uma explosão de entusiasmo do mundo inteiro. Os cientistas americanos, a partir daí, tiveram a certeza final: já poderiam ultimar os preparativos para a primeira expedição lunar; não havia mais nenhum obstáculo, a não ser construir e testar um eficiente veículo capaz de desgarrar-se da nave, pousar no solo da Lua e depois voltar ao espaço, reengatando novamente à nave mãe, para a viagem de volta à Terra.
Foguete Saturno V na plataforma de lançamento.
Em pouco tempo, esse veículo o Módulo Lunar foi construído e testado, em órbita terrestre. Depois, em espetacular façanha, foi experimentado em órbita lunar. Perfeito.
O Gigantesco Salto
O veículo espacial Apollo XI, colocado no foguete Saturno V, decola com os astronautas Neil A. Armstrong, Michael Collins e Edwin E. Aldrin Jr. às 9h32 de 16 de julho de 1969, do Complexo de Lançamento 39A do Centro Espacial Kennedy.
Finalmente, o homem estava pronto para realizar a maior aventura de todos os tempos. Depois de um voo de quase quatro dias, Neil Armstrong e Edwin Aldrin, com a Apollo XI já girando em órbita lunar, despediram-se de seu companheiro Michael Collins e, através do estreito túnel de comunicação, aram para o corpo do Módulo Lunar (a Águia). Sozinho na nave mãe Apolo XI (a Columbia), Michael Collins acionou os dispositivos que libertaram os mecanismos de engate das duas naves, e continuou na orbita lunar. A Águia desprendeu-se, iniciando a viagem até a Lua.
Dezenove minutos depois, o Módulo descia suavemente no mar da Tranquilidade. Um bilhão de pessoas na Terra respiraram alivia- das. Era o dia 20 de julho de 1969; havia seres humanos na Lua a 384.000 km de distância. Depois de um tempo de repouso Armstrong, primeiro, e Aldrin, a seguir, saíram da nave e iniciaram sua missão de exploração lunar.
Durante pouco mais de duas horas, com seus trajes espaciais protegendo-os da baixíssima temperatura e da ausência de atmosfera, comunicando-se permanentemente através de rádio, os dois pioneiros deslocaram-se com facilidade naquele mundo de gravidade seis vezes menor que a da Terra e trabalharam muito.
Colocaram no solo da Lua uma bandeira de seu país, diversos instrumentos científicos e uma câmara de TV, e recolheram cerca de 27 quilos de amostras do solo.
Depois, reembarcaram na Águia, pressurizaram novamente a cabina e empreenderam o voo de volta, ao encontro da Columbia, onde Collins, em seu solitário voo, os aguardava. Em seguida, regressaram à Terra. Como heróis.
A Lua estava conquistada. O homem realizou seu grande sonho, reunindo e articulando forças que, engenhosamente controladas, arrancaram-no da Terra para levá-lo até outro astro. Agora, ele estudaria as amostras do solo lunar, para descobrir segredos que o informariam sobre a origem da Terra e do próprio universo.
Os proveitos da aventura já estavam sendo colhidos até mesmo antes que ela se completas- se, pois, muita pesquisa foi necessária para torná-la possível. Para controlar lançamentos de satélites, sondas e naves, eram essenciais computadores altamente aperfeiçoados.
Da esquerda para direira Neil Alden Armstrong, Michael Collins e Edwin “Buzz” Aldrin Jr., tripulação da Apolo XI.
Esses materiais ariam a ter milhares de aplicações diferentes, na própria Terra. As comunicações deram um grande salto; o mundo ficou menor depois que satélites espaciais serviram de elevadas antenas retransmissoras de canais de rádio, televisão e telex. Do extraordinário esforço desenvolvido por físicos, químicos, matemáticos, engenheiros, médicos, biólogos, astrônomos, técnicos em comunicação, todos os campos se beneficiaram. As ciências avançaram séculos, em apenas alguns anos. Novos e amplíssimos horizontes se abriram.
Fonte – Enciclopédia Conhecer, Abril S.A, Cultural e Industrial, São Paulo-SP, 1974 – Volume VII – páginas 1777 e 1779.
O Rio Grande do Norte tem na sua história alguns exemplos de pessoas geniais, que desenvolveram coisas super interessantes, como foi o caso do Professor Nicanor, conhecido como o homem que criou um carro movido a água. Antes dele um jovem de 16 anos de Ceará-Mirim criou uma arma de fogo que chamou muita atenção em Natal.
No Rio Grande do Norte, e eu sei porque nasci e vivo aqui, é muito raro, mas muito raro mesmo se valorizar alguém pela criatividade, pela capacidade de desenvolver algo inovador, algo novo e diferenciado. Aqui a valorização das pessoas a intensamente por duas situações: ser rico, ou político (Melhor ainda se for as duas coisas).
Mas como rico de verdade por aqui é algo bem raro, sobra então toda uma classe de políticos da qualidade mais baixa, ridícula, onde sobra esperteza, quase nenhum respeito pela função pública e seus eleitores, além de possuírem um extremo e elevado nível de vaidade. ATENÇÃO – Vale ressaltar que é você que está lendo esse texto o grande culpado por isso acontecer, ao votar em gente que não presta. Mas isso é outra História!
Aqui em terras potiguares quando eu era garoto eu ouvi muito falar do Professor Nicanor, o homem que criou um carro movido a água. Com o tempo descobri que ele era um engenheiro formado aqui mesmo no Rio Grande do Norte, na antiga Escola de Engenharia, cujo nome era Nicanor de Azevedo Maia e se tornou professor do curso de Mecânica Aplicada do Centro de Tecnologia da UFRN.
Não é que o carro fosse movido exclusivamente a água, mas dela o Professor Nicanor buscava extrair o hidrogênio para com isso gerar o combustível para fazer um carro rodar. Ele até comprou um veículo para os testes, rodou aqui pela região, esteve em São Paulo mostrando essa tecnologia e foi até notícia em revista de alcance nacional.
Mas aí, por razões que desconheço, o projeto parou. O que não parou foi a boataria amalucada sobre a razão para o fim dessa ideia…
Quando garoto escutei pessoas que iam até a loja do meu pai no bairro da Ribeira dizer que “mandaram Nicanor se calar”, que “ele parasse aquele serviço, pois senão poderia ser morto”. Tudo isso porque seu trabalho “não era bem visto pelos militares que estavam no poder”, que o “Professor Nicanor estava atrapalhando a Petrobrás”. Inventaram até a história de um certo “galegão”, um tal de um “polonês”, que estava por aqui pela terrinha para acompanha o fim do projeto, ou “as consequências poderiam ser trágicas”.
Mas pessoas com a capacidade inventiva como a do Professor Nicanor sempre existiram aqui no Rio Grande do Norte e um deles chamou a atenção da nossa imprensa décadas antes do “homem que criou um carro movido à água”.
Em novembro de 1912 um jovem de 16 anos chamado José Moreira veio da bela cidade de Ceará-Mirim até Natal. Trazia consigo uma arma de fogo de cano longo e seguiu até a redação do tradicional jornal A República, o mais importante do Rio Grande do Norte na época e que funcionava na Rua Dr. Barata, na Ribeira. Provavelmente ele deve ter sido recebido pelo então gerente José Pinto.
O jornal não indica se o jovem se envolveu em alguma confusão com a polícia por trazer essa arma para Natal, até porque esse era um tempo onde ainda existiam bandos de cangaceiros e onças pelo interior do Nordeste e se comprava armas de fogo até em lojas de secos e molhados sem maiores problemas.
Para o pessoal da redação a arma imitava um modelo Winchester, da renomada fábrica de armas de repetição acionada a alavanca, manufaturada nos Estados Unidos e conhecida como a “Arma que conquistou o western”. A mesma que nos acostumamos a ver em milhares de filmes de cowboys.
Para os jornalistas de Natal a Winchester do jovem José Moreira de Ceará-Mirim foi “confeccionada em todas as suas peças na mais acurada perfeição”. Não foi informado o calibre da arma.
Mas onde o jovem José poderia fabricar uma arma como essa em Ceará-Mirim? Acredito que isso não foi problema, pois na mesma época se desenvolvia uma mecanização mais intensa dos tradicionais e importantes engenhos de cana-de-açúcar na região. Além disso a Estrada de Ferro Central estava em franco desenvolvimento desde 1904 e o que não faltavam por ali eram forjas, ferreiros, bigornas e outros equipamentos para se criar esse tipo de armamento. Além disso, sabemos que trabalhando nessas atividades estavam pelo nosso estado vários artífices estrangeiros especializados, oriundos principalmente da Espanha e da Itália, com muitos dos seus descendentes vivendo por aqui até hoje.
Antiga casa de engenho em Ceará-Mirim – Foto – Ricardo Morais.
Temos a notícia que dias depois da apresentação na sede de A República, o artefato de José Moreira foi testado pelo tenente Luiz Júlio, da Força Pública do Estado. O militar fez vários disparos em um local não especificado e considerou a arma “muito boa”, de “ótima qualidade”, além de “certeira”. Naquele mesmo ano Luiz Júlio ganhou muita fama no estado por comandar volantes contra o bando do cangaceiro Antônio Silvino.
Então nada mais aconteceu!
Não encontrei mais uma única vírgula sobre o jovem ceará-mirinense de 16 anos e sua inusitada arma de fogo, ou algum registro fotográfico.
Pelo menos o Professor Nicanor, mesmo que isso não fosse o desejo dele, ainda teve alguns “minutos de fama” a nível nacional. Já o jovem José Moreira nem a isso teve “direito”. Imagino que o rapaz deve ter recebido vários elogios, tapinhas nas costas, enaltecimentos sobre a sua inteligência e depois foi mandado de volta para Ceará-Mirim para tocar sua vida simples de jovem trabalhador. Quanto à sua capacidade inventiva, essa era dispensável e, sabe Deus, o rumo que a sua vida tomou.
Aliás, esse tipo de situação por aqui é algo bem comum até hoje!
Ninguém discute a importância de Natal no contexto da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A existência do intenso tráfego aéreo de aviões de transporte e de bombardeiros aliados, entre a capital potiguar e as bases aéreas na ilha de Ascensão, no meio do Oceano Atlântico, e principalmente nas cidades de Dacar e Acra, na África, foi um fator de grande importância para a vitória aliada neste conflito. Não se pode esquecer que de Natal partiam aeronaves que patrulhavam a costa brasileira e que foram destruídos alguns submarinos.
Mas não foi apenas Natal que participou desse esforço. Várias outras capitais e cidades brasileiras, mesmo limitadamente, também possuíam bases aéreas e “entraram na guerra”. Fortaleza, capital do estado do Ceará, foi uma delas.
A cidade de Fortaleza em 1937.
As Primeiras Bases Aéreas
Nesta cidade o primeiro campo de pouso foi o do Alto da Balança, que se transformou em um ponto de apoio dos aviões do mítico Correio Aéreo Nacional (CAN). O local era mantido por uma unidade do Exército Brasileiro desde 21 de setembro de 1936 e servia igualmente de apoio às empresas aéreas estrangeiras e brasileiras. Na história do Campo do Alto da Balança, assim como no Campo de Parnamirim em Natal, foi ponto de parada de vários aviadores estrangeiros que realizaram os chamados “raids” aéreos. Um deles foi a famosa aviadora estadunidense Amelia Mary Earhart, que pousou na capital alencarina no dia 4 de junho de 1937.
E os Americanos Chegaram
Segundo Augusto Oliveira e Ivonildo Lavor, autores do livro “A história da aviação no Ceará”, quando os norte-americanos estavam implantando suas bases no Nordeste do Brasil, antes mesmo da declaração de guerra brasileira contra a Alemanha e a Itália, estes decidiram que em Fortaleza a base aérea local seria construída no antigo “Sítio Pecy”, que ou a ser conhecido como Pici Field (Campo do Pici) e sua construção teve início ainda em julho de 1941.
Quando a pista ainda estava em sua fase final de construção, ela foi prematuramente inaugurada quando um bombardeiro B-17 pousou por se encontrar perdida em relação a sua rota original. Segundo os dois autores de “A história da aviação no Ceará”, o sobrevoo deste grande quadrimotor causou certo pânico em Fortaleza.
Ainda segundo Augusto Oliveira e Ivonildo Lavor, com o crescimento do tráfego aéreo para Natal, além do fato da pista do Pici ter sido concluída com um tamanho limitado, fez com que o comando da USAAF na região resolvesse construir uma segunda pista em Fortaleza. O Campo do Pici ficou então sob a responsabilidade da U.S. Navy (Marinha dos Estados Unidos) e ao novo local foi dada a denominação de Adjacent Field (Campo Adjacente), por está próximo ao Campo do Pici.
Armamento sendo transportado para aviões Lockheed PV-1 Ventura da U. S. Navy, em Pici Field.
Com uma denominação esdrúxula como essa, aparentemente pautada na falta de criatividade, os cearenses da capital aram logo a chamar o lugar de “Base do Cocorote”.
Inaugurado em 10 de dezembro de 1943, Adjacent Field serviu a praticamente um grande propósito; durante cinco meses, até 14 de maio de 1944, com o intuito de desafogar o tráfego aéreo em Parnamirim Field, o local foi o ponto de partida de grandes quadrimotores, a maioria deles pertencentes à 15ª Força Aérea da USAFF, que tinham bases no sul da Itália e seguiam sem escalas diretamente para Dacar.
O destacamento americano que operava a base era conhecido como 1155th AAFBU Army Air Force Base Unit – Fortaleza, que era parte do South Atlantic Division (Divisão do Atlântico Sul), todos subordinados ao ATC – Air Transport Command (Comando de Transporte Aéreo).
Fortaleza antes da Segunda Guerra Mundial. Fonte – Livro “Ah Fortaleza!”, Gilmar Chaves, Patrícia Veloso, Peregrina Capelo, organizadores. Fortaleza: Terra da luz Editora, 2006, pág. 49.
Durante este período a utilização de Adjacent Field foi muito intensa, onde foram realizadas 1.778 travessias. A partir de 15 de maio de 1944 esta base deixou de realizar este tipo de operação, ando a receber apenas aviões de linha ou alguma aeronave que apresentava alguma emergência.
Aproveitando a Terra do Sol
Mas apesar desta aparente utilização limitada, entre 1942 e 1945, sempre havia militares norte-americanos na cidade de Fortaleza. Existia até mesmo uma sede local da USO.
A sede da USO em Fortaleza, o conhecido “Estoril” da Praia de Iracema. Fonte – Livro “Ah Fortaleza!”, Gilmar Chaves, Patrícia Veloso, Peregrina Capelo, organizadores. Fortaleza: Terra da luz Editora, 2006, pág. 62.
A USO (United States Organization) foi fundada em 1941, sendo uma organização privada, criada em resposta a um pedido direto do então presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt. Ele desejava que pessoas e organizações diversas se unissem sob uma única sigla para fornecer serviços recreativos que ajudassem na elevação do moral das tropas americanas nas áreas de conflito durante a Segunda Guerra Mundial. A USO teve uma atuação muito intensa neste período e com enorme sucesso.
Na capital alencarina a sua sede era em uma suntuosa residência à beira-mar da Praia de Iracema. A antiga Praia dos Peixes era então um local ainda pouco utilizado pela população local, onde existiam apenas algumas casas de veraneio. A residência utilizada pelos americanos, um verdadeiro palacete, havia sido construída em 1920 pelo rico coronel pernambucano José Magalhães Porto, que morava na cidade e a denominou inicialmente de “Vila Morena”.
Amigos que tenho em Fortaleza me comentaram que as informações dos seus avós e pais, que viveram aqueles dias da presença norte americana na cidade, era que estes militares estrangeiros achavam a sede da USO um lugar agradável, com uma brisa convidativa, onde dava para tomar um ótimo banho de mar, em uma água deliciosamente quente, sob um sol escaldante. Para depois apreciar uma deliciosa e diferente água de coco.
Militares americanos em momento de descontração.
Além de aproveitarem a natureza praiana, os militares dos Estados Unidos aproveitavam outras coisas boas do Ceará. Eles mantinham relações cordiais com as moças da cidade. Estas eram de famílias tradicionais, normalmente muito bonitas, elegantes, educadas e que não estavam nem aí para as críticas da sociedade local. Logo estas jovens foram apelidadas pejorativamente de “Coca-Cola”. Comenta-se que a denominação depreciativa surgiu por elas terem o privilégio de tomar o famoso refrigerante americano que, na ocasião, somente era visto nas telas do cinema. Provavelmente elas beberam Coca-Cola da fábrica da “The Coca-Cola Company” em Natal.
Um dos vários B-24 que aram por Fortaleza. Esta é a B24H, nº 41-28750, batizada como “The Thunder Mug”, pertencente a Esquadrilha 789, do 467 Grupo de Bombardeiro, comandada pelo Tenente Charles Kagy, em rota transatlântica pela América do Sul. Ao fundo a torre de controle da base de Adjacento Field Fonte – http://moraisvinna.blogspot.com
Não podemos esquecer que em Natal havia situação semelhante. Os norte-americanos promoviam festas na base de Parnamirim Field, as famosas festas “For All” (Para todos) e faziam questão de ter, com toda fidalguia e respeito, a presença das moças potiguares nos eventos. Devido a distância da base e o centro de Natal, elegantemente os promotores das festas disponibilizam gratuitamente um ônibus para buscar as jovens na cidade. De maneira pra lá de depreciativa, os marmanjos locais aram a denominar este ônibus como “marmita”, pois transportava “a comida dos americanos”.
Memórias
Apesar deste clima positivo, a agem de aviões pela região Nordeste do Brasil em direção a África, não era isenta de problemas. Não se pode esquecer que atravessar o Oceano Atlântico era bem mais arriscado do que agora, a aviação ainda não tinha os modernos recursos e se vivia uma guerra.
Em arquivos localizados nos Estados Unidos estão guardados microfilmes com inúmeros relatórios da antiga Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (United States Army Air Force – USAAF).
Entre estes documentos estão os denominados MACR, que é uma sigla para Missing Air Crew Report (Informe de Tripulação Aérea Desaparecida), onde era detalhado os acidentes de aeronaves norte-americanas em todas as partes do mundo durante este conflito. Abrangiam casos que iam desde a derrubada de uma aeronave em território inimigo, ou como era mais comum no caso das aeronaves que avam pelo Brasil, o desaparecimento na selva, ou no mar. Eram preenchidos dois dias depois que uma aeronave não retornava de uma missão.
A mítica B-24.
Existem três informes inéditos de acidentes com aviões B-24, que tem Fortaleza como ponto de partida ou de chegada.
Fabricado pela empresa Consolidated Aircraft, a mítica B-24, conhecida como “Liberator”, era um bombardeiro estratégico, quadrimotor, armado com dez metralhadoras de defesa calibre 12,7 mm, modelo Browning M2. Tinha peso total de 29.500 kg, podia levar quase seis toneladas de bombas de alto poder explosivo, a uma velocidade máxima de 470 km/h, a uma altitude máxima de 8.500 metros, com um alcance de 6.000 quilômetros. Para levar este monstro alado para a luta sua tripulação normalmente era composta de 10 militares. Este foi o modelo de avião mais visto em Fortaleza durante o pico do movimento de aeronaves em direção à África.
Grupo de bombardeiros B-24 antes da decolagem no Pacífico.
Os Problemas Com as B-24
O primeiro deles ocorreu no dia 22 de janeiro de 1944, quando o B-24 foi registrado com o numeral 42-100307, comandado pelo segundo tenente Henry A. Daum, por volta de uma hora da tarde, em meio a muita chuva, se chocou com uma montanha a “25 miles” (25 milhas) a sudoeste de Fortaleza. Todos os seis ocupantes da aeronave faleceram.
Detalhe do documento informativo da queda B-24 nº 42-100307, comandado pelo segundo tenente Henry A. Daum em choque contra uma montanha no Ceará – Fonte – National Archivies, Washington, D. C. Estados Unidos.
Limitado de informações e pouco detalhista, o relatório da destruição da B-24 do segundo tenente Henry mostra que provavelmente o sinistro ocorreu nas serras existentes entre as cidades de Caucaia e São Gonçalo do Amarante, facilmente visíveis para quem se desloca de carro pela BR-222, em direção a bela cidade de Sobral.
O segundo sinistro ocorreu na madrugada de 8 de fevereiro de 1944, quando o B-24H, de numeral 41-29293, pertencente à Esquadrilha 758, do 459 Grupo de Bombardeiros, sob o comando do segundo tenente Daniel B. MacMillin, natural da cidade de Stephenville, no estado do Texas, partiu em direção a Dacar, capital do atual Senegal.
Detalhe do relatório sobre o desaparecimento da B-24H, nº 41-29293 – Fonte – National Archivies, Washington, D. C. Estados Unidos.
Naquela época, segundo a documentação, cada avião que decolava de Fortaleza era obrigado a enviar uma mensagem em código, em períodos pré-determinados, para que soubessem que estavam voando e qual era a sua posição. Nas três primeiras horas a mensagem chegou, depois nada mais. O B-24 e seus dez tripulantes desapareceram. Os documentos apontam que durante dez dias foram realizadas missões de busca visual, mas nunca se soube o que ocorreu com esta aeronave, com o tenente Daum e sua tripulação.
Grupo de B-24 sobre o mar. Fonte Arquivo Revisa Life.
Mas o caso melhor documentado foi a queda de um bombardeiro B-24 em Fortaleza.
A Tragédia da B-24 do Tenente Brock
Por volta da meia noite e cinquenta do dia 28 de fevereiro de 1944, a B-24H, numeral 42-52645, comandado pelo segundo tenente William M. Brock Jr., decolou em direção a Dacar, mas devido a problemas em um dos motores, fez uma volta para aterrissar e caiu.
Parte do relatório do major Ernest E. Dryer, classificado como “SECRETO” – Fonte – National Archivies, Washington, D. C. Estados Unidos.
O oficial de operações de Adjacent Field, major Ernest E. Dryer elaborou um relato sucinto sobre o trágico fato. O major foi chamado pouco depois da uma da manhã, onde foi informado pelo oficial de dia da 1155th AAFBU que havia um incêndio de grandes proporções a sudoeste do Campo Adjacento e que um “native” tinha dito que um avião havia caído.
Para o major o fogo parecia estar muito grande para ser apenas em uma habitação de algum morador local, e que um dos aviões da base (provavelmente um modelo menor) decolou para sobrevoar o local. Mas o incêndio atingiu uma área tão grande, que o oficial de operações e um grupo de homens nem esperaram o retorno deste avião e saíram em viaturas para investigar.
Bombardeiros B-24 da 15th Air Force, atacando a refinaria de Ploesti, na Romênia. O B-24 comandado pelo segundo tenente William M. Brock Jr. não chegou a combater.
Ao chegar ao local do incêndio, o major Dryer verificou que realmente era um avião, modelo B-24, com a numeração 42-52645. No local já se encontravam viaturas e membros do departamento de bombeiros da cidade de Fortaleza para manter o fogo sob controle.
O oficial de operações assumiu o comando e enviou um mensageiro de volta à base para informar ao oficial médico que enviasse ambulâncias, a polícia militar e que fosse iniciado o trabalho de relatar os detalhes do acidente imediatamente. Logo descobriram que todos os dez tripulantes pereceram.
Peças de avião, corpos despedaçados e pertences pessoais foram espalhados por uma distância de 1000 pés (300 metros). O corpo de um dos membros da tripulação estava pendurado em uma árvore. Guardas norte americanos foram colocados guarnecendo os destroços e aguardando até que o oficial médico da base assumisse o trabalho de perícia.
Verificado o número do avião com o registro de partida, foi descoberto que aquele B-24 foi o último a sair da base naquela noite e caiu três minutos após a decolagem.
B-24 em chamas.
O avião estava tão danificado que uma verificação dos controles não foi possível.
Notou-se que a asa direita tinha batido em uma árvore e quebrou. Por esta razão o caminho que o avião fazia rente ao solo tinha mudado aproximadamente 90 graus para a direita. Em seguida bateu no chão, foi se arrastando em linha reta por cerca de 1000 pés e se desintegrou ao longo do caminho.
Finalmente o B-24 atingiu uma árvore, parou em uma vala e explodiu, jogando detritos em uma larga área. Na queda a aeronave destruiu um barraco vazio e um tanque de óleo foi jogado através do telhado de outro casebre, mas ninguém na terra morreu.
Destaque do depoimento da brasileira Laura sobre a queda da B-24.
A documentação traz destacadamente, como principal testemunha, a brasileira Laura Ramos Barreto. Esta é apontada pelos americanos como “Native woman” (Mulher nativa) e informa que morava a cerca de um quilômetro e meio da base, no que hoje é o bairro de Montese.
No seu relato prestado nas dependências da 1155th AAFBU, Laura afirmou que sempre à noite escutava os aviões decolando de Adjacent Field e que nesta ocasião ouviu uma aeronave cujos motores pararam repentinamente sobre sua residência. Ela estranhou e, ao procurar olhar o avião da janela de sua casa, Laura presenciou três explosões no solo, seguidas do forte incêndio.
Um acidente inusitado de uma B-24.
Para o major Ernest E. Dryer, o exame das hélices mostrou que pelo menos três dos motores tinham capacidade operativa, mas que não pôde ser dada uma opinião conclusiva em relação ao quarto, devido à extensão dos danos.
As investigações apontaram que a causa do acidente foi uma falha em um dos motores, certamente o que estava mais destruído, imediatamente após a decolagem. Provavelmente o piloto retraiu os flaps em uma altitude muito baixa, fazendo assim com que o B-24 voasse muito próximo ao solo, batendo em uma árvore, rasgando a asa direita do avião e provocando a explosão.
Os corpos foram enterrados em Fortaleza e transladados pra os Estados Unidos ao final do conflito.
Faziam parte da tripulação da B-24H, numeral 42-52645 os seguintes militares;
Segundo tenente William M. Brock Jr., piloto
Segundo tenente Robert D. Wear, co-piloto
Segundo tenente James H. Beatty, navegador
Segundo tenente William D. Davies, bombardeiro
Sargento Kelley L. Epley, engenheiro de voo
Sargento Homer E. Hill, operador de rádio
Sargento William C. Ship, atirador de metralhadora
Sargento Thomas M. Bassett, atirador de metralhadora
Sargento Leo P. Desjardins, atirador de metralhadora
Sargento Jack Z. Roby, atirador de metralhadora
Segundo tenente Robert D. Wear, co-piloto
Sargento Jack Z. Roby, atirador de metralhadora.
Como a participação das bases aéreas em território brasileiro não se restringiu apenas a Natal, estes relatos mostram que certamente existem muitas histórias para serem contadas.
P.S. – GOSTARIA DE AGRADECER A COLABORAÇÃO DO PESQUISADOR CEARENSE ÂNGELO OSMIRO PELO APOIO NESTE TRABALHO.
No one disputes the importance of Natal in the context of Brazil’s participation in World War II. The existence of an intense traffic of transport planes and bombers, between the air bases on the island of Ascension, Dakar and Accra, was a contributing factor in the Allied victory in this conflict. In addition to point for air, do not forget that Natal aircraft patrolling the Brazilian coast were destroyed and also some submarines.
But Natal was not just the only Brazilian city that participated in this effort by the Allied victory. Even to a limited extent, other cities also had air bases and helped Brazil in its war effort. Fortaleza, capital of Ceará state, was one of them.
The city of Fortaleza in 1937
The First Air Bases and the Americans arrived
In this city the first airfield was the “Alto da Balança”, which became a point of of the Brazilian National Air Mail planes.
The site was maintained by a unit of the Brazilian Army since September 21, 1936 and also served for the Brazilian and foreign airlines. In the history of the “Alto da Balança” Field, was stopping point for various foreign aviators who carried out air flights. One of these was the famous American aviatrix Amelia Mary Earhart, that landed in Fortaleza on June 4, 1937.
The researchers Augusto Oliveira and Ivonildo Lavor, authors of “The history of aviation in Ceara”, when the Americans were deploying their bases in the Northeast of Brazil, even before the Brazilian declaration of war against and Italy, they decided that Fortaleza on the air base site would be built on old farm called “Sítio Pécy”, which became known as “Pici Field”, and construction has started in July 1941.
When the track was still in its final construction phase, it was opened prematurely when a B-17 landed, when lost in relation to its original route. According to the two authors of “The history of aviation in Ceará,” the big four-engine plane caused some panic in Fortaleza.
Also according to Augusto Oliveira and Ivonildo Lavor, with the growth of air traffic for Natal, and the fact landing strip in “Pici Field” had completed a limited size, the command of the USAAF in the region decided to build a second landing strip at Fortaleza. The “Pici Field” was then under the responsibility of the U.S. Navy and the new site was given the name “Adjacent Field” and this was near the “Pici Field”.
Weapons being transported to Lockheed PV-1 Ventura U. S. Navy in “Pici Field”.
Inaugurated on December 10, 1943, “Adjacent Field” served a great purpose for five months until May 14, 1944, in order to vent the air traffic in Natal, the site was the starting point of large four-engine aircraft, most of them belonging to the 15th Air Force which had bases in southern Italy and moved non-stop directly to Dakar.
The American detachment that operated the base was known as 1155th Army Air Force Base Unit – Fortaleza (AAFBU Fortaleza), which was part of the South Atlantic Division, all subordinate to ATC – Air Transport Command.
Fortaleza before the Second World War. Source – Book “Ah Fortaleza!”, Gilmar Chaves, Patricia Veloso, Peregrina Capelo, organizers. Fortaleza: Terra da Luz Editora, 2006, pg. 49.
During this period the use of “Adjacent Field” was very intense. 1.778 crossings were made from this base. From May 15, 1944, this type of operation, received only ing airliners or some aircraft that had an emergency.
Taking the “Land of the Sun”
Yet despite this apparent limited use between 1942 and 1945, there was always the presence of U.S. military personnel in the city of Fortaleza. There was even a local branch of the USO.
The USO headquarters in Fortaleza, actually known as the notorious “Estoril Restaurant” in Iracema Beach. Source – Book “Ah Fortaleza!”, Gilmar Chaves, Patricia Veloso, Peregrina Capelo, organizers. Fortaleza: Terra da Luz Editora, 2006, pg. 62.
Its USO headquarters in Fortaleza was a sumptuous residence on the seaside on Iracema Beach. The old Fish Beach was a place still so little used by local people, where there were few vacation homes. The residence used by the Americans, a real palace, was built in 1920 by a wealthy city dweller who first called initially “Vila Morena”.
My friends in Fortaleza have commented, that information from their grandparents and parents who lived those days of North American presence in the city, it was thought that these foreign military headquarters USO was a nice place with an inviting breeze, a great swimming place in deliciously warm water under a blazing sun. And then enjoy delicious coconut water.
The U.S. military in a moment of relaxation.
Apart from exploring the nature seaside, the U.S. military took advantage of other good things of Ceará. They maintained cordial relations with the girls in town. These were traditional families, usually beautiful, elegant, educated and did not care for criticism of local society. Soon these young men were derisively dubbed the “Coca-Colas.” It is said that the name in a derogatory way, they appeared to have the privilege of drinking the famous American soft drink, which at the time, was only seen on the big screen. They probably drank Coca-Cola plant from “The Coca-Cola Company” in Natal.
This is B24H, No. 41-28750, named as “The Thunder Mug”, belonging to 789 Squadron, the 467th Bomb Group, commanded by Lieutenant Charles Kagy on the transatlantic route across South America At the bottom of the control tower “Adjacent Field”- http://moraisvinna.blogspot.com
Memoirs
Despite this positive climate, the age of aircraft by the Northeast of Brazil toward Africa was not without its problems.
In archives of the United States Army Air Force – USAAF, there are three unpublished reports of accidents with aircraft B-24, “Adjacent Field” which has as its point of departure or arrival.
The legendary B-24.
Manufactured by Consolidated Aircraft, the legendary B-24, known as the “Liberator,” was a strategic bomber, with ten machine guns 12.7 mm Browning M2 model defense. He airplane had a total weight of 29,500 kg, could take nearly six tons of high-explosive bombs, at a maximum speed of 470 km / h, at a maximum altitude of 8,500 meters, with a range of 6,000 kilometers. The crew usually consisted of 10 militaries. This was the model airplane seen more in Fortaleza during the busiest time of the aircraft toward Africa.
Group B-24 bombers in the Pacific Island before takeoff.
The Problems with the B-24
The first accident occurred in the region on January 22, 1944, when the B-24 ed with the numeral 42-100307, led by second lieutenant Henry A. Daum, around one o’clock in the afternoon amid heavy rain, crashed into a mountain 25 miles southwest of Fortaleza. All six people on board died.
Details of the briefing paper from falling B-24 No. 42-100307, commanded by second lieutenant Henry A. Daum in collision with a mountain in Ceará – Source – National Archives, Washington, D. C., United States.
Limited information and few details, the report of the destruction of the B-24 pilot by second lieutenant Daum shows that the accident probably occurred in the mountains between the towns of Caucaia and São Goncalo do Amarante.
The second accident occurred on the morning of February 8, 1944, when the B-24H, 41-29293 belonging to 758 Squadron, the 459th Bomb Group, commanded under the second lieutenant Daniel B. MacMillin, of Stephenville, Texas, left for Dakar, Senegal’s capital today.
Details of the report on the disappearance of the B-24H, No. 41-29293 – Source – National Archives, Washington, D. C., United States.
At that time, according to the documentation, each plane that took off from Fortaleza was obliged to send a coded message, in periods of pre-determined time, for they knew they were flying and their position. In the first three hours the message arrived, then nothing. The B-24 and his ten crewmen were lost. The documents show that for ten days were accomplished visual search tasks, but never heard what happened to this aircraft, with the lieutenant Daum and his crew.
Group B-24 over the sea. Source -Archive Life Magazine.
But the best documented case was the crash of a B-24 bomber in Fortaleza.
The Tragedy of the B-24 of Lt. Brock
At around midnight and fifty minutes on February 28, 1944, the B-24H, numeral 42-52645, commanded by second lieutenant William M. Brock Jr., took off toward Dakar, but due to problems in one of the engines, made a turn to land and fell.
Part of the report by Major Ernest E. Dryer, classified as “SECRET” – Source – National Archives, Washington, D. C., United States.
The operations officer “Adjacent Field”, major Ernest E. Dryer prepared a brief report about the tragic fact.
Major was called shortly after one o’clock, where he was informed by the officer of the day on 1155th AAFBU who had a major fire southwest of the “Adjacent Field” and that a Brazilian had said that a plane had crashed. For major Dryer this fire was too strong to be just a housing problem in any one local residence, and one of the planes to fly took off from the base site. But the fire covered a large area, the operations officer and a group of men did not even wait the return of the plane and left in car to investigate.
B-24 bombers of the 15th Air Force, attacking the refinery in Ploesti, Romania.
Upon arriving at the scene of the fire, major Dryer found that it actually was an accident with a B-24 model airplane, with the number 42-52645. At the site were already of the police and fire department of the city of Fortaleza to keep the fire under control.
The operations officer, took command and sent a messenger back to base to inform the medical officer to bring ambulances and military police. Immediately work was started to report the details of the accident. They soon found that all ten crew had died.
Airplane parts, broken bodies and personal belongings were scattered over a distance of 1000 feet. The body of one crew member was hanging from a tree. American guards were placed to guard the wreck and waited for the medical officer of the base to take over the charge of the bodies.
Checking the number of the plane with the boot record, it was discovered that one B-24 was the last to leave the base that night and crashed three minutes after takeoff.
B-24 burning.
The plane was so damaged that a check of the controls was not possible. It was noted that the right wing had hit a tree and was broken. For this reason the path of the plane was close to the ground and had shifted about 90 degrees to the right. Then hit the ground, and was dragged in a straight line for about 1000 feet, disintegrating along the way.
Finally, the B-24 hit a tree, stopped in a ditch and exploded, throwing debris over a wide area. In the fall the aircraft destroyed an empty shack and an oil tank was thrown through the roof of another hut, but no one on the ground died.
Highlights of the testimony of the Brazilian woman about the fall of the B-24.
The documentation by the main witness, the Brazilian, Laura Ramos Barreto, who lived about a mile away from the base, which today is probably in the neighborhood of Montese.
In her report delivered at the premises of the 1155th AAFBU, Laura said she always listened at night the planes taking off from “Adjacent Field” and heard that on this occasion an aircraft whose engines stopped suddenly near her residence. She was surprised, when looking at the plane she saw three explosions on the ground, followed by heavy fire.
An accident of an unusual B-24 in Italy.
To Major Ernest E. Dryer, examination of the propellers showed that at least three of the engines had operational capacity, but that could not be given a conclusive opinion, due to the extent of damage.
The investigations showed that the cause of the accident was a failure in one engine, which was certainly the most destroyed immediately after takeoff. Probably the pilot retracted the flaps at a very low altitude, thus making the B-24 fly too close to the ground, hitting a tree, tearing the plane’s right wing and causing the explosion.
The bodies were buried in Fortaleza and transferred to the United States in 1947.
They were part of the following crew of the B-24H, 42-52645;
-Second Lieutenant William M. Brock Jr., pilot -Second Lieutenant Robert D. Wear, co-pilot -Second Lieutenant James H. Beatty, navigator -Second Lieutenant William D. Davies, bomber -Sergeant Kelley L. Epley, flight engineer -Sergeant Homer E. Hill, radio operator -Sergeant William C. Ship, gunner -Sergeant Thomas M. Bassett, gunner -Sergeant Leo P. Desjardins, gunner -Sergeant Jack Z. Roby, gunner
Second Lieutenant Robert D. Wear, co-pilot.
Sergeant Jack Z. Roby, gunner.
The participation of air bases in Brazil was not only restricted to Natal, these reports show that there are certainly many stories to be told.
P.S. – I would like to thank the researcher Ângelo Osmiro, for your in this work.
Em 24 de novembro de 1941, poucos dias antes do ataque japonês à base de Pearl Harbor, no Havaí, razão da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, a revista norte-americana Time publicou uma interessante matéria que apresentava os negócios da empresa de aviação Pan American Airways, conhecida como Pan Am, no Brasil. Nessa época a empresa construía doze bases aéreas em nosso país, sendo a principal Parnamirim Field.
Mesmo com os Estados Unidos ainda não estando oficialmente em guerra contra os países do Eixo, nesse texto é possível perceber que para esses jornalistas a participação dos na Guerra já era o assunto do dia. Vemos também a visão dos americanos em relação às relações do Brasil com os Estados Unidos e detalhes ligados à construção da grande base de Parnamirim, inclusive os problemas. Narra também os acontecimentos em Parnamirim Field, inclusive pretensos casos de sabotagem, situação que também foi comentada pelo escritor potiguar Lenine Pinto em seu livro Natal, USA (1995).
Revista Time, Estados Unidos, págs. 89 a 92, Segunda-feira, 24 de novembro de 1941, Volume XXXVIII, Número 21.
No final do texto fica evidente um recado transmitido pela revista Time para pressionar as autoridades brasileiras a realizarem a paralisação das atividades das empresas aéreas LATI (italiana) e Condor (brasileira, mas de controle alemão).
Esse texto da revista Time é um retrato de um momento delicado em nossa história. Um momento que se situa poucos dias antes da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra. E apenas quatro dias após o ataque japonês a Pearl Harbor, chegaram em Natal seis hidroaviões PBY-5 Catalina da Marinha dos Estados Unidos (US Navy), do esquadrão VP-52, mostrando o início do total engajamento dos militares norte-americanos em Natal.
NEGÓCIO: PAN AM NO BRASIL
Revista Time, Estados Unidos, págs. 89 a 92, Segunda-feira, 24 de novembro de 1941, Volume XXXVIII, Número 21.
A vulnerável ponta oriental do Brasil, que se destaca como um polegar dolorido em todos os mapas da grande estratégia dos Estados Unidos, é para uma corporação americana já uma frente de combate ativa. A corporação: Pan American Airways.
Nessa região as linhas da Pan Am seguem paralelas às companhias aéreas do Eixo; e lá, por ordem do governo dos Estados Unidos, a Pan Am estava ocupada na semana ada melhorando ou construindo doze bases aéreas.
As dificuldades no caminho da Pan Am são tão reais quanto a guerra e não muito diferentes dela. Os homens da Pan Am confrontam agentes, espiões e empresários do Eixo todos os dias. Um relatório de progresso sobre a nova rede de aeroportos, que chegou a Manhattan na semana ada, foi lido como um comunicado de guerra.
Técnicos norte-americanos papeando com trabalhadores natalenses, fazendo cena para a câmera.
As doze bases estão no Amapá, Belém, São Luiz, Camocim (Ceará), Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e na Bahia. Sete são aeroportos para aviões e cinco locais para serem utilizados por hidroaviões (A Pan Am ainda está negociando outro aeroporto na Bahia.) Em cada projeto trabalham de 500 a 800 homens.
Para um programa de construção deste porte, que requer 6.000.000 barris de emulsão asfáltica apenas para as pistas, a Pan Am (uma empresa de transporte) não estava inicialmente equipada. Formou uma subsidiária chamada Airport Development Program (ADP), contratou a Haller Engineering Associates como consultora em estabilização de solos e conseguiu que a Bitumuls of Brazil, Inc. construísse plantas para fazer e misturar o material de revestimento.
Por deferência aos sentimentos brasileiros, não estão envolvidos engenheiros do Exército dos Estados Unidos, mas todo o projeto foi adiado no início por dúvidas brasileiras. Depois foi adiada pela própria inexperiência da Pan Am, pela chegada tardia das máquinas, pelo excesso de executivos (em Natal, por um tempo, eles superaram em número os homens de macacão). Nenhum campo ainda está completo. Mas de agora em diante mais atrasos serão causados pelo Eixo – como alguns já foram.
Um Lockheed L-18 Lodestar da Royal Air Force (RAF). Fabricados nos Estados Unidos, aviões similares so da foto aram por Natal a caminho da Inglaterra.
O ponto de partida para África, a Lisboa sul-americana, é Natal. Há Lodestars [1] para os britânicos, que decolam para Bathurst [2] a 1.850 milhas de distância (2.978 km). Lá, o Capetown Clipper da Pan Am [3] fez uma pausa na semana ada em um voo de teste de 18.290 milhas (29.434 km) de Manhattan a Leopoldville, no Congo Belga [4] – um voo que em breve levará a um serviço comercial quinzenal regular. Em Natal a Pan Am está construindo duas bases, uma para aviões (Parnamirim), outra para hidroaviões (Rampa) [5].
Normalmente Natal é uma tranquila cidade de 56.165 habitantes, que agora está lotada e em alta. Seu hospital [6] é um dormitório para os construtores de aeroportos; seu hotel transborda de engenheiros [7], pilotos que cruzam o Atlântico, motoristas de trator e espiões do Eixo. Dois operadores de escavadeiras dos Estados Unidos alugaram quartos em um bordel de alta classe, embora não gostem da comida. Eventualmente, a Pan Am espera construir um hotel perto de seu campo, a onze esburacadas milhas da cidade (17 km).
Avião italiano da LATI que utilizaram Natal e Recife como pontos de apoio no seu caminho para Roma.
Para a base de aviões de Natal a Pan Am está construindo duas pistas, cada uma com um quilômetro e meio de comprimento; uma estação de rádio; tanques de gás subterrâneos; um armazém, galpões de carga, etc. Junto a este campo, e provavelmente mais tarde incluído nele, está outro construído pela Air para a sua linha aérea entre Paris e Buenos Aires. Nesse local aviões Savoia-Marchettis da linha italiana LATI ainda decolaram esta semana para Roma [8].
Um francês corpulento chamado Reynaud, responsável por este campo, gosta de lembrar como os grandes hidroaviões da Air costumavam ar todos os dias com presentes para ele, legumes frescos da Argentina, vinho e frutas de Dakar [9]. Desde que a França caiu, ele nem recebeu seu salário. (O chefe da Pan Am em Natal ocasionalmente lhe dá um conto de réis ou dois). Mas ele ainda mantém uma lona bem espalhada sobre o único avião da França em Natal, um velho Fokker; ele corta a grama na pista; e todas as noites, pelo rádio, ele relata “condições climáticas” para Dakar.
Aeronave italiana da LATI aterrissando em Ibura (Recife), ou Parnamirim (Natal), enquanto trabalhadores brasileiros trabalham para uma empresa dos Estados Unidos.
A uma hora de Natal sobre o Atlântico, um piloto norte-americano do primeiro grupo que transportava aviões para os britânicos em Bathurst notou que um cilindro estava “ausente”. Ele conseguiu retornar a Natal e pousar, embora o farol e as luzes da pista estivessem apagados, o campo deserto. Os mecânicos descobriram uma vela de ignição muito solta, vários fios de ignição ondulados. Desde então, as luzes do aeroporto brilham a noite toda e os pilotos ficam duas horas vigiando seus aviões.
Uma noite, um estranho misterioso apareceu em um armazém que guardava gasolina da Pan Am. Enviando o vigia simplório para telefonar para o gerente, o estranho colocou perto de algumas latas de querosene uma bomba incendiária, do tipo caneta-tinteiro da Primeira Guerra Mundial, e depois desapareceu. O vigia descobriu o fogo, que gerou um pequeno dano. A gasolina era necessária para as Lodestars, que em breve partiriam para a África [10].
Avião Douglas DC-3 da Pan American Airwaysna pista do antigo Campo dos ses, que durante a Segunda Guerra ficaria conhecido como Parnamirim Field.
Em Recife, no extremo leste do Brasil, a ADP assumiu outro campo da Air , ladeado por uma estação de rádio da LATI extremamente poderosa. Os aviões da LATI também usam este campo, quase roçando as cabeças dos trabalhadores da ADP quando decolam e aterrissam.
Para ampliar a pista de 800 para 1.550 metros, a ADP está movendo com mão-de-obra 120.000 metros cúbicos de solo, cortando e enchendo pontos muitas vezes seis metros acima do nível normal.
O superintendente Fred Wohn teve problemas para obter caminhões basculantes necessários, devido ao pequeno número existente. Um empreiteiro alemão tinha alguns; quando Wohn tentou alugá-los para o projeto ADP, ele recusou categoricamente. Wohn finalmente conseguiu seus caminhões enviando um intermediário para alugá-los para um projeto anônimo [11].
O engenheiro civil norte-americano Frederick Louis Wohn, que chegou ao Brasil no final de julho de 1941 para trabalhar em Natal.
O solo do Recife é quase areia pura, deve ser aguado para evitar que seja levado pelo vento. De uma pedreira próxima, a argila é transportada, espalhada sobre a base de areia em uma camada de seis polegadas. Sobre isso vão duas camadas de três polegadas de mistura de estabilização do solo. O resultado equivale a um bom cimento, mas é barato, rápido e resistente ao sol equatorial.
Recentemente quatro funcionários de primeira linha da Pan Am foram forçados a retornar em um voo de pesquisa desde o Caribe até Natal. Eles estavam pilotando um anfíbio Grumman que exigia permissões especiais, e o Ministério da Aeronáutica do Brasil, que é um órgão pesado e onde alguns funcionários são simpatizantes do nazismo, se recusou a conceder a licença de voo.
Apesar de tais obstáculos, o trabalho da Pan Am avança. Há dois anos a Pan Am operava 35% das companhias aéreas da América do Sul; agora opera 63%. A espionagem e a sabotagem do Eixo vão diminuir quando LATI e a Condor fizeram as malas e partirem, como outras linhas do Eixo na América do Sul já fizeram [12].
Esta semana a LATI. pelo menos, parecia estar em suas últimas pernas no Brasil. Quando a Pan Am iniciar o serviço South Atlantic Clipper, não haverá mais motivos para o Brasil tolerar o LATI.
NOTAS
[1] O Lockheed L-18 Lodestar foi um avião bimotor de transporte, desenvolvido e construído pela empresa Lockheed Corporation.
[2] Bathurst, atualmente chamada Banjul, é a principal área urbana da Gâmbia, uma antiga colônia britânica na África Ocidental. A Gâmbia se tornou independente em 1965 e Banjul é o centro econômico e istrativo desse país.
[3] O Capetown Clipper era a designação de um dos doze hidroaviões quadrimotores Boeing 314 Clipper operados pela Pan Am, que utilizavam Natal com frequência como ponto de parada e apoio. Eles desciam no Rio Potengi e utilizavam a base da Pan Am em nossa cidade, local que atualmente conhecemos como RAMPA.
[4] A cidade de Leopoldville é a atual Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, antigo Congo Belga.
[5] Segundo Lenine Pinto em seu livro Natal,USA, (págs. 58 e 59), o engenheiro Décio Brandão iniciou o levantamento topográfico na área de Parnamirim em março de 1941. Também neste livro, segundo relato do Sr. Rui Garcia Câmara, nesse mesmo mês também começou a ampliação do que hoje é a Rampa, às margens do Rio Potengi. Anteriormente no local havia uma pequena estação de ageiros da Pan Am.
[6] Atual Hospital Universitário Onofre Lopes, no bairro de Petrópolis.
[7] Nesse caso era o Grande Hotel, comandado por Teodorico Bezerra, no bairro da Ribeira.
[8] Os aviões Savoia-Marchetti utilizados pela empresa italiana LATI – Linea Aerea Transcontinentali Italiana eram trimotores S-79, que ligavam o Rio de Janeiro a Roma. Semanalmente em Natal esses aviões, suas tripulações e ageiros pernoitavam em um local de descanso próximo a pista de pouso de Parnamirim e realizavam a travessia do Atlântico Sul pela manhã cedo. A empresa italiana operou até o momento que o engajamento brasileiro foi se tornando mais forte com os americanos e teve sua licença cassada.
[9] Dakar, ou Dacar, é a capital do Senegal e antiga capital da área colonial da África Ocidental sa, possui como Natal uma posição geográfica privilegiada e estratégica, sendo por muitos anos o principal ponto de contato das antigas aeronaves que partiam da capital potiguar em direção a África.
[10] Lenine Pinto em Natal,USA (pág. 155) ele comenta sobre esse caso, mas que ele teria ocorrido em agosto de 1941, no depósito da empresa Esso, próximo da Base Naval de Natal e esse autor tinha extremas restrições sobre as informações referentes a esse atentado.
[11] Segundo sua ficha de imigração, Fred Wohn era na verdade o engenheiro civil Frederick Louis Wohn, de 38 anos, que chegou ao Brasil no final de julho de 1941.
[12] A Condor era o Sindicato Condor, ou Syndicato Condor, uma subsidiária da empresa aérea alemã Lufthansa no Brasil. Foi uma das mais antigas companhias de aviação do mundo, criada em dezembro de 1927.
Acho sempre muito engraçado quando encontro pessoas que dizem, muitas vezes alterando o tom da voz e com ar de extrema sapiência, que “no Brasil não existe racismo”.
Quem dera fosse assim!
O racismo no Brasil existe e possui na sua gênese um cinismo miserável, que espalha um veneno terrível, além de ser algo muito antigo, conforme podemos ver na foto que abre esse texto.
É uma foto publicada em uma revista “Fon Fon” de 1908, um dos mais respeitáveis informativos brasileiros do início do século XX.
Nela vemos uma mulher muito bem trajada, com um vestido típico da alta sociedade da sua época, com o colarinho fechado, bordados, chapéu com ramos e flores, além de luvas. Ela traz uma sobrinha clara para lhe proteger do sol.
Pelos desenhos existentes na pedraria da calçada ela está em um boulevard muito bem organizado. Ao fundo vemos mesas e cadeiras, com uma cobertura para proteger do sol, apontando que no local existe um café, ou um restaurante, certamente um interessante ponto de encontro. Na rua estão estacionadas carruagens, talvez do tipo cabriolet, ou caleche. Em suma, era um local “chic”, onde provavelmente se reunia a alta sociedade do Rio de Janeiro.
A foto não é muito nítida, mas percebemos que essa mulher não parece ser tão nova em sua idade e ela tem a mão uma criança, um menino, que veste uma roupa do tipo “calça curta”, com uma pequena gravatinha contendo detalhes geométricos interessantes, que se repetem no colarinho. Nos pés o menino parece calçar botinas. Em tudo são roupas caras, típicas de uma criança da alta sociedade dessa época.
Mas a mulher olha diretamente para a câmera. Um olhar firme, sem sorriso no rosto, um olhar de quem não gosta do que está acontecendo.
Conforme podemos ver acima, a foto foi publicada com a seguinte frase: “Mme. Cecília Carvalho e seu interessante filhinho”. O “Mme.” é diminutivo de mademoiselle e essa mulher, conforme pude ver nos jornais da época, era uma pessoa cujo nome era constantemente repetido como participante de inúmeros eventos sociais. Indicando ser uma mulher da alta sociedade carioca, da elite.
A publicação foto em si não teria nada demais e certamente seria motivo para deixar Mademoiselle Cecília Carvalho feliz. Mas a criança que aparece no “instantâneo” é negra.
Diante da expressão do rosto de Mademoiselle Cecília, acredito que a frase que acompanha a foto na “Fon Fon” é uma ironia ridícula, que reserva uma espécie de reprimenda, certamente pelo fato dela estar acompanhada de uma criança negra nesse tipo de ambiente.
Evidentemente que sem maiores dados fica difícil de compreender o que se esconde por trás da foto e da publicação da frase.
Não sei se essa criança era realmente filho de Mademoiselle Cecília. Acho que não. Talvez um filho de criação, ou de alguma empregada. Mas seja lá quem fosse a criança, aparentemente para aquela mulher não havia nenhum problema em sair na rua com ele. Não havia problema que ele fosse bem vestido, assim como ela. Mas parece que para o fotógrafo, e por extensão toda a sociedade da época, havia algo errado naquele conjunto. Tanto que valeu o click e a frase…
E assim vamos vivendo nesse país negro, repleto de ironias e hipocrisias em relação ao seu racismo antigo e ainda muito presente.
Mais de 1.150 formidáveis submarinos foram construídos na Alemanha durante a Segunda Guerra, sendo conduzidos por valentes marinheiros, que fizeram essas naves singrarem os sete mares levando o terror da sua presença. Hoje restam apenas cinco dessas máquinas e é uma delas, que está exposta em um museu em Chicago, que vamos comentar no TOK DE HISTÓRIA – O U-505 não alcançou grandes êxitos bélicos, foi sabotado, experimentou situações extremas e o azar fez parte quase que permanente de sua carreira. Mas a história de sua captura em alto mar é uma das páginas mais intensas e interessantes de toda Segunda Guerra. Além do formidável esforço para sua preservação.
Rostand Medeiros – IHGRN
Houve um momento durante a Segunda Guerra Mundial que o povo dessa grande nação tropical chamada Brasil ficou possuído de muito medo e muita raiva de tudo que significasse Alemanha. Isso aconteceu principalmente na segunda metade do mês de agosto de 1942, quando o submarino alemão U-507 torpedeou vários navios brasileiros no litoral da Bahia e Sergipe e suas ações mataram mais de 500 pessoas.
O Primeiro Ministro Britânico Winston Churchill comentou que a arma inimiga que mais temeu durante aquele conflito foram os submarinos. Diante dos milhares de afundamentos de cargueiros britânicos, Churchill compreendeu que se algo não fosse feito de maneira eficiente, os recursos vitais que os britânicos necessitavam para continuar a luta deixariam de chegar aos seus portos e faria com que aquele povo caísse de joelhos pela fome.
Submarinos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.
Mais de 1.150 formidáveis submarinos foram construídos na Alemanha durante a Segunda Guerra, sendo conduzidos por valentes marinheiros, singraram os sete mares levando o terror da sua presença em todas as partes. Hoje restam apenas cinco dessas máquinas e quatro delas são abertas ao público na Alemanha (2), Grã-Bretanha (1) e nos Estados Unidos (1). E é sobre o submarino que está na terra do Tio Sam que vamos comentar!
Ele é o antigo U-505, uma nave de guerra que comparativamente a outros submarinos na época, não alcançou grandes êxitos bélicos. Consta que foi sabotada, experimentou situações extremas e parece que o azar fez parte quase que permanente de sua carreira. Mas a história de sua captura em alto mar é uma das páginas mais intensas e interessantes de toda Segunda Guerra. Além do formidável esforço para sua preservação.
Visita Do Próprio BdU
O U-505 era um submarino alemão do Tipo IX-C, tendo sua construção se iniciado em 1940 na cidade de Hamburgo. O U-505 foi lançado ao mar em 25 de maio de 1941 e logo ou a fazer parte da marinha de Hitler. Oito meses depois sua tripulação concluiu seu treinamento de combate.
Foi designado como seu comandante o Kapitänleutnant Axel-Olaf Löwe (ou Loewe como querem alguns). Tinha 31 anos de idade, era natural da cidade portuária de Kiel, havia entrado na Marinha alemã em 1928, começou o treinamento em submarinos no final de 1940 e era considerado um líder nato, calmo e justo.
Aquele submarino começou sua primeira patrulha no final de janeiro de 1943, quando partiu do porto de Kiel e seguiu para sua base de operações no porto de Lorient, na França ocupada. Por 16 dias sua tripulação circundou ao norte das Ilhas Britânicas e depois tomaram rumo em direção sul. Atracaram no destino no dia 3 de fevereiro e se uniram à 2ª Flotilha de Submarinos.
Na sexta-feira, 6 de fevereiro de 1942, o almirante alemão Karl Dönitz se encontrava no porto de Lorient para inspecionar o submarino U-505 e todos os seus tripulantes, que ficaram em rígida formação no convés superior para saudar Dönitz, o Befehlshaber der Unterseeboote, ou BdU, o comandante supremo da arma de submarinos da Marinha alemã.
Cinco dias após essa cerimônia, o comandante ordenou soltar os cabos de amarração, enquanto a ponte de comando se encontrava adornada com guirlandas de flores. Uma banda naval começou a tocar marchas militares e o público nas docas aplaudiu o U-505 e sua tripulação.
A nave de guerra seguiu para alto mar percorrendo o calmo Rio Blavet, acompanhado do submarino U-64 e de um caça minas como escolta. Aquele pequeno grupo de embarcações navegaram juntos até a altura da cidadela de Port-Louis, onde os dois submarinos tomaram rumo sul, para realizarem patrulhas de busca e destruição de navios mercantes Aliados na região da costa ocidental africana.
Após deixarem para trás Lorient, o comandante Löwe ordenou a Herbert Nollau, primeiro oficial de vigia, que as guirlandas de flores fossem jogadas na água, pois na tradição marítima, pelo menos na tradição marítima alemã, dava azar carregar flores em um barco.
Mal sabia Löwe e seus tripulantes que ao longo de sua trajetória, a falta de sorte seria uma constante no U-505!
Vitórias Em Alto Mar
Quando o U-505 ou pelo arquipélago português dos Açores, Löwe autorizou uma “ponte livre”, o que significava que os homens poderiam subir até o convés para bater papo, tomar banho de mar, sol e fumar. Na sequência, depois de arem pelas Ilhas Canárias, o comandante ordenou “desligaram um motor e correram a meia velocidade para economizar combustível” e não chamar atenção. Chegaram à área de operações em 1º de março de 1942. Löwe tinha um comando independente em um submarino novo em folha, com dezenove torpedos a bordo e logo começaria a utilizá-los.
Na noite de 5 de março o SS Benmohr, um navio a vapor britânico de 6.000 toneladas, que seguia sem escolta a caminho da Escócia, foi torpedeado e afundou a cerca de 210 milhas náuticas a sul-sudoeste de Freetown, capital de Serra Leoa. Toda a tripulação de 56 pessoas sobreviveu e foram resgatados por um hidroavião quadrimotor britânico Sunderland do 95 Squadron da RAF (Royal Air Force).
No dia seguinte, quase ao meio-dia, o MV Sydhav, um navio-tanque norueguês de 7.600 toneladas que também se encontrava a sudoeste de Freetown, foi atingido a estibordo por dois torpedos. O navio afundou rapidamente pela popa e alguns membros da tripulação, entre eles o comandante Nils O. Helgesen, saltaram no mar e foram puxados para baixo pela sucção. Um outro foi atacado por tubarões e desapareceu. O resto dos sobreviventes se amontoaram em duas jangadas e avistaram o submarino a cerca de 250 metros de distância. Os náufragos viram que o mensageiro chinês do Sydhav, que se agarrava a destroços na água, foi interrogado. Então os alemães partiram sem terem se aproximado das jangadas. Mais tarde os sobreviventes conseguiram resgatar o mensageiro, mas ele morreu em decorrência dos ferimentos. Löwe e alguns de seus tripulantes afirmaram que pretendiam ajudar os náufragos, mas surgiu um avião inimigo e eles submergiram. Dos 35 tripulantes do Sydhav, 12 morreram.
Mais tarde, em 28 de março, Löwe teve que mergulhar duas vezes para escapar de uma aeronave e de uma corveta que estavam escoltando um navio a vapor. O U-505 foi atacado com cargas de profundidade por quatro longas horas, mas Löwe escapou com um mergulho profundo de 600 pés (183 metros). O comandante observou durante o batismo de fogo do U-505 “a tripulação se comportou de maneira excelente”.
Löwe manteve o moral elevado por meio do seu estilo de comando, mantendo a tripulação informada de suas intenções, exercendo uma liderança leve em lugar de utilizar de aspereza para remediar os lapsos dos marinheiros e respeitando as tradições e superstições marítimas. Incluindo a tradicional e elaborada cerimônia do cruzamento da Linha do Equador, que o U-505 realizou pela primeira vez na terça-feira, 31 de março de 1942.
Mesmo no meio de uma guerra total, a tradição marítima exigia que a deferência adequada fosse dada a Netuno, o deus romano do mar, que deveria embarcar em todos os navios que cruzam a linha imaginária, na busca de desafortunados marinheiros que ainda não haviam “lhe pedido permissão para estar no seu oceano”. Um dos marinheiros mais experientes se fantasiava de Netuno e realizava suas “obrigações”, normalmente brincadeiras de terrível mal gosto contra os recrutas mais jovens, mas que deleitavam os veteranos. Tal como ocorreu com outros submersíveis alemães, essa festa aconteceu no convés do U-505, a luz do dia, mas com os vigilantes bem atentos na torre.
Em 3 de abril, o U-505 afundou o SS WestIrmo e na noite seguinte foi a vez do SS Alphacca, ambos próximo ao litoral da Costa do Marfim.
O WestIrmo era um navio a vapor americano escoltado pela corveta britânica HMS Corpinsay, que viajava de Lagos, na Nigéria, com destino a cidade de Nova York, Estados Unidos. O U-505 seguiu esse navio por 29 extenuantes horas, antes de atacá-lo por volta das 21:30. Os dois primeiros torpedos que ele disparou o contornaram inofensivamente, sem chamar a atenção de sua tripulação ou dos militares da corveta que o escoltava. Horas depois fizeram uma nova tentativa e obtiveram sucesso. O West Irmo só afundou no dia seguinte e dos 109 tripulantes, dez morreram.
Já o Alphacca era um navio mercante holandês sem escolta, de 6.000 toneladas, que Löwe afundou à noite com um torpedo G7a, em um ataque de superfície. O fato se deu depois dos alemães perseguirem esse navio por mais de sete horas, a cerca de 154 milhas ao sul de Cabo Palmas, Costa do Marfim. A maioria dos tripulantes e todos os ageiros abandonaram o navio em quatro botes salva-vidas, sem enviar um sinal de socorro e 14 membros da tripulação foram perdidos. O submarino emergiu depois e se aproximou para questionar os sobreviventes e fizeram perguntas sobre o nome, nacionalidade, carga e rota da embarcação. Mas também questionaram se eles tinham abastecimento e água suficientes? Depois de ajudar os sobreviventes do Alphacca, estes foram informados o curso e a distância para o Cabo Palmas e mutuamente desejaram boa sorte e boa viagem. Os botes salva-vidas então navegaram em direção à costa, mas um bombeiro morreu no dia seguinte e seu corpo foi entregue ao mar. Em 9 de abril, todos os quatro pequenos barcos com os náufragos desembarcaram a leste do Cabo Palmas. Löwe observou no Diário de Guerra do U-505 “Barcos bem equipados e abastecidos. A tripulação falava alemão. Ironia da guerra, lutamos contra homens que falam a nossa própria língua”.
Depois das quatro vitórias, o U-505 ou a ser bastante perseguido pela aviação antissubmarino britânica e em 21 de abril de 1942 Löwe anunciou que eles estavam voltando para Lorient. Chegaram no dia 7 de maio, depois de várias perseguições infrutíferas dos ingleses. Nessa patrulha o submarino afundou um total de 26.000 toneladas de naves inimigas, ao custo de 14 torpedos, dos quais oito atingiram seus alvos.
O terceiro cruzeiro operacional do U-505 (e o segundo cruzeiro de combate) começou em um domingo, 7 de junho de 1942, e seu destino foi o cálido Mar do Caribe.
Uma bússola quebrada nesta viagem causou problemas de navegação, mesmo assim, antes de chegar em sua área operacional, o U-505 afundou dois navios mercantes ao norte das ilhas Leeward, ou Ilhas de Sotavento. Eles foram o SS Sea Thrush, em 28 de junho, e o SS Thomas McKean um dia depois.
O Sea Thrush era um cargueiro americano de 6.900 toneladas, que realizava sua viagem com carga geral e material de guerra, incluindo munições e aeronaves. Partiu da Filadélfia para a Cidade do Cabo, a capital da África do Sul, via a ilha de Trinidad. No começo da noite Löwe o atingiu com dois torpedos a cerca de 425 milhas a nordeste de San Juan, Porto Rico. Uma hora depois a tripulação evacuou e o comandante alemão acabou com o navio utilizando um terceiro torpedo. Todos os quarenta e um tripulantes, quatorze ageiros do Exército dos Estados Unidos e onze membros da Marinha americana sobreviveram em quatro botes salva-vidas.
Thomas McKeanem chamas, fotografado pela tripulação do U-505 – Fonte – https://uboat.net/
Já o Thomas McKean era outro navio americano, de 7.400 toneladas e recém lançado ao mar. Partiu de Nova York para sua viagem inaugural até o Golfo Pérsico levando uma carga de aviões, tanques e outros suprimentos de guerra para a União Soviética. Foi atingido por dois torpedos e depois que a tripulação baixou os botes salva-vidas, Löwe terminou o serviço no Thomas McKean com 72 disparos do canhão de quatro polegadas do convés do U-505. A tripulação alemã tirou fotos do navio em chamas, de um barco salva-vidas e deu aos náufragos suprimentos médicos e instruções para navegarem para terra, a 360 milhas náuticas de distância. Quatro, dos 59 tripulantes, morreram quando o Thomas McKean afundou e, dos quatro botes salva-vidas que deixaram a área do sinistro, dois foram resgatados em quatro dias, um chegou à costa após sete dias e o último alcançou as praias após nove dias.
Náufragos do Thomas McKean, igualmente fotografados pelo pessoal do U-505 – Fonte – https://uboat.net/
Pelos próximos 23 dias o U-505 circulou por uma grande área do Mar do Caribe em busca de presas. ou ao sul da Colômbia, Panamá, ao sul das belas ilhas de Bonnaire, Curaçao e Aruba. Depois se aproximou do litoral venezuelano, bem como do litoral da Colômbia, Panamá e Nicarágua. Em outros momentos adentrou mais o Mar do Caribe, sempre vasculhando atrás de vítimas. Então, as três da tarde de 22 de julho de 1942, algo surgiu no horizonte a 12 graus, 24 minutos de latitude norte e 81 graus, 28 minutos de longitude oeste.
Destruindo Um Veleiro
Era uma escuna de três mastros chamada Urios, mas que recentemente havia sido rebatizada de Roamar (o que causa confusão entre os pesquisadores) e deslocava 400 toneladas. Era registrada na cidade de Barranquilla, Colômbia e foi visualizada a doze milhas náuticas a noroeste de Cayo Bolivar, na ilha colombiana de San Andréas.
Löwe ordenou que o segundo oficial de vigia Gottfried Stolzenburg desse um tiro de advertência sobre a proa, porque o veleiro não tinha bandeira e se movia em ziguezague, tal como um navio que estava tentando evitar torpedos. O problema foi que o primeiro tiro do U-505 destruiu o mastro principal da escuna, que estava desarmada. O pânico se instalou, com seu mastro e velas caindo sobre seus decks elegantes como uma tenda gigante.
Interior da sala de torpedos do U-505.
Mas a escuna não parava, então Löwe ordenou outro par de tiros de advertência, momento em que a tripulação içou uma bandeira identificada como sendo da Colômbia. Mesmo assim a escuna não parava. Löwe manobrou o U-505 para interceptar o veleiro, mas em vez de chegar próximo, ele mudou de curso e de ideia e ordenou que afundassem aquele barco.
Segundo narrativas da tripulação do U-505, o primeiro tiro direto no casco do veleiro foi todo o convencimento de que a tripulação de língua espanhola precisava para abandonar seu barco. Os alemães afirmaram que esperaram até que a tripulação, “quase histérica” na opinião dos submarinistas, estivesse bem longe da escuna e voltaram a abrir fogo. Deram mais de vinte disparos e não demorou para que o canhão de convés transformasse aquele barco de 400 toneladas em palitos de fósforo.
Consta que a tripulação alemã se “divertiu muito com o ataque”, mas prontamente Löwe percebeu que aquilo foi um grande erro. O comandante ordenou imediatamente saírem daquela área, presumindo que o veleiro tivesse tido tempo de sobra para comunicar a presença do submarino pelo rádio.
Enfermaria do U-505.
E os problemas realmente iriam começar para o U-505. E de várias maneiras!
Primeiramente a Colômbia não era uma nação que havia declarado guerra à Alemanha e, para piorar a situação, o veleiro era propriedade de um diplomata colombiano. Seu afundamento, embora pudesse ser considerado em tempo de guerra perfeitamente legal, forneceu a base política para a Colômbia declarar guerra contra a Alemanha!
Some a isso o fato dos tripulantes jamais serem vistos novamente. Sobre essas vítimas consta que haveria quatro mulheres entre os desaparecidos e, dependendo das fontes pesquisadas, o número final de pessoas que estavam a bordo e sumiram para sempre após o ataque, varia de uma dúzia a 24.
O certo é que, coincidência ou não, a partir desse momento a situação do U-505 nas mãos dos alemães jamais foi positiva.
Material de detectação do submarino U-505.
Parece até que Netuno, o Rei dos Oceanos, se irritou profundamente com o fato daquele moderno submarino atacar um veleiro indefeso, com a alegria dos submarinistas com aquela ação e com o desaparecimento dos tripulantes. Supersticiosos como só os marinheiros podem ser, para muitos tripulantes do U-505 os infortúnios posteriores do submarino foram atribuídos ao afundamento daquela escuna.
Começo Do Azar
Logo após o ataque ao barco colombiano o comandante Axel-Olaf Löwe ficou gravemente doente. Sua condição física piorou dramaticamente nos dias seguintes e começou a afetar seu desempenho. E para piorar o quadro o comandante Löwe não conseguia afastar a sensação de que havia cometido um erro tremendo.
Na sexta-feira, 31 de julho de 1942, Löwe solicitou permissão para interromper seu cruzeiro de guerra e retornar ao porto devido à sua doença. Um dia depois o comando alemão ordenou a volta do U-505 a Lorient, mas antes ele entregou parte do combustível e suprimentos a outro submarino. Demoraram quase um mês para completar o trajeto e quase não chegaram, pois ataques de aviões britânicos ao U-505 aumentaram quando ele se aproximou do Golfo da Biscaia.
Interior do U-505 nos dias atuais.
Dois dias depois que voltou à base, Löwe foi submetido a uma apendicectomia. O atendimento médico aliviou a ameaça à sua vida, mas a dor física que ele ou não era nada comparado à angústia emocional que ele viveu com o naufrágio daquela maldita escuna de três mastros. Por alguma razão alguém nas altas esferas do Reich alemão, que não descobri quem era, não gostou nem um pouco da atitude de Löwe em relação ao naufrágio do veleiro colombiano. Ele foi sumariamente dispensado do comando do U-505 e designado para o serviço em terra.
A situação de Löwe só não se transformou em uma catástrofe total, porque o próprio almirante Dönitz reconheceu os talentos do capitão e providenciou para que ele fosse incluído em sua equipe. Depois, entre julho de 1944 a abril de 1945, Löwe foi designado como um elemento de ligação naval no Ministério de Armamentos e Produção em Berlim, sob o comando de Albert Speer. Ele terminou a guerra na região de Schleswig-Holstein, servindo em um regimento naval antitanque próximo a Kiel, sua cidade natal. Sobreviveu e foi detido após a rendição, sendo libertado em 30 de dezembro de 1945. Faleceu no final do ano de 1984.
Já o que aconteceu depois com o U-505, foi bem mais estranho!
Após a exoneração de Löwe, assumiu o comando no dia 6 de setembro de 1942 o Oberleutnant zur See Peter Zschec. Ele tinha 25 anos de idade, começou o treinamento de submarinos em outubro de 1940 e foi designado para o U-124, comandado por Johann Mohr. Durante sua permanência na nave de Mohr, o jovem Zschec presenciou o afundamento de 22 navios inimigos e três outros foram danificados. Com toda essa bagagem e experiência, o jovem oficial foi enviado para a escola de comandantes de submarinos e o alto comando acreditava que grandes coisas seriam realizadas por Peter Zschech.
Mas ele não correspondeu a essas altas expectativas e, de acordo com muitos relatos, não era querido por sua tripulação. Consta que Zschech foi descrito como um comandante duro, ambicioso em seu primeiro comando, indiferente ao moral dos seus homens e muito mal-humorado.
A sua primeira patrulha, de 69 dias, transcorreu em parte sem incidentes e Zschech conseguiu afundar seu único navio, o mercante britânico Ocean Justice, de 7.173 toneladas. Esse navio transportava 600 toneladas de minério de manganês como lastro e fazia a rota Karachi (Paquistão), Durban (África do Sul), ilha de Trinidad e Nova York, sendo destruído ao largo da l. Toda tripulação de 56 pessoas foi salva por barcos Aliados.
Um Lockheed Hudson da RAF. O Brasil também utilizou modelos dessa aeronave.
Na sequência, em 11 de novembro de 1942, o submarino foi fortemente danificado por um ataque aéreo no Mar do Caribe. O impacto direto no convés de proa de uma bomba de 250 libras, lançada por um avião bombardeiro bimotor Lockheed Hudson vindo de Trinidad, arrancou o canhão do barco e rompeu gravemente o casco. O impacto foi tão estupidamente forte que o avião atacante, pilotado pelo sargento de voo australiano Ronald Rashleigh Sillcock, do 53 Squadron do Comando Costeiro da RAF, simplesmente caiu no mar. Sillcock e outros quatro tripulantes morreram diante dos atônitos marinheiros do U-505.
Zschech ordenou que seus homens abandonassem o navio, mas seus oficiais recusaram a ordem e conseguiram manter a nave à tona. A após uma verdadeira maratona, o U-505 voltou mancando para Lorient, onde chegou em 12 de dezembro, dando a nave a honra mista de ser o submarino mais danificado em combate a retornar com sucesso ao seu porto durante a guerra. A paulada levada pelo submarino foi tão grande, que os reparos demoraram seis meses.
Sabotagens e Suicídio a Bordo
Quando Zschech novamente tentou levar o U-505 para o mar, repetidas falhas mecânicas o forçaram a voltar para reparos depois de apenas alguns dias de navegação. Isso aconteceu seis vezes consecutivas, geralmente devido à sabotagem dos trabalhadores do estaleiro francês.
Como o U-505 ficou após o ataque do sargento Sillcook.
Mesmo assim essa situação fez com que o U-505 se tornasse alvo de inúmeras piadas por sua ineficácia no combate. Diziam que enquanto alguns submarinos estavam acumulando totais de tonelagem impressionantes e outros estavam sendo afundados com toda sua tripulação, o U-505 nem tinha conseguido deixar o Golfo de Biscaia em quase um ano. Durante quase 14 meses no comando, Zschech ou apenas 96 dias no mar durante seis patrulhas. A principal piada sobre o comandante do U-505 era que, enquanto muitos outros submarinos estavam sendo afundados… “há um capitão que sempre voltará para casa … Zschech”. O U-505 também ficou conhecido como um Werftbock (cabra de doca seca). Naturalmente, isso teve um impacto deletério no moral de Zschech e de sua tripulação.
Para piorar o clima geral, mesmo sabendo que os fracassos do U-505 foram obras de sabotagem, para muitos marinheiros alemães em Lorient, o azar havia impregnado o casco daquele submarino e nada mais poria aquela nave nos eixos. O certo é que os membros da tripulação do U-505 começaram a comentar com colegas de outros submarinos seus infortúnios e mostravam o temor do que poderia acontecer.
Com cada mau funcionamento, o comportamento do comandante Zschech tornou-se mais errático, alternando entre introversão taciturna e explosões sádicas de agressão.
O comandante Zschech na torre do U-505 em Lorient
Mas o pior estava por vir!
Em 10 de outubro de 1943, o U-505 finalmente conseguiu deixar Lorient com sucesso. Depois de apenas 14 dias, o submarino chamou a atenção de um par de contratorpedeiros Aliados enquanto emergia a leste dos Açores. O U-505 sofreu um forte ataque de cargas de profundidade concentrada, um procedimento muito comum para tripulações de submarinos alemães neste ponto da guerra. Mesmo assim Peter Zschech desabou de vez, sofreu um colapso nervoso e tirou a própria vida na sala de controle do barco com um tiro na cabeça de uma pistola Luger (alguns afirmam que a pistola era uma Walter PPK).
O certo é que Zschech ganhou notoriedade como primeiro (e até agora único) comandante de submarino a cometer suicídio enquanto estava no comando ativo de uma embarcação debaixo d’água. O oficial Paul Mayer, com 26 anos de idade, assumiu o comando, evitou os perseguidores e devolveu o barco a Lorient em 7 de novembro de 1943.
O suicídio do seu comandante devastou o moral dos tripulantes do U-505. Mas o almirante Dönitz não dispersou a tripulação por outros submarinos, temendo que a boataria sobre esse episódio logo se espalhasse e gerasse um forte efeito negativo no moral da frota.
Dönitz chamou então um velho lobo do mar para colocar ordem naquela verdadeira zona que havia se tornado o U-505.
“Irmão Mais Velho”
O Oberleutnant zur See Harald Lange tinha 40 anos de idade quando assumiu esse comando, sendo na época um dos oficiais mais velhos na Unterseebootswaffe (Frota de Submarinos).
Oberleutnant zur SeeHarald Lange .
Lange era um homem fisicamente imponente, que tinha quase dois metros de altura e possuía uma voz de barítono. O novo comandante do U-505 nasceu em Hamburgo no dia 23 de dezembro de 1903 e antes da Segunda Guerra era capitão de um navio da Linha Hamburgo-Americana. Continuou a trabalhar na marinha mercante até ser chamado para o serviço ativo em 1939. Seu primeiro comando foi um barco caça minas, depois assumiu um barco patrulha no Mar Báltico, onde danificou um submarino inglês em um combate noturno. No final de 1941 se juntou a frota de submarinos.
Lange era um homem mais maduro do que a maioria dos comandantes de submarinos alemães, que na sua atividade em navios mercantes aprendeu a lidar com marinheiros, ganhando confiança e exercendo liderança. Não sendo um oficial naval profissional, talvez fosse mais tolerante com as fragilidades humanas do que um rígido oficial da Marinha alemã, embora não mimasse seus homens e insistisse que coisas importantes fossem feitas exatamente da maneira certa. Mas ele entendia o que a tripulação do U-505 havia ado, era informal em seus tratos com eles e fazia concessões nas pequenas coisas. Lange se tornou um tipo de “irmão mais velho”, que era exatamente o que essa equipe precisava se quisesse se manter unida.
A primeira experiência de Lange a bordo de um submarino foi como oficial de guarda do U-180, que tinha como comandante o Korvettenkapitän Werner Musenberg. Neste submarino Lange participou de uma missão bastante diferente para a maioria dos submarinos alemães na Segunda Guerra.
O U-180 era um modelo quase único, um submarino de longo alcance, com parte de sua estrutura interna removida para criar um compartimento para carga extra. Nesta missão, essa nave partiu da Alemanha com correio diplomático para a embaixada alemã em Tóquio, projetos de motores a jato, materiais técnicos para os militares japoneses, duas toneladas de ouro e dois ageiros indianos. Um deles era Subhas Chandra Bose, um ativista que lutava pela liberdade da Índia do julgo britânico e contava com o apoio dos nazistas. Bose deu meia volta no mundo a bordo do U-180 para retornar secretamente a sua terra e buscar insuflar a revolta do povo hindu contra os britânicos e conseguir a independência. Em 27 de abril de 1943 o U-180 realizou um encontro no Oceano Índico com o submarino japonês I-29, que recebeu os ativistas para levá-los a Sumatra e os preciosos materiais para o Japão. Aquela missão foi altamente secreta, tendo sido cumprida de forma excepcional e o U-180 ainda afundou dois navios de carga aliados no seu trajeto para a França.
Entre o dia 20 e 21 de dezembro de 1943, aquele complicado submarino partiu em um novo cruzeiro de guerra, mas tal como nas outras vezes, retornou a Lorient por causa de um vazamento em seu primeiro mergulho prático. Parecia que nada dava certo naquela nave!
Finalmente no sábado, 25 de dezembro de 1943, em pleno dia de Natal, o U-505 deixou novamente Lorient, apenas para no dia 28 seguir para resgatar sobreviventes do barco torpedeiro alemão T-25, que tinha sido afundado na Baía de Biscaia durante uma batalha entre torpedeiros alemães e destroieres britânicos. Depois de emergir para conduzir uma busca de cinco horas de duração, o U-505 recolheu 34 sobreviventes, de nove botes salva-vidas. O submarino então se dirigiu para o porto francês de Brest, quando na manhã do dia 30 de dezembro foi atacado por um avião inglês que lançou duas bombas. O ataque alarmou e sacudiu os homens da frota de superfície, mas a tripulação do U-505 levou a coisa toda na maior indiferença. Mas o ataque atingiu o eixo de uma das hélices, o que dificultou a navegação.
Quando chegaram a Brest uma barcaça cheia de correspondentes de guerra veio até o submarino para cobrir a história do resgate. Aí do nada, enquanto os jornalistas estavam a bordo do U-505, ocorreu um incêndio elétrico!
Os jornalistas estavam obtendo algumas imagens internas do submarino, quando inesperadamente um clarão cegante, semelhante a um relâmpago, irrompeu da sala do motor elétrico. Um enorme raio branco-azulado de eletricidade estava saindo e uma grande nuvem de fumaça branca, que se transformou em uma fumaça negra e malcheirosa, exalava do motor. Essa dramática exibição elétrica causou pânico imediato entre os jornalistas, que correram como um rebanho de gado assustado em direção à sala de controle. Os sobreviventes do barco de patrulha T-25 juntaram-se a eles quando a nuvem de fumaça sufocante começou a invadir o barco. O fogo foi logo controlado e o submarino foi para o estaleiro.
Somente em 16 de março de 1944, depois de dez semanas em Brest, o U-505 partiu para a sua décima segunda e última patrulha!
Para essa saída ao mar a tripulação do U-505 era composta de 59 homens, sendo cinco oficiais, 17 suboficiais e 37 recrutas não qualificados. Sua área operacional deveria ser ao largo da costa oeste da África, na região da cidade portuária de Freetown. Mas devido a ação dos aviões britânicos de caça de submarinos, o U-505 levou doze dias para atravessar o Golfo da Biscaia.
Na sua área de patrulha o submarino não encontrou alvos durante um mês inteiro e o único barco que visualizou foi um navio de ageiros de 9.000 toneladas do neutro Portugal. Nesse meio tempo, como era normal com aquela nave, vários sistemas mecânicos quebraram e Lange poderia ter retornado à base, mas preferiu mandar consertá-los no mar. Os tripulantes do U-505 não tinham mais certeza se aqueles fatos eram exemplos de sabotagem, sinais de queda na qualidade do material de guerra, ou definitivamente aquele barco estava amaldiçoado.
Em 30 de maio de 1944 Lange definiu o curso para leste, em direção à África Ocidental sa. Percorreu 84 milhas em 42 horas, antes de mudar o curso de volta para o norte. Na manhã do dia 4 de junho, o U-505, continuava cruzando os mares da África Ocidental em busca de oportunidades para enviar navios aliados para o fundo do oceano. Em dado momento, de forma inesperada, cargas de profundidade vindas do navio da Marinha dos Estados Unidos USS Chatelain explodiram.
O Submarino Está Subindo!
Embora acertar o submarino com cargas de profundidade tenha sido um golpe de sorte, nessa época os serviços de inteligência dos Aliados já haviam conseguido decifrar mensagens e informações que permitiram à Marinha dos Estados Unidos aprimorar-se na caça dos submarinos inimigos.
O Uss Pillsbury, um dos navios que atacou o U-505 – Fonte – US Navy
Foi descoberto que um grupo de submarinos alemães estavam conduzindo uma operação de caça e destruição de navios mercantes Aliados próximo as ilhas de Cabo Verde. A Marinha americana então enviou um grupo de navios para capturar e destruir esses submarinos. O grupo era comandado pelo comandante Daniel V. Gallery, a bordo do porta-aviões USS Guadalcanal. Ele estava acompanhado por cinco destroieres, que operavam sob o comando do capitão Frederick S. Hall. Esses navios eram o USS Pope, USS Jenks, USS Pillsbury, USS Flaherty e o já comentado destroier Chatelain. Esse grupo de navios foi denominado United States Navy Task Group 22.3 (TG 22.3).
Os membros dessa flotilha embarcaram do porto de Norfolk, na Virgínia, em 15 de maio de 1944 e no final do mês suas tripulações começaram a missão de localizar e destruir os submarinos inimigos na costa ocidental africana. Eles estavam equipados com tecnologia de sonar de localização de alta frequência chamado “Huff Duff” e foram auxiliados pelo reconhecimento aéreo proporcionado por duas esquadrilhas do Guadalcanal, sendo uma formada por aeronaves Grumman F4F Wildcat e outra de Grumman TBF Avenger.
Pouco antes de meio-dia de 4 de junho, através do contato de sonar o grupo de destroieres encontrou um alvo. Estavam à aproximadamente 150 milhas (280 km) de distância da costa da antiga colônia espanhola de Rio de Oro, que atualmente corresponde ao Saara Ocidental.
Logo a nave nazista ficou a apenas 800 jardas (700 metros) a estibordo da proa do destroier Chatelain. Toda a força naval americana respondeu rapidamente ao chamado de ação e se moveram em direção ao submarino. O Guadalcanal lançou um F4F Wildcat para se juntar a outro F4F e um TBF Avenger que já estavam patrulhando. Surpreendentemente quando o Chatelain partiu para atacar o submarino, ele estava tão perto que suas cargas de profundidade não puderam cair com rapidez suficiente para atingir o submersível. Felizmente aqueles caçadores de submarinos sabiam exatamente o que fazer.
Ao ar sobre o U-505 a tripulação disparou morteiros antissubmarino “Hedgehog” e retornaram para realizar um ataque de acompanhamento. Enquanto o Chatelain se posicionava, uma aeronave avistou a nave alemã e marcou sua posição. O Chatelain novamente lançou suas cargas de profundidade, atingindo o submarino e fazendo com que ele vazasse óleo combustível abundantemente. Um dos pilotos na área transmitiu pelo rádio a seguinte informação para a tripulação do destroier – “Você descobriu petróleo! O submarino está subindo!”.
Corrida Para Salvar o Submarino
O ataque foi rápido e produtivo. O tempo total necessário para forçar o submarino subir à superfície foi de pouco menos de sete minutos. O U-505 emergiu a cerca de 700 jardas (640 metros) do Chatelain, fortemente danificado e sem opções de defesa. Nesse momento tudo que pertencia a Marinha dos Estados Unidos e estava na água e no ar abriu fogo com todas as suas armas contra o submarino.
O U-505 estava com pouca eletricidade e sendo destruído. O comandante Lange acreditava que não havia como o submarino sobreviver ao ataque e então ordenou que sua tripulação abandonasse a nave. Mas quando sua ordem foi dada, seus homens não seguiram o protocolo adequado de destruírem a embarcação ao abandoná-la. Algumas das válvulas foram deixadas abertas para entrar água do mar, mas não foi o suficiente para o submarino afundar e, para cúmulo do azar e piorar a situação, os alemães deixaram os motores funcionando em marcha lenta.
O resultado foi que o U-505, que teve o leme danificado pelas cargas de profundidade, começou a circular lentamente no sentido horário a velocidade de aproximadamente 7 nós (13 km/h). Nesse meio tempo o comandante do Chatelain viu o submarino virando para seu navio e pensou que ela estava prestes a atacar, então ordenou que um único torpedo fosse disparado. Por sorte a tripulação do Chatelain errou o U-505 vazio. Depois desse erro, os caçadores perceberam que o submarino havia sido abandonado e o Chatelain e o Jenks começaram a resgatar os sobreviventes.
O comandante Daniel V. Gallery ordenou que um grupo de embarque de oito homens do destroier Pillsbury, comandados pelo tenente Albert Leroy David, buscassemevitar que o submarino afundasse, garantindo sua captura para os serviços de inteligência dos Estados Unidos, que assim poderia descobrir os segredos dos temidos submarinos alemães.
O grupo de tenente Albert invadindo o submarino
Leroy David e seu grupo conseguiram abordar o submarino em uma corrida no meio do oceano e subiram na torre de comando. No convés eles encontraram o corpo do sinaleiro de primeira classe Gottfried Fischer, a única fatalidade do combate, e o U-505 completamente vazio de gente.
A tripulação americana que se infiltrou no U-505, interrompeu os vazamentos fechando as válvulas de escape e mantiveram o submarino flutuando, mesmo com uma boa quantidade de água no seu interior. Eles também desligaram os motores e começaram a trabalhar para proteger o que havia dentro e fosse útil para o pessoal da inteligência. O grupo descobriu gráficos, livros de códigos difíceis de encontrar e desarmou as cargas de demolição que haviam sido plantadas pelos submarinistas em fuga, mas que, outro azar dos germânicos, não funcionaram!
A esquerda vemos o comandante Daniel V. Gallery, junto ao tenente Albert L. David, fotografados a bordo do USS Guadalcanal em junho de 1944. O tenente Albert foi condecorado postumamente com a Medalha de Honra do Congresso, a mais alta condecoração militar dos Estados Unidos, por ter liderado o grupo de abordagem que invadiu o U-505. Ao final da Guerra, pouco antes de ocorrer a cerimônia de entrega da medalha na Casa Branca, em Washington, o tenente Albert morreu de um ataque cardíaco. Sua esposa recebeu a comenda das mãos do presidente Harry S. Truman – Fonte – US Navy.
O próximo o do comandante do Pillsbury foi tentar rebocar o submarino de volta para as proximidades do porta aviões Guadalcanal, o maior navio daquela pequena frota. Infelizmente o U-505 colidiu com o destroier repetidamente e o Pillsbury teve que se afastar com três compartimentos inundados.
Depois que o reboque inicial falhou, um segundo grupo de embarque foi enviado do Guadalcanal pelo comandante Gallery e conseguiram colocar um cabo de reboque do porta-aviões para o submarino e começaram a arrastar a nave alemã até um local seguro.
O engenheiro chefe do Guadalcanal, comandante Earl Trosino, encontrou uma forma para que as hélices do U-505 girassem através do deslocamento da água proporcionado pelo reboque e isso regenerou as baterias do submarino. Consequentemente foi possível bombear para fora a água do mar e os compressores de ar começaram a encher os tanques de lastro. O resultado final foi o submarino totalmente emerso na superfície.
O U-505 sendo atado ao porta aviões Guadalcanal – Fonte – https://uboat.net/
Depois de ser rebocado por três dias, o comandante Gallery ordenou que o submarino fosse transferido para o rebocador da frota USS Abnaki, onde conseguiu chegar no dia 19 de junho a Port Royal Bay, nas Bermudas, após ter percorrido 1.700 milhas náuticas (3.150 km). O U-505 era a primeira captura da Marinha dos Estados Unidos em mais de um século, tendo a última ocorrido durante a guerra de 1812. Além disso esse submarino inimigo foi um dos seis que foram capturados pelas forças Aliadas durante toda Segunda Guerra Mundial.
Junto com o submarino, quase 60 prisioneiros foram entregues nas Bermudas. Depois esses homens foram internados em Camp Ruston, na Louisiana.
Quando ainda estavam detidos, alguns dos prisioneiros alemães aprenderam a jogar beisebol com os guardas americanos, que eram membros de um time de beisebol da Marinha. Enquanto os prisioneiros nazistas estavam aprendendo um esporte americano, a Marinha dos Estados Unidos estava aprendendo os segredos internos do U-505.
Material capturado do U-505, no hangar do USS Guadalcanal – Fonte – https://uboat.net/
Além dos mapas, livros atualizados de códigos de coordenadas, um livro de códigos curtos e, o maior dos prêmios, os americanos conseguiram capturar intacta uma máquina decifradora conhecida como “Enigma”. Todas as informações conseguidas nessa abordagem foram divididas com os britânicos e uma equipe de criptografia começou a trabalhar no material recém capturado.
Aquele material forneceu uma vantagem perfeita para os Aliados. Usando documentos recuperados do submarino, a Marinha dos Estados Unidos despachou navios para as localizações dos submersíveis e navios de guerra da Marinha alemã e assim destruí-los. Além disso as rotas de transporte de suprimentos foram cuidadosamente planejadas para minimizar os danos que os alemães poderiam causar aos barcos Aliados.
Embora os benefícios de curto prazo fossem cruciais, a captura do submarino em si trouxe capacidades de longo prazo para defender adequadamente os navios de guerra contra os submarinos nazistas. Os torpedos do U-505 eram do tipo acústicos e foram dissecados e testados. Isso permitiu a criação de um sistema de contra-ataque capaz de combater mais eficazmente as naves submersíveis alemãs.
Surpreendentemente, mesmo com a captura do submarino, chegou-se a cogitar uma punição ao comandante Gallery!
O controverso almirante Ernest J. King, Chefe de Operações Navais dos Estados Unidos, considerou uma corte marcial ao comandante Gallery, porque ele rebocou o U-505,em vez de afundá-lo após capturar os livros de código e a máquina “Enigma”. King acreditava que o reboque tenha levado a possíveis vazamentos de informações e isso poderia ocasionar sabotagens dos nazistas.
Ernest J. King
Ernest King serviu 55 anos na ativa na Marinha dos Estados Unidos, uma das carreiras mais longas já registradas para esse serviço. Foi o único homem que já ocupou simultaneamente os cargos de Chefe de Operações Navais e Comandante-em-chefe da Frota daquele país, tornando-o um dos oficiais mais poderosos na história daquela força naval. King era altamente inteligente e extremamente capaz, mas controverso e difícil. A sua propalada franca honestidade e seu temperamento explosivo, fizeram com que ele angariasse vários inimigos, deixando um legado misto. Por exemplo, o general Dwight D. Eisenhower, Comandante em Chefe das Forças Aliadas na Europa, reclamou em seu diário particular que o almirante King era “um tipo arbitrário e teimoso, com pouco cérebro e uma tendência a intimidar os mais novos”. Era amplamente respeitado por sua habilidade, mas não era apreciado por muitos dos oficiais que comandava. Existem insinuações que King chegou mesmo a utilizar do seu poder para tentar conquistar mulheres de seus oficiais inferiores. Ainda sobre essa figura, Franklin D. Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos durante maior parte da Segunda Guerra, certa vez descreveu King como “um homem que faz a barba todas as manhãs com um maçarico”.
Jornal americano da época noticiando a captura.
A ideia maluca de punição do almirante King não prosperou e a iniciativa de salvar o submarino foi muito elogiada, abrindo o caminho para o competente comandante Daniel V. Gallery receber uma promoção de almirante.
Salvo Em Um Museu
Para garantir ainda mais o segredo, a tripulação do U-505 foi completamente isolada. Eles não viram nenhum outro prisioneiro durante seu tempo de cativeiro e até mesmo a Cruz Vermelha teve o o negado a eles. Mas a aposta valeu a pena, pois a Alemanha declarou a morte da tripulação do submarino e informou as famílias. Os prisioneiros só seriam libertados e voltariam para casa em 1947.
O U-505 junto a um navio da Marinha americana.
O U-505 ficou na Base Operacional Naval dos Estados Unidos nas Bermudas e os oficiais e engenheiros da inteligência da Marinha o estudaram intensamente. Para manter a ilusão de que a nave alemã havia sido afundada, em vez de capturada, ela foi pintada para se parecer com um submarino americano e rebatizado como USS Nemo. A marinha removeu o periscópio da nave alemã e o colocou em um tanque de água usado para pesquisas em um laboratório em San Diego, na Califórnia.
Após as análises, o U-505 foi utilizado como máquina de propaganda e promoveu entre a população americana a venda de bônus de guerra. Em junho de 1945 o submarino visitou as cidades de Nova York, Filadélfia, Baltimore e foi até a capital Washington. Qualquer cidadão que comprasse um bônus de guerra, tinha direito a embarcar e conhecer o submarino.
Após o fim do conflito a marinha fez pouco uso do submarino e ele ficou esquecido no Estaleiro Naval de Portsmouth, New Hampshire. Então ficou decido utilizá-lo como alvo de seus navios de guerra, até que afundasse. Mas o agora contra almirante Daniel V. Gallery se opôs aos planos sobre o destino do U-505. Ele comentou o caso com um irmão, um religioso influente, que conhecia Lenox Riley Lohr, o diretor do prestigioso MSI – Museum of Science and Industry (Museu de Ciência e Indústria) de Chicago. Lohr foi contatado para saber se a instituição que dirigia, gostaria de receber o famoso U-505. A resposta foi um eloquente “sim”!
Em setembro de 1946 decidiu-se que o governo dos Estados Unidos doaria o submarino ao museu e logo começou uma campanha junto aos habitantes de Chicago para arrecadar dinheiro para transportar o submarino e preparar o museu para recebê-lo. Conseguiram 250.000 dólares.
O U-505 nos Estados Unidos na década de 1950 – Fonte – https://uboat.net/
Em Chicago o pessoal do MSI descobriu que quase todas as partes removíveis haviam sido arrancadas do interior do U-505 e ele não estava em condições de servir para uma exposição. O diretor Lohr então ou as empresas alemães que originalmente forneceram peças para a fabricação da nave e solicitou aos fabricantes que fornecessem os mesmos componentes e peças originais do submarino. Consta que todas as empresas não negaram apoio e forneceram as peças solicitadas gratuitamente. Desejavam assim que aquelas peças e o submarino servissem para mostrar a capacidade da tecnologia alemã.
O U-505 nos dias atuais. Reparem no buraco de um disparo de canhão na torre, ocasionado no dia de sua captura – Fonte – https://www.msichicago.org/
Em 25 de setembro de 1954, o submersível capturado tornou-se uma exposição permanente no MSI e foi criado um memorial para todos os marinheiros que perderam suas vidas na Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Vinte anos após a captura do U-505, em meio a uma reunião realizada no museu que uniu antigos inimigos, o almirante Daniel Gallery devolveu ao comandante Harald Lange um par de binóculos que lhe pertencera. Lange faleceu em 1967 e Gallery dez anos depois.
Recordam do periscópio que foi removido do U-505 e levado para San Diego? Pois bem, ele ficou esquecido por lá durante décadas, mas em 2003 foi reencontrado e a Marinha o doou ao museu para ser exibido junto com o submarino.
Em 2004, o exterior do U-505 havia sofrido danos perceptíveis pelo tempo. O museu então o mudou para um novo local climatizado em abril de 2004. Eles o restauraram e reabriram ao público em 5 de junho de 2005.
Em 2019, o Museu da Ciência e Indústria reformou a antiga nave, restaurando-o para ficar mais próximo de sua condição original e uma exposição especial com muitos artefatos adicionais foi aberta.
E o submarino U-505 está lá no MSI, tendo voltado a receber visitantes em 2021, após grande parte do público americano já ter sido vacinados contra o Covid-19.
1970 foi um ano de seca muito forte, onde pouco sobrou para o homem do sertão nordestino conseguir sobreviver. Na época, o Governo Federal procurou minimizar os impactos sociais decorrentes dessa estiagem e atender as grandes levas de flagelados. Em anos anteriores haviam sido criados programas que consistiam na utilização de trabalhadores rurais em obras de pequeno e médio porte, as chamadas “Frentes de Emergência”. Normalmente executadas em grandes propriedades privadas de lideranças políticas, a criação desses subempregos fomentou entre os pequenos agricultores do sertão do Nordeste brasileiro uma forte dependência política e financeira. Mas para muitos, em certos momentos, foi a principal fonte de sobrevivência.
Uma dessas “emergências”, como o sertanejo denominavam os locais onde ocorriam as obras desse programa, ficava localizada a cerca de trinta quilômetros ao norte da sede do município pernambucano de Serra Talhada, na região do Pajeú (412 km de Recife e então com 65 mil habitantes).
No final de dezembro de 1970 ali foi realizada a obra de melhoramento da estrada carroçável que seguia até o povoado de Santa Rita, ando pela comunidade de São João dos Gaia e o sítio Serrote Branco.
A maioria dos trabalhadores rurais alistados naquele setor eram membros da família Magalhães, cujos os integrantes eram considerados um clã familiar tradicional, tidos como pessoas honestas, trabalhadoras, com muitos deles possuindo pequenas propriedades rurais, mas recursos financeiros limitados. Até hoje na região são conhecidos como a família Gaia, ou simplesmente os Gaia. Mesmo sem comprovação, é possível que essa denominação exista por eles possuírem um anteado oriundo do município de Vila Nova de Gaia, norte de Portugal.
Foto ilustrativa de uma Frente de Emergência no sertão nordestino.
O certo é que no dia 30 de dezembro de 1970, uma quarta-feira, esses trabalhadores estavam reunidos para receber de um funcionário da extinta SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) o pagamento pela semana trabalhada na Frente de Emergência. Fazendo a segurança desse funcionário estavam dois soldados da Polícia Militar do Estado de Pernambuco (PMPE), que se chamavam Adalberto Clementino de Moura e Alberto Alves de Oliveira, este último conhecido como Alberto Cipriano. O pagamento ocorreu na comunidade de São João dos Gaia, em um local onde hoje existe um Grupo Escolar.
Segundo a reportagem de primeira página do Diário de Pernambuco (edição de 17/01/1971), na hora de entregar o miserável salário, o funcionário público da SUDENE buscou organizar uma fila e houve algum tipo de alteração entre ele e Edmundo Gaia, tido como chefe da família e da turma de trabalhadores, pois na sequência o pagador mandou que o soldado Adalberto revistasse Edmundo para ver se ele trazia alguma arma de fogo e em caso positivo, que fosse preso.
A Serra Talhada.
O material do jornal informa, sem trazer detalhes, que o soldado Adalberto não gostava de Edmundo e para impor autoridade empurrou o rapaz, que reagiu empurrando o militar de volta. O soldado então revidou com um violento murro na cara do trabalhador rural.
Aí a coisa desandou!
Cícero Batista Gaia tentou apartar a briga entre Edmundo e o soldado Adalberto, quando o outro soldado baleou Cícero. Na época uma das testemunhas do fato foi uma mulher conhecida como Maria Barraqueira, que tinha montado no local uma banquinha e vendia algumas peças de roupas. Ela contou que no momento do tiro atendia Antônio, irmão de Edmundo, que ao ouvir o disparo disse “Valha-me Nossa Senhora… Briga com meus irmãos! Corra Enoque (outro irmão)”. Maria Barraqueira contou ao repórter do Diário de Pernambuco que “A essa altura eu me vali das pernas e me fiz no mato, de onde ouvia, somente, a saraivada de balas pelo ar”.
Outra testemunha do conflito, um trabalhador rural local, narrou que “Nossa Senhora valeu os irmãos Gaia, pois aguentar uma chuva de balas daquelas, foi um verdadeiro milagre”. Ainda segundo essa testemunha os Gaia, ao verem Cícero baleado, “lutaram como leões”. Um deles partiu para cima do soldado Alberto Cipriano, conseguiu tomar seu revólver e matá-lo. O soldado Adalberto também tombou sem vida. Uma versão aponta que Cícero, Edmundo, Tozinho, Antônio e Enoque Gaia reagiram apenas com facões e punhais aos dois policiais armados de revólveres. O menor Luiz Ferreira da Silva testemunhou tudo e afirmou à imprensa que também havia sido agredido por um dos policiais, cujo nome não sabia. Comentou também que os Gaia reagiram às arbitrariedades “como um homem deve fazer” e que os soldados “estavam pagando para morrer”.
Após as mortes, os membros da família Gaia envolvidos no conflito desapareceram.
Covardia
Em março de 1975, quando o caso Vilmar Gaia estava no auge, o então capitão da PMPE Jorge Luiz de Moura, que nessa época era o Assistente Policial Militar Adjunto a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, produziu um interessante relatório de onze páginas sobre o caso. Uma cópia foi entregue ao extinto DOPS (Delegacia de Ordem Política Social) de Recife e se encontra no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, cujo conteúdo utilizei para produzir esse artigo.
Neste material o capitão Jorge afirmou que a morte daqueles dois policiais “gerou a inimizade entre alguns elementos da Polícia Militar, destacados nesta cidade (Serra Talhada), que ficaram solidários com as famílias dos soldados assassinados”. O problema dessa “inimizade” foi a forma como os policiais agiram contra os membros da família Gaia que não fugiram. Um grupo formado basicamente de velhos, mulheres e crianças.
Um funcionário municipal de Serra Talhada, cuja identidade não foi revelada, comentou aos jornalistas do Diário de Pernambuco (edição de 17/01/1971) que “as sevícias”, que os familiares dos assassinos dos soldados sofreram da polícia, a fim de descobrirem o paradeiro dos mesmos, foi um “procedimento reprovável sob todos os pontos de vista”.
Francisca Maria Alves, seus filhos. Membros da família Gaia, atacados por policiais.
Os repórteres recifenses estiveram no casebre de Antônio Paes de Lima, sogro de Edmundo, onde viram as portas arrombadas pelos policiais ao iniciar as diligências para capturar os criminosos e ouviram do dono da casa que os soldados chegaram por volta da meia noite do dia 31 de dezembro de 1970. Antônio começou o Ano Novo “recebendo murros, pontapés, pancadas nos peitos com a coronha de um fuzil e empurrões”. O mesmo aconteceu com seu filho Joaquim Paes, que foi arrastado pelos cabelos e jogado em cima de um caminhão. Já a Senhora Virginal Vieira Alves, esposa de Edmundo, tentou fugir com os seus filhos, mas foi obrigada a retornar para sua casa em meio a muitas ameaças dos soldados, que mantiveram fuzis apontados para ela e suas crianças.
Já as jovens Maria José Paes de Lima, Lucinda Francisca Alves e Maria Ginave Alves, tiveram as mãos e os pescoços amarrados e foram violentamente açoitadas com cordas para revelarem o paradeiro dos parentes.
Mas não ficou só nisso!
A mãe de Edmundo, a Senhora Manuela Maria Cordeiro de Magalhães, então com 72 anos de idade, foi arrastada pelo chão, teve fuzis apontados para sua cabeça e foi ameaçada com sabres no pescoço. Nem o motorista da viatura policial aguentou ver o sofrimento daquela mulher e clamou pela sua defesa. Ainda segundo a reportagem do Diário de Pernambuco a tentativa de proteção não adiantou, pois seus companheiros de farda jogaram Dona Manuela em cima de um banco de madeira e, em janeiro de 1971, ela se encontrava entre a vida e a morte.
Já Francisca Maria Alves, mãe de dez filhos e que estava grávida na época dessa tragédia, foi ameaçada de ser sangrada se não informasse o paradeiro do seu marido Antônio Gaia. A experiência de Dona Francisca foi verdadeiramente terrível, pois sofreu violências na frente dos filhos e nada falou sobre o esposo.
No outro dia, por pura necessidade, essa mulher foi buscar água em uma cacimba nas proximidades. Nesse meio tempo seus filhos, já massacrados de tanto terror acontecido na noite anterior, ao escutarem um carro circulando pelas imediações de sua casa, correram desesperados para o meio do mato. Pensavam que a polícia retornava para uma nova seção de violências.
Ocorre que as crianças se perderam na caatinga e só foram encontrados já à noite. O mais novo dos filhos de Dona Francisca se achava doente e acabou morrendo por falta de assistência.
A Morte do Velho Batista Gaia
Aparentemente as notícias das arbitrariedades policias contra idosos, mulheres e crianças da família Gaia obtiveram certo nível de repercussão em Recife. Mas isso não significou o fim das violências.
Segundo uma reportagem da Revista Manchete, assinada por Laércio Vasconcelos (Edição 1568, 08/05/1982, págs. 118 a 121), quem ou a ajudar os membros da família Gaia envolvidos no conflito da “Frente de Emergência” foi um tio chamado João Batista de Magalhães, mais conhecido como João Batista Gaia. Ocorre que esse cidadão, guarda aposentado da Coletoria Estadual, era amigo de José Cipriano, pai do falecido soldado Alberto Alves de Oliveira, o Alberto Cipriano. Segundo o jornalista Laércio Vasconcelos, nas décadas de 1920 e 30 eles haviam participado de volantes que haviam caçado Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seu bando de cangaceiros. Quando José Cipriano soube que seu velho amigo de correrias contra Lampião estava ajudando na defesa dos assassinos do seu filho, evidentemente que não gostou nem um pouco daquela situação.
Em 06 de julho de 1971, seis meses após os acontecimentos em São João dos Gaia, o velho Batista Gaia foi assassinado em Serra Talhada com cinco tiros, duas facadas e uma forte cacetada na cabeça. O fato se deu quando ele estava no quarto de uma prostituta, aparentemente denominada “Ina” e seu corpo foi então jogado ao lado da caixa d’agua da cidade, em um lugar conhecido como Alto do urubu, ou simplesmente Urubu.
O então delegado de Serra Talhada, o capitão João Virgílio Oliveira de Morais, instaurou um inquérito para saber quem matou João Batista Gaia. Este solicitou a Secretaria de Segurança Pública um Delegado Especial e quem assumiu a função foi o Bacharel Fernando José Pereira de Albuquerque. Essa autoridade afirmou, e consta do relatório do capitão Jorge (Pág. 02), que “dada as inimizades da vítima, neste município, as pessoas conhecedoras dos detalhes, se furtaram a prestar informações”.
Ainda segundo esse relatório de 1975, logo surgiram três versões acerca da morte de Batista Gaia na cidade de Serra Talhada. A primeira dizia que os autores foram soldados da 17ª Companhia de Polícia Militar; a segunda que o autor foi José Cipriano; e a última versão era que o velho Batista Gaia desempenhara a função de guarda da Coletoria Estadual (atual Secretaria da Fazenda), onde conseguiu muitos inimigos e foi assassinado pelas suas ações como funcionário público. O relatório também informou que na época desse homicídio João Batista Gaia tinha 75 anos, mas era um homem que frequentava cabarés, bebia e arranjava confusões nesses ambientes.
Igreja de Nossa Senhora da Penha, em Serra Talhada.
Mesmo sem apontar autores, o inquérito foi então remetido à justiça. Durante a instrução criminal o promotor público de Serra Talhada, cujo nome não é informado, solicitou o arquivamento do processo, mas o pedido foi negado pelo juiz Ítalo José de Miranda Fonseca. Aí o processo foi encaminhado para o Procurador Geral, que acatou as alegações do juiz Ítalo Fonseca e mandou que o promotor público da cidade de Triunfo, distante 33 quilômetros de Serra Talhada, oferecesse denúncia.
O processo foi em seguida remetido para a Secretaria de Segurança Pública, para diligências complementares. Estas foram realizadas pelo Delegado de Homicídios da época, que concluiu pela participação do soldado da PMPE Natalício Nunes Nogueira. Ainda segundo o relatório do capitão Jorge em decorrência dessa conclusão, o soldado Natalício foi denunciado pelo promotor público (não é informado se foi o de Triunfo, ou de Serra Talhada) e enquadrado no crime de homicídio qualificado. Mas o soldado foi impronunciado pelo próprio promotor, alegando falta de provas.
O leitor deve levar em consideração que naqueles primeiros anos da década de 1970, a situação de violência na região de Serra Talhada alcançou um tal nível, que em 1975 existia naquela comarca 102 processos de homicídio, sendo que em dez constava o uso de tocaias para perpetrar os crimes e outros dez envolviam nada menos que quinze policiais (Revista Manchete, edição 1220, 06/09/1975, página 23). Já o relatório do capitão Jorge (Relatório, pág. 11), através de informações fornecidas pelo juiz Ítalo, nos três cartórios criminais de Serra Talhada havia 150 processos criminais em andamento, sendo 80 abertos entre abril de 1974 e março do ano seguinte.
Foto antiga de Serra Talhada.
Ou seja, o caso da morte do velho Batista Gaia era mais um entre tantos.
Independentemente dessa questão, o certo é que os membros da família Gaia não viram ninguém ser preso, julgado e condenado pela morte de João Batista Gaia. Enquanto isso, alguns integrantes dessa família envolvidos no conflito da “Frente de Emergência” estavam detidos na Delegacia de Serra Talhada.
“Se Fosse Vivo Eu o Mataria Novamente”
Vilmar Alves Magalhães, o Vilmar Gaia, nasceu em 15 de maio de 1949 e era filho do velho Batista Gaia e de Dona Francisca Alves de Lima, que faleceu quando Vilmar tinha oito anos de idade. Esse rapaz era uma figura típica do meio rural da região do Pajeú. Nasceu na povoação de Santa Rita, estudou até o segundo ano primário, gostava de gado e jogar pião, trabalhou na roça e, na ausência de sua mãe, foi criado pela irmã mais velha, Maria de Lourdes. Esta enviuvou cedo e, sem filhos, deu todo carinho possível ao irmão mais novo. Não era uma criança de chorar por besteiras e cedo ganhava alguns trocados tangendo o gado de Seu Luís Inácio. Segundo a maioria das fontes, Vilmar Gaia se encontrava em São Paulo e após saber do assassinato do pai voltou para o Pajeú (Diário de Pernambuco, 22/08/1975).
Vilmar Gaia
Segundo o relatório do capitão Jorge Luiz de Moura, até a época do assassinato do seu pai, Vilmar Gaia não tivera problemas com a justiça. Inclusive o capitão Jorge descobriu que ele havia tentado ingressar na polícia em julho de 1970, no quartel do 5º Batalhão de Polícia Militar, quando este era sediado na cidade pernambucana de Salgueiro. Em uma reportagem assinada pelo jornalista Ricardo Noblat, na Revista Manchete (edição 1220, 06/09/1975, páginas 22 e 23), existe a informação que quando mataram seu pai, mesmo tendo ido para São Paulo, Vilmar estava inscrito em um novo exame de issão na polícia do seu estado.
Mas agora, de volta ao sertão pernambucano e cheio de ódio, ele iria mostrar que era melhor com uma arma na mão do que com um lápis!
Novamente na Revista Manchete, Vilmar deu uma declaração a Ricardo Noblat onde buscou resumir sua vingança – “O processo não andava, nunca andou direito. A gente ia, pedia ao delegado, capitão Virgílio, comandante da 17ª Companhia de Polícia Militar, e não adiantava, e não fazia nada. E o que era pior: ainda ava os domingos na casa de José Cipriano, o homem que mandou matar meu pai. Aí compreendi que a justiça tinha que ser feita pela gente mesmo”.
Evidentemente que Vilmar desejava colocar os assassinos do seu pai na alça de mira de sua arma. Para ele seus alvos prioritários eram José Cipriano, seus familiares e os policiais que ajudaram na morte do velho Batista Gaia.
Em uma entrevista o tenente reformado da polícia pernambucana David Gomes Jurubeba, ex-integrante das “volantes” que combateram o cangaceiro Lampião e seu bando na década de 1930, comentou que Vilmar Gaia descobriu que os soldados Natalício Nunes Nogueira e Luís Gonzaga Mendes estavam envolvidos na morte do velho Batista Gaia. Estes possuíam laços de parentesco com a família Ferraz e este clã foi acusado por Vilmar de protegê-los (Diário de Pernambuco, edição de 17/11/1975). Uma outra versão aponta que Vilmar soube que a prostituta que estava com seu pai no dia de sua morte e se chamaria “Ina”, teria traído seu cliente por CR$ 500,00, pagos pelos assassinos. Ela então teria se arrependido do que fez e narrou tudo ao filho de Batista Gaia.
Policiamento em Serra Talhada.
Somente em 13 de janeiro de 1973, um ano e meio depois da morte de seu pai, foi que Vilmar Gaia conseguiu matar com um tiro na testa Arnaldo Alves de Oliveira, o Arnaldo Cipriano, em um bar na cidade de Salgueiro, quando a vítima jogava bilhar. Este era filho de José Cipriano e irmão do soldado Alberto, o mesmo que morreu no penúltimo dia de 1970.
Vilmar nunca negou a autoria desse crime. Quando foi preso em 1975 ele afirmou para o juiz de Salgueiro, o Dr. Enéas Bezerra de Barros, que “Se Arnaldo Cipriano fosse vivo eu o mataria novamente. Ele foi um dos assassinos de papai e eu o escolhi para mandá-lo para o inferno em primeiro lugar” (Diário de Pernambuco, edição de 14/11/1975).
Logo Vilmar focava em outros alvos e angariava novos inimigos e amigos.
Se havia militares que Vilmar Gaia desejava ver diante da mira do seu revólver, outros lhe protegiam com “o braço forte” e estendiam a “mão amiga”.
Seu parente Lindauro Gaia comentou em um documentário com direção de Eduardo Coutinho e intitulado “O Pistoleiro de Serra Talhada”, que após a morte de Arnaldo Cipriano, Vilmar ou a circular livremente ao lado de policiais. Comentou que seu parente “ficou dentro da cidade, com a polícia com a mão por cima dele e até bebendo”.
Mas logo essa aproximação traria problemas.
Mais Problemas
Sentindo-se protegido, Vilmar Gaia foi a uma festa na comunidade do Jardim, próximo a São João dos Gaia. Era uma noite de sábado, 22 de junho de 1974, bem no período de festas juninas e ele foi acompanhado de amigos policiais e algumas mulheres.
Vilmar começou a dançar com uma dessas damas, considerada “de vida fácil” pelo povo da região. Seja pela forma de vestir, ou de agir, a dança de Vilmar e da parceira começou a incomodar os presentes. Estes foram até Pedro Inácio dos Santos, suplente de Comissário de Polícia, pedir que ele tomasse providências. Sem outro jeito, Pedro foi até Vilmar e mandou que ele e seus amigos se comportassem, ou fossem embora do ambiente.
Com o que aconteceu depois, teria sido melhor ter deixado o casal dançar do jeito que bem entendessem.
Logo estourou uma discursão, que gerou um tiroteio pesado, onde foram disparados mais de 40 tiros. O resultado foi a morte de Pedro Inácio, ferimento em três homens e duas mulheres. Segundo o relatório do capitão Jorge (Relatório, págs. 03 e 04), embora não conste nos autos do processo aberto sobre esse episódio, Vilmar Gaia também saiu ferido e recebeu tratamento médico no Hospital Barão de Lucena, em Recife.
Ao ler esse relatório, acredito que para o capitão Jorge o mais incrível desse episódio ocorreu cerca de quinze dias depois, na delegacia de Serra Talhada.
Vilmar Gaia esteve neste local para prestar depoimento sobre o tiroteio em Jardim. Ele foi acompanhado de outras pessoas, alguns de sua família, todos armados até os dentes. Ocorre que na hora do depoimento chegou de Salgueiro um cabo, três soldados e um motorista, com ordens do tenente Almir Ferreira de Morais, delegado daquela cidade, para levar Vilmar até sua presença, onde ele deveria prestar depoimento sobre a morte de Arnaldo Cipriano.
Mas o delegado de Serra Talhada, um subtenente, negou ao cabo que Vilmar Gaia estivesse naquele momento em sua delegacia, o que era mentira. Um soldado de Salgueiro sabia quem era Vilmar, o reconheceu e informou ao cabo. Este por sua vez, vendo a atitude de seu superior e a presença de pessoas armadas em favor de Vilmar Gaia, decidiu recuar.
Vilmar Gaia na Delegacia de Serra Talhada.
O capitão Jorge descreveu em seu relatório oficial que a atitude do militar que respondia pela delegacia de Serra Talhada foi classificada como “omissão”, além de “pura falta no cumprimento do dever” e “covardia”.
Com esse tipo de ação por parte das autoridades policiais junto a Vilmar Gaia, o que reservava o futuro?
Mais Mortes
Três meses depois, em 13 de outubro de 1974, por volta das sete ou oito da manhã de um domingo, mesmo estando respondendo ao processo sobre a morte de Pedro Inácio dos Santos, que tinha o número 2.746 e corria no 2º Cartório da Comarca de Serra Talhada, Vilmar circulava livre e solto em um carro, na povoação de Santa Rita. Então ocorreu na estrada a colisão do seu veículo com o do primo Antônio Augusto Batista. Ao invés de procurarem resolver o problema na conversa, logo surgiu uma discursão e o clima esquentou. Existe uma versão que durante a troca de palavras ásperas, Antônio Augusto teria ido até o seu carro pegar uma arma e por isso o “Vingador do sertão” atirou nele, matando-o na hora.
Vilmar, certamente buscando um fiapo de justificativa, comentou em uma entrevista para o Diário de Pernambuco (14/11/1975) que seu primo Antônio Augusto lhe protegia após o início dos problemas com seus inimigos, mas depois, com medo, ou para o lado da família de José Cipriano. Muita gente em Serra Talhada afirma que isso era mentira.
E quase que Vilmar Gaia mata outro primo nesse mesmo dia!
José Augusto Batista, irmão da vítima, se dirigiu para o local e foi recebido a tiros por Vilmar Gaia. Só não morreu por que entrou no seu carro e fugiu.
José Augusto veio até o quartel da 17ª Companhia de Polícia Militar e pediu auxílio. Foi organizada uma patrulha composta de um cabo e seis soldados a fim de capturar Vilmar Gaia, que descaradamente ainda se encontrava em Santa Rita. Consta que o cabo levou uma submetralhadora calibre 45, completamente municiada.
O pistoleiro estava no interior de uma casa, quando por volta das nove ou dez horas da manhã (algumas fontes apontam que foi a tarde) a polícia chegou. Ao Diário de Pernambuco Vilmar Gaia afirmou (14/11/1975) que “ao invés de lhe darem voz de prisão, começaram a atirar e, para não morrer, me defendi”.
O soldado Natalício Nunes Nogueira, seu inimigo implicado na morte de seu pai, entrou pela porta traseira e Vilmar o matou a tiros. Após isso tratou de fugir. Já o cabo armado com a submetralhadora continuou com a mesma nas mãos e não disparou um único tiro.
Vaqueiros do sertão do Pajeú – Foto Rostand Medeiros
Com esses homicídios, os ânimos se acirraram em Serra Talhada e a situação de Vilmar Gaia começou a se complicar. Depois de matar um primo e tentar contra a vida de outro, houve um rompimento na família Gaia, com uma parte querendo a cabeça do pistoleiro e outra o protegendo.
Com a morte do soldado Natalício a polícia novamente voltou a circular na região da família Gaia, agora com violência redobrada. Houve invasão de casas, pessoas apanharam e outras foram presas. Zuleide Alves de Magalhães, irmã de Vilmar, ficou detida nas dependências da 17ª Companhia de Polícia Militar.
Lindauro Gaia comentou ao diretor Eduardo Coutinho em 1977 que, a partir da morte do soldado Natalício, a perseguição contra Vilmar Gaia só fez crescer e ele deixou de circular por São José dos Gaia e Santa Rita.
Luta entre Famílias
Enquanto a polícia perseguia os integrantes da família Gaia e corria atrás de Vilmar, as violências se sucediam.
Consta que ainda em 1974, Vilmar Gaia participou da morte de um homem chamado Luiz Desidério, ou Luiz de Izidério, na cidade de Irecê, Bahia. Esse cidadão, quase octogenário, havia praticado um assassinato em Serra Talhada no ano de 1926 e, mesmo ados tantos anos, seu filho, conhecido como Baiãozinho, desejava a vingança. Esse era amigo de Vilmar Gaia e ele teria supostamente participado desse crime por amizade. Para outros a motivação foi apenas dinheiro. Vilmar afirmou apenas testemunhou a morte. O certo é que Baiãozinho assumiu toda a culpa, foi a julgamento e acabou absolvido pelo júri.
Em meio aos conflitos, não demorou para que outros membros da família Gaia pagassem com a vida pelo parentesco com Vilmar.
Em janeiro de 1975 foi assassinado o motorista de taxi Francisco Gaia Filho, o conhecido Batinha. Uma noite ele estava estacionado com seu fusca na porta do Cabaré de Nivalda, quando seus assassinos chegaram e o mataram. Quem socorreu Batinha para o hospital foram as prostitutas, mas nada pôde ser feito. Na Revista Manchete (edição 1220, de 1975) existe a informação que no dia de sua morte Batinha foi revistado três vezes pela polícia antes de ser assassinado.
Policiamento em Serra Talhada.
Vilmar não demorou para responder essa morte e partiu para ação.
Mais ou menos às cinco da tarde do dia 19 de março de 1975, o soldado Luiz Gonzaga Mendes, outro implicado na morte do pai de Vilmar, ao voltar de um roçado pertencente ao seu pai na fazenda São José, Distrito de Tauapiranga, foi inesperadamente alvejado no coração com um tiro de um rifle calibre 44. Ele caiu ferido, mas faleceu no outro dia. Segundo a documentação existente, o soldado Gonzaga era casado com Neomar de Araújo Ferraz Mendes, filha do comerciante serra-talhadense Irineu Gregório Ferraz, que prestou depoimento juntos as autoridades pelo assassinato do genro. Irineu afirmou que Antônio de Souza Mendes, irmão de Gonzaga, testemunhou o crime e apontou como autores da emboscada Vilmar e um soldado reformado da PMPE, que tinha o apelido de “Brucutu”. Vale frisar que além de sogro do soldado Gonzaga, Irineu Ferraz era primo do soldado Natalício Nunes Nogueira.
Um dia depois da morte do soldado Gonzaga, o comerciante Álvaro Batista Gaia, irmão de Batinha e casado com uma irmã de Vilmar Gaia, foi brutalmente assassinado em sua casa de comércio chamada “Aliança de Ouro”. O comerciante tombou ao lado da caixa registradora, após receber disparos de revólveres e rifles, desfechados por cinco ou seis homens armados. Segundo o escritor e pesquisador Valdir Nogueira, essa loja ficava no Alto de Bom Jesus, em Serra Talhada.
Na época suspeitou-se que os assassinos seriam comandados por Irineu Ferraz, acompanhado de vaqueiros, ou de colegas do soldado Gonzaga. Mas não consegui maiores informações sobre esse processo, ou se alguém foi preso.
Vilmar sendo entrevistado após sua prisão.
Famoso e Sendo Reconhecido
As notícias desses crimes ecoaram por toda parte. Eram difundidas pelas emissoras de rádio e logo circulavam por todo Nordeste. Segundo o relatório do capitão Jorge, essas mortes causaram impacto na opinião pública de Pernambuco, sendo bastante divulgados pela imprensa da capital e do sul do país. Consta que até repórteres da Rede Globo e do jornal O Estado de São Paulo estiveram na região (Relatório, pág. 06).
Vilmar, a quem as mulheres chamavam de “galã”, teve seu ABC cantado nas feiras sertanejas pelos poetas e violeiros, ou exposta através de folhetos de cordel. Em Recife seu nome era comentado desde o Mercado de São José, nas esquinas da Rua do Imperador, ou da Avenida Guararapes. Já o poeta popular Olegário Fernandes, da cidade pernambucana de Caruaru, produziu o folheto de cordel intitulado “Vilmar Gaia, o cangaceiro de Serra Talhada” e assim escreveu:
“Agora peguei a pena
Com divina inspiração
Para escrever uma história
Sobre o cavalo negro
Da Caatinga e do sertão.
Vira-se em cavalo preto
Corre-se dentro da campina
Vira-se em pau, ou pedra
Para cumprir sua sina
Come lagarta e besouro
Como ave de rapina”.
Mas essa exposição nos cordéis e na mídia, mesmo a televisiva ainda sendo limitada no sertão nordestino na primeira metade da década de 1970, trouxe um lado bastante negativo para Vilmar Gaia, pois ele foi visto e seu rastro seguido em vários locais. Essas informações chegaram aos policiais e após investigações o capitão Jorge listou em seu relatório onde ele se escondia e recebia abrigo.
Inicialmente Vilmar se homiziava em áreas onde predominavam membros de sua família, como Santa Rita, São João dos Gaia e Serrote Branco. Mas com o rompimento ele se afastou dessas áreas e ou a frequentar uma propriedade rural a 15 quilômetros de Serra Talhada, na altura onde se inicia a estrada que dá o ao Distrito de Bernardo Vieira e ao Estado da Paraíba.
Conforme a perseguição crescia ele ou a frequentar mais as terras paraibanas. Tinha “coitos”, esconderijo no linguajar sertanejo, em uma fazenda no município de Princesa Isabel (de um político local), uma casa de uma mulher afastada do centro da cidade de Teixeira, em uma fazenda de um ex-deputado estadual próximo a cidade de Piancó e em um sítio em Itaporanga, onde receberia apoio de um ex-policial.
Em Pernambuco foi visto circulando com os pistoleiros conhecidos como “Nunes” e “Pitu”, sendo o primeiro o ex-policial José Nunes da Silva. Vilmar também recebia apoios nas cidades de Salgueiro, Floresta, Tacaratu (onde um rico do lugar lhe fornecia dinheiro quando necessitava). Andou também por Serrita, Calumbi (na fazenda de um político local) e em Recife (na casa de amigos no bairro do Cordeiro). Segundo o capitão Jorge havia notícias que Vilmar estivera circulando em Alagoas, na cidade baiana de Feira de Santana, na cidade cearense de Juazeiro do Norte e até mesmo em Caxias, no Maranhão (Relatório, pag. 09).
A existência desses apoios, esconderijos e o fato de Vilmar andar com matadores conhecidos, foi visto por muitos em Serra Talhada e região que de “Vingador do Sertão” Vilmar Gaia não tinha nada. Ele seria apenas mais um pistoleiro que vagava pelo Nordeste destruindo vidas humanas em troca de dinheiro e já teria matado, dependendo das fontes, de 27, 32 e chega a até 35 pessoas.
Vilmar Gaia sempre negou essa situação. Diante das câmeras afirmou que matou o soldado Natalício Nunes Nogueira, seu primo Antônio Augusto Batista e o Comissário de Polícia Pedro Inácio dos Santos. Além deles, conforme ele narrou ao juiz Enéas Bezerra de Barros e está registrado no Diário de Pernambuco, edição de 14/11/1975, matou Arnaldo Alves de Oliveira, o Arnaldo Cipriano, na cidade de Salgueiro.
A Lei se Impõem
Em meio a tantas mortes em sequência, o aparato jurídico e policial do Estado de Pernambuco começou a agir. E a ação se incrementou por ordem direta do então governador pernambucano José Francisco de Moura Cavalcanti, certamente pressionado pela opinião pública.
De Recife veio o capitão Jorge Luiz de Moura, com a missão de “Oficial Observador”. Após inspecionar o setor e tomar conhecimento pormenorizado dos fatos, transferiu de Serra Talhada para a cidade de Petrolina os policiais suspeitos de estarem envolvidos nos crimes anteriormente narrados e os que tinham processos abertos. De Petrolina vieram militares para manter a ordem em Serra Talhada e o policiamento ostensivo foi intensificado.
Vilmar Gaia após sua prisão.
Outra ação do capitão Jorge que é digna de nota, é que após a sua chegada ele buscou os líderes da comunidade de Serra Talhada e chamou todos para uma reunião. Estavam presentes o prefeito, o delegado, comerciantes, profissionais liberais e outros. Nela o militar expôs as ordens recebidas, a forma de atuação do seu trabalho e ouviu as reclamações das lideranças locais. Nesse diálogo o capitão Jorge sentiu “certa falta de confiança na ação policial local, oriunda de acontecimentos anteriores” (Relatório, pág. 10).
Em seu comentado relatório o capitão Jorge apontou para seus superiores a necessidade de se trazer para Serra Talhada um Delegado Especial, que fosse “imparcial e experiente e com total apoio da SSP e do Comando da PMPE”. Em abril de 1975 foi nomeado o capitão José Ferreira dos Anjos, um oficial tido como valente, operacional e campeão de tiro da polícia pernambucana na época.
O capitão Ferreira veio para a região conflituosa e trouxe uma equipe de 38 policiais. Consta que esse oficial arrochou geral para cima da família Gaia, sendo dez dos seus membros presos e houve denúncias de arbitrariedades por parte desse oficial. Em uma nota publicada no jornal carioca A Luta Democrática (18/04/1975, pág. 02), o capitão Ferreira foi acusado de deixar todos os integrantes da família Gaia detidos em uma única cela, algemados e ando fome. A ideia era forçar os membros da família a “abrir o bico”, como se diz no jargão policial, e informar o paradeiro de Vilmar para prendê-lo.
Vilmar preso e recebendo a visita de parentes.
Meses depois o capitão Ferreira recebeu a informação que Vilmar Gaia estava em uma fazenda chamada Quiterno, ou Quitéria, na cidade cearense de Ipaumirim, a 215 km de Fortaleza e a 27 da fronteira com a Paraíba. Vilmar foi encontrado trabalhando como um empregado da fazenda, era conhecido por “Tonho”, foi preso com apenas um revólver e cinco balas. Aceitou se render ao capitão Ferreira e sua equipe sem maiores problemas, pois para o fugitivo o oficial militar o “tratou muito bem e o respeitou como homem” (Diário de Pernambuco, 22/08/1975).
Vilmar Gaia se tornou notícia em todo país e era centro de atenções na Delegacia de Serra Talhada, onde muitas fãs iam lhe levar comida e carinho. Mas ele gostava mesmo de receber uma moça jovem, de boa família sertaneja, funcionária de um tribunal federal, que a tempos mantinha um relacionamento íntimo com Vilmar e que tinha gerado uma bela menina.
Uma noite, menos de três meses após sua prisão, Vilmar soube que o capitão Ferreira seria exonerado de suas funções em Serra Talhada e sairia da cidade. Então, utilizando uma vitrola que lhe foi presenteada por uma prima colocou um disco e abriu o volume no máximo com músicas de Waldick Soriano e Raul Sampaio. O prisioneiro aproveitou o barulho, abriu um buraco de 50 cm na parede da prisão e fugiu.
Três dias depois foi novamente capturado. Estava na fazenda Altinho, do primo Lindauro Gaia e não tinha armas de fogo. Se entregou ao capitão Ferreira e sua escolta com 30 soldados e lhe afirmou que não queria fugir, mas temeu que com a saída desse militar em pouco tempo seria trucidado pelos inimigos. Ficou decidido que Vilmar Gaia seria levado para a cadeia de Caruaru, onde acreditavam que ele poderia cumprir sua pena com segurança.
Vilmar e sua filha.
Reviravolta
Quase dois anos depois, no dia 8 de março de 1977, um veículo do tipo Chevette, cor azul, estava estacionado com quatro homens a somente 100 metros da cadeia de Caruaru. A polícia desconfiou daquela gente e um grupo deles foi até o carro de arma em punho. Descobriram que os ocupantes daquele carro estavam com dois rifles calibre 44, quatro revólveres, muita munição e quatro placas frias. Eles vieram de Serra Talhada e tinham uma missão – Matar Vilmar Gaia (Diário de Pernambuco, 09/03/1977).
Poucos dias antes o “Vingador do sertão”, depois de um ano e sete meses preso pelos quatro homicídios que havia confessado, estava prestes a deixar o cárcere. O fato havia sido bastante divulgado e isso motivou a vinda daqueles quatro homens para tentar liquidar Vilmar.
O advogado Juarez Viera da Cunha, que representava Vilmar Gaia, entrou com um habeas corpus em favor do seu cliente, alegando excesso de prazo durante o sumário de culpa. Cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Pernambuco concederam o habeas corpus por unanimidade, mas se pronunciaram afirmando que aquilo era um “desprestígio para a justiça pernambucana, que se demonstrou incapaz de cumprir os prazos mais elementares para o desenrolar dos processos” (O Fluminense, Rio de Janeiro, 04/03/1977).
Após a saída de Vilmar Gaia da cadeia de Caruaru eu não encontrei mais nada referente a essa figura e nem o que aconteceu com ele. Sob todos os aspetos ele sumiu. Talvez em sua mente aquele ano e sete meses de cadeia já estavam de bom tamanho, ou ele soube de algo que o fez sumir.
Bem, com Vilmar solto pelo mundo, para quem quisesse eliminá-lo era só encontrá-lo e liquidá-lo. Mas encontrar Vilmar Gaia não era algo tão simples assim. Homem criado e vivido no sofrido sertão nordestino, sem os confortos da capital, ele poderia se esconder desde o Oiapoque ao Chuí, em qualquer vilazinha, recanto distante, ou pequeno sítio. O que sei é que entre 1977 e 1982, afora memórias esparsas sobre os acontecimentos ocorridos na primeira metade da década de 1970, Vilmar Gaia some dos jornais.
Mas algo aconteceu que mudou completamente toda a situação e, no meu entendimento, favoreceu enormemente essa figura!
Necessidade de Mitos
Assassinato do procurador da república Pedro Jorge, em 1982.
No dia 3 de março de 1982, na Padaria Panjá, no Jardim Atlântico, na cidade de Olinda, foi assassinado com seis tiros, três dos quais à queima-roupa, o procurador federal Pedro Jorge de Melo e Silva.
Três meses antes essa autoridade ofereceu denúncia contra dois oficiais da Polícia Militar de Pernambuco, um deputado estadual e outras 21 pessoas envolvidas no desvio de recursos federais para financiamento agrícola do Banco do Brasil da cidade de Floresta, no rumoroso caso que ficou conhecido nacionalmente como o Escândalo da Mandioca.
Entre os anos de 1979 e 1981, mais de 300 empréstimos foram feitos na agência do Banco do Brasil daquela cidade pernambucana, onde os criminosos fraudaram empréstimos do PROAGRO (Programa de Crédito Agrícola Federal), com cadastros falsos de pequenos agricultores da região, que simulavam plantio de várias culturas, principalmente mandioca. Além de não plantarem o que foi acertado, os controladores do esquema declaravam as safras como perdidas por causa da seca e ainda recebiam o dinheiro do seguro. O desvio alcançou mais de Cr$ 1,5 bilhão de cruzeiros (quase R$ 68 milhões de reais em valores atualizados), configurando um dos maiores casos de corrupção daquele período. A maracutaia foi denunciada por um agricultor, investigada pela Polícia Federal e o procurador Pedro Jorge recebeu o inquérito e, mesmo tendo sido ameaçado, denunciou vários envolvidos, entre eles o militar José Ferreira dos Anjos, o homem que prendeu Vilmar Gaia e que tinha a patente de major em 1982.
Foi Ferreira quem contratou Elias Nunes Nogueira, o atirador que acabou com a vida de Pedro Jorge na Padaria Panjé. Elias era irmão do soldado Natalício Nunes Nogueira e um dos quatro homens que estiveram em Caruaru para tentar exterminar Vilmar Gaia em um Chevette azul no dia 8 de março de 1977. (Diário de Pernambuco, 06/05/1982). Vale frisar que no Chevette estava um outro irmão de Natalício, de nome Pedro Afonso da Silva, que, apesar dos sobrenomes distintos, eram dois dos sete filhos de Afonso Nunes da Silva, o Afonso Terto, e de Vitalina Nogueira da Silva.
E onde estes acontecimentos favoreceram Vilmar?
Simples, a partir do Escândalo da Mandioca as atenções e preocupações de muita gente em Serra Talhada e região focaram nas investigações da Polícia Federal e os problemas ligados a esse escândalo de proporções nacionais. Como vários inimigos de Vilmar estavam no meio desse problema todo e, se muitos ainda tinham a intenção de matá-lo, ela se tornou algo secundária.
O povo do Nordeste – Se não são as secas, a ação nefasta dos políticos, é a violência que aflige o povo dessa região a séculos.
Não sei se Vilmar Gaia está vivo? Ou se ele morreu? Mas percebi que sua história marcou muitos na região do Pajeú, principalmente diante da repercussão nacional do caso.
Sobre toda essa situação eu acredito que a pessoa que melhor definiu esse caso foi o Padre Afonso de Carvalho Sobrinho, de Serra Talhada, que comentou com Ricardo Noblat, em uma entrevista para a Revista Manchete sobre o caso – “O machismo expresso no desejo de vingança pela morte de parentes, na sua aparente infalibilidade no manejo das armas, na capacidade de escapar à prisão, identificava-se plenamente com uma linha de pensamento popular necessitada de mitos e heróis profundamente enraizada, principalmente no sertão”.
Uma última nota – ados mais de 50 anos desde as primeiras mortes nesse conflito, me chamou atenção como alguns membros da família Gaia relembram esses episódios. Vários deles abraçaram a religião evangélica e alguns deles são até pastores que utilizam em seus processos de evangelização os problemas sofridos pelos mais velhos da família, as perseguições e como eles conseguiram, através da fé em Jesus Cristo, de alguma forma conviver com os traumas sofridos.
25/01 17h00 Abertura dos trabalhos de 2018 – Lançamento do sítio do IHGRN
22/02 17h00 Lançamento “Catálogo do IHGRN”
28/03 19h00 Sessão Solene de aniversário – Lançamento da Revista do IHGRN
PALESTRAS – QUINTA CULTURAL
22/02 17h00 Coronelismo e Cangaço no Rio Grande do Norte. Ministrada pelo escritor Honório Medeiros.
08/03 17h00 O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Ministrada pelo professor e pesquisador Cláudio Galvão.
05/04 17h00 Câmara Cascudo e o Símbolo Jurídico do Pelourinho. Ministrada pelo jornalista Vicente Serejo.
19/04 17h00 O Atol das Rocas. Ministrada pela professora Zélia Sena.
17/05 17h00 História do Rio Grande do Norte. Ministrada pelo historiador Luiz Eduardo B Suassuna (Coquinho).
14/06 17h00 O Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Ministrada pelo professor José Lins.
EXPOSIÇÕES
15/02 17h00 Nordeste de São Sebastião – Telas do acervo particular do médico, escritor e artista plástico Iaperi Araújo.
15/03 17h00 Minérios do Rio Grande do Norte – Mostra da coleção particular de Pedro Simões Neto Segundo, com explicação e distribuição de catálogo sobre o assunto.
Nesta última segunda-feira (17/10/2016) aconteceu às 20h, na Casa-Laboratório, localizada na alameda Gabriel Monteiro da Silva, 224, bairro dos Jardins, em São Paulo um positive encontro entre os artistas plásticos Sergio Azol, Aecio Sarti e o escritor e historiador potiguar Rostand Medeiros, responsável pela edição do blog tok de história.
Ali discutimos sobre sertanismo, estética do Cangaço e processo criativo. O bate-papo contou com a mediação de Yael Steiner e Daniel Sarti.
Casa Laboratório, nos Jardins, em São Paulo, onde ocorreu o encontro e a exposição A Bela Crueza do Cangaço.
O encontro foi extremamente evocativo ao sertão nordestino, em um espaço onde atualmente ocorre a mostra A Bela Crueza do Cangaço, de Sérgio Azol.
Sérgio Azol
Dois artistas unidos pelo Sertão. Sergio Azol traz a História e a estética do Cangaço. Aecio Sarti extrai sua matéria-prima – as lonas de caminhão que protegem, pela estrada seca, os vasos de barro produzidos por uma pequena comunidade de Malhada Seca, Bahia, que serão utilizados por outras comunidades que necessitam de água. “As lonas de caminhão viram arte com a minha intervenção.
Aécio Sarti
Os potes de barro já nascem arte”, afirma Sarti, que usa a lona como plataforma para sua pintura, em Céu de Querubins, dirigido por Daniel Sarti e ganhador do prêmio de Melhor Documentário em Curta-Metragem no festival de Santa Mônica, Califórnia, Estados Unidos. Esteve presente ao evento o diretor Gustavo Massola, realizador deste documentário.
Rostand Medeiros
A conversa foi bastante produtiva e aberta, com os artistas plásticos mostrando os seus respectivos processos criativos. Foi também bastante comentado as respectivas viagens para ajudar a fomentar estes processos criativos, permeado por muitas histórias relativas ao sertão e ao Cangaço.
Procurei apresentar os aspectos dos caminhos que percorri junto com Sérgio Azol em maio e junho de 2016, onde lhe apresenta uma parte da história do cangaceiro Lampião e evoquei o que o sertão nordestino pode produzir de interessante para várias formas de artes.
Rostand Medeiros, Sérgio Azol, Daniel Sarti, Yael Steiner, Aécio Sarti, Gustavo Massola e Carol Emereciano.
Sobretudo este foi um momento de congregação de pessoas de vários pontos do país, que trabalham com cultura e valorizam aquilo que se encontra de belo e interessante no sertão nordestino.
As fotos aqui publicadas foram realizadas pela fotógrafa Denise Andrade, do jorna O Estado de São Paulo.
O diretor do documentário “Céu de Querubins”, Gustavo Massola, que merece todos os elogios pela forma soberba e sensível em retratar o povo nordestino.
Na Era Vitoriana, era comum que famílias tivessem muitos filhos e que muitos morressem antes dos cinco anos; nesta foto, a criança à esquerda está morta e foi colocada de pé para o registro.
Fotografar parentes e amigos depois de mortos pode parecer algo mórbido nos dias de hoje. Mas na Era Vitoriana britânica (1837-1901), fazer imagens dos falecidos – e até mesmo juntar-se a eles no registro – era uma maneira de homenageá-los e de tentar arrefecer a dor da perda.
Em fotos que são ao mesmo tempo duras e perturbadoras, famílias posam com seus mortos, crianças parecem estar apenas adormecidas e jovens aparecem reclinadas. A morte lhes tomava a vida, mas também aumentava sua beleza – em meados do século 19, a palidez e a magreza causadas pela tuberculose eram vistas como atrativos em mulheres.
Pais também posavam com os filhos mortos.
A vida vitoriana estava cercada pela morte. Epidemias de difteria, tifo e cólera assolavam a Inglaterra, e o luto permanente assumido pela rainha Vitória em 1861 após a morte do marido, o príncipe Albert, fizeram das comiserações algo em voga.
Suvenires
No entanto, suvenires do tipo memento mori (do latim “lembre-se que você vai morrer”) tinham várias formas e já existiam em tempos pré-vitorianos.
A captação fotográfica de exposição longa fazia com que os mortos parecessem mais nítidos que os vivos exatamente por causa da ausência de movimento; à direita, um “memento mori”.
Mechas de cabelo dos mortos eram usadas em joias e máscaras mortuárias eram criadas em cera, por exemplo.
Mas, com a fotografia se tornando cada vez mais popular e ível, um novo tipo dessas “lembrancinhas” surgiu em meados do século 19.
Barateamento
O daguerreótipo, primeiro processo fotográfico a ser anunciado e comercializado ao grande público, era um luxo caro, mas nem de longe com preço tão salgado quanto o de ter o retrato pintado – até então, a única maneira de preservar permanentemente a imagem de alguém.
O bebê gêmeo à direita está morto.
Mortos eram simplesmente colocados em frente à câmera como se ainda estivessem vivos. E frequentemente bem vestidos, para que parecessem bem em seu último “momento social”.
Mas, na medida em que cresceu o número de fotógrafos, o custo dos daguerreótipos caiu. E, na década de 1850, surgiram procedimentos ainda menos custosos, como o uso de vidro e papel para as impressões em vez de placas de metal.
Assim, os “retratos da morte” se tornaram incrivelmente populares. Para muitas famílias, era a primeira chance de tirar uma foto conjunta, e ao mesmo tempo a última de ter uma lembrança de um ente querido.
Os olhos do menino foram pintados sobre a foto, enquanto a menina foi colocada de forma a posar com seus brinquedos
Dois fatores, porém, logo iriam condenar a prática à extinção.
Primeiro, a qualidade dos serviços de saúde britânicos melhorou e aumentou a expectativa de vida da população, em especial a infantil. E o surgimento da fotografia instantânea permitiu que pessoas tirassem fotos uma das outras em vida, o que basicamente derrubou a demanda pelos “retratos da morte”.
Hoje, eles são apenas um lembrete de nossa mortalidade.
Além da história deste inusitado encontro, vamos conhecer um pouco sobre um dos mais importantes grupos musicais do Nordeste do Brasil e que ficaram conhecidos os “Beatles de Caruaru”
Autor – Rostand Medeiros
Uma dos mais importantes, tradicionais e representativos grupos musicais do Nordeste do Brasil é sem dúvida alguma a Banda de Pífano de Caruaru. Verdadeira virtuose daquilo que significa nordestinidade e tradição, este grupo é também um dos mais antigos do país ainda em atividade.
Tudo começou em 1924, em um povoado chamado Olho D’água do Chicão, na cidade alagoana de Mata Grande, distante mais de 400 quilômetros da capital Maceió e localizado em pleno sertão. Foi quando o agricultor Manoel Clarindo Biano, casado com Maria Pastora da Conceição, observou que seus filhos Sebastião e Benedito, então com cinco e onze anos de idade, brincavam com canudos de carrapateira, jerimum e mamão, soprando-os como apitos, que eles chamavam “Gaitinha”. Depois aram para um instrumento feito de madeira de taquara, com sete furos, sendo um para o sopro e seis para os dedos, que todos chamavam de pife[1].
Banda de pífanos – Marcelo Soares
Na pausa dos afazeres da roça, sem repreender, Manoel deixou os garotos se divertirem. Percebendo que seus filhos tinham um dom para música, ele encomendou pifes melhores a um amigo. O grupo ou a tocar e logo ficou conhecido como “Zabumba de Seu Manoel”.
Fosse apenas para ampliar a brincadeira dos garotos, ou para aumentar suas capacidades musicais visando melhorar o sustento da família, aquela iniciativa mudaria a vida de todos, criando um grande ícone da cultura nordestina, com características próprias e importantes na Música Popular Brasileira[2].
Tempos depois a família Biano deixou a cidade natal e tentou chegar até Juazeiro do Norte, no Ceará, em busca de uma bênção do Padre Cícero. Fugindo da seca e da miséria Manoel juntou a família e começaram a percorrer as estradas do sertão fazendo apresentações em quermesses, novenas, casamentos, batizados, enterro de “anjos”. Tocavam Marchas, Benditos de santos, Dobrados e o que surgisse na mente.
Seguiram nesta jornada pelo interior de Pernambuco, onde aram por Vila Bela (Hoje Serra Talhada) e Sítio dos Nunes. Neste último local interromperam a jornada, pois era época de Semana Santa e era pecado prosseguir viagem neste período. Depois rumaram para Santa Cruz da Baixa Verde, ainda em Pernambuco e logo adentraram a Paraíba, seguindo para Conceição do Piancó e Bonito de Santa Fé. Depois retornaram para Pernambuco e não viram o Padim Ciço[3].
Nesta época no grupo, além de Manoel Biano, tocando zabumba, os seus imberbes filhos Benedito e Sebastião nos pífanos, havia um sobrinho chamado Martim Grande, também conhecido como Martinho Grandão, também criança e que tocava a caixa.
Banda de Pífanos de Caruaru na década de 1970.
Manoel fazia o grupo tocar uniformizado, todo de branco e usando chapéus de couro para se destacar das outras bandas de pífano. Ninguém sabia nada de métrica, partitura musical, notas e etc. Era tudo de ouvido mesmo. Mas eram competentes no que faziam.
Um dia quis o destino que estes músicos tocassem para ninguém menos que Lampião e seu bando.
“Lá vem o hômi!”
Segundo o padre Frederico Bezerra Maciel, escritor, pesquisador do tema cangaço e autor da série de livros “Lampião, seu tempo e seu reinado”, entre os dias 2 e 27 de setembro de 1926, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, comandou um grupo que na maior parte do tempo era composto por mais de cem cangaceiros em Pernambuco. Durante este tempo eles assaltaram e mantiveram combates com forças volantes em diversas localidades entre a região do Pajeú e as margens do rio São Francisco[4].
Entre idas e vindas, assaltos a cidades, combates em fazendas, emboscadas contra policiais e outras peripécias, um dia este grupo de cangaceiros se dirigiu à propriedade denominada Olho D’água do Bruno, com a intenção de participar das festividades do padroeiro da capelinha do lugarejo.
Igreja de Nossa Senhora da Saúde em Tacaratu, Pernambuco – Foto – Ricardo Sabadia
Enquanto isso o cônego Frederico Araújo de Oliveira, pároco de Tacaratu, chegou ao Olho D’água do Bruno depois de haver percorrido os mais de 18 quilômetros de estrada que separam esta propriedade da sede deste município fincado no sertão pernambucano[5].
O lugar estava animado. Vieram pessoas de várias propriedades da região. Como da Salgadinha, do Mulungu, da Tiririca e da Baixa do Capim. Eles chegavam a pé, montados em animais, em carroças, trajando suas melhores roupas e trazendo no semblante a certeza de um momento de união de todos ali presentes junto a Deus.
Quando os cangaceiros chegaram na festa religiosa, a imagem provavelmente pouco diferia desta foto.
O Olho D’água do Bruno tinha como seu proprietário Manoel Gomes de Souza Lima, conhecido na região como “Faceiro”. Para incrementar os festejos ele mandou chamar a banda de pífano de Manoel Biano[6]. Os músicos aram os nove dias da novena na propriedade, participando e animando a todos durante aqueles dias.
Por volta das nove da manhã do último dia da novena, o cônego Frederico deu a benção aos fiéis e do lado de fora da capelinha a zabumba começou a tocar um hino, significando o final da cerimônia. Logo os membros da comunidade saiam do templo religioso e se reuniam para escutar a bandinha de pífanos[7].
Foi quando alguém gritou: – “Lá vem o hômi!”.
Neste instante chegou ao terreiro da capela Lampião montado em seu cavalo, acompanhado por Luís Pedro, Sabino, Arcoverde e um grupo de cangaceiros que variava entre 40 a 50 homens. O grupo, totalmente equipado e armado, parou suas montarias em meio a uma grande nuvem de poeira. Os cavalos estavam suarentos e bufando. A cabroeira ficou perfilada, montados em suas alimárias, uns ao lado dos outros em meio ao grande pátio da fazenda.
Diante daquela figura imponente, superior, ostentando suas armas e atavios, Sebastião, segurou a mão do irmão Benedito, dando a ideia de fugirem juntos. Mas seu pai advertiu “Ninguém corre”. Sebastião Biano narrou que então um rapaz da região desandou a correr do local, foi atingido por disparos de um dos cangaceiros e morreu na hora[8].
Certamente muitos outros teriam desejado correr, mas faltaram forças e coragem diante daquela morte. Os presentes estacaram no mais puro pânico. Estavam pálidos, com os pés fincados no chão e alguns tremendo feito vara de marmeleiro.
O Baile de Lampião
Lampião desceu do seu cavalo primeiro e os “cabras” ficaram na retaguarda. Nessa hora o “Rei do Cangaço” gritou: “Não corre ninguém e os meus cabras não vão mexer com vocês”. O silêncio era intenso. Lampião então se dirige ao pároco Frederico e ao proprietário Manoel Gomes e trocam cordiais apertos de mão. Depois todos seguiram para a casa grande do Olho D’água do Bruno, a uns cem metros da capela.
Consta que Lampião cavalgou intensamente com seus cangaceiros para chegar no início da missa, mas não conseguiu. Entretanto, entre sorrisos e atenções, o chefe dos cangaceiros entregou uma grande quantidade de dinheiro ao pároco Frederico. Ele saldava assim uma promessa com Nossa Senhora da Saúde, a padroeira de Tacaratu. Sebastião comentou em uma reportagem realizada em 1972 que o cangaceiro tirava o numerário de algumas caixas que estavam nos cavalos e dos bolsos da corona da sela e era muito dinheiro[9].
Lampião então se aproximou dos garotos e perguntou: “Meninos, vocês conhecem o toque de Lampião?”. Foi preciso o chefe bandoleiro repetir a pergunta três vezes para eles responderem um “nóis sabe sim sinhô” bem baixinho e balançarem suas cabeças afirmativamente. O cangaceiro ordenou então que eles executassem o pífano. “Se sabem, toquem.” Naquele momento os dois meninos se urinaram de medo. “Minha língua estava grudada na boca, eu mal conseguia soprar”, recordou Biano.
O pife finalmente soou, inicialmente com erros devido ao medo, mas logo os garotos foram se acostumando, tomando gosto pela brincadeira, se soltando e a música encheu a casa grande.
“É Lamp, é Lamp, é Lamp. É Lamp, é Lampião, Meu nome é Virgulino, Apelido Lampião”.
Nisso Lampião mandou buscar dois cangaceiros do bando – os responsáveis pelas músicas durante as viagens – e bradou: “Vocês tão vendo essas crianças como é que tocam? E vocês, dois cavalões, não tocam piroca nenhuma!”, lembrou Sebastião Biano em 2012, no programa Ensaio, da TV Cultura de São Paulo.
Arte de Cavani Rosas, 1973.
Animado o “hômi” mandou preparar o lugar para realizar “um baile” e foi àquela correria para aprontar tudo ao gosto do “Capitão Virgulino Ferreira”. Os presentes logo se colocaram a disposição para realizar danças e segundo Sebastião aquilo foi um “arrasta-pé vingado”.
Os próprios cangaceiros encararam os instrumentos musicais. Lampião tocou algumas modinhas com um fole de oito baixos que arranjaram por lá e alguns cangaceiros pegaram outros instrumentos.
Homens e mulheres que normalmente nem praticavam o tradicional “dois pra lá e dois pra cá”, dançaram até tango e rumba. Alguns idosos com limitações devido ao reumatismo nem se lembraram disso e bailaram até quando encerrou a festa.
Os cangaceiros comeram toda a comida do evento. “Nem para o padre sobrou. O que não cabia na boca, botavam no chapéu. E a gente, nem fome sentiu, de tanto medo. Quando acabaram de comer, ainda pediram palha de milho para dar aos cavalos”, lembra Biano.
Mas para Sebastião o melhor veio mesmo no final do frege.
Animado, falante, feliz e tranquilo, Lampião literalmente abriu o bisaco e distribuiu uma boa soma de dinheiro com os presentes. Uma grande quantidade de moedas de prata e níquel foi entregue as damas que ali se encontravam e estas não sofreram nenhuma violência por parte dos bandoleiros.
Os cangaceiros puxavam do bolso sem nem contar. Todos esbanjaram muito dinheiro naquele dia no Olho D’água do Bruno. O menino Sebastião mesmo ganhou algumas boas moedas de um cangaceiro por ter arranjado capim e água para o cavalo deste.
Às quatro horas da tarde o grupo de guerreiros encourados partiu ao som do “Toque de Lampião”, executado pela bandinha de Manoel Biano.
“Os Beatles de Caruaru”
Depois daquele encontro os irmãos Sebastião e Benedito foram crescendo e tocando pífano onde fosse possível. Tudo era válido pela sobrevivência.
Benedito e Sebastião Biano em 1972.
Circularam por vários anos em Pernambuco. Estiveram em Poço Comprido, depois na cidade de Buíque, onde Manoel Biano adoeceu em 1934. Na sequência tentaram a sorte nas cidades de Pesqueira, Belo Jardim, até que finalmente, no dia 15 de julho de 1939, chegaram à uma região próxima a grande cidade de Caruaru, onde se estabeleceram em um sítio entre os povoados de Rafael e Contendas.
Com o tempo Manoel Biano deixou a incumbência do toque para aos filhos. Ele faleceu em 1955, mas pediu para seus filhos continuassem a tradição e eles formaram a Banda de Pífanos de Caruaru.
Tempos depois a família Biano foi morar na “rua” de Caruaru, onde Sebastião Biano trabalhou durante muitos anos em uma fábrica de estopas e os filhos mantinha uma pequena oficina de sapatos[10].
Banda de Pífanos de Caruaru
Em meio à dura luta pela sobrevivência, o grupo continuou tocando, incentivado por várias pessoas de Caruaru. Não era difícil encontrá-los realizando apresentações nas quartas e sábados, nas esquinas da cidade e na famosa Feira de Caruaru. Durante as festas juninas o dinheiro crescia mais um pouquinho, pois havia uma grande procura para eles animarem inúmeras festas.
Mas os músicos da família Biano aram a ficar bem mais conhecidos na região após algumas apresentações nas rádios Difusora de Caruaru e Difusora do Nordeste, fazendo com que seu som alcançasse uma dimensão que eles não previam[11].
No início de 1967, antes do surgimento da Tropicália, Gilberto Gil realizou no Teatro Popular do Nordeste seu primeiro show em Recife. Foi quando Gil conheceu o compositor Carlos Fernando e trocaram ideias sobre a musicalidade local. Logo surgiu o convite para o músico baiano seguir a Caruaru e conhecer uma banda de pífanos de ótima qualidade que tocava na região e que o próprio Gil já ouvira comentários.
Foto histórica, Caruaru 1967: em 1º plano, da esq. para a dir.: Carlos Fernando, casal Roberto Lira, Gilberto Gil, João Lira Neto, Fernando Lira, rapaz não identificado e Onildo Almeida – Fonte – http://www4.interblogs.com.br/homerofonseca/
Em Caruaru o grupo foi recebido pelo então prefeito Anastácio Rodrigues, que mandou chamar a Banda de Pífanos de Caruaru e o encontro aconteceu no Clube Intermunicipal. Este momento foi verdadeiramente emocionante para o músico baiano natural da cidade de Ituaçu. Consta que Gil chegou a chorar, além de ficar embasbacado com o que viu. Ele percebeu certas relações musicais que o grupo fazia no palco, com o que a banda inglesa The Beatles fazia na Europa. A partir deste momento os filhos de Manoel Biano ficaram igualmente conhecidos como “Os Beatles de Caruaru”[12].
Gil então retornou ao Rio e comentou com o amigo Caetano Veloso sobre o que viu na sua viagem pelo Nordeste. Este encontro em Caruaru é considerado pelos pesquisadores da Música Popular Brasileira uma das experiências que vão gerar e impulsionar o Movimento Tropicalista.
Depois, em 1972, no mesmo ano que a Banda de Pífanos de Caruaru lançou seu primeiro LP, Gilberto Gil incluiu no seu trabalho “Expresso 2222” o tema instrumental “Pipoca Moderna” e depois foi Caetano Veloso que colocou letra e a gravou no álbum “Joia”, de 1975[13]. Consta que depois do lançamento de “Expresso 2222”, Gil retornou a Caruaru, acompanhado do poeta e músico baiano José Carlos Capinam, para apresentar o resultado do seu trabalho a Sebastião e Benedito Biano[14].
Sobre o primeiro disco da Banda existe a informação que a gravadora CBS não acreditava na venda daquele projeto. Aí novamente entrou em cena o prefeito Anastácio Rodrigues, que adquiriu 500 mil cópias do disco e o disco foi lançado.
Logo o grupo estava se apresentando em outras paragens do Brasil.
No MAM do Rio de Janeiro, em 1974, onde tocaram juntos o sanfoneiro Dominguinhos, o grupo Quinteto Violado e a Banda de Pífanos de Caruaru.
Em agosto de 1974, no palco de apresentações do Museu de Arte Moderna, o MAM, localizado no Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, ocorreu um dos shows mais antológicos da música nordestina na Cidade Maravilhosa. No palco tocaram juntos nada menos que o sanfoneiro Dominguinhos, o grupo pernambucano Quinteto Violado e a Banda de Pífanos de Caruaru. Pena que, até onde sei, não ficou registro gravado deste maravilhoso espetáculo musical[15].
As formações da Banda de Pífanos de Caruaru mudaram ao longo do tempo, mas não a proposta, fazendo da banda uma referência musical bastante sólida até hoje. A expressividade conseguida com o pífano, instrumento rústico e de poucos recursos, é notável e o nome da família Biano chegou longe[16].
Infelizmente Benedito Biano partiu em 16 de dezembro de 1999, aos 89 anos de idade, quando faleceu de insuficiência cardíaca em São Paulo, cidade onde Sebastião Biano ou a residir. Um ano antes a Banda havia ganho o título internacional de melhor grupo percussionista brasileiro em um concurso na Alemanha[17].
Mas o trabalho continuou. Em 2004 a Banda de Pífanos de Caruaru recebeu um Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Regional ou de Raízes Brasileiras.
Continuidade
Mas pessoalmente o incrível desta história toda é a garra, a disposição e a longevidade vivamente positiva de Mestre Sebastião Biano.
Com o espírito de menino solto na brincadeira, Mestre Biano lança seu primeiro disco solo Rafael Pimenta/Divulgação
Em 2015, aos 96 anos de idade, Sebastião, o último remanescente da formação original da Banda de Pífanos de Caruaru, lançou seu primeiro CD solo da sua longa e virtuosa carreira.
Este trabalho se intitulou “Sebastião Biano e seu terno esquenta muié” e contou com a participação do famoso instrumentista Naná Vasconcelos em três das 18 faixas. Além deste participaram Eder Rocha (Mestre Ambrósio), Renata Amaral (A Barca), Filpo Ribeiro (Pé de Mulambo) e Júnior Caboclo complementam a formação do grupo “Terno Esquenta Muié”, projeto da carreira solo de Sebastião Biano. Mestre Biano ainda se apresenta com a Banda de Pífanos de Caruaru, cuja formação atual inclui Junior Caboclo (pífano), João Biano (zabumba), Amaro Biano (surdo), Gilberto Biano (caixa), José Biano (pratos) e Jadelson Biano (percussão)[18].
E os descendentes de Manoel Biano continuam a povoar este nosso Nordeste com suas toadas maravilhosas.
NOTAS
[1] A taquara é uma madeira muito comum nas matas do sul de Pernambuco.
[3] Ver Diário de Pernambuco, Recife – PE, edição de sábado, 2 de abril de 1977, pág. 6.
[4] Vale ressaltar que esta foi uma fase do cangaço de Lampião onde as mulheres ainda não participavam do bando. Ver Maciel, F. B. – Lampião, seu tempo e seu reinado, Livro III, A Guerra de Guerrilhas, págs. 119 e 120. Ed. Vozes, Petrópolis – RJ, 1985. Um detalhe está no fato de Sebastião Biano comentar em diversas reportagens que este encontro ocorreu em 1927. Mas acredito que neste caso o padre Maciel está certo.
[5] No dia 3 de janeiro de 1938, a cangaceira Durvinha (Durvalina Gomes de Sá) deu à luz um menino na caatinga da fazenda Riachão, em Tacaratu. Quem serviu de parteiro foi o seu companheiro Moreno (Antônio Ignácio da Silva). Com muitas dificuldades para criar o menino Moreno e Durvinha decidiram doar a criança para o cônego Frederico Araújo de Oliveira, o mesmo que em 1926 presenciou a chegada de Lampião e seus homens no Olho D’água do Bruno. A criança foi então batizada com o nome de Inácio.
Após a morte de Lampião e Corisco, o padre Frederico Oliveira fez insistentes apelos para que o casal de cangaceiros fugisse, pois do contrário a presença deles na região, caso fossem descobertos, poderia trazer grandes problemas para o sacerdote. Moreno decidiu atender aos pedidos do padre. No dia 2 de fevereiro de 1940, dia da Festa de Nossa Senhora da Saúde, Padroeira de Tacaratu, os cangaceiros aproveitaram o silêncio da noite e partiram.
O casal ou 66 anos no mais absoluto segredo. Nem os filhos sabiam de nada daquele ado medonho. Em 2005, adoentado, Moreno pensou que ia morrer e resolveu contar a longa e dramática vida que levaram no cangaço para os filhos. A emoção tomou conta de toda a família e começou uma busca na esperança de localizar o irmão Inácio. Vale ressaltar que depois da morte do cônego Frederico, no dia 14 de janeiro de 1944, Inácio foi levado à cidade de Paulo Afonso e depois seguiu para o Rio de Janeiro, onde se tornou oficial da Polícia Militar daquele estado.
O encontro de Inácio com seus pais, seus irmãos e demais parentes, inclusive os tios, irmãos de Durvinha, se deu no dia 5 de novembro de 2005 na casa de Moreno, em Belo Horizonte. Durvinha faleceu em 2008 e Moreno em 2010.
[6] Nesta época o Olho D’água do Bruno era provavelmente uma antiga propriedade que foi repartida e suas terras vendidas. Pois além de Manoel Gomes de Souza Lima, o conhecido Faceiro, segundo os dados coletados em nossa pesquisa, no início da década de 20 do século ado existia na zona rural de Tacaratu três propriedades registradas com a denominação Olho D’água do Bruno, sendo seus proprietários José Maria Campos, Manoel Antônio Torres e Argemiro Lyra Barbosa. O interessante é que Faceiro não constava desta listagem. Ver “Relação dos proprietarios dos estabelecimentos ruraes recenseados no Estado de Pernambuco – Recenseamento do Brazil, realizado em 1 de setembro de 1920”, pág. 365, Typografia da Estatistica, Rio, 1925.
[8] Segundo o padre Frederico Bezerra Maciel ninguém morreu neste acontecimento. Inclusive o padre apontou que em 1947 entrevistou Benedito Biano sobre este episódio. Entretanto esta afirmação tem de ser observada com reservas, pois o padre Maciel caracterizou sua obra sobre a vida de Lampião por uma intensa defesa das ações protagonizadas por este chefe cangaceiro. Para alguns o padre Maciel “só faltou canonizar Lampião na sua série de seis livros”. Ver Diário de Pernambuco, Recife – PE, edição de quarta feira, 2 de agosto de 1972, Primeiro caderno, pág. 10 e Maciel, F. B. – Lampião, seu tempo e seu reinado, Livro III, A Guerra de Guerrilhas, págs. 119 e 120. Ed. Vozes, Petrópolis – RJ, 1985.
[9] Ver Diário de Pernambuco, Recife – PE, edição de quarta feira, 2 de agosto de 1972, Primeiro caderno, pág. 10.
[10] Consta que outra influência para os irmãos Biano seguirem com a bandinha criada pelo pai, estava no prestígio alcançado por Vitalino Pereira dos Santos, conhecido como Mestre Vitalino, um grande artesão do barro e exímio tocador de pífano. Ver “Jornal do Brasil”, Rio de Janeiro – RJ, edição de terça feira, 18 de julho de 1972, pág. 11, “Diário de Pernambuco”, Recife – PE, edição de terça feira, 20 de maio de 1972, pág. 8 e “Jornal do Brasil”, Rio de Janeiro – RJ, edição de sexta feira, 8 de dezembro de 1972, pág. 15 e
[11] Ver “Jornal do Commércio”, Recife – PE, edição de sábado, 16 de setembro de 1972, pág. 10.
[12] Ver “Diário de Pernambuco”, Recife – PE, edição de sábado, 2 de abril de 1977, pág. 6.
Venda dos carros seria para pagar direitos trabalhistas de funcionários. Arqueóloga denuncia o atraso nos rees para a Serra da Capivara.
A arqueóloga, diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) e também a do Parque Nacional Serra da Capivara, patrimônio arqueológico internacional, ameaça a venda dos veículos do parque para poder pagar direitos trabalhistas de pelo menos 80 funcionários que foram demitidos em 2015 da Fundação.
Ela contou que a decisão se deu por conta de rees que o parque ainda não recebeu. Em 2016, por exemplo, ela contou que não foram reados nenhum valor e lamentou um 2015 ao qual ele definiu como “muito difícil”.
Niéde diz que a manutenção do Parque Nacional da Serra da Capivara custa em todo de R$ 6 milhões por ano, dinheiro que vinha da união e de compensações ambientais.
Serra da Capivara (Foto: André Pessoa/Arquivo pessoal)
“O que acontece é que não estamos mais recebendo esses rees que eram feitos naturalmente todos os anos, e garantia a manutenção do parque. Mas infelizmente, o governo mudou a lei de compensação ambiental e as empresas não são mais obrigadas a ar esse valor diretamente para as instituições, mas sim, mandam para Brasília, para o fundo de compensação ambiental. Então nós estamos praticamente no fim”, contou.
A manutenção, segundo alguns dos poucos funcionários que sobraram no Parque, fica prejudicada. Segundo a direção do parque, 16 das 28 guaritas foram fechadas. Sobrecarregado, em uma delas, o agente de manutenção José Pedro reclama da dificuldade de cuidar de mais de 16 km de estradas e trilhas todos os dias.
“Como a gente tem o prazer de cuidar do parque, para que os os fiquem melhor, a gente sempre estende um pouco mais além do que podia fazer. Mas sem os recursos, não temo como mantermos isso”, contou.
O dinheiro que poderia ser arrecadado com as visitações no parque poderia injetar no parque mais de R$ 84 milhões por ano, bem mais necessário do que o precisaria para manter o parque. Mas o ime no aeroporto da região que foi inaugurado no ano ado, está fechado, ainda não recebe vôos comerciais e está totalmente parado.
“O ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) não está sendo protegido. Nós agora estamos mantendo seis guaritas abertas, com recursos que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) nos mandou, mas só foram R$ 400 mil. Dá para manter o parque durante uns três a quatro meses, e só”, contou.
Resposta
Em nota, o Governo do Estado informou que negocia com uma empresa aérea a oferta de voos regulares para o Aeroporto Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, e contou também que oferece isenção de tarifas e subsídios às empresas. O governo se propôs ainda a patrocinar publicidade nas aeronaves.
A nota diz ainda que o Governo trabalha um plano para desenvolver o turismo na região. As ações vão desde o treinamento e capacitação de guias e trabalhadores de hotéis, pousadas e restaurantes até a divulgação e promoção do roteiro turístico da região dentro e fora do Brasil, como forma de atrair turistas.
Uma das mais importantes historiadoras brasileiras do século XX, Emília Viotti da Costa provoca o leitor ao investigar nosso ado sob diferentes perspectivas.
A Editora Unesp acaba de lançar “Brasil: história, textos e contextos”, de Emília Viotti da Costa. Aqui ela investiga o ado para imaginar o futuro.
Emília Viotti da Costa, finalista do Prêmio Jabuti 2015 na categoria Ciências Sociais, conquistou um lugar de destaque na historiografia brasileira do século XX ao resgatar – em obras já clássicas como “Da Senzala à Colônia” e “Da Monarquia a República”, ambas publicadas pela Editora Unesp – vozes marginalizadas pelos registros oficiais.
Seus escritos, além de serem referência para estudiosos, descortinam novos olhares para questões nacionais perenes, como o autoritarismo e a fraqueza das instituições democráticas. Ou seja, trata-se de uma trajetória intelectual provocativa e atuante, delineada de maneira clara em “Brasil: história, textos e contextos” (352 páginas, R$ 58,00).
Emília Viotti da Costa na Universidade de Yale
São aqui recuperados textos sobre a história do Brasil escritos em vários momentos, desde seus primeiros os em busca do ado até os mais recentes, que datam da última década. Mas todos carregados de uma dramática contemporaneidade, como a defesa que faz da universidade pública – tanto no discurso proferido quando da entrega do título de professor emérito na USP quanto em “Globalização e reforma universitária: a sobrevivência do MEC-Usaid” –, vinculando-a a um processo econômico, político e social mais amplo, numa abordagem vital para os atuais debates sobre autonomia e financiamento do setor.
Dos dilemas do neoliberalismo aos sucessos e fracassos do mercado centro-americano, da reforma universitária às reflexões sobre a crise mundial da última década, Viotti concentra sua atenção em setores sociais ausentes nas grandes narrativas históricas. Com isso, desmitifica concepções simplificadoras da história brasileira, possibilitando um esclarecimento profundo da identidade nacional, que leva a questionamentos essenciais para a compreensão do presente, investigando hábitos gerados e consolidados desde a época colonial e permitindo vislumbrar diferentes formas de imaginar o futuro.
Emília Viotti da Costa, nascida em São Paulo, é formada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e livre-docente pela mesma universidade. Aposentada em 1969 pelo AI-5, lecionou em várias universidades dos Estados Unidos.
Algumas obras de Emília Viotti da Costa
A abolição
144 páginas
Por que o regime escravocrata foi repudiado no Brasil com tanta veemência em 1888, depois de ter sido aceito sem objeções durante séculos? Por que o projeto que decretou seu fim foi encaminhado com tanta urgência? Como explicar a aprovação da lei Áurea ao largo de debates mais acalorados por um parlamento em grande parte eleito por senhores de escravos? Por que estes não se armaram para tentar impedir o ataque à sua propriedade, garantida na Constituição? Que papel os negros e os escravos desempenharam no processo? Estas são algumas das questões que Emília Viotti da Costa pretende responder nesta obra, publicada originalmente em 1987, enfatizando que, embora tenha sido uma conquista, a libertação dos escravos foi apenas um primeiro o em direção à emancipação dos negros no Brasil.
Da Senzala à Colônia
560 páginas
Neste livro fundamental, a autora demonstra que a abolição dos escravos no Brasil representou apenas uma etapa na liquidação da estrutura colonial, mas golpeou duramente a velha classe senhorial e coroou um processo de transformações que se estendeu por toda a primeira metade do século 19. Tal processo prenunciava a transição da sociedade senhorial para a empresarial, do trabalho escravo para o assalariado, da monarquia para a República.
Normalmente as pessoas que gostam de um determinado tema histórico possuem em suas casas livros sobre o assunto de sua preferência. Certamente que nestas estantes alguns destes livros se destacam de outros pelo constante manuseio e a frequência com que seus proprietários vasculham suas páginas em busca de respostas para certas indagações. São aqueles livros que se tornam referência. Evidentemente que diante dessa situação, surge naturalmente uma positiva iração pelos autores destes maravilhosos trabalhos.
Na minha estante sobre livros do cangaço, que nem é tão numerosa assim, existem alguns poucos livros que se enquadram perfeitamente nesta situação, cujos autores são verdadeiros Mestres para mim. Um deles é “Guerreiros do Sol”, de Frederico Pernambucano de Mello.
Nessa minha busca pelo conhecimento do que significa o fenômeno do cangaço, sem dúvida alguma esta obra é uma grande ferramenta que me ajuda a ampliar o meu conhecimento sobre o tema.
Com o tempo fui incorporando ao meu acervo outros interessantes livros de Frederico Pernambucano de Mello, todos de alto nível.
E hoje, em Recife, eu tive o privilégio de conhecer Mestre Frederico.
Fui recebido de maneira extremamente atenciosa, em um momento muito agradável, muito salutar, onde pudemos debater de maneira tranquila e aberta sobre o universo do cangaço e da história de nossa região.
Conheci um homem com amplo conhecimento sobre esse tema, mas com uma natural simplicidade, enorme fidalguia e extrema atenção a este seu irador.
Eu só tenho o mais franco agradecimento ao Mestre Frederico por este agradável encontro.
Um panorama único da justiça imperial brasileira está circunscrito a uma ilha. Fernando de Noronha, a cerca de 543 quilômetros do Recife, abrigou a maior prisão do país no século XIX. Os portugueses fundaram a colônia penal em 1737 e, como a maioria dos soldados e dos condenados que a Coroa mandava para a ilha vinha do Brasil, depois da independência, o Brasil reclamou Fernando de Noronha e continuou a povoá-la com sentenciados e soldados. Os oficiais do Exército que istravam a colônia agrícola enfrentavam desafios semelhantes aos senhores de escravos de grandes plantações e seus parceiros no continente, e lidavam com soldados recrutados à força: como motivar trabalhadores coagidos a labutar?
Daniel Crioulo, preso em julho de 1865 e condenado à galé perpétua. A fotografia foi retirada do álbum “Galeria dos Condenados”, durante o Brasil Império, e está atualmente sob a guarda da Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional. (Imagem: Fundação Biblioteca Nacional)
A documentação farta sobre o que ocorreu na ilha nos leva a conhecer uma micro-história das interações cotidianas muito mais detalhada do que é possível em comunidades ou plantações do continente. Uma base de dados com mais de mil sentenciados registrados nos livros de matrícula da colônia penal permite identificar as características mais comuns usadas para descrever os presos. Manoel da Silva, por exemplo, veio do interior de Pernambuco. Ao ser condenado, ele teria 31 anos de idade, era solteiro e sua condição civil era livre. Antes de ser julgado, trabalhava como lavrador. Era magro, pardo e de estatura média. Seus olhos pretos cintilavam debaixo de uma testa comprida e de sobrancelhas espessas. Seu rosto era quadrado, com pouca barba. O cabelo, preto e carapinho. Tinha o nariz chato e uma boca regular, com lábios grandes e bons dentes. O júri o condenou pelo crime de homicídio e decidiu pela sentença de galés perpétuas, ou seja, prisão com trabalho acorrentado até a morte.
O retrato de Manoel é uma composição com os traços mais comuns entre os sentenciados, por isso não reflete sua diversidade. Havia também brancos, pretos e indígenas, mas nas classificações de cor os brancos eram sub-representados: assim eram descritos 20% dos condenados, enquanto respondiam por 42% da população nacional, segundo o censo de 1872. A maioria era de civis livres, mas havia escravos (pouco mais de 15%). Cerca de 19% da população carcerária era formada por militares condenados por Conselhos de Guerra. Menos de 2% eram mulheres.
Imagem meramente ilustrativa da força policial de Pernambuco destacada em Fernando de Noronha na década de 1920.
A maior parte dos que foram levados para Fernando de Noronha nasceu no Brasil. Os 7% de estrangeiros tinham vindo principalmente de Portugal e da África. Mais de dois terços foram condenados por homicídio ou tentativa de homicídio, mas o número pode ser maior: várias entradas não relatam o crime cometido, mas as condenações a sentenças longas fazem supor que entre 70% e 80% dessa população tenham sido penalizados por assassinato. Outros crimes registrados são roubo e furto (6%), injúrias físicas (4,6%), guarda ou ree de moedas falsas (2,6%) e deserção militar (3,2%). Mais raros, defloramento, reduzir a escravidão e sublevação não somam 1%. Nessa amostra, mais da metade dos julgados recebeu sentença perpétua ou a pena de morte, que normalmente era comutada pelo imperador D. Pedro II para galés perpétuas, porque ele não apoiava a pena última. Entre as outras sentenças, há galés temporárias, prisão simples, prisão temporária com trabalho.
O ado de Fernando de Noronha é pouco conhecido e nada tem haver com a imagem atual que os brasileiros possuem em relação a este belo lugar.
Vieram de quase todas as províncias e da corte, menos Goiás. Pernambuco contribuiu com mais de um terço do total, e outro terço veio das províncias do atual Nordeste brasileiro. Pode-se explicar o predomínio de condenados desta região pelos custos e dificuldades de transportar presos de províncias distantes, mas também pela gestão da ilha. Até 1877, os governadores de Pernambuco dividiam sua istração com o Ministério de Guerra, localizado no distante Rio de Janeiro. Depois, o Parlamento transferiu a responsabilidade para o Ministério de Justiça. Mesmo assim, o exército continuava a fornecer os oficiais e os soldados que garantiam a segurança local. Os governadores pernambucanos usavam a colônia para aliviar a superlotação da Casa de Detenção no Recife. Pelo decreto do Parlamento, de 1859, somente três tipos de criminosos deveriam ser remetidos à ilha: os escravos condenados à pena capital cujas sentenças foram comutadas a galés perpétuas, os envolvidos com moedas falsas e os sentenciados à prisão com trabalho.
Estes dados realçam dois aspectos de Fernando de Noronha no sistema de justiça imperial. Primeiro, que as autoridades de Pernambuco e do exército abusavam de seus papéis de es, remetendo à colônia criminosos que, pela lei, não deveriam ir para lá. Segundo, o predomínio de condenados por crimes de homicídio, indicando que a polícia e os juízes utilizavam seus escassos recursos para reprimir e punir crimes violentos. Quase não havia espaço para sentenças não mortíferas. Com a proclamação da República, o sistema federal adotado resultou no fechamento de Fernando de Noronha como instituição nacional: depois de 1897, tornou-se colônia penal de Pernambuco.
Durante a primeira istração de Getulio Vargas, Fernando de Noronha voltou a ser um lugar de exílio para presos políticos e, em 1942, tornou-se território istrado pelas Forças Armadas. A prisão da ilha foi definitivamente fechada em 1957.
Peter M. Beattie é professor da Michigan State University e autor de Punishment in Paradise: Race, Slavery, Human Rights, and a Nineteenth Century Brazilian Penal Colony (Duke University Press, 2015).
Reconstrução da estação ferroviária de Pedro Avelino – Fotos – Rostand Medeiros
Em meio a uma época onde impera grandes problemas em terras potiguares, onde grande parte do seu território sofre o flagelo da seca e a situação do nosso patrimônio histórico anda bastante combalida, podemos anunciar que temos uma boa notícia.
Em maio de 2014, ao ar pela cidade de Pedro Avelino, na Região Central do Rio Grande do Norte, presenciei o estado de degradação e abandono da sua antiga estação ferroviária.
Como comentei na ocasião, em 2013 foi anunciada por parte do Governo Federal a liberação do prédio para a prefeitura de Pedro Avelino e em 25 de outubro daquele mesmo ano foram empenhados recursos da ordem de R$ 341.250,00, junto ao Ministério do Turismo, para transformar o velho prédio em um centro de cultural.
Parece que finalmente as barreiras da burocracia foram superadas e este patrimônio deverá ser em breve totalmente recuperado, salvo e melhor utilizado.
Inaugurada em 8 de janeiro de 1922, quando Pedro Avelino era chamada de Epitácio Pessoa. A chegada dos trilhos de ferro alterou substancialmente os aspectos sociais e econômicos do lugar, tento que no ano de 1938 o pequeno lugarejo foi elevado a distrito e dez anos depois se desmembrou do município de Angicos.
Sabe qual é a primeira rua de Natal? Veja e compare as mudanças que ocorreram no local ao longo dos anos
Dois cruzeiros demarcaram, em 1599, a área onde deveria nascer Natal. A história está guardada em livros de Câmara Cascudo e de arquitetos como João Maurício, que dedicou maior parte de sua vida profissional a organizar registros históricos das mudanças paisagísticas da Capital . Quem não recorrer a esse escritos e, por curiosidade, percorrer os 878 metros que separam a Praça das Flores da Praça da Santa Cruz da Bica (onde foram fixados os dois monumentos iniciais) dificilmente vai conseguir traduzir e perceber a importância histórica de prédios, ruas e monumentos que registraram a história da cidade. Atualmente, o projeto que promete reverter essa falta de cuidado é o PAC Cidades Históricas que desde 2013 aprovou 10 projetos para Natal. O investimento previsto em obras de restauração é de R$ 43,4 milhões e beneficia nove prédios e 13 praças do Centro Histórico, espaço compreendido entre a Cidade Alta e a Ribeira. Os projetos foram elaborados e inscritos pelo Iphan-RN, Governo do Estado, Prefeitura do Natal e UFRN. Nenhum foi concluído e poucos iniciaram a parte burocrática.
Na Praça das Mães, nem mesmo o cruzeiro existe mais – Foto – Alex Régis – CLIQUE PARA AMPLIAR AS FOTOS
Falta de preservação causa “apagão” histórico
Em 1599, quando foi fundada, Natal ou por uma verdadeira ‘peleja’: a dificuldade de povoar o sítio escolhido para receber a ‘nova cidade’. Durante as três primeiras décadas, documentos oficiais citados em livros históricos dão conta de um lugarejo fundado no papel, mas não de fato. Em 1631, existiam apenas 60 casas entre os dois crucifixos usados para demarcar os limites da cidade. A área da Natal antiga é para a cidade de hoje o palco de uma nova ‘peleja’: garantir algum tipo de preservação de prédios e monumentos antigos. Quem percorre as vias que ligam os dois pontos que inicialmente delimitavam a cidade não consegue encontrar com facilidade informações de que está pisando na principal área histórica do RN.
Sabe aqueles cafés charmosos em prédios antigos, galerias de arte, museus, monumentos bem conservados, pontos turísticos, ônibus com turistas e suas máquinas fotográficas com direito a pau-de-selfie? Pois é… a área antiga de Natal não tem esse cenário comum a qualquer cidade que tem no turismo um setor importante da economia.
Sem a devida preservação, a história da Natal antiga vai se perdendo em cada prédio antigo demolido, reformado ou inutilizado.
Praça da Santa Cruz da Bica está abandonada – Foto – Alex Régis
Esta semana a reportagem da Tribuna do Norte percorreu os 878 metros que separam as duas áreas onde foram chantados os dois primeiros marcos que delimitavam a área da cidade. Dois cruzeiros de posse foram usados: um ao Norte, onde hoje está a Praça das Mães; e o segundo, localizado ainda hoje na Praça Santa Cruz da Bica.
Nesse eio pelo terreno histórico, além de informação, também faltam conservação, limpeza, iluminação e segurança. O arquiteto João Maurício, referência no estudo da transformação arquitetônica de Natal lamenta a falta de cuidado com a história. Em 2014 ele lançou o livro “Natal Foto-Gráfico: Do ado ao Presente” e comenta: “Vendo essas fotografias, concluímos que muita coisa que tinha que ser preservada não foi. Estamos apagando a memória”, lamenta.
Antiga Igreja do Rosário, no Centro de Natal. Construída pelos escravos entre 1706 e 1714.
Poucos imóveis da primeira rua de Natal (que liga os cruzeiros) resistiram ao tempo. Embora a estrutura das edificações ainda permaneça a mesma – prédios sem recuos laterais, telhados altos de duas águas – as fachadas foram grotescamente reformuladas. E os poucos imóveis que ainda mantém formatos originais estão sem qualquer preservação ou plano de manutenção.
No número 55 da Praça João Tibúrcio, uma casinha chama a atenção por ainda preservar a fachada. Há mais de 20 anos, a família do comerciante José Neto mora no local. A calçada da casa ainda possui piso antigo. No interior do imóvel, o piso e telhado não são mais originais. “Nunca veio ninguém aqui querendo saber detalhes desse imóvel ou para me contar o valor histórico da casa. Sei que tem história, sei que é antigo, mas não conheço os detalhes”, afirma o comerciante de 35 anos. A estrutura da casa está bastante abalada e, atualmente, está ando por uma reforma na parte de trás. “Estamos tentando evitar que parte do telhado venha abaixo”, explica. A parte de trás da antiga casa tem vista para a Casa do Estudante e Rio Potengi.
Praças
Nos 878 metros percorridos na última quinta-feira (27), a equipe da Tribuna do Norte encontrou as quatro praças existentes no percurso com problemas de infraestrutura. A mais conservada, a das Mães, não tem referências sobre o início da cidade. “Conheço essa história porque tive o às obras de Cascudo. Mas, realmente, essa é uma área que merecia, e merece, total atenção para garantir a preservação da história”, afirma o advogado Cleto Barreto. Há 25 anos ele adquiriu um casarão deteriorado em frente à praça, reformou e instalou seu escritório.
A Praça João Tibúrcio está destruída. Muretas que sustentam os desníveis do terreno estão sem manutenção e estrutura está comprometida – Foto – Alex Régis
No outro extremo, a praça Santa Cruz da Bica, onde ainda existe o cruzeiro que delimitava a cidade em 1599, a área chama a atenção pelo abandono e acúmulo de lixo. Lá, também, não há nenhuma informação sobre a relevância histórica do cruzeiro. “É uma área insegura, escura, suja… Não condiz com a importância histórica. Infelizmente, é a realidade”, desabafa a taróloga Indira Ivanovichi, que mora a 200 metros do cruzeiro.
Na praça João Tibúrcio, que ainda guarda cenário residencial, a situação é a mais precária. Toda a estrutura de alvenaria, que sustenta os desníveis da área, está deteriorada e até representa perigo a quem circula na área. “Eu brinco com meus amigos que vivo na área nobre e aristocrata da cidade. Mas tenho que reconhecer que a história e a infraestrutura estão abandonadas”, afirma e lamenta o empresário Wagner Franco, que nasceu e mora até hoje na área histórica da cidade.
Na André de Albuquerque, monumentos que indicam a fundação da cidade estão pichados e sem placas de informações – Fot – Alex Régis
Já a Praça André de Albuquerque não tem cenário diferente, mesmo sendo considerada o marco zero da cidade. Bancos estão quebrados e as placas que dariam algum tipo de informação sobre sua importância histórica foram arrancadas ou estão pichadas.
Poucos conhecem referências
Moradores, comerciantes, pedestres. População em geral desconhece fatos históricos sobre a formação da cidade, mas defende que haja trabalho de conservação e recuperação urbana.
Indira Ivanovichi
“Moro aqui há mais de uma década e nunca vi qualquer trabalho de recuperação da área. Hoje, o que me assusta é a violência. Também acho que não há informação sobre a importância histórica”
Antiga Ribeira
Wagner Franco “Nasci e me criei aqui nessa área histórica. Acho que a cidade perde muito quando não preserva os monumentos. Trabalho com turismo, mas reconheço que sem estrutura essa área tem potencial pouco explorado”
Max Willian
“Não tinha o menor conhecimento de que essa área era a mais antiga da cidade. Sempre venho aqui ver prédios mais antigos, mas não há informações sobre essas histórias. Agora vou olhar com mais atenção”
Josimário Diniz
“Tenho essa lanchonete da Metropolitana há 24 anos. Mas confesso que não sabia dos detalhes do início da cidade. Sabia que era por aqui, mas não onde. Aqui não há manutenção. Esperam cair para reconstruir”
Emanuel Januário
Vendo comida de milho aqui todos os dias. Mas nunca ouvi falar que Natal começou aqui. Acho interessante. Vou dizer para minha família que ficou no interior que eu trabalho na rua onde nasceu Natal” Cleto Barreto
“Conheço a importância dessa área porque sempre tive o à obra de Câmara Cascudo, mas concordo que falta iniciativa para preservar e divulgar a importância histórica de linda região”.
Em João Pessoa-PB, uma das principais atrações turísticas da cidade é um conjunto de edificações históricas. Esta é a fachada principal do atual Centro Cultural, que funciona em um complexo arquitetônico formado pela Igreja e Convento de Santo Antônio, a Capela da Ordem Terceira de São Francisco, a Capela de São Benedito, a Casa de Oração dos Terceiros (chamada de Capela Dourada), o Claustro da Ordem Terceira
Memória
– Fundação – Em 25 de dezembro de 1599, a Cidade do Natal foi fundada oficialmente.
– Escolha – O chão elevado e firme da área ao redor da hoje Praça André de Albuquerque foram as características consideradas para a escolha da posse do terreno para o surgimento da cidade.
– Demarcação – Dois cruzeiros de posse foram usados para demarcar a área da cidade. Um chantando onde hoje está localizada a Praça das Mães; e outro, à margem do rio do Baldo (antigo rio da Bica, rio de Beber). O primeiro cruzeiro não existe mais e não há referências dele na praça. O segundo, ainda está no local, na Praça Santa Cruz da Bica.
1601 Para tentar povoar a nova cidade, o capitão-mor João Rodrigues Colaço ofereceu parte da área como dote de Izabel Alvares. O bombardeiro do Forte dos Reis Magos casou com a moça com o compromisso de povoar a área em três anos. Um ano depois do casamento, abandonou o terreno por ser “terra não proveitosa”.
1608 Governador Geral do Brasil, Diogo de Meneses, escreve a Portugal em 4 de dezembro informando que no Rio Grande, “a povoação que está feita não tem gente”.
1614 A nova cidade tem nessa época 12 casas erguidas na área entre os cruzeiros.
1631 Nessa época, a igreja matriz era a principal construção da cidade (embora fosse uma construção bem humilde). Era o ponto de contro dos que viviam em sítios ao redor de Natal e movimentava a pequena comunidade aos domingo. Os livros de história apontam existir 60 casas entre os dois cruzeiros.
1633 Cascudo descreve que os 34 primeiros anos da cidade foram “lentos, difíceis e paupérrimos” e que Natal era “cidade apenas no nome”.
1722 Capital-Mor Pereira da Fonseca calculava a cidade com trezentas casas.
1746 Bispo de Olinda, Dom Frei Luiz de Santa Tereza relata que a cidade “de tão pequena que além do título de Cidade, Igreja Paroquial e poucas casas, nada tem que represente a forma de cidade”.
1777 Ouvidor da Paraíba descreve os limites da cidade. Nessa época, um retângulo de 800 por 110 metros, limitados: cruzeiro da antiga Rua da Cruz (norte); cruzeiro do córrego do Baldo (sul); Rua da Conceição (leste); e rua que margeava as praças André de Albuquerque e João Tibúrcio (oeste).
1805 Primeiro mapa da população tem data de 31 de dezembro de 1805. Das 6.393 pessoas vivendo em Natal. Três anos depois um novo censo, com 1.484 pessoas a menos. Não há explicação para a diferença.
1810 Censo mostra população de 5.977 pessoas. Causas de morte (além das naturais), duas: tiro e cobra cascavel.
FONTE –
Autora – Cledivânia Pereira
Editora Executiva Jornal Tribuna do Norte
Com a entrega das edificações do 3º Distrito Naval, o que será feito com o antigo prédio do Consulado Americano em Natal na época da II Guerra? Virá abaixo?
Autor – Rostand Medeiros
Aqueles que gostam do tema Segunda Guerra Mundial e a participação de Natal neste conflito, creio que sabem que poucos dias após o ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, a presença militar americana em Natal se tornou intensa.
Em Natal estiveram baseados vários esquadrões da Marinha Americana, equipados com inúmeros modelos de aeronaves como PBY Catalina, Martin Mariner, Consolidated PB4Y (versão naval do B-24), Lockheed Hudson, Blimps (dirigíveis não rígidos) e outros. Milhares de aviões destinados aos vários teatros de operação durante a Guerra aram por Natal. A capital potiguar foi escolhida por ter uma posição geográfica privilegiada, facilitando deslocamentos para África e Europa. Parnamirim Field era, na década de 1940, uma das maiores bases aéreas estadunidenses em território estrangeiro. Ao fim da guerra, o fato rendeu à capital potiguar o apelido de “Trampolim da Vitória”.
A capital potiguar recebeu um contingente que, para alguns pesquisadores, chegou a alcançar 10.000 soldados Norte-americanos. Este fato mudou radicalmente a até então pequena capital, que à época possuía cerca de 50.000 habitantes. Aqui foi igualmente palco de importantes decisões políticas. O acerto para o envio de tropas brasileiras ao continente europeu foi realizado em Natal no ano de 1943. Para isso, foi necessária a vinda do presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, e o do Brasil, Getúlio Vargas. Os dois circularam pela cidade, reconheceram mais uma vez a posição estratégica do lugar e acordaram como seria a parceria entre o Brasil e o bloco dos Aliados com a ida dos soldados brasileiros para a guerra.
Para representar o governo americano em seus interesses e em meio a toda esta intensa movimentação de seus militares, foi criado em Natal o Consulado do Governo dos Estados Unidos. Você sabe onde ele funcionava?
Segundo nós conta o Professor Itamar de Souza, o traçado atualmente conhecido da Avenida Hermes da Fonseca foi uma obra iniciada em setembro de 1940, durante a gestão do prefeito Gentil Ferreira, e tinha o objetivo de ligar a cidade ao Campo de Parnamirim.
Antiga residência do industrial potiguar João Severiano da Câmara – Fonte – Coleção de Edgar Magno Wanderley Ferreira, https://www.facebook.com
Não sabemos quando esta casa foi construída. Sabemos que ela pertenceu ao industrial João Severiano da Câmara, proprietário da firma exportadora de algodão João Câmara e Irmãos Com. Ltda., com sede a Rua Frei Miguelinho, n° 112, bairro da Ribeira. Sabemos também que foi em fins de 1940 que esta edificação ou a ser utilizada como Consulado Americano em Natal. Conforme podemos ver abaixo, essa informação é baseada nos jornais natalenses “A República” e “A Ordem”, em suas edições de 27 de dezembro de 1940, onde é noticiado que o Interventor Federal Rafael Fernandes Gurjão assina documento reconhecendo o Sr. Elim O’Shaughnessy como Vice-cônsul dos Estados Unidos em Natal. Um ano e meio antes do Brasil declarar guerra a Alemanha e a Itália.
Jornal natalense A República, edição de 27 de dezembro de 1940, página 2.
Durante todo o período da presença das forças militares estadunidenses em Natal, este foi um dos principais locais de sua estrutura de trabalho na cidade. Por lá aram várias autoridades, como no exemplo da foto abaixo. Nela vemos, de chapéu e terno branco o então Embaixador dos Estados Unidos na União Soviética, o Sr. Joseph E. Davies, que esteve em Natal em setembro, ou outubro, de 1943. Na foto é possível ver parte da antiga estrutura da casa de João Câmara, uma das palmeiras imperiais e o símbolo característico utilizado nas embaixadas e consulados dos Estados Unidos.
De chapéu e terno branco o então Embaixador dos Estados Unidos na União Soviética, o Sr. Joseph E. Davies, que esteve em Natal em setembro, ou outubro, de 1943. Na foto é possível ver parte da antiga estrutura da casa de João Câmara, uma das palmeiras imperiais e o símbolo característico utilizado nas embaixadas e consulados dos Estados Unidos.
Até 1947 os americanos vão utilizar este local como seu consulado oficial em Natal.
Ainda segundo o Prof. Itamar de Souza, em 1958, após a criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, este imóvel foi adquirido por esta instituição de ensino superior para servir como a primeira sede da reitoria. A partir de 1960 sua área construída foi ampliada.
Com a inauguração do atual Campus Universitário, esta edificação foi vendida para a Marinha do Brasil, que em 15 de junho de 1976 ali instalou o Comando do 3° Distrito Naval.
Em agosto de 2012, conforme noticiado pela imprensa potiguar, o 3° Distrito Naval permutou, por cerca de R$19 milhões de reais, a sua atual sede com a Construtora ECOCIL. A construtora então está construindo uma nova sede desta unidade militar no local onde funcionava o estacionamento da antiga balsa, no Canto do Mangue. Em troca desta construção (e da edificação de uma casa em Fortaleza – CE), a ECOCIL igualmente recebeu da Marinha do Brasil uma casa na Avenida Hermes da Fonseca e outro prédio na Avenida Alexandrino de Alencar.
Não se sabe o destino da antiga sede do Consulado Norte-americano em Natal.
Essa coisa de permutar não está errada, não é ilegal. Sabe-se que a ECOCIL vai construir naquele local alguns edifícios. O que também não tem nada de errado nisso!
Mas existe uma questão nisso tudo!
E o que vão fazer com a parte destas edificações que foram a antiga sede do Consulado Norte-americano de Natal
Vão simplesmente demolir?
Não sabemos o posicionamento da ECOCIL. Mas por ser esta uma empresa de credibilidade, conhecida, com muitos anos de atuação na construção civil no Rio Grande do Norte, esperamos que a mesma tenha uma posição positiva em relação a esta questão.
Não sei se estou certo, mas, caso não tenha sido pensado, talvez uma das soluções fosse que o futuro projeto da empresa ECOCIL contemplasse uma adequação em relação à existência desta casa. Que está numa parte frontal e é relativamente pequena em relação a toda área que eles permutaram com a Marinha do Brasil. Outra situação interessante seria uma reforma para trazer as características desta edificação no tempo da Segunda Guerra.
A participação de Natal durate a Segunda Guerra Mundial é algo muito importante em termos de identidade para o povo desta cidade, entretanto pouco do patrimônio histórico está preservado – Fonte – Getty Images
Em Recife, onde a questão do patrimônio histórico é levada mais a sério e mobiliza a sociedade (Veja o caso do Movimento Ocupe Estelita –http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/05/ato-contra-plano-para-o-estelita-dura-5h-e-acaba-em-shopping-do-recife.html), é normal existirem modernos espigões de apartamentos de alto padrão, mantendo na parte frontal do terreno uma antiga e bem conservada vivenda colonial. Normalmente estas casas do século XIX são utilizadas como recepções condominiais e salões de festas.
Mesmo que a área não seja de uso público, o que já não é na atualidade por ser uma área militar, ao menos a edificação se manteria em pé.
É pouco? É verdade!
Mas, diante do que já se perdeu em termos de patrimônio histórico em Natal, talvez seja melhor isso do que a demolição pura e simples deste local!
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22 FOTOS COLORIDAS DOS AMERICANOS EM NATAL DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Que histórias guardam uma casa abandonada no sertão nordestino, um antigo sanatório para doentes de tuberculose no interior paulista ou a escola para meninas na primeira vila operária de São Paulo?
Em Patos de Irerê (PB) Lampião deixava o esconderijo no pé da serra para ar a noite jogando cartas na casa de Marcolino, seu “protetor”. Histórias de sequestros de mulheres, combates entre polícia e cangaceiros, a briga entre o governador da Paraíba e o coronel José Pereira, estão em patrimônios públicos e privados, conservados ou não. E por que o ser humano sente-se atraído por imagens e histórias de locais deixados sob a ação do tempo?
O Caminhos da Reportagem acompanhou fotógrafos apaixonados por ruínas no Hospital Matarazzo, fechado durante 20 anos, em São Paulo, e pernambucanos que consideram Olinda uma caixa de fotografias que lembra a todos de onde vieram e quem são.
Roteiro e direção: Bianca Vasconcellos
Reportagem: Aline Beckstein, Gustavo Minari
Produção: Aline Beckstein, Carina Dourado, Luana Ibelli, Monique Amorim, Natália Keiko,Pamela Santos, Thaís Rosa, Rostand Medeiros
Imagens: Alexandre Nascimento, Eduardo Viné, Milene Nunes, William Sales
Auxiliares: Eduardo Domingues, Leandro Oliveira, Rafael Carvalho
Sonoplastia: Priscila Resende
Edição de imagens: Caio Cardenuto, Rodger Kenzo
Finalização de edição de imagens: Rodger Kenzo
Fotos: Bianca Vasconcellos
No traço de Ângelo Agostini, a Rua do Ouvidor no carnaval de 1884. A agem das sociedades organizadas de foliões por esta rua tinha como objetivo civilizar o carnaval carioca. (Imagem: Fundação Biblioteca Nacional) – CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR
Às vésperas da Abolição, carnaval do Rio se torna palco para experiências de cidadania entre foliões negros
O cortejo tem cerca de 20 pessoas e avança dançando e cantando sem parar. São homens, mulheres e crianças negros, vestidos de “índios”: com cocares de penas, tacapes, lanças e escudos, levam cobras e lagartos – alguns vivos, outros empalhados. Carregada num andor vai a rainha, ricamente adornada, trajando manto e segurando cetro. Ao lado, vem o rei. Seus súditos tocam instrumentos pouco comuns para os habituais frequentadores da rua do Ouvidor, no Centro do Rio de Janeiro: agogôs, chocalhos e tambores. Cantam numa língua ainda menos comum. Mas é carnaval! A Corte está ando e uma frase fica clara para todos os presentes: “A África sempre foi livre”, cantam os membros do grupo Cucumbis Africanos.
Quando o Jornal do Comércio descreveu esse episódio, ainda vigorava a escravidão no Brasil, mas por pouco tempo: era a segunda-feira de carnaval de 1888, e a Abolição viria três meses depois. Não era a primeira vez, no entanto, que os Cucumbis carnavalescos saíam às ruas. Desde 1884, sua presença se tornara cada vez mais significativa e impactante na cidade.
Os Cucumbis eram grupos compostos por foliões socialmente reconhecidos como negros. O enredo central de seus desfiles contava a história de uma embaixada do rei do Congo em visita a outro reino. No meio da viagem, o filho do rei é assassinado por um rival, muitas vezes representado por um “caboclo” brasileiro. Rei e rainha, desesperados, exigem que o mais famoso feiticeiro do reino devolva a vida ao pequeno príncipe. Após cenas de encantamento, batalhas e muitos versos referentes à África e aos seus costumes, o jovem príncipe renasce e dança em júbilo com sua família e súditos.
Tanto quanto a celebração da alegria e da loucura, o carnaval carioca tornou-se, na década de 1880, um espaço de discussões políticas. As Grandes Sociedades Carnavalescas do período, surgidas em meados do século XIX, formadas em grande parte por membros da imprensa e dos setores mais abastados da sociedade carioca, estavam afinadas com os interesses de parte da imprensa e de muitos intelectuais: defendiam caminhos de modernização e “civilização” para a nação brasileira. Isso incluía a abolição da escravidão e a proclamação da República, mas também a reformulação das práticas festivas – consideradas “atrasadas” e incompatíveis com aqueles ideais de progresso. O carnaval de inspiração veneziana e parisiense deveria substituir o “bárbaro” entrudo e as demais brincadeiras populares, sobretudo as de matriz africana. Os préstitos das Grandes Sociedades Carnavalescas pretendiam “ensinar” ao povo como brincar: organizadamente, apenas assistindo ao desfile, como plateia e não mais como atores. A rua do Ouvidor seria o melhor espaço para tal empreitada, pois era considerada a “artéria da civilização” no Rio de Janeiro e concentrava inúmeras lojas de artigos de luxo, além das redações dos principais jornais e revistas.
Visão geral da folia de 1886, em O Mequetrefe. Através dos Cucumbis, setores da população negra se faziam presentes no debate sobre a participação dos ex-escravos na sociedade. (Imagem: Fundação Biblioteca Nacional)
Quando sociedades intituladas Cucumbis Carnavalescos, Lanceiros Cucumbis, Iniciadora dos Cucumbis, Filha da Iniciadora dos Cucumbis, Triunfo dos Cucumbis e Cucumbis Africanos disputavam espaço na estreita rua e paravam diante dos jornais para saudá-los, estavam utilizando práticas similares àquelas das Grandes Sociedades, mas com outros objetivos. Visavam conseguir destaque na imprensa, ter seu esforço e dedicação valorizados publicamente e ser elevadas ao rol dos grandes grupos do carnaval. Ao se tornarem mais visíveis e reconhecidos, diminuíam também as chances de serem silenciados ou perseguidos pelas autoridades. Para completar, expunham publicamente preferências, identidades e expressões criativas.
No carnaval de 1886, José do Patrocínio foi o grande homenageado da Iniciadora dos Cucumbis. O jornalista e escritor foi um dos mais atuantes abolicionistas do Rio. Fundador da Confederação Abolicionista, sediada no prédio da redação da Gazeta da Tarde – jornal que ele possuía desde 1881 – naquele ano Patrocínio foi eleito vereador e expandiu suas atividades para além dos limites do jornal: promovia meetings (reuniões), comícios em teatros e praças, além de auxiliar fugas e acoitamento de escravos. Ao dedicar parte de seu préstito numa saudação a José do Patrocínio, dançando em frente à redação de seu jornal, aquela sociedade carnavalesca queria transmitir uma mensagem. Associava-se à imagem do famoso abolicionista e fazia saber a todos que compartilhava de seus ideais.
Cucumbi
Parece que a estratégia da Iniciadora dos Cucumbis funcionou bem, pois ela entrou no rol das sociedades que continuariam a figurar nos jornais pelos anos seguintes. Mais do que uma pauta meramente carnavalesca, os Cucumbis relacionavam-se com o momento político, social e cultural da Corte naquele período. O Rio de Janeiro vivia um momento de ebulição social, com a crescente força dos movimentos abolicionistas e a constante desautorização de senhores de escravos, explicitada por fugas, pelo número cada vez maior de escravos vivendo sobre si – longe da vigilância do senhor e conquistando autonomia – e pelo vertiginoso aumento no número de alforrias. Intensificavam-se os debates sobre os limites da liberdade, da cidadania e da participação dos ex-escravos e negros livres na sociedade como um todo.
O cortejo carnavalesco dos Cucumbis saía lado a lado com as demais sociedades, e assim como elas ava pela rua do Ouvidor e parava diante das redações dos jornais. Mas seu discurso era bem diferente. Ao carnavalizar a imagem da África, os Cucumbis deixavam claro para seus participantes e para o público que possuíam uma identidade cultural própria, compartilhada por alguns e vedada a outros sujeitos sociais. O rei do Cucumbi era Congo, seus personagens tinham nomes africanos e quem se sagrava vencedor ao final do cortejo era um reino da África. Assim, misturavam as brincadeiras carnavalescas de inspiração europeia com elementos das culturas negras da cidade, como congadas, reisados, festas das irmandades religiosas, cortejos fúnebres, embaixadas africanas, folias de reis e jongos.
Os foliões dos Cucumbis poderiam ter escolhido outras formas de brincar, mas preferiram trazer às ruas uma manifestação prontamente associada ao ado africano – tanto pelas autoridades e pela imprensa quanto por seus pares. Representavam uma identidade africana positiva diante dos ideais de europeização do carnaval e das tentativas de controle e limitação da autonomia festiva. Por meio dos Cucumbis – cantando, dançando, vestindo-se “à moda africana” e manifestando o sentimento de pertencimento a um grupo – os negros cariocas encontraram no carnaval a possibilidade de testar os novos limites da liberdade que se discutia ao longo da década de 1880. Por isso batalharam para se fazer notar entre os grupos carnavalescos.
Com o advento da República, em 1889, os Cucumbis aos poucos desapareceram das páginas dos jornais do Rio. Não se sabe se sumiram ou se foram silenciados na imprensa, mas sua tradição carnavalesca manteve-se presente em ranchos, cordões e blocos espalhados pela cidade. Índios, cortejos, reis, cortes, imagens da África e expressões de grupos sociais não abandonam o carnaval. A festa abre espaço para que se recriem suas práticas de acordo com as novas necessidades apresentadas pela nascente República brasileira.
Eric Brasil é autor da dissertação “Carnavais da Abolição: Diabos e Cucumbis no Rio de Janeiro (1879-1888)”,(UFF, 2011).
Saiba mais
CUNHA, Maria Clementina Pereira (org.). Carnavais e outras f[r]estas: ensaios de história social da cultura. Campinas: Ed. da Unicamp/ Cecult, 2002. CUNHA, Maria Clementina Pereira (org.). Ecos da Folia: uma história social do carnaval carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. MORAIS, Eneida de. História do Carnaval carioca. Rio de Janeiro: Record, 1987. PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. O Carnaval das Letras: literatura e folia no Rio de Janeiro do século XIX. Campinas: Editora Unicamp, 2004.
Extensão do domínio holandês no Nordeste do Brasil
Os holandeses do norte vinham em rebelião aberta contra a Coroa espanhola desde 1568, mas foi em 1602 e 1621 que eles levaram a guerra ao campo do inimigo. E foram eles, também chamados neerlandeses ou batavos, os primeiros europeus a arrancarem do controle dos conquistadores ibéricos um grande naco de terra no que hoje chamamos de América do Sul. Isso ocorreu no Brasil.
Para realizar estas conquistas os holandeses utilizaram uma empresa. A organização da Companhia das Índias Ocidentais, o empreendimento comercial conquistador holandês, é muitas vezes atribuída por historiadores ibéricos às maquinações de capitalistas judeus que fugiram (ou foram expulsos) de Espanha e Portugal, mas essa visão é insustentável. O investimento judaico no início de ações da Companhia (nominalmente capitalizada em sete milhões de florins) foi relativamente insignificante. Mas o verdadeiro impulso veio de exilados calvinistas holandeses, sendo estes particularmente proeminentes na formação da Companhia e nas listas de seus acionistas. Para os calvinistas o sentimento contra os espanhóis e portugueses era muito forte, onde a luta era considerada uma verdadeira guerra santa contra os católicos.
Prédio em Amsterdã, Holanda, sede histórica da Companhia das Índias Ocidentais, ou West-Indische Compagnie – WIC
Ao longo de sua história os holandeses reclamam que os ingleses apenas seguiram o rastro de suas conquistas; e, embora esta alegação não possa ser sempre justificada, não há dúvida de que foram os holandeses que aram o peso esmagador do monopólio colonial católico ibérico, que parecia tão maciçamente intacto em 1600.
As duas coroas ibéricas estavam unidas desde 1580 (a chamada união dinástica) e as Américas se tornaram um grande alvo para os holandeses, que decidiram iniciar suas operações militares atacando o Brasil, ao invés de México ou Peru. Pensavam os estrategistas batavos que os portugueses seriam vítimas mais fáceis e o governo de Madrid não reagiria de forma tão violenta a perda de terras portuguesas.
Uma vez estabelecidos no Brasil, os holandeses teriam uma base americana para operações contra os tesouros das frotas espanholas que traziam incalculáveis tesouros do Novo Mundo. Além de istrarem o crescente comércio de açúcar na sua origem e, eventualmente no futuro, marcharem por terra para as minas de prata de Potosi (Bolívia), grande manancial de riqueza da Espanha no Novo Mundo.
O Primeiro ataque
O golpe inicial da Companhia das Índias Ocidentais foi um sucesso espetacular e São Salvador, Bahia, caiu em maio de 1624.
Barco holandês
Foi alegado pelo célebre Lope de Vega, em seu “El Brasil Restituído”, que esta vitória holandesa ocorreu devido à traição dos judeus “cristão-novo”, ou cidadãos cripto judeu, que vislumbravam com os batavos a liberdade religiosa do culto judaico em terra de conquistadores católicos. A verdade foi que a derrota aconteceu pela covardia dos defensores de Salvador e a pela audácia do vice-almirante holandês Pieter Pietersen Heyn.
Mais ou menos ao mesmo tempo, na costa oposta da América do Sul, outra frota holandesa tentou dominar Callao, no Peru. Esta audaciosa tentativa falhou, mas os assentamentos espanhóis na costa do Pacífico foram jogados em um estado de tremenda confusão e alarme.
Contrariando as expectativas holandesas, a perda da Bahia despertou para uma ação decisiva o lento governo em Madri. Provavelmente porque eles reconheceram que o objetivo final holandesa não era o açúcar do Brasil, mas a prata andina.
Fonte – peregrinacultural.wordpress.com
Com uma velocidade e rigor excepcionais para o padrão istrativo ibérico, uma armada combinada portuguesa e espanhola foi mobilizada. Na verdade aquela era a maior frota que já tinha cruzado a linha do Equador em direção ao Brasil desde seu descobrimento em 1500. 52 navios, 14.000 homens e 1.185 armas de fogo surgiram fora de Salvador na véspera da Páscoa de 1625. Em 1 de maio a guarnição holandesa, que não era composta de idiotas, entregou-se a Dom Fadrique de Toledo Osorio, Capitão Geral da Armada. Logo uma frota chegou da Holanda e rapidinho se retirou, sem se aventurar a um contragolpe contra a grande esquadra combinada ibérica.
Enquanto os holandeses eram pela primeira expulsos do Brasil, os esforços deles para capturar um dos mercados de escravos portugueses na costa oeste da África também falhou desastrosamente e por negligência dos seus comandantes. Um cronista holandês escreveu que “no verdadeiro estilo militar, cada um jogou a culpa no outro”.
Se os protestantes holandeses venceram o primeiro round, os seus adversários católicos haviam decididamente vencido a segunda fase e a Companhia das Índias Ocidentais estava quase falida. Mas os calvinistas das Terras Baixas do Mar do Norte eram homens teimosos. Eles não desanimavam com golpes pesados e logo recomeçaram a afiar suas espadas.
Piet Hein – Fonte – en.wikipedia.org
Em pouco tempo o brilhante almirante Pieter Pietersen Heyn varreu os barcos de transporte ibéricos na costa brasileira entre 1626-1627. Em setembro de 1628 conquistou toda a frota de prata espanhola na Baía de Matanzas, Cuba, um feito sem paralelo.
Com o tesouro derivados destes e de outros ataques navais, a Companhia das Índias Ocidentais pagou todas as suas dívidas, declarou um dividendo de 50 por cento e em 1630 equipou outra expedição poderosa contra o Brasil (65 navios e 8.000 homens). Desta vez seu objetivo não era a Bahia, mas Olinda e Recife, na província de Pernambuco, a região produtora de açúcar mais rica do mundo e a parte mais próspera do Império Colonial Português.
O Doce Nordeste
O açúcar havia sido introduzido no Brasil a partir da Madeira e de São Tomé em 1530, mas foi no século XVII que se tornou “o século do açúcar”, devido ao grande aumento da procura por este produto na Europa, onde constantemente se tornou uma necessidade, em vez de um luxo.
A plantação de açúcar tipicamente brasileira era centrada no engenho, ou moinho para moer a cana-de-açúcar não refinado. Os principais centros de produção foram os distritos férteis conhecidos em torno de Olinda e Recife, em Pernambuco, e do Recôncavo, nos arredores de Salvador. Os plantadores de açúcar, ou senhores de engenho, geralmente viviam em suas propriedades e vinha para a cidade apenas para festas, ou para fiscalizar o transporte de suas colheitas. Com o aumento da produção cada vez mais os lusos importavam escravos negros africanos para o Brasil.
Engenho e tropas holandesas
Isso deu a sociedade brasileira colonial um selo marcadamente rural, em contraste com a da América contemporânea espanhola, onde os líderes da sociedade preferiam morar nas cidades do vice-reino do México e de Lima (Peru), ou no grande centro de mineração de Potosí.
Frei Manoel Calado escreveu um relato da luta Luso-Holandesa pelo nordeste do Brasil. Comenta que por volta de 1630 a produção de açúcar em Pernambuco havia chegado a um ponto em que os pilotos e mestres das grandes frotas de naus mercantes, que diariamente entravam e saíam do porto de Recife, competiam entre si em entreter os plantadores locais, a fim de conseguirem obter o transporte do doce produto.
Os seletos vinhos e víveres europeus foram importados de Portugal e dos Açores, enquanto sedas asiáticas e têxteis de qualidade eram tão abundantes nas lojas de Olinda como nas de Lisboa. O padrão de vida era excessivamente alto e qualquer chefe de família cuja tabela de serviço não era tabelada em prata maciça era considerado como miseravelmente pobre.
Olinda e ações navais holandesas
Pyrard de Laval, um marinheiro francês muito viajado, que visitou a colônia portuguesa em 1610, observou que “em nenhum país que eu tenho visto a prata é tão comum como nesta terra do Brasil. Você nunca vê pouco dinheiro por aqui”.
Mesmo que Olinda não se comparasse em tamanho ou em riqueza com a Cidade do México, Lima, ou Potosí, a doce riqueza que vinha do interior da província tornou a região um prêmio que valia a pena conquistar. A descrição de Manoel Calado desta região como o “espelho de um paraíso terrestre” não era mera hipérbole.
Vitória e Dominação
As ordens para os comandantes da força expedicionária holandesa de 1630 previam não só a captura de Olinda, mas, posteriormente o Rio de Janeiro (ou, alternativamente Salvador) e até mesmo de Buenos Ayres. Este programa revelou-se demasiado ambicioso.
As tropas invasoras não eram apenas compostas de holandeses, havia muitos mercenários de outras localidades na Europa, com líderes militares como excelente polonês Crestofle d’Artischau Arciszewski e o alemão Sigismund von Schoppe. Combateram em solo pernambucano muitos alemães, ses e escandinavos formando talvez os maiores contingentes no serviço militar da Companhia. Havia até mesmo um bom número de ingleses – tantos que um capelão inglês protestante chamado Samuel Batchelor ficou alguns anos em Recife.
Apesar de Olinda e Recife terem sido tomadas sem muitas dificuldades, a resistência portuguesa no interior foi forte e teimosa. Para acabar este problema foi trazido um grande combatente, que se mostrou igualmente um grande .
Nassau – Fonte – pt.wikipedia.org
A partir de janeiro 1637, até maio de 1644, a conquista holandesa no Brasil foi governada pelo príncipe Johan Maurits van Nassau-Siegen (ou simplesmente Mauricio de Nassau). Pouco depois de sua chegada, ele infligiu uma grave derrota ao napolitano Giovanni Vincenzo di San Felice, o Conde de Bagnolo, que comandou as forças portuguesas, espanholas em Porto Calvo (Alagoas) e as levou-o ao sul do Rio São Francisco.
Os defensores do Brasil foram desmoralizados por esta derrota, e Frei Manoel Calado, sem grande iração pelos “senhores barrigudos”, como ele frequentemente chamava os líderes militares da resistência contra os batavos. O Frei maliciosamente relata como muitos deles fugiram para o sul.
Se Mauricio de Nassau seguisse o processo de avanço militar em direção sul, provavelmente ele teria tomado novamente Salvador para os holandeses. Mas o líder conquistador não percebeu toda a extensão de seu sucesso e quando um ano depois ele atacou a capital colonial, descobriu que aquele objetivo “não era o tipo de gato para ser tomada sem luvas”. Foi repelido com grandes perdas.
Este reverso foi mais do que compensado pela derrota, em janeiro de 1639, de uma grande armada português-espanhola que o governo Ibérico tinha finalmente conseguido mobilizar, após anos de esforços abortivos, para a recuperação de Pernambuco.
Com a captura de São Jorge da Mina, na Guiné (o mais antigo assentamento europeu na África Ocidental) e de Luanda, em Angola, os holandeses conseguiram o controle total do tráfico de escravos do Oeste Africano.
Engenho de açucar
Até o final de 1641, Mauricio de Nassau governou uma área no Brasil cujo litoral possuía mais de mil quilômetros.
Um Príncipe que Amava o Brasil
Mauricio de Nassau não era apenas um general capaz, mas um de primeira classe e um governante que estava, em muitos aspectos, muito à frente de seu tempo.
No dia em que ele desembarcou em Recife ele se apaixonou pelo Brasil e não poupou esforços, dinheiro e energia para melhorar a colônia. No momento da sua chegada Recife tinha uma população com cerca de três mil almas e a superlotação foi terrível. Casas custavam a partir de 5.000 a 14.000 florins, enquanto a remuneração mensal dos empregados comuns da Companhia era de cerca de 60 florins.
Mapa de Recife
Ele melhorou e ampliou a cidade existente com novas (e pavimentadas) ruas, estradas e pontes. Ele construiu uma nova cidade chamada Mauritia (ou Mauritstadt) em uma ilha adjacente.
Nassau tinha trazido da Holanda uma comitiva cuidadosamente selecionada de quarenta e seis acadêmicos, artistas, cientistas, artesãos e naturalistas, os quais tiveram suas próprias funções e tarefas especiais.
Assim Pintores como Frans Post e Albert Eckhout (este último possivelmente um aluno de Rembrandt) pintaram vários aspectos da vida e da cultura local. Franciscus Plante estudou a antropologia social ameríndia, flora e fauna exóticas. O astrônomo saxão Georg Marcgraff fez observações celestes no Brasil e em Angola. Os trabalhos de cartografia de Cornelis Golijath, junto com Johannes Vingboons, contribuíram para consolidar o conhecimento das costas brasileiras naquela época. Já Caspar Barlaeus escreveu um relato da atuação de Mauricio de Nassau no Brasil, que foi denominado “História dos Feitos Recentemente Praticados Durante Oito Anos no Brasil e Noutras Partes sob o Governo de Wesel, Tenente-General de Cavalaria das Províncias-Unidas sob o Príncipe de Orange” e publicado em 1647. Este livro contém grande número de mapas e ilustrações da região.
Nenhuma equipe de trabalho científico e artística dirigida por homens brancos nos trópicos foi novamente vista com tamanha capacidade e magnitude até as grandes expedições do capitão inglês James Cook e seus sucessores.
Não era de irar que seus compatriotas o apelidassem de “Maurits, de Braziliaan” (Mauricio, o brasileiro).
Idade do Ouro
Nassau entendeu perfeitamente a importância de conciliar os plantadores de cana com a dominação holandesa e seus esforços conseguiram um considerável grau de sucesso neste item. Mesmo sendo um protestante convicto, numa época em que os calvinistas e católicos consideravam-se uns aos outros como inevitavelmente condenados ao fogo do inferno, Nassau deliberadamente tolerou os clérigos católicos locais, apesar da oposição dos ministros calvinistas coloniais.
Em um esforço para evitar os males da monocultura do açúcar, ele promoveu o cultivo de outras culturas, além de reduzir a tributação. Ajudou os plantadores a reconstruírem seus engenhos arruinados pela guerra e a comprar escravos em Angola. Até 1641 nada menos do que 120, de 160 engenhos de açúcar destruídos voltaram a funcionar. A produção total de açúcar durante o seu mandato foi estimado em 218.220 caixas, no valor de 28 milhões de florins.
Nassau observou que o segredo de governar Pernambuco foi lembrar aos comerciantes holandeses a importância objetiva do seu dinheiro e dos seus bens para as suas vidas. Enquanto aos portugueses ele buscava tratá-los com cortesia e polidez excessiva e não com justiça rigorosa e imparcial.
Dança dos Tapuias, índios aliados dos holandeses. Quadro de Albert Eckhout
Os fazendeiros portugueses, segundo ele, eram em sua maioria “muito pobres e muito orgulhosos”. Nassau substituiu os vereadores portugueses pelos magistrados e subdividiu as capitanias em distritos, locais onde as câmaras neerlandesas se fixariam posteriormente. Durante o governo de Nassau a paz entre luso-brasileiros e os neerlandeses se estabeleceu no Brasil e este período ficou conhecido como “Idade do Ouro”.
Mudanças Importantes
Nesse meio tempo, em dezembro de 1640, um complô aristocrático liquidou 60 anos de domínio espanhol sobre Portugal. A revolta bem sucedida foi rapidamente seguida pela adesão de todas as colónias portuguesas (com exceção solitária de Ceuta, até hoje uma das últimas possessões espanholas). Em Junho de 1641 Portugal e a Holanda celebram um tratado de trégua de dez anos quanto às respectivas colônias. No Brasil esta trégua foi vista de forma negativa por ambos os lados.
Dom João IV se tornou o primeiro monarca português da Casa de Bragança e isso apresentou os holandeses com um delicado problema diplomático. Por um lado saudaram o enfraquecimento de seu inimigo tradicional espanhol (com quem os batavos só fizeram a paz em 1648), mas por outro lado eles estavam relutantes em parar seus ataques rentáveis na desintegração do Império Colonial Português.
Antes da trégua de dez anos entrar em vigor os neerlandeses tiveram o cuidado de dominar tanto território ultramarino Português quanto fosse possível. Maurício de Nassau por recomendação dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais mandou ocupar Sergipe e o Maranhão.
Naturalmente esta atitude foi vista de forma muito amarga pelos portugueses, que ao se livrarem jugo espanhol esperavam poder até voltar a dominar parte do que eles tinham perdido no nordeste do Brasil, ou por negociação mediante compra, ou por troca.
Nisso outros problemas foram prejudicando os holandeses no Brasil.
Membro de um grupo de reencenação histórica, com uniforme típico holandês do século XVII.
Devido a fortes enchentes, a safra de açúcar entre 1641 e 1642 foi baixa. A escravaria foi atacada por uma praga de “bexigas” (varíola) vinda de Angola. A queda dos preços do açúcar refletiu-se no valor do preço dos imóveis em Recife, que se reduziu em 1/3. A receita fiscal da Companhia caiu na mesma proporção. Em quatro anos, o tráfego marítimo com a metrópole se reduziu de 56 para 14 embarcações anuais.
Após sete anos, mesmo tendo desenvolvido uma política conciliadora e tolerante, Nassau não conseguiu impedir contradições insolúveis. Divergências entre sua forma de governar e os lucros esperados pela Companhia levaram-no a deixar o cargo e retornar à Holanda e ele partiu em 23 de maio de 1644. A saída de nassau foi lamentada por toda a colônia e marcou o início do declínio da Holanda Brasil.
Logo os novos dirigentes holandeses que sucederam Nassau, sem considerar o testamento político realizado anteriormente pelo príncipe, aram a cobrar a liquidação das dívidas aos produtores de cana inadimplentes. Senhores de engenho e lavradores de cana deviam à Companhia 5,7 milhões de florins e começou a existir a ideia que somente expulsando os batavos é que “se livrariam das dívidas”. Em meio à crise social e econômica, a animosidade mútua entre rígidos calvinistas e católicos fanáticos aumentou rapidamente.
A Rebelião
Consta que em 15 de maio de 1645 (para outros foi em 23 de maio) dezoito líderes insurretos, liderados por João Fernandes Vieira, se reuniram no Engenho de São João, onde am um compromisso para lutar contra o domínio holandês. Afirma-se que neste documento foi escrito pela primeira vez o vocábulo pátria em terras brasileiras.
Retrato anônimo de João Fernandes Vieira, século XVII, Museu do Estado de Pernambuco.
O líder João Fernandes Vieira era ex-sócio dos holandeses no tempo de Nassau e o segundo maior devedor da Companhia quando assumiu a liderança dos insurretos. Uma das primeiras medidas de João Fernandes foi decretar nulas as dívidas que os rebeldes tinham com os holandeses. Houve grande adesão da “nobreza da terra”, entusiasmada com esta “proclamação heroica”.
A rebelião explodiu em 13 de junho de 1645, dia de Santo Antônio de Lisboa. Uma Guerra de Reconquista, ou Guerra de Restauração, que sangrou basicamente Pernambuco por nove anos.
Teoricamente as chances holandesas de eventualmente esmagar a rebelião continuavam excelentes. Estes possuíam o domínio indiscutível do mar, uma vez que os insurgentes não tinha um barco maior do que uma canoa à sua disposição. Mas embora os holandeses pudessem aliviar Recife, ou mesmo bloquear Salvador, eles não fizeram maiores esforços para afastar e dominar os insurgentes.
Embora os insurgentes pedissem auxílio ao rei D. João IV, o monarca português não podia dar ao luxo de antagonizar os holandeses, ajudando abertamente seus súditos no Brasil. Em público ele abandonou a colônia, enquanto secretamente enviava homens e suprimentos por meio da Bahia.
As mal armadas caravelas portuguesas, que levaram estes reforços periódicos, foram frequentemente interceptados pelos holandeses, cujos corsários também realizavam estragos contra os barcos que transportavam açúcar e se dirigiam para Portugal. 249 navios portugueses foram tomados entre 1647 e 1648. Se as perdas portuguesas continuassem neste ritmo a rebelião teria inevitavelmente em colapso, já que não havia uma indústria de armas no Brasil.
Vitória Luso-brasileira
O ponto decisivo da luta veio em abril de 1648, justamente quando as coisas pareciam ficar mais difíceis para os luso-brasileiros. Em março deste ano fortes reforços holandeses chegaram a Recife. Mas um grave problema existia no seio da tropa – os oficiais dos reforços recém-chegados tinham recebido um bônus considerável em dinheiro, ao o que os soldados não tinham recebido nada e os salários estavam em grande parte atrasados. Muitos dos homens que compunham as tropas batavas se recusaram a lutar no dia da batalha, gritando “deixar que aqueles que foram pagos vão a luta; não vamos lutar sem remuneração”.
As Batalhas dos Guararapes, episódios decisivos na Insurreição Pernambucana, são consideradas a origem do Exército Brasileiro. Quadro de Domingos Meireles – Fonte – pt.wikipedia.org
Foi quando em 19 de abril ocorreu a derrota holandesa nos Guararapes!
Os holandeses ainda nem tinham se recuperado deste revés quando veio a notícia da perda de Luanda, em Angola, recapturada em agosto por um esquadrão Português vindo do Rio de Janeiro.
O desastre de Guararapes se repetiu em fevereiro de 1649, em situações ainda pior, mostrando a disposição dos portugueses e dos brasileiros nativos em expulsar os hereges. A partir deste momento os holandeses ficaram praticamente confinados em Olinda e Recife.
Apesar destas derrotas em terra, o resultado da luta ainda estava em jogo. A força naval holandesa permaneceu esmagadoramente superior a de Portugal, mas a eclosão da guerra anglo-holandesa em 1652 (a chamada Primeira Guerra Anglo-Holandesa e travada inteiramente no mar) impediu um esforço realmente determinado de reconquistar Pernambuco. Esta guerra deu a D. João IV a chance de ajudar abertamente os combatentes luso-brasileiros em Pernambuco.
Uma frota partiu de Lisboa para o Brasil em Outubro de 1653 e recebeu ordens de não apenas bloquear Recife a partir do mar, mas de “invadir o local”. Foi uma oportunidade fugaz, mas muito valiosa para Dom João IV. Quando em dezembro a frota chegou diante de Recife e desembarcou homens para reforçar os insurgentes em terra, a guarnição e burgueses holandeses praticamente perderam a vontade de lutar.
Em 26 de janeiro de 1654 os termos da capitulação foram assinados em Recife e todos os outros fortes e lugares ainda em mãos dos holandeses ao longo da costa do nordeste brasileiro se renderam, com todas as honras de guerra, a Francisco Barreto, o comandante de campo português.
Era o fim da ocupação holandesa no Brasil.
Conclusão
O tratado de paz que Portugal concluiu em 1661 com a Holanda (sob forte pressão inglesa), fez os holandeses reconhecerem formalmente a perda de sua colônia sul-americana. Mas o desastre de 1654 marcou duramente este povo em todo o mundo.
Quando prisioneiros holandeses encarcerados pelos portugueses em Goa, na Índia, foram informados da derrota no Brasil, eles se recusaram a acreditar. Comentavam desesperados que “um dia o português pode levar Amsterdam, mas Recife nunca!”. Mas levaram!
Houvessem os holandeses continuado e ampliado a politica istrativa desenvolvida por Mauricio de Nassau, talvez o nordeste brasileiro jamais tivesse voltado a ser português e toda a história holandesa poderia ter cambiado drasticamente.
Mais tarde, gerações de holandeses consideravam que a verdadeira negligência em na perda territorial do nordeste do Brasil foi o fim da idade de ouro da expansão colonial holandesa, que tinha começado com a fundação da Batávia por Jan Pieterszoon Coen, na atual Indonésia, em 1619.
Recentemente estava viajando de férias com a minha família, bem distante do nosso Rio Grande do Norte, quando tomei conhecimento do falecimento da escritora Anna Maria Cascudo Barreto.
Para mim foi uma triste notícia.
No momento da agem de amigos para o plano espiritual eu não sou bom em escrever palavras de conforto. Prefiro registrar as lembranças que tenho destas pessoas especiais.
Eu já irava Anna muito antes de conhecê-la pessoalmente, principalmente através de seus escritos. Gostei imensamente de um texto publicado em uma revista onde ela descrevia emocionada o amor e a iração que tinha pelo seu pai Luís da Câmara Cascudo. Particularmente neste texto me chamou atenção a descrição que ela fez de visitas que realizou a terreiros de candomblé junto com seu pai, quando o Mestre Cascudo desenvolvia pesquisas para seus livros. Ela contou com singular clareza como Câmara Cascudo se entregava com abnegação ao seu trabalho e como era respeitado pelos Mestres da cultura popular.
Na época da Fundação Rampa, junto com Frederico Nicolau e Anna Maria Cascudo
Nós conhecemos em 2008, na época em que atuava na Fundação Rampa desenvolvendo em parceria com Frederico Nicolau o livro “Os Cavaleiros dos céus – A saga do voo de Ferrarin e Del Prete”. Respeitosamente a chamava de “Dona Anna Maria”, mas ela foi logo simplificando tudo e ei a chamá-la apenas de Anna.
Ocorreram entre nós memoráveis encontros, sempre regados a muita conversa sobre a história da aviação potiguar e do ado da nossa terra. Diante da ansiedade do lançamento do meu primeiro trabalho, me chamou atenção a sua simplicidade, o seu desprendimento em ajudar-nos, sua paciência e a sua extrema boa vontade em ensinar.
Um dia ela perguntou a mim e a Frederico se poderia escrever o prefácio do nosso livro. Daí surgiu um maravilhoso texto intitulado “A invenção do Azul”. Aquele gesto foi algo que jamais esquecerei.
Anna Maria Cascudo e seu marido Camilo Barreto
Recordo-me com alegria de uma viagem que realizamos a Recife, a convite do brigadeiro Telles Ribeiro, então comandante do II Comando Aéreo (II COMAR). Naquela ocasião tive a oportunidade de conhecer o seu marido, o engenheiro Camilo de Freitas Barreto, uma pessoa extremamente espirituosa e alegre.
Na sequência deixei a Fundação Rampa e segui meu próprio rumo. Fui para a cidade de São Miguel, na região Oeste Potiguar, onde realizei a biografia de João Alves de Lima, fundador do grupo de torrefação de café Santa Clara/3 Corações. Coincidentemente foi nesta mesma região, na noite de 21 de dezembro de 1894, que Francisco de Oliveira Cascudo, avô de Anna, então alferes do Batalhão de Segurança do Corpo Policial, combateu e matou o terrível cangaceiro Moita Brava. Neste período ela estava muito empolgada realizando a biografia de seu avô e procurei ajudá-la no que foi possível com dados históricos coletados em São Miguel. Tempos depois foi lançado o livro “Coronel Cascudo – O Herói Oculto”.
Anna Maria junto aos autores de “Os Cavaleiros dos céus – A saga do voo de Ferrarin e Del Prete”, no lançamento na Livraria Saraiva, Natal.
Nesta troca de informações estive em várias ocasiões na sua casa, onde sempre fui extremamente bem recebido por esta mulher que possuía no mesmo patamar classe e simplicidade.
Continuei minha trajetória, mas sempre recordando com enorme satisfação esta amiga tão inteligente, que me presenteou com maravilhosos diálogos sobre seu pai, sobre o ado da nossa terra e da nossa gente.
Anna me disse uma vez para jamais deixar de ler, pois a falta da leitura “atrofiava a mente”. Procuro seguir este seu ensinamento religiosamente, todo santo dia.
Desejo a todos seus filhos e netos conforto nesta hora de tristeza.
Na semana ada o novo presidente do Tribunal de Justiça do RN, Cláudio Santos, anunciou um peculiar pacote de medidas visando diminuir os custos da corte, que atingiu em cheio os servidores,mas poupou juízes e desembargadores. Apesar destes últimos receberem salários acima do teto do funcionalismo público, fixado em R$ 29.462 mil e Auxílio Moradia, entre outros benefícios, que fizeram com que os vencimentos de um juiz em novembro último tenha chegado a quase 200 mil Reais.
As medidas, segundo Cláudio Santos, visam adequar as contas da corte à Lei de Responsabilidade Fiscal. Embora o presidente do TJ-RN tenha deixado claro que é favorável ao reajuste de 14%, já em fevereiro próximo, nos vencimentos dos juízes e desembargadores, o que aumentará a folha de pagamento em R$16 milhões/ano. Leia mais sobre isso aqui (http://tokdehistoria-br.informativoparaibano.com.br/noticia/reajuste-custara-r-16-milha-es-ano/303086).
Ninguém, com um mínimo de decência ou bom senso é contra a moralização do serviço público brasileiro. Sobretudo se esse processo for realizado de maneira isonômica, equilibrada. No entanto, não foi isso o que ocorreu.
Os servidores do Judiciário, aqui e em todo o Brasil, de fato, não ganham mal, mas a maioria está longe do teto salarial dos juízes e desembargadores. Uma rápida consulta ao Portal da Transparência ( http://ww4.tjrn.jus.br/portalTransparencia/tjrnrecursos.aspx ) mostra que o problema salarial crônico do TJ-RN não se restringe aos funcionários. Magistrados e desembargadores também são partes desse problema, provavelmente a parte mais importante.
Alguns detalhes cruciais nesse debate – que vão muito além da GTNS (Gratificação de Técnico de Nível Superior, transformada na Geni) – precisam ser melhores esclarecidos. É só olhar e comparar os dados no Portal da Transparência. Existem servidores com salários inflados, mas são exceções. Enquanto os super salários dos magistrados e desembargadores são a totalidade.
Alguns números do Portal causam estupefação. As informações de dezembro ainda não estão disponíveis. E elas devem ser ainda mais chocantes porque incluem o décimo terceiro salário.
Chama atenção, por exemplo, a remuneração de um juiz lotado em Mossoró que recebeu bruto, em novembro, R$ 195.757,00, assim especificado: Salário, 33.869,15; Diferença de Entrância – 1ª Parcela: 74.809,13; Diferença de Entrância – 2ª Parcela: 74.809,13; Auxílio Moradia – 1ª Parcela, 5.557,24; Auxílio Moradia – 2ª Parcela, 6.712,52. Salário de jogador de futebol da série A do campeonato brasileiro.
De um modo geral a remuneração de juízes e desembargadores é superior a R$ 30 mil. No contracheque do presidente Cláudio Santos em novembro veio grafado R$ 47.920,00, sendo 35.358,17 de salário, e duas parcelas de Auxílio Moradia, respectivamente, 5.849,73 e 6.712,52. Em novembro teve magistrado cujo salário chegou a 55.784,07. Outros alcançaram 52.989,01, 45.909,85, 43.735,65. Peguem-se esses valores e some-se com as duas parcelas de Diferenças de Entrância, mais as duas parcelas de Auxílio Moradia e os valores superam facilmente os 150 mil Reais.
Os valores pagos aos desembargadores e juízes aposentados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte também são expressivos. Juízes recebem acima de 20 mil Reais e desembargadores acima de 30 mil reais. Os desembargadores aposentados Rafael Godeiro e Osvaldo Cruz, envolvidos no escândalo dos precatórios, receberam em novembro, cada um, R$ 25.323,50. Mas tanto eles quanto os demais desembargadores e juízes aposentados foram aquinhoados com uma Folha Suplementar (PAE – Parcela Autônoma de Equivalência) – Inativos, no valor de R$ 26.350,00, o que levou as remunerações de todos eles para patamares acima de 50 mil Reais. Três juízes ainda foram beneficiados com Verbas de Exercícios Anteriores, variando de R$ 2.526,35 a 9.252,41.
Segundo o Novo Jornal, essas PAE’s foram pagas em 2014 aos magistrados em cinco parcelas e representaram para os cofres públicos mais de R$ 20 milhões. Ainda segundo o jornal, “no mês de novembro o tribunal reservou seus gastos com dois pagamentos extras aos magistrados: auxílio-moradia e diferença de entrância. Apenas em duas parcelas, os juízes e magistrados consumiram R$ 2,4 milhões em auxílio-moradia, após a autorização do pagamento por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). Outros R$ 2,9 milhões foram reservados para o pagamento da “diferença de entrância”. O subsídio é destinado, com autorização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2009, para os magistrados que assumem eventualmente a vaga em varas de “nível” maior que o seu.”
Enfim, as distorções são muitas e abarcam todo o corpo funcional do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Não é justo que o preço do ajuste seja pago somente pela base dos servidores, transformados de uma hora pra outra em bodes expiatórios.
Em seu discurso de posse o presidente Cláudio Santos disse que “o Rio Grande do Norte deve ter o Poder Judiciário que o seu povo pode pagar.” Talvez fosse pertinente, então, saber da sociedade se ela aceita manter juízes e desembargadores com esses níveis salariais.
Em tempo. Em outubro último, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu cortar os salários de servidores de todo o país que recebem acima do teto do funcionalismo público, fixado em R$ 29.462 mil. Mas, os estados tem de mover processos contra esses servidores (leia mais no linkhttp://tokdehistoria-br.informativoparaibano.com/2014-out-03/stf-proibe-salarios-servidores-publicos-acima-teto-legal). Alguém sabe de algum estado que tenha feito isso, fora o de Goiás, citado na reportagem?
Tácito Costa – Jornalista formado em 1984 pela UFRN. Trabalhou nos principais veículos de comunicação e assessorias de imprensa do RN. Foi professor da UNP, editou a revista PREÁ e coordenou o Concurso de Poesia Luís Carlos Guimarães.
Um grupo de mais de 100 cientistas, astronautas e líderes empresariais pede às autoridades o desenvolvimento de um sistema de monitoramento e destruição de asteroides que coloquem em risco a vida no planeta Terra.
“Há um milhão de asteroides no sistema solar que têm o potencial de atingir a Terra e destruir uma cidade inteira. Até agora, localizamos menos de 10 mil – somente 1% – deles. Mas temos tecnologia para mudar esta situação”, declarou Martin Rees, professor emérito de Cosmologia e Astrofísica da Universidade de Cambridge.
Ao lado de nomes como o guitarrista da banda Queen, Brian May, também doutor em astrofísica, Rees listou as sugestões do grupo de cientistas:
Empregar a tecnologia disponível para detectar e monitorar asteroides com traçado próximo à Terra e que representem ameaças à população através da ação de organizações filantrópicas e governos.
Acelerar em 100 vezes a descoberta e o monitoramento de asteroides que circulem próximos à Terra para um número de cerca de 100 mil (descobertas) por ano nos próximos dez anos.
Adoção global do Dia do Asteroide, em 30 de junho, para aumentar a consciência sobre os danos que os corpos celestes poderiam provocar e sobre a necessidade de prevenção.
Embora diga que este tipo de fenômeno é improvável, o astrofísico afirma que a Terra está “na linha de tiro”.
May e amigos astrofísicos em um observatório.
Já o guitarrista e astrofísico Brian May disse que, embora as chances sejam pequenas, “basta um asteroide” em um milhão com risco de acertar a Terra para que ocorra uma tragédia global.
“Um corpo de 200 metros de diâmetro que caia no oceano pode provocar tsunamis que poderiam devastar toda a costa Leste dos Estados Unidos e uma parte da Europa”, agregou Martin Rees.
“A cada dez milhões de anos, um corpo de alguns quilômetros de diâmetro – um asteroide ou um cometa – vai acertar a Terra, causando uma catástrofe global equivalente a milhões de bombas atômicas”, concluiu Rees.
A declaração com as sugestões foi assinada por cientistas, físicos, artistas, astronautas e homens de negócios de 30 países.
Sensacionalismo?
Talvez algumas pessoas pensem que o guitarrista Brian May, de 67 anos, esteja procurando pedras no céu pelo ocaso de sua carreira de guitarrista. Ou pode ser apenas para chamar a atenção, em busca de holofotes e mídia. Mas a verdade é que May mantém um grande interesse em astronomia. O guitarrista é um contribuinte regular para o programa “The Sky at Night”, de seu amigo de longa data, Sir Patrick Moore, com quem é coautor, juntamente com o Dr. Chris Lintott, do livro ilustrado de astrofísica chamado “BANG! A História Completa do Universo”. Lançado em 2006, desde então foi publicado em 20 idiomas, além de ter uma segunda edição atualizada.
Em 2007, após uma pausa de 30 anos atuando na sua carreira musical, Brian May voltou ao Imperial College, de Londres, para se inscrever e completar a sua tese de doutorado em Astrofísica. Em um ano submeteu com sucesso a nova versão da sua tese sobre poeira interplanetária. Embora já titular orgulhoso de diplomas honorários das Universidades de Hertfordshire, Exeter e John Moore, de Liverpool, May, em 2007, finalmente conseguiu a obtenção de um diploma de doutorado pleno e DIC – Diploma of Imperial College. Brian May posteriormente aceitou um cargo de Pesquisador Visitante do Imperial College e irá ali continuar o seu trabalho em Astronomia.
Acredito que estas tradicionais instituições inglesas de ensino superior jamais vão diplomar alguém apenas por ter sido companheiro de banda de Freddie Mercury, ou por ter participado do mítico álbum “A Night at the Opera“, de 1975, ou por ter cantado “Bohemian Rhapsody“!
Os Bólidos Espaciais Devem ser Levados a Sério?
Já a questão se os bólidos rochosos que povoam o espaço são, ou não, perigosos para nós, ridículos habitantes deste planetinha azul? Vão aí alguns dados bem interessantes…
Chelyabinsk, Rússia, 13 de fevereiro de 2013 – Fonte – http://www.t3.com
Em 15 de fevereiro de 2013, um destes pedregulhos entrou na atmosfera da Terra, ao sul da região dos Urais, na Rússia. Eram cerca de três da tarde na hora local quando o objeto rochoso entrou a quase 70.000 km por hora na nossa atmosfera. Logo a sua luz se tornou mais brilhante do que o Sol, mesmo a 100 km de distância.
Devido a sua altíssima velocidade e o ângulo raso de entrada na atmosfera, o objeto explodiu a uma altitude de quase 30 mil metros sobre a cidade russa de Chelyabinsk. A maioria da energia do objeto foi absorvida pela atmosfera, mas a pancada desta pedra no céu foi equivalente à força de 20 a 30 explosões iguais a detonação atômica de Hiroshima.
Mesmo em altitude tão elevada, a explosão criou pânico entre os moradores de Chelyabinsk e cerca de 1.500 pessoas ficaram feridas o suficiente para procurarem tratamento médico. Todas as lesões foram devido a efeitos indiretos do impacto do meteoro no céu, principalmente a partir de cacos de vidro das janelas que foram destruídos quando a onda de choque chegou ao chão.
Cacos de vidros espalhados em um espaço público em Chelyabinsk, devido a onda de choque – Fonte – en.wikipedia.org
Segundo os cientistas, este é o maior objeto natural conhecido a ter entrado na atmosfera da Terra desde 1908, quando ocorreu a queda de um bólido em Tunguska, na Sibéria, também na Rússia. Os cientistas acreditam que a rocha que explodiu sobre Chelyabinsk é também o único confirmado que um destes objetos espaciais resultou em um grande número de lesões em pessoas.
Mas o interessante disso tudo é que este bólido espacial tinha, segundo estimam os cientistas, cerca de “grandiosos” 20 metros de diâmetro e 13.000 toneladas de peso. Mas no espaço a quantidade de pedras errantes com 100, 200, 500, 700 metros, ou um, cinco ou mais quilômetros é enorme.
Rastro da destruição do bólido espacial que explodiu a quase 30.000 metros de altitude sobre a Rússia – Fonte – http://www.startribune.com
Os cientistas afirmam que a questão não é “se” uma pedra dessas vai cair por aqui, mas “quando”!
Com uma população humana bilionária, convivendo em cidades com muitos quilômetros de extensão, a queda de um objeto destes vai criar muitos problemas. Se o fenômeno ocorrer no mar, os recentes tsunamis em decorrência de terremotos ocorridos na Indonésia e no Japão poderão parecer “marolinhas”. Por tudo isso, a iniciativa de Brian May merece elogios.
Mas não tenho nenhuma dúvida que tudo isso só será levado a sério se um dia uma pedra destas cair em cima de alguma cidade de um país desenvolvido. Se uma pedrona dessas cair na América do Sul, África, ou a parte pobre da Ásia, com grande perda de vidas humanas, ninguém dos países ricos vai estar nem aí!
Texto – Rostand Medeiros e notícia publicada no site da BBC – http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141205_asteroides_protege_rp
Após a chegada da Corte portuguesa, em 1808, o Rio de Janeiro não teve do que reclamar. Dom João VI e seu séquito transformaram a cidade no centro do Império Português. Ela ou a receber impostos vindos das outras regiões do Brasil e a desfrutar de todas as vantagens do sistema colonial. Se antes os brasileiros odiavam o controle exercido por Lisboa, agora era a supremacia do Rio que causava indignação. Na região norte (que hoje chamamos de Nordeste), o ressentimento com a corte era enorme. As cidades de lá não viam vantagem em mandar tanto dinheiro para o sul. Entre as taxas, havia uma destinada a financiar a iluminação das ruas do Rio. Não é surpresa que ela tenha se tornado o grande símbolo da exploração.
Em nenhum lugar a revolta foi tão contundente como em Pernambuco. Entre 1817 e 1824, a província se manteve em estado de rebeldia constante, tornando-se uma pedra no sapato do rei português dom João VI e, depois, do imperador brasileiro dom Pedro I. Mas o que a elite pernambucana que promoveu esta revolta tinha de tão diferente e tão comum ao resto do país?
Para começar, entre 1630 e 1654, a então capitania tinha sido governada pelos holandeses. Os invasores foram expulsos pelos pernambucanos, que, em vez de proclamar independência, optaram por voltar a ser colônia de Portugal. Ao fazer isso, eles se sentiram senhores do seu próprio destino. Pernambuco estaria submetida à Coroa por opção. “Enquanto entre El Rei e os demais colonos prevaleceria urna sujeição natural, os pernambucanos manteriam com a monarquia um vínculo consensual, ao se haverem libertado dos Países Baixos mercê de uma guerra travada por seus próprios meios, havendo assim retornado à sania lusitana de livre e espontânea vontade”, diz o historiador Evaldo Cabral de Mello no livro A Outra, Independência.
Esse gosto pela autonomia nascido no século 17 alimentou o ódio de Pernambuco às imposições da Corte. Para completar, a vinda de dom João VI coincidiu com um período inédito de prosperidade. No início do século 19, graças à produção de algodão, Pernambuco era uma das partes mais ricas do país. Do outro lado do oceano, Inglaterra e França viviam a Revolução Industrial e precisavam alimentar suas frenéticas fábricas de tecido. Os pernambucanos embarcavam sua produção no porto de Recife diretamente para o Velho Mundo (e para os Estados Unidos). Mas não podiam fazer isso sem prestar contas à Corte.
Nota do jornal Correio Braziliense, sobre a revolta pernambucana de 1817
O algodão fez com que Recife se firmasse, ao lado de Salvador, corno grande entreposto comercial. “Recife tinha grande influência sobre Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Alagoas”, diz Eduardo Schnoor, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Naquele intercâmbio não circulavam só mercadorias. Os comerciantes estrangeiros que aportavam em Recife traziam um bocado de novas idéias. E algumas delas não combinavam nada com a situação colonial, como os princípios de liberdade e igualdade que haviam inspirado a independência americana, em 1776, e a Revolução sa, em 1789. Quando esses ideais se juntaram à indignação diante dos impostos, o caldeirão revolucionário começou a ferver.
República
As lojas maçônicas, que pipocavam no Recife, serviam como local de discussão das idéias liberais e de reuniões que planejavam complôs contra a Coroa. Diante do clima de conspiração, em 6 de março de 1817, o governante da província, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, mandou prender diversos suspeitos de querer implantar uma república em Pernambuco. Mas o tiro saiu pela culatra. Ao receber voz de prisão, o capitão de artilharia José de Barros de Lima matou seu comandante e saiu às ruas acompanhado por soldados. Libertou os conspiradores e ajudou a prender o governador. No dia 7 de março, foi implantado um governo provisório. Assim que assumiram o poder, os rebeldes divulgaram uma Lei Orgânica. As novidades não eram poucas: a província virava uma república, independente de Portugal. O texto estabelecia ainda a liberdade de imprensa e a igualdade de direitos, mas não ousava mexer com a escravidão.
A república pernambucana buscou apoio no exterior. Enviou emissários à Argentina e aos Estados Unidos, propondo acordos comerciais e pedindo reconhecimento. Ao mesmo tempo, os revolucionários criaram uma bandeira própria e difundiram o costume de chamar os cidadãos de “patriota”. Mas nem todos aceitaram as mudanças. No norte da província, os produtores de algodão eram mais receptivos aos novos ideais políticos — muitos deles haviam estudado na Europa. Já no sul predominavam decadentes fazendeiros de cana-de-açúcar, cujo interesse era preservar o sistema colonial, pois o açúcar ainda tinha Portugal como principal freguês.
Assim que soube da insurreição, dom João VI mandou suas tropas reprimirem o movimento – que já havia atingido a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Durante os combates, as forças da Coroa contaram com a ajuda de milícias organizadas pelos senhores de engenho e a revolução foi sufocada em dois meses. O capitão José de Barros de Lima e outros rebeldes foram enforcados pelo crime de alta traição. Seus corpos foram esquartejados e tiveram partes expostas em diferentes cidades. Mas a brutalidade não foi capaz de conter o ânimo dos pernambucanos. Mesmo derrotada, a Revolução de 1817 colocou o norte na vanguarda do movimento de independência do Brasil. Enquanto o sul havia visto apenas inconfidências esmagadas nos estágios iniciais, Pernambuco havia acabado de ensaiar uma experiência autônoma de governo.
O Carmelita Miguel de Almeida e Castro, conhecido como Frei Miguelinho, era potiguar de Natal e teve participação ativa na revolta de 1817 em Pernambuco. O quadro mostra seu julgamento em Salvador, onde foi condenado a morte pelo fuzilamento e a pena cumprida no dia 12 de junho de 1817. É nome de cidade em Pernambuco e sua memória é muito cultuada no Rio Grande do Norte.
Depois de enfrentar a rebeldia pernambucana, dom João VI teve que cuidar de um novo levante. Dessa vez foi em Portugal: a Revolução Liberal do Porto, que começou em agosto de 1820. O movimento exigiu o retorno do rei, elegeu uma assembléia que limitou os poderes da monarquia lusa e, na prática, ou a controlar o Império Português. Em março de 1821, dom João VI foi para Lisboa e deixou aqui o filho
Pedro, na condição de príncipe regente do Brasil. No mesmo ano, a assembléia tirou da cadeia os envolvidos na Revolução de 1817 que estavam presos.
No dia 26 de outubro de 1821, seguindo a orientação da assembléia portuguesa, foi escolhida a primeira Junta de Governo de Pernambuco. Seu líder, Gervásio Pires, era um ex-revolucionário de 1817. Depois de tanto lutar, os pernambucanos pareciam ter encontrado sua liberdade. Afinal, eles não precisavam mais engolir governadores nomeados por dom João VI. A Junta de Gervásio, como ficaria conhecida, investiu na educação, instituiu o concurso como forma de escolher funcionários públicos e parou de enviar tributos à Corte.
Tela do carioca de Niterói Antônio Diogo da Silva Parreiras (1860-1937) sobre a revolta de 1817
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, um novo projeto estava sendo criado para o Brasil. Seu principal articulador era o político José Bonifácio de Andrada e Silva. Para ele, o país devia se tornar independente, com as províncias unidas sob o comando do príncipe Pedro. Os pernambucanos novamente se dividiram. Alguns gostaram dos planos de Bonifácio. Já Gervásio e outros preferiam manter os laços frouxos com Lisboa. Eles anteviam que, com a independência, o poder voltaria a se concentrar no Rio e a autonomia da província chegaria ao fim.
Em 1° de junho de 1822, chegou ao Recife uma comitiva vinda do Rio. O grupo obrigou Gervásio a reconhecer que dom Pedro era o líder máximo do Brasil. Apesar disso, a Junta continuou se opondo à independência. A experiência bem-sucedida de Gervásio tinha feito os pernambucanos gostarem ainda mais de controlar o próprio destino. O problema é que, em 7 de setembro, o príncipe regente resolveu se tornar dom Pedro I, imperador do Brasil. Dias depois da independência, um golpe em Pernambuco tirou Gervásio do poder. Em 17 de setembro de 1822, uma nova junta, dominada por senhores de engenho e alinhada ao Rio de Janeiro, assumiu o controle da província, no que ficou conhecido como o Governo dos Matutos.
Confederação
O Brasil precisava de novas leis. Em 1823, foi eleita uma Assembléia Constituinte, que se reuniu no Rio de Janeiro. Mas, em 12 de novembro, dom Pedro I ordenou seu fechamento. Os temores haviam se concretizado: o imperador não estava muito a fim de dividir seu poder. Em Pernambuco, a reação veio rápido. O Governo dos Matutos foi derrubado e, em 13 de dezembro, as câmaras municipais de Recife e Olinda elegeram uma junta de governo. À frente dela estava Manuel de Carvalho. Veterano da Revolução de 1817, ele havia se refugiado nos Estados Unidos, onde se encantara com o grau de autonomia dos estados. Era isso o que muitos pernambucanos queriam para o Brasil. Mas, em 25 de março de 1824, o imperador entregou ao país uma nova Constituição. No texto, dom Pedro I estava acima do povo e de qualquer instituição. E era ele, claro, quem deveria escolher os presidentes das províncias.
Bênção das bandeiras da Revolução de 1817, de Antonio Parreiras.
Para Pernambuco, o imperador nomeou José Carlos Mayrink. Em meio à agitação na província, entretanto, o escolhido não teve coragem de assumir. Dom Pedro I mandou uma esquadra bloquear o porto de Recife enquanto o poder não fosse ado a Mayrink. Os pernambucanos continuaram irredutíveis até que, em junho, a frota teve de voltar ao Rio por causa de uma suposta ameaça de invasão portuguesa.
Com o fim do bloqueio, Manuel de Carvalho propôs que as províncias do norte se unissem para formar um país independente. Em 2 de julho de 1824, nascia a Confederação do Equador, inspirada nos Estados Unidos. Um dos membros mais destacados do movimento foi Frei Caneca. Com sua influência religiosa, ele conseguiu o apoio de Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, que aderiram à Confederação.
Em pouco tempo, as notícias sobre o levante começaram a queimar o filme do Brasil no exterior. Nem todas as grandes nações da época haviam reconhecido a autoridade de dom Pedro I e a revolta não ajudava em nada a diplomacia. Em agosto, tropas imperiais desembarcaram em Alagoas e de lá foram para o Recife, seguindo o mesmo caminho de 1817. E, como na primeira revolta, os senhores de engenho ajudaram a derrubar os rebeldes.
“Estudo para Frei Caneca”, de Antônio Parreiras (1918).
A Confederação foi extinta em 29 de novembro. Carvalho foi poupado e fugiu para a Inglaterra, enquanto outros líderes da insurreição foram executados. No Rio de Janeiro, a Corte respirava aliviada com a manutenção de seu poder sobre todo o país. Mas vivia com medo dos pernambucanos. O conservador Diário Fluminense advertiu que a repressão deveria ser dura, pois a tranqüilidade poderia não durar. “E o sono do leão adormecido (…) pela perda de sangue. Repousou seis anos depois da primeira queda. Como se levantou? Mais atrevido e mais insultador do que nunca.”
Mas nos escravos ninguém mexe – A liberdade não era para todos os pernambucanos
A Revolução de 1817 era liberal, mas os grandes proprietários de terra, nem tanto. A idéia de perder toda a mão-de-obra escrava sob decreto de um novo regime afastava muitos fazendeiros do movimento e neste aspecto esta elite agrária em nada diferia do resto da elite brasileira.
Os líderes rebeldes sabiam que o apoio deles era fundamental e não incluíram a abolição em suas propostas. “A questão escravocrata foi secundária entre as idéias que dominaram a revolução de 1817″, diz o historiador Eduardo Schnoor. O Governo Provisório não tocou no assunto, mas os senhores de escravos não ficaram satisfeitos.
Para desmentir rumores de que os negros seriam libertados, as novas autoridades disseram que uma eventual emancipação dos escravos seria feita de forma “lenta, regular e legal”. E, para que os fazendeiros tivessem certeza de que nada ia acontecer, havia um adendo: “a base de toda sociedade regular é a inviolabilidade de qualquer espécie de propriedade”. Sete anos depois, a Confederação do Equador foi um pouco mais ousada. O líder Manuel de Carvalho não chegou a abolir a escravidão, mas suspendeu o tráfico negreiro em Pernambuco.
O sertão é do tamanho do mundo, dizia Guimarães Rosa. Dizia como ainda dizem os que se enveredam pelos tortuosos caminhos dos rincões nordestinos em busca de histórias, respostas, saberes. Não raro, porém, muitos retornam dessas terras ainda mais intrigados com novas questões. A pesquisadora Nathália Maria Montenegro Diniz mergulhou diversas vezes nesse território. Ali nasceram a dissertação de mestrado Velhas fazendas da Ribeira do Seridó (defendida em 2008) e a tese de doutorado Um sertão entre tantos outros: fazendas de gado nas Ribeiras do Norte (em 2013), ambas realizadas sob orientação de Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Nessas empreitadas, ela encontrou não apenas respostas a seus estudos sobre a arquitetura rural do século XIX sertão adentro, mas também questionamentos novos que deram fôlego para um novo projeto de pesquisa, vencedor da 10ª edição do Prêmio Odebrecht de Pesquisa Histórica – Clarival do Prado Valladares, divulgado em dezembro. O projeto O conhecimento científico do mundo português do século XVIII, de Magnus Roberto de Mello Pereira e Ana Lúcia Rocha Barbalho da Cruz, também foi premiado. Os vencedores foram escolhidos entre 213 trabalhos inscritos pela originalidade dos temas. O prêmio inclui a produção e publicação de um livro, sem valor predeterminado.
É difícil desvencilhar a história pessoal de Nathália Diniz de seu itinerário intelectual. De uma família de 11 filhos originária de Caicó, na região do Seridó, interior do Rio Grande do Norte, ela foi a primeira a nascer na capital potiguar. Em 1975, a família mudou-se para Natal – professores de matemática por ofício, os pais pretendiam oferecer melhores condições educacionais para os filhos. Nas férias e feriados todos retornavam à pequena cidade, onde ficavam em uma das casas das fazendas que pertenceu ao tataravô da pesquisadora. “Logo cedo pude notar as visões diferentes construídas sobre o sertão nordestino. As casas que eu via não eram as mesmas retratadas nas novelas de época, da aristocracia rural. Era outro sertão”, lembra.
Graduada em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Nathália quis explorar os outros sertões esquecidos no século XIX, mais especialmente no Seridó, uma microrregião do semiárido que ocupa 25% do território do estado. Lá o povoamento se iniciou no século XVII com as fazendas de gado e o cultivo de algodão. Ainda estudante, deu o primeiro o nessa direção quando participou de um projeto de extensão que investigou os núcleos de ocupação original do Seridó a partir de registros fotográficos e fichas catalográficas feitas por estudantes e pesquisadores. Descobriram, assim, que essas casas, posteriores ao período colonial, mantinham características herdadas da arquitetura colonial ao lado de elementos ecléticos modernos.
Uma vez bacharel, Nathália viajou a São Paulo para participar de um encontro de arquitetos e deparou com o processo seletivo para mestrado na FAU. Decidiu, então, despedir-se do Nordeste para estudar na capital paulista. “Foi preciso partir para poder redescobrir os sertões”, diz ela. Para seu projeto de dissertação, a jovem arquiteta tinha um trunfo: a originalidade da pesquisa sobre as casas de Seridó. “Quase ninguém conhece aquele patrimônio. Quis apresentar essa realidade nas minhas pesquisas.”
Acervo arquitetônico
Nathália investigou o acervo arquitetônico rural do Seridó, de formas simples e austeras, sem o apelo estético de outros exemplares do litoral nordestino. Essas construções, entre casas de famílias, casas de farinha e engenhos, representam um tipo de economia do século XIX alicerçado no pastoreio e no cultivo de algodão. Embora fundamental para a identidade da região, segundo o estudo, esse acervo composto por 52 edificações conta com poucas iniciativas concretas para tornar viável sua preservação.
Casa da fazenda Almas de Cima, também no Rio Grande do Norte: preservação ainda precária – Fonte – Nathália Diniz
No início do século XVII, com o povoamento do interior do Rio Grande do Norte, sesmeiros pernambucanos fincaram raízes no Seridó. Foi no século XVIII que surgiram as casas na região feitas de taipa, com madeiramento amarrado com couro cru, chão de barro batido e térreas, com telhado de beira e bica. Lentamente, as casas de taipa aram a alvenaria, com tijolos apenas na fachada. Por fim, no século XIX, o Seridó ficou marcado pela construção de grandes casas de fazenda, habitadas pelo proprietário, familiares, agregados e escravos.
No doutorado, a arquiteta expandiu horizontes, territoriais e teóricos. Por um lado, debruçou-se sobre a arquitetura rural vinculada às fazendas de gado nos sertões do Norte (atuais estados da Bahia, Paraíba, Pernambuco, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte). Ela mapeou um acervo de 116 casas-sede a partir de levantamentos arquitetônicos do Piauí, Ceará e Bahia. A fim de melhor compreender o patrimônio material e imaterial nas habitações rurais dessa região, entrou nos campos da história social e da história econômica.
Do inventário de 116 casas-sede alicerçadas em pedra bruta, erigidas em diferentes ribeiras (Ribeira do Seridó, do Piauí, da Paraíba, dos Inhamuns e do São Francisco e Alto Sertão Baiano), a pesquisadora notou a heterogeneidade das construções arquitetônicas nas rotas do gado no Nordeste, que mantinham um mercado interno agitado, embora desconhecido, no calcanhar da economia do litoral exportador. Eram ainda construções pensadas para a realidade sertaneja, com sótãos e outras estruturas propícias para arejar os ambientes castigados pela alta temperatura e pelo tempo seco.
A casa da fazenda Santa Casa – Foto – Nathália Diniz
Contornando ribeiras e atravessando sertões, Nathália Diniz construiu suas investigações a partir de vestígios de tijolo, pedra e barro. Muitas casas de taipa, mencionadas nos arquivos, não resistiram ao tempo e desapareceram. Restaram fazendas formadas por casas-sede e currais. Entre as características da maioria das construções estavam à disposição dos ambientes: os serviços nos fundos do terreno, com tachos de cobre, pilões, gamelas; e a intimidade da vida doméstica no miolo das edificações, com mobiliário trivial, como mesas rústicas e redes, assentos de couro e de sola, baús e arcas de madeira. Em muitas fazendas, em paralelo a criação de gado, cultivaram-se cana-de-açúcar e mandioca, de onde viriam a rapadura e a farinha, que, ao lado da carne de sol, tornaram-se a base da alimentação sertaneja. “A arquitetura rural não segue modelos”, diz Nathália. “Os primeiros proprietários dessas casas eram filhos dos antigos senhores de engenho do litoral. Se a arquitetura rural tivesse um modelo, eles teriam construído casas similares às de seus pais no litoral, o que não ocorreu. A arquitetura dos sertões mostra a formação de uma sociedade a partir da interiorização dos sertões do Norte, de uma economia marcada pelo gado.”
Depois do doutoramento em São Paulo, a pesquisadora retornou a Natal, onde é professora de história da arte e de arquitetura no Centro Universitário Facex. Seu projeto atual é aprofundar a análise arquitetônica das casas-sede, explorando uma lacuna na historiografia brasileira sobre as relações sociais e suas consequências materiais nos sertões, ainda hoje um universo inóspito e incógnito, marcado por longas distâncias e imensos vazios. Esses territórios ficaram esquecidos, apesar de presentes na literatura e nos relatos memorialistas. Daí brotaram generalizações sobre o Nordeste e sua arquitetura rural, ainda compreendida a partir dos padrões dominantes da Zona da Mata pernambucana e do Recôncavo Baiano – o que, nas palavras da pesquisadora, não condiz com a realidade.
Exemplos da arquitetura sertaneja na Paraíba: sede da fazenda Sobrado – Foto – Nathália Diniz
Originalidade do tema
O novo trabalho será bancado com o prêmio ganho em dezembro e desenvolvido com o apoio de Beatriz Bueno, da FAU-USP. “O projeto de Nathália foi escolhido pela originalidade do tema e pela oportunidade que nos proporciona de compreender o processo de ocupação do sertão brasileiro e suas dimensões econômica, histórica e social”, diz o coordenador do Comitê Cultural da Odebrecht, Márcio Polidoro. Na economia, ela destacará o ferro que marcava o gado e que permitia identificar a fazenda à qual pertencia – até agora, a pesquisadora já coleciona 653 desenhos de ferro diferentes. “Num sertão disperso, sem fronteiras claramente visíveis, pontuado por tribos indígenas inimigas, o gado carregou a representação do território e da própria propriedade dos que vinham de outros lugares”, define. Na sociedade, ao cruzar os inventários post-mortem encontrados nos arquivos e nas casas, pretende compreender e revelar a vida cotidiana do sertanejo que se desenrolava a morosos os no século XIX. Fará novas viagens para refazer fotografias e rever anotações. Mais uma vez, um retorno às suas raízes e às terras, tão diferentes das que via nas novelas na sua infância. “Ainda procuro o que buscava desde o início: quero mostrar o que eram esses outros sertões. Nós conhecemos a riqueza da arquitetura litorânea, a arquitetura do açúcar e do café. Falta a arquitetura sertaneja”, conclui.
Projeto–Paisagem cultural sertaneja: as fazendas de gado do sertão nordestino (nº 2009/09508); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisadora responsável Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno; Bolsista Nathália Maria Montenegro Diniz; Investimento R$ 130.587,92 (FAPESP).
Em 1980, depois de 34 anos sem um brasileiro vencer a Corrida Internacional de São Silvestre, o ex-entregador de pizzas José João da Silva, pernambucano da cidade de Bezerros, quebrou o jejum de vitorias.
No dia 31 de dezembro de 1925, ocorre a primeira edição da Corrida Internacional de São Silvestre. Cásper Líbero, um jornalista e advogado paulista milionário que fez fortuna no início do século XX, fez uma viagem a Paris e de lá voltou maravilhado com uma corrida realizada à noite, onde os corredores carregavam tochas ao longo do percurso. Entusiasta do esporte e decidido a promover algo semelhante aqui, criou uma corrida noturna a ser realizada no último dia do ano de 1925. Estava fundada a Corrida de São Silvestre, que recebeu esse nome em homenagem ao santo do dia.
Na primeira edição, apenas 146 atletas paulistanos participaram do evento. No total, 60 percorreram todos os 6,2 mil metros entre a avenida Paulista e a Ponte Pequena (atual estação Armênia do metrô). Alfredo Gomes, do Clube Espéria, cruzou a linha de chegada às 0h23 do dia 1.º de janeiro de 1926 em primeiro lugar, com o tempo de 23m10s. Segundo o regulamento da época, somente os primeiros 25 atletas receberam medalhas.
Inicialmente aceitando apenas a participação de brasileiros natos, nos anos seguintes a inscrição foi permitida a estrangeiros morando no Brasil, o que permitiu ao italiano Heitor Blasi, radicado em São Paulo, ser convidado a disputá-la e vencer duas das primeiras edições da prova, em 1927 e 1929. Sem grande experiência na organização deste tipo de evento, as primeiras edições impediam os corredores de beberem qualquer tipo de líquido durante a prova, e os atletas muitas vezes nela competiam com os próprios sapatos que usavam para treino no dia a dia e roupas que acumulavam suor.
Nota jornalistica dos primeiros anos da tradicional Corrida de São Silvestre
Ao contrário de outros eventos desportivos tão ou mais antigos, a Corrida de São Silvestre nunca deixou de realizar-se, nem mesmo durante a Revolução Constitucionalista de 1932, ou a Segunda Guerra Mundial.
A partir de 1945, com o fim da guerra, ela ou a contar com a participação de estrangeiros, mas apenas para corredores convidados provenientes de outros países da América do Sul. O sucesso das duas primeiras edições internacionais, no entanto, levou os organizadores a permitirem a participação de corredores de todo o mundo a partir de 1947. Este ano marcou o início de período de 34 anos durante o qual nenhum brasileiro venceria a prova, o que se encerrou somente quando pernambucano José João da Silva venceu a edição de 1980.
O Brasil amargava uma fila desde 1946, quando a prova ou ser internacional, ficando 34 anos o lugar mais alto do pódio da nossa principal corrida de rua dominado por estrangeiros. O público ansiava por um campeão nacional e após seu feito o ex-entregador de pizza se tornou um ícone do atletismo brasileiro, recebendo várias homenagens.feito que ele repetiria em 1985.
O maior vencedor – e também recordista – da prova é o queniano Paul Tergat com cinco vitórias e, entre as mulheres, a portuguesa Rosa Mota, que com seis vitórias consecutivas nos anos 1980 é a maior vencedora geral.
Entre os brasileiros, o título fica com Marílson Gomes dos Santos, com três vitórias.
A 89ª edição da tradicional prova de rua será nesta terça-feira, 31 de dezembro de 2013 em São Paulo.
Convocação feita por clubes em jornais paulistanos da década de 1920, para seus filiados participarem da Corrida de São Silvestre
Viveu Muitos Anos na Capital Pernambucana e Era Torcedor do Sport Club Recife
Autor-Rostand Medeiros
Recentemente estive mais uma vez naquele que, em minha opinião, é o maior templo da memória da região Nordeste, o Arquivo Público do Estado de Pernambuco.
No centenário edifício na Rua do Imperador, localizado no centro do Recife, está uma das mais importantes hemerotecas do país. Apesar de prioritariamente abrigar a memória pernambucana, pessoas de outros estados da região sempre encontram muito material interessante, com boas histórias para contar.
Ao buscar realizar uma coleta de dados para um trabalho sobre a Segunda Guerra Mundial, me deparei com inúmeros e interessantes materiais. Daí surgiu à história, na verdade um epitáfio, de um jovem inglês chamado Thomas Peter Logan Griffith. Comentava que ele já havia morado em Recife, possuía família naquela bela cidade, era bem conhecido da sociedade local e havia morrido em combate em Malta.
Forte Ligação Inglesa Com Pernambuco
Thomas Peter Logan Griffith, ou Tom Griffith, nasceu em 09 de junho de 1917, em Cringleford, Norfolk. Era filho de Thomas Logan Griffith e Lucy Irene Beryl Blomfield, mas sua família tinha uma antiga e forte ligação com o Brasil. Seu avô se chamavaa Thomas Comber Griffith, representante em Recife da empresa de navegação Price Line Ltd, era casado com Isabel Clara Prangley, uma típica inglesa de Norfolk, mas com um nome tipicamente português. Eles tiveram dois filhos nascidos em Recife e outros que casaram nesta cidade.
Isso não era nenhuma novidade, pois os súditos da coroa inglesa sempre mantiveram fortes laços com Pernambuco. Assim como o avô e o pai de Tom Griffith, muitos destes estrangeiros exerciam cargos em empresas inglesas existentes em Pernambuco e espalhadas pelo Nordeste. Era o caso da Western Telegraph Company, da Pernambuco Tramways and Power Company, da Great Western of Brazil Railway Company (que possuía ramal ferroviário até Natal), da Telephone Company of Pernambuco, do Bank of London & South America,do London & River Plate Bank,da Price Waterhouse,da Machine Cotton,White Martins e de outros mais.
Os ingleses exerciam inegável influência entre a elite social pernambucana, divulgando seus hábitos, suas comidas, suas bebidas, sua maneira de vestir e seus esportes tradicionais, principalmente o “foot-ball”.
Vamos encontrar o pai de Tom Griffith como membro da equipe de futebol do Sport Club do Recife, participando de um jogo histórico; a primeira peleja do chamado Leão da Ilha contra o arquirrival Clube Náutico Capibaribe, um dos clássicos mais antigos do futebol nacional.
O jogo aconteceu na tarde de 25 de julho de 1909, um domingo, no campo do Pernambuco British Club e o resultado foi 3 x 1 para o Náutico, com participação decisiva de Thomas Logan Griffith no único gol da equipe rubro-negra. Consta que Thomas L. Griffith transmitiu sua paixão pelo rubro negro da Ilha do Retiro a todos os seus familiares e assistia aos jogos com seus filhos.
Vivendo em Recife
Durante a Primeira Guerra Mundial vamos encontrar a família Logan Griffith na Inglaterra. Segundo a reportagem existente no periódico recifense “Jornal Pequeno”, após o fim deste conflito a família retorna a capital pernambucana, onde Tom Griffith a toda sua infância e adolescência, sempre muito bem ambientado.
Após o falecimento do avô de Tom Griffith em 1921, a representação da empresa de navegação Price Line Ltd continua com seu pai, com escritório na Rua Bom Jesus, número 220, sala 5, 2º andar. Esta rua é a antiga Rua dos Judeus, onde durante o período da dominação holandesa no Brasil (1630-1654) foi ali fundada a primeira sinagoga das Américas.
Aparentemente Thomas Logan Griffith foi naturalizado brasileiro, pois em 1934 chegou a ser designado pelo então presidente Getúlio Vargas, delegado da Diretoria de Estatística Econômica e Financeira do Tesouro Nacional em Pernambuco.
Segundo pudemos apurar os Logan Griffith residiam na Rua Padre Inglês, 314, bairro da Boa Vista, Recife, próximo as tradicionais escolas evangélicas Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil e a Escola de Trabalhadoras Cristãs, atual Seminário de Educação Cristã-SEC. Não podemos esquecer que no bairro da Boa Vista, a Rua Padre Inglês ganhou fama por hospedar diversos súditos do Império Britânico.
Tom Griffith em uniforme da RAF
Após o início a Segunda Guerra Mundial, muitos jovens de origem britânica que moravam no Brasil, nascidos ou não em nosso país tropical, ingressaram nas forças armadas de Sua Majestade e seguiram para várias áreas de combate. Tom Griffith foi um deles.
O Cerco de Malta
Apesar de servir na RAF – Royal Air Force (Real Força Aérea), a função de Tom Griffith não era no ar, mas no mar. No final de 1939 ele fazia parte da tripulação de uma lancha de alta velocidade do RAF Marine Craft, o também conhecido RAF Marine Craft, um grupo de elite que se arriscava dia e noite com a função de salvar vidas.
Barco HSL 130 da RAF realizando o salvamento em alto mar. Era neste tipo de barco que Tom Griffith servia.
Acredito, mas sem comprovação, que este jovem inglês vindo de Recife testemunhou os episódios épicos da Retirada de Dunquerque e participou de salvamento de pilotos durante a Batalha da Inglaterra. De certo sabemos que o destino de Tom Griffith foi o arquipélago de Malta, onde participou ativamente da defesa deste importante bastião estratégico Aliado no meio do Mar Mediterrâneo.
Este lugar é habitado (e cobiçado) há tantos séculos, que as estruturas sobreviventes dos templos megalíticos em Ġgantija, Hagar Qim e Mnajdra, são consideradas algumas das mais antigas estruturas construídas pelos homens no mundo. Entre 800 a 218 antes de Cristo, Malta foi colonizada pelos fenícios e cartagineses e em seguida ou a fazer parte do Império Romano. Consta que no ano 60 depois de Cristo, o apóstolo Paulo naufragou próximo ao arquipélago e sobreviveu. Segundo o folclore local, a partir daí Paulo converteu os habitantes locais ao cristianismo. Depois os árabes chegaram em 870 e sua presença teve uma considerável influência sobre a agricultura e a linguagem maltes.
Foto de satélite mostrando as ilhas de Gozo, Comino (a menor) e Malta ( a maior) – Fonte – odysseyadventures.ca
Depois veio uma sucessão de conquistadores até o ano de 1530, quando as ilhas foram entregues aos Cavaleiros da Ordem de São João, uma organização religiosa cruzada fundada em Jerusalém. Em 1798 o arquipélago de Malta caiu sob o domínio de Napoleão. Dois anos depois os ingleses ajudaram a libertar estas ilhas e tornou o lugar uma pequena parte do Império Britânico. Ali eles construíram uma grande e estratégica base naval.
Durante a Segunda Guerra Mundial o arquipélago maltes sofreu um pesado cerco aéreo e naval.
Posição estratégica de Malta na área do Mediterrâneo
Com o envio de forças alemãs do Afrika Korps para o Norte da África, comandadas pelo marechal-de-campo Erwin Rommel, a estratégica Malta adquiriu um papel fundamental no conflito. Deste ponto os britânicos podiam corta grande parte todo o abastecimento nazifascista vindo da Europa para a África e Rommel rapidamente reconheceu sua importância.
Aspecto do resultado dos bombardeios em Valletta, capital de Malta
Para provocar a derrota deste bastião estratégico os alemães e italianos decidiram forçar a submissão de Malta através de bombardeios e da fome, atacando seus portos, estradas, cidades e linhas marítimas de suprimentos. As forças aeronavais da Alemanha e da Itália nazifascistas realizaram mais de 3.000 bombardeios num período de dois anos, tornando Malta uma das áreas mais bombardeadas da Segunda Guerra Mundial.
Muita Ação Violenta
Tom Griffith ficou lotado na base da RAF em Kalafrana (ou Calafrana), um centro de operações de hidroaviões na Baía de São Paulo, extremo sul de Malta e principal casa dos grandes hidroaviões quadrimotores Short Sunderland. Neste local seu barco era uma lancha do tipo HSL, de 63 pés, com o seu armamento focado principalmente para defesa contra aviões. Normalmente possuía duas torres com metralhadoras gêmeas Vickers 0,303, um canhão Oerlikon de 20 milímetros e metralhadoras Browning ponto 50.
Uma lancha HSL e um avião Hurricane
Durante aquele período Tom Griffith viu muita ação. Praticamente todos os dias a Luftwaffe e a Regia Aeronautica realizavam suas “visitas” a Malta. Eram ataques que começavam no início do dia e se prolongavam até ao entardecer. No dia 4 de fevereiro de 1942, uma terça feira, não foi diferente.
Segundo o diário do reverendo Reginald M. Nicholls, Chanceler da St.Paul’s Anglican Cathedral, na cidade de Valletta, o “expediente” daquele dia começou por volta das nove e meia da manhã, quando dois ou mais caças foram vistos ao norte de Malta. Depois do meio dia um grupo de seis Hawker Hurricane, dos esquadrões da RAF 249 e 126, decolaram do aeródromo militar de Ta Kali (ou Ta ‘Qali) e interceptaram ao sul de Kalafrana alguns bombardeiros médios alemães JU-88, sendo um dos inimigos avariados e sem perdas para os ingleses.
Hawker Hurricane – foi um dos mais famosos aviões de caça britânicos da Segunda Guerra Mundial. Fator de preservação de Malta nas mãos dos aliados.
Às três da tarde, vindas do norte, um grupo de aeronaves inimigas atacam com grandes bombas o campo de Ta Kali, deixando muitos danos e crateras na pista.
Ataque Mortal
Nesse meio tempo partiu da base de Kalafrana a lancha HSL 129, com a missão de realizar um resgate perto da ilha de Filfla, ao sul de Malta. Comandava o barco rápido o tenente F. Nicolls, junto com os tripulantes Tom Griffith, Gerry R. King, Thomas L. Nielsen, Jock Muir, Dennis Whittaker, o cabo Cooper e o ajudante Norton.
Ilustração do artista Thierry Dekekr de um Messerschmitt Bf 109, também conhecido como Me 109, do Jagdgeschwader 53
Após o ataque a Ta Kali um grupo de aviões de caça alemães Mercheshimit ME-109, provavelmente do Jagdgeschwader 53 (JG 53), sobrevoam a região de Benghisa Point, onde localizam a HSL 129 próximo a Filfla e am a atacá-la impiedosamente.
Em meio a fuzilaria, aos rasantes dos caças alemães, ao revide das armas do barco e a fuga em ziguezague da HSL 129, a matança foi pesada. O tenente Nicolls foi atingido no estômago, caiu na casa do leme, mas veio a sobreviver. Gerry King foi para uma das torres de tiro e logo foi morto com um petardo na cabeça. Já o primeiro timoneiro Nielsen foi morto no leme. Tom Griffith, que estava na torre de tiro traseira, mesmo disparando sem cessar, foi gravemente ferido e morreu. Outros três tripulantes ficaram feridos.
Ilha de Filfla, onde em suas proximidades a HSL 129 onde estava Tom Griffith foi atacada pelos caças alemães.
Em dado momento os aviões alemães partiram da sua rapinagem e nenhum deles foi derrubado.
O cabo Cooper, mesmo com uma mão cortada no punho e esvaindo-se em sangue, conseguiu com a outra mão pilotar a HSL 129 danificada de volta para Kalafrana, aonde este barco chegou praticamente destruído. Apesar dos ingleses estarem em guerra a quase três anos, de Malta ser atacada naquela época todos os dias, os relatos dão conta que, diante do estado em que se encontrava a lancha na base de Kalafrana e as mortes dos tripulantes, muitos militares daquela unidade ficaram chocados com o resultado do ataque dos ME-109.
Lanchas HSL
Mais tarde, pela sua coragem, o cabo Cooper foi condecorado, mas considerado inválido e colocado fora do serviço militar.
Uma Mensagem Dos Seus Pais
O sacrifício deste torcedor inglês do Sport Club Recife não foi em vão. Os comboios Aliados foram capazes de sustentar e reforçar Malta, enquanto a RAF defendia seu espaço aéreo à custa de imensas perdas vitais e materiais. Depois os Aliados desembarcaram tropas no Marrocos e Argélia, o que obrigou Rommel a desviar suas forças para estas regiões e os ataques contra Malta foram reduzidos. O cerco ao arquipélago maltes terminou efetivamente em novembro de 1942.
A lápide de Thomas Peter Logan Griffith é uma das 719 existentes no Cemitério Naval de Kalkara, conhecido como Cemitério Capuccini, onde repousam os combatentes britânicos que morreram durante a Segunda Guerra Mundial na defesa de Malta e região. Junto a este inglês que cresceu em Recife repousam os seus companheiros de infortúnio King e Nielsen.
Mas é apenas na lápide de Tom Griffith que se encontra os dizeres “Until we meet again beloved son” (Até que nos encontremos de novo filho amado).
Trilha fossilizada no Vale dos Dinossauros, no município de Sousa – Fonte – Fabio Colombini
REGISTROS DO CRETÁCEO – ALGAS AJUDARAM A PRESERVAR
PEGADAS DE DINOSSAURO NA PARAÍBA
IGOR ZOLNERKEVIC | Edição 209 – Julho de 2013 – Revista de Pesquisa da FAPESP
Para quem quiser deixar uma marca duradoura de sua existência na Terra, fica a dica: caminhe à beira de um lago, onde houver lama ou areia fina e molhada, coberta de limo. Centenas de dinossauros fizeram isso, e suas pegadas permanecem intactas, gravadas nas rochas do sertão nordestino, no município de Sousa, interior da Paraíba, graças à ação das algas verdes e azuis do limo onde pisaram há mais de 100 milhões de anos.
A conclusão é dos paleontólogos Ismar Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Giuseppe Leonardi, do Instituto Cavanis, em Kinshasa-Ngaliema, na República Democrática do Congo. Em parceria com o geólogo Leonardo Borghi, da UFRJ, eles apresentaram, em artigo publicado em maio deste ano na revista Cretaceous R esearch, a primeira prova material da importância do limo na preservação de pegadas fósseis. O filme gelatinoso criado pelos microrganismos crescendo sobre a lama pisada teria impedido que as pegadas fossem apagadas pelo vento e pela chuva, antes que ela endurecesse e fosse recoberta por uma nova camada de sedimento que a protegeria da erosão.
“É incrível como microrganismos ajudaram a registrar a vida de alguns dos maiores animais que já viveram”, comenta Leonardi, considerado um dos principais especialistas em icnologia, o estudo de marcas deixadas por animais extintos, os chamados icnofósseis, para determinar sua postura e comportamento. Foi por meio de pegadas, por exemplo, que os paleontólogos deixaram de montar incorretamente os esqueletos fósseis nos museus.
Foto realizada pelo autor do blog TOK DE HISTÓRIA em 1994
Antigamente achava-se que os dinossauros andavam como os crocodilos, arrastando o ventre e a cauda no chão. As pegadas, no entanto, mostram que as criaturas andavam com a cauda e corpo suspensos, com seu peso distribuído igualmente sobre as patas.
As pegadas de Sousa foram descritas pela primeira vez em 1924, pelo engenheiro de minas Luciano Jacques de Moraes. O estudo dessas marcas, entretanto, só começou em 1975, quando Leonardi ou um ano explorando a região. Nascido na Itália em uma família de geólogos e paleontólogos, Leonardi, 74 anos, sempre dividiu seu tempo entre a carreira de pesquisador e a de padre católico. Ele se prepara para lançar um livro sobre Sousa, escrito em colaboração com Carvalho, ao mesmo tempo que atua na educação de crianças no Congo.
As rochas de Sousa se formaram a partir de sedimentos acumulados em um vale aberto no início da separação entre a América do Sul e a África, no começo do chamado período Cretáceo. Entre 142 milhões e 130 milhões de anos atrás, o vale abrigava rios e lagos, atraindo a fauna da região. Sua lama transformada em rocha registrou a agem de quase 400 indivíduos — dinossauros, crocodilos, sapos e tartarugas. Também há marcas de ondulações produzidas por água corrente e até pequenos buracos criados por gotas de chuva.
Cenas do ado
Não há, porém, ossadas fósseis em Sousa, ao contrário do que ocorre na bacia sedimentar vizinha do Araripe, no Ceará, local da descoberta de muitos dinossauros do Cretáceo. Leonardi explica que os sedimentos e o ambiente das bacias eram distintos. O ambiente mais ácido de Sousa corroía os ossos, enquanto no Araripe enxurradas arrastavam e soterravam rapidamente as carcaças dos animais, mantendo os ossos em condições favoráveis à petrificação.
“Em geral, os fósseis são registros da morte, enquanto as pegadas são registros da vida”, afirma Carvalho. Dificilmente as pegadas permitirão identificar a espécie do animal que as produziu. Mesmo assim, os pesquisadores conseguem classificá-las de acordo com certos grupos de dinossauros e, em locais onde há muitas delas, podem reconstruir cenas do ado.
Fonte – ARIEL MILANI MARTINE
O cotidiano dos dinossauros de Sousa lembra a vida dos grandes mamíferos das savanas africanas de hoje. Há trilhas feitas por bandos numerosos de saurópodes, imensos herbívoros quadrúpedes, semelhantes aos brontossauros. Em certo local é possível notar que um saurópode adulto diminuiu sua marcha para acompanhar o o de um filhote. Em outros pontos, esses bandos são perseguidos por pequenos grupos de terópodes, carnívoros bípedes parecidos com tiranossauros ou velocirraptores. Mais ativos que os herbívoros, os terópodes deixaram mais pegadas registradas, apesar de provavelmente terem sido em menor número.
“Essas marcas são estruturas tão delicadas, tão fáceis de serem apagadas pelas intempéries”, diz Carvalho. “Queríamos entender como foram preservadas.” Segundo ele, os pesquisadores costumavam concordar que, para as pegadas serem preservadas, bastava que o sedimento onde estavam impressas tivesse certas características especiais. Ele deveria ser fino, úmido e plástico na medida certa, como a argila. Todos os estudos experimentais feitos até agora, porém, demonstram que isso muitas vezes não é o suficiente.
De uma década para cá, começaram a aparecer evidências de que as pegadas menos erodidas são aquelas cobertas por limo. Em 2009, por exemplo, um grupo de arqueólogos suíços observou exatamente isso ao estudar o endurecimento de pegadas humanas impressas há poucos anos na beira de lagos no Caribe e no Oriente Médio. Carvalho notou algo semelhante na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. Outros paleontólogos começaram a suspeitar de que as chamadas esteiras microbianas que compõem o limo funcionariam como uma cola entre os grãos do sedimento, preservando os traços das pegadas, além de os protegerem contra o vento e a chuva. Os microrganismos ajudariam ainda na petrificação, acumulando o cálcio que endurece o sedimento.
Carvalho e seus colegas descobriram a primeira evidência material do fenômeno ao analisarem ao microscópio as lâminas de rochas extraídas de um poço na Fazenda Cedro, em Sousa. Encontraram várias camadas de microbialitos, um tipo de rocha formado a partir dos restos de esteiras microbianas do Cretáceo.
Outra evidência indireta é a presença em Sousa de fósseis de conchostráceos, um crustáceo protegido por duas conchas, aparentado de caranguejos e camarões. Os conchostráceos existem até hoje e quase nunca ultraam meio centímetro de comprimento. Uma das espécies de Sousa, porém, atinge 4,5 centímetros. Carvalho acredita que os conchostráceos de Sousa cresceram tanto por conta do ambiente de águas quentes, calmas e ricas em nutrientes que favoreceram a proliferação das esteiras microbianas nas margens dos lagos onde os dinossauros pisavam.
Foto de uma reprodução de um dinossauro. Realizada pelo autor do blog TOK DE HISTÓRIA em 1999
Mais limo, mais detalhes
As pegadas mais ricas em detalhes, que vistas bem de perto revelam de marcas de unhas a ranhuras da planta das patas e dos dedos, seriam aquelas formadas onde as esteiras teriam crescido mais. O limo teria ajudado a preservar também as rebordas que aparecem em volta de algumas pegadas. As rebordas são feitas da lama espirrada quando o animal pisou e podem informar seu peso.
Além do sedimento argiloso e das esteiras microbianas, os ciclos de deposição dos sedimentos seguindo as estações secas e chuvosas também ajudou a preservar as pegadas em Sousa. Pegadas eram gravadas e endurecidas durante a estação seca, para então serem enterradas por uma nova camada de sedimento trazida pelas chuvas. A nova camada serviria então de substrato para gravar mais pegadas na estação seca seguinte. Em um local conhecido como agem das Pedras, em Sousa, Leonardi escavou 25 dessas camadas com pegadas, produzidas por variações cíclicas na borda de um lago.
Carvalho, cuja pesquisa tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), espera agora examinar lâminas de rochas de outros lugares do mundo com pegadas fósseis. O maior deles fica em Sucre, na Bolívia. “Tenho quase certeza de que os microbialitos estão presentes lá”, diz.
Foto de uma das trilhas feitas pelos dinossauros em Sousa, realizada pelo autor do blog TOK DE HISTÓRIA em 1994
“As esteiras microbianas estão na moda”, comenta o paleontólogo Marcelo Adorna Fernandes, da Universidade Federal de São Carlos, cujo laboratório possui a maior coleção de icnofósseis do país, muitos deles coletados no interior paulista, principalmente em Araraquara, onde foram descobertas pegadas até em rochas das calçadas da cidade. Fernandes conta que espera analisar em breve o que ele acredita ser rastros deixados por invertebrados ao rasgarem esteiras microbianas crescendo no fundo dos lagos glaciais, que deram origem às rochas sedimentares conhecidas como os varvitos de Itu.
Todos nós usamos expressões idiomáticas curiosas para descrever situações ou comentar fatos do cotidiano. Mas, como quase ninguém sabe como essas expressões surgiram, o “Você Sabia?” resolveu explicar. Confira:
ACABAR EM PIZZA
Uma das expressões mais usadas no meio político é “tudo acabou em pizza”, empregada quando algo errado é julgado sem que ninguém seja punido. O termo surgiu no futebol. Na década de 60, alguns cartolas palmeirenses se reuniram para resolver alguns problemas e, depois de 14 horas seguidas de brigas e discussões, estavam com muita fome. Assim, todos foram a uma pizzaria, tomaram muito chope e pediram 18 pizzas grandes. Depois disso, simplesmente esqueceram o assunto, foram para casa e a paz reinou. Depois desse episódio, Milton Peruzzi, que trabalhava no jornal Gazeta Esportiva, publicou a seguinte manchete: “Crise Do Palmeiras Termina Em Pizza”. Daí em diante, a expressão pegou.
A expressão se deve a Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença, que viveu na Idade Média entre 1326 e 1382. Em 1346, ela se refugiou em Avignon, na França. Aos 21 anos, Joana regulamentou os bordéis da cidade onde estava refugiada. Uma das normas dizia: “o lugar terá uma porta por onde todos possam entrar.” Transposta para Portugal, a expressão “paço-da-mãe-joana” virou sinônimo de prostíbulo. Trazida para o Brasil, a palavra “paço”, por não fazer parte da linguagem popular, foi substituído por “casa”. Assim, “casa-da-mãe-joana” ou a servir para indicar um lugar ou situação em que cada um faz o que quer, onde impera a desordem e a desorganização.
DAR COM OS BURROS N’ÁGUA
A expressão surgiu no período do Brasil Colonial, onde tropeiros que escoavam a produção de ouro, cacau e café precisavam ir da região Sul à Sudeste sobre burros e mulas. O fato era que muitas vezes esses burros, devido à falta de estradas adequadas, avam por caminhos muito difíceis e regiões alagadas e muitos morriam afogados. Daí em diante o termo ou a ser usado para se referir a alguém que faz um grande esforço para conseguir alguma coisa e não obtém sucesso.
DE MÃOS ABANANDO
Na época da intensa imigração no Brasil, os imigrantes tinham que ter suas próprias ferramentas. As “mãos abanando” eram um sinal de que aquele imigrante não estava disposto a trabalhar. A partir daí o termo ou a ser empregado para designar alguém que não traz nada consigo. Uma aplicação comum da expressão é quando alguém vai a uma festa de aniversário sem levar presente.
ENTRAR COM O PÉ DIREITO
A tradição de entrar em algum lugar com o pé direito para dar sorte é de origem romana. Nas grandes celebrações dos romanos, os donos das festas acreditavam que, entrando com esse pé, evitariam má sorte na ocasião da festa. A palavra “esquerda”, em latim, é “sinistra”; daí fica evidente a crença no lado azarento dos inocentes pés esquerdos. Foi a partir daí que essa crença se espalhou por todo o mundo.
FEITO NAS COXAS
Esta expressão surgiu na época da colonização brasileira. As telhas usadas nas construções da época, feitas de barro, eram moldadas nas coxas dos escravos. Assim, algumas vezes ficavam largas, outras vezes finas, mas nunca num tamanho uniforme. Foi desta forma que surgiu a expressão, utilizada para indicar algo mal feito.
FAZER UMA VAQUINHA
A expressão “fazer uma vaquinha” surgiu na década de 20 e tem sua origem relacionada com o jogo do bicho e o futebol. Nas décadas de 20 e 30, já que a maioria dos jogadores de futebol não tinha salário, a torcida do time se reunia e arrecadava entre si um prêmio para ser dado aos jogadores. Esses prêmios eram relacionados popularmente com o jogo do bicho. Assim, quando iam arrecadar cinco mil réis, chamavam a bolada de “cachorro”, pois o número cinco representava o cachorro no jogo do bicho. Como o prêmio máximo do jogo do bicho era vinte e cinco mil réis, e isso representava a vaca, surgiu o termo popular “fazer uma vaquinha”, ou seja, tentar reunir o máximo de dinheiro possível para um determinado fim.
GUARDADO A SETE CHAVES
No século XIII, os reis de Portugal adotavam um sistema de arquivamento de jóias e documentos importantes: um baú que possuía quatro fechaduras. Cada uma destas chaves era distribuída a um alto funcionário do reino. Portanto, eram apenas quatro chaves. Mas o número sete ou a ser utilizado em razão de seu valor místico, desde a época das religiões primitivas. Assim, começou-se a utilizar o termo “guardar a sete chaves” para designar algo muito bem guardado.
JURAR DE PÉS JUNTOS
A expressão surgiu através das torturas executadas pela Santa Inquisição, nas quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado até dizer a verdade. Até hoje, o termo é empregado para expressar a veracidade de algo que uma pessoa diz.
LÁGRIMAS DE CROCODILO
Quando dizemos que uma pessoa está “chorando lágrimas de crocodilo”, queremos dizer que ela está fingindo, chorando de uma forma falsa. Tal expressão, utilizada no mundo inteiro, veio do fato de que o crocodilo, quando está devorando suas presas, faz uma pressão muito forte sobre o céu da boca e estimula suas glândulas lacrimais, dando a impressão de que o animal está chorando. Obviamente, o animal não chora e por isso surgiu a expressão popular.
MOTORISTA BARBEIRO
No século XIX, os barbeiros faziam, não somente os serviços de corte de cabelo e barba, mas também tiravam dentes, cortavam calos, entre outras coisas. Por não serem profissionais, seus serviços mal feitos eventualmente geravam consequências. A partir daí, desde o século XV, todo serviço ruim ou a ser atribuído ao barbeiro, por meio da expressão “coisa de barbeiro”. A expressão veio de Portugal. Contudo, a associação de “motorista barbeiro”, ou seja, um mau motorista, é tipicamente brasileira.
ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS
Esta expressão é usada para designar um lugar distante, desconhecido e inível. Existe uma história não comprovada que relata que, após trair Jesus, Judas enforcou-se descalço em uma árvore, porque havia posto o dinheiro que ganhara por entregar Jesus dentro de suas botas. Quando os soldados viram que Judas estava descalço, saíram em busca dos mesmos e do dinheiro da traição. Nunca ninguém ficou sabendo se as botas foram achadas. Acredita-se que foi assim que surgiu tal expressão.
PENSANDO NA MORTE DA BEZERRA
A história mais aceitável para explicar a origem da expressão é proveniente das tradições hebraicas, nas quais os bezerros eram sacrificados para Deus como forma de redenção de pecados. Um filho do rei Absalão tinha grande apego a uma bezerra que foi sacrificada. Assim, após o animal morrer, ficou se lamentando e pensando na sua morte meses a fio. Foi desta forma que surgiu tal expressão.
PRA INGLÊS VER
A expressão surgiu por volta de 1830, quando a Inglaterra exigiu que o Brasil aprovasse leis que impedissem o tráfico de escravos. No entanto, todos sabiam que essas leis não seriam cumpridas. Assim, elas teriam sido criadas apenas “para inglês ver”. Foi assim que surgiu a expressão.
RASGAR SEDA
Tal expressão, utilizada quando alguém elogia demais outra pessoa, surgiu através da peça de teatro do teatrólogo Luís Carlos Martins Pena. Nela, um vendedor de tecidos usa o pretexto de sua profissão para cortejar uma moça e começa a elogiar exageradamente sua beleza, até que a mulher percebe a intenção do rapaz e diz: “Não rasgue suas sedas, que se esfiapa.” Foi assim que surgiu a expressão.
TIRAR O CAVALO DA CHUVA
No século XIX, quando uma visita iria ser breve, o visitante deixava o cavalo ao relento, em frente à casa do anfitrião. Caso a visita fosse demorar, colocavam o animal nos fundos da casa, em um lugar protegido da chuva e do sol. Contudo, o convidado só poderia colocar seu cavalo protegido da chuva se o anfitrião percebesse que a visita estava boa e dissesse: “pode tirar o cavalo da chuva”. Depois disso, a expressão ou a significar a desistência de alguma coisa. De gozação, dizem que Rui Barbosa, que gostava de falar difícil, dizia “retirar o equino da precipitação pluviométrica”…
UMA DAS MAIS INUSITADAS ATRAÇÕES TURÍSTICAS DO MUNDO
Esta extraordinária imagem é de um local conhecido como “A Porta do Inferno”, localizado no deserto de Karakum, província de Ahal, a 260 quilômetros ao norte de Asjabad, capital do Turcomenistão, mais precisamente no vilarejo de Derweze, ou Darvaza, ou ainda Darvaz.
A história de um dos mais excêntricos destinos turísticos do mundo impressiona: Bem, verdade ou não, nos anos de 1970 um grupo de geólogos russos procuravam reservas de gás natural na região. Eles montaram um acampamento com uma plataforma de perfuração para avaliar a quantidade de gás e petróleo disponíveis no local. Como os soviéticos estavam satisfeitos com o sucesso em encontrar esses recursos, eles começaram a armazenar o gás. Porém, durante as escavações foi descoberta uma caverna subterrânea de grande profundidade, repleta de gás tóxico.
Então, em certo momento dos trabalhos, o chão sob a plataforma de perfuração cedeu abrindo uma grande cratera com cerca de 60 a 70 metros de diâmetro, que engoliu os equipamentos. Nenhuma vida foi perdida no incidente, mas grandes quantidades de gás metano foram lançadas na atmosfera criando enormes problemas ambientais e um imenso dano ao povo das aldeias, resultando em algumas mortes.
Temendo a liberação de mais gases venenosos da cratera, os cientistas decidiram queimá-los. Eles consideraram que seria mais seguro queimá-lo do que extraí-lo do subsolo, pois isso exigiria processos caros. Em termos ambientais, a queima do gás é a solução mais coerente quando as circunstâncias são tais que ele não pode ser extraído para uso.
Naquele tempo, as expectativas eram de que o gás iria queimar por alguns dias, mas ainda está queimando décadas depois de ter sido incendiado. Não há nenhuma previsão de quando as labaredas vão finalmente cessar, já que ninguém tem noção da quantidade de gás que ainda existe nas profundezas da cratera.
Não estou aqui incentivando o consumo do pó, nem muito menos afirmando que em Caicó a poderosa droga conhecida como cocaína está deitando e rolando.
Apenas trago uma centenária propaganda, publicada em um extinto jornal seridoense, de um produto certamente a base de xarope de cocaína e produzido por uma farmácia da principal cidade do Seridó Potiguar.
Como se sabe a cocaína é extraído das folhas da planta de coca (Erythroxylon coca), historicamente produzida pelos indígenas dos altiplanos andinos da América do Sul a milênios. Na sua forma extraída e purificada, é um dos mais potentes estimulantes de origem natural.
Por milhares de anos, os nativos da região andina têm mastigado folhas de coca para aliviar a fadiga. Assim como o chá e o café são fervidos, os nativos andinos criaram um chá a base de folhas de coca. Além disso, grupos andinos, historicamente, queimavam ou fumavam várias partes da planta da coca como parte de suas práticas religiosas e medicinais. No entanto, nenhuma destas outras utilizações teve o mesmo impacto na forma de cloridrato de cocaína purificada.
O químico alemão Albert Niemann, da Universidade de Gottingen, reconheceu as propriedades estimulantes da planta cocaína e em 1859 extraiu quimicamente o cloridrato de cocaína.
No início dos anos 1884, as propriedades anestésicas da droga foram descobertas, e logo foram utilizados em cirurgias oculares, de nariz e garganta. Em pouco tempo os médicos tomaram conhecimento das propriedades psicoativas da cocaína e esta foi amplamente distribuída para controle da ansiedade e depressão.
Afirmações extravagantes de seus poderes curativos aumentaram da popularidade da cocaína no início dos anos 1900.
Antiga propaganda americana de cocaína,associada a infãncias
Era o principal ingrediente ativo em uma ampla gama de patentes de medicamentos, tônicos, elixires, e extratos de fluidos. Acredita-se que a fórmula original da Coca-Cola, desenvolvido em 1886 pelo farmacêutico John Pemberton, continha aproximadamente 4,5 mg de cocaína por 180 ml de fluido. Esta fórmula foi vendida como uma cura para a dor de cabeça e um estimulante.
Após 1900 foram se tornando frequentes os problemas médicos, psíquicos e sociais associados ao uso excessivo de cocaína e nos Estados Unidos e seu uso foi severamente restringido em 1914.
Desta época até o final da década de 1950, pelo menos nos Estados Unidos, o consumo de cocaína foi geralmente limitado a pequenos grupos sociais. À medida que as manifestações culturais incentivaram o uso de drogas para fins recreativos, a cocaína entrou novamente em evidência.
Proibições legais e o suprimento da droga foram severamente restringidos. Mas o cultivo das plantas de coca continuou nos países sul-americanos – Bolívia, Peru, Colômbia e Equador.
O seu uso cresceu juntamente com o uso de muitas outras substâncias psicoativas. A maioria dos experimentadores eram consumidores ocasionais. Eles experimentaram a euforia da cocaína e, geralmente, voltavam para suas vidas “normais”. Devido a isso, ao uso casual, surgiu uma noção fictícia de que a cocaína era inofensiva e estimulava os caminhos da mente. As drogas abriam as “Portas da Percepção”, como afirmou o escritor inglês Aldous Huxley (no caso de Huxley, principalmente com o uso de mescalina e LSD).
Apesar dos graves problemas clínicos ligados com o uso de alucinógenos, barbitúricos e as anfetaminas, em finais dos anos 1970, ainda existiam muitos especialistas e autoridades de saúde pública nos Estados Unidos acreditavam que a cocaína era uma substância relativamente benigna e principalmente uma droga “recreativa”.
Em resumo, a cocaína é um estimulante do sistema nervoso central, que provoca euforia, bem estar, sociabilidade. Nem sempre as pessoas conseguem ter tais sensações naturalmente, e de forma intensa, uma pessoa que se permite utilizar esta substância tende a querer usar novamente, e mais uma vez, e assim sucessivamente. Atualmente a via preferida de istração é a intranasal em dosagens relativamente pequenas, ou intravenosas em altas doses.
Como a cocaína tende a perder sua eficácia ao longo do tempo de uso, fato este denominado tolerância à droga, o usuário tende a utilizar progressivamente doses mais altas buscando obter, de forma incessante e cada vez mais inconsequente, os mesmos efeitos agradáveis que conseguia no início de seu uso. Dosagens muito frequentes e excessivas provocam alucinações táteis, visuais e auditivas; ansiedade, delírios, agressividade, paranoia.
Este ciclo torna-o também cada vez mais dependente, fazendo de tudo para conseguir a droga, resultando em problemas sérios não só no que tange à sua saúde, mas também em suas relações interpessoais. Afastamento da família e amigos, e até mesmo comportamentos condenáveis, como participação de furtos ou assaltos para obter a droga são comuns.
Ou seja! Saia de perto que é problema na certa.
Em relação a “Caicoina” do início do século XX, nenhuma outra informação consegui sobre o produto.
José Rabelo Meira de Vasconcelos – 27/09/1922 – 30/03/2013
Lamentamos informar que faleceu José Rebelo Meira de Vasconcelos, veterano piloto de caça da Força Aérea Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. O Comandante Meira participou de 93 missões de combate nos céus da Itália.
Tive oportunidade de apertar sua mão e conversar um pouco com ele alguns anos atrás aqui em Natal. Pessoa séria, mas altamente ível, simples, de ótimo trato e que em nenhum momento se mostrava com algum arroubo de heroísmo.
Em Natal-RN no ano de 2008
Ao lhe comentar que gostaria de escrever sobre a vida de um ex-combatente na época da guerra, elogiou a iniciativa e disse-me uma coisa que não esqueci; “Que as memórias da guerra jamais deveriam ser esquecidas, para que não se repetissem. Mas que jamais deveria ser enaltecido para tornar alguém um herói”.
Conheci alguns pracinhas da FEB que também traziam na mente o mesmo pensamento.
Quando conheci o veterano norte-americano Emil Anthony Petr, que foi navegador de radar de um bombardeiro B-24 da USAAF, que tinha a sua base na Itália, completou 39 missões de combate pela 15ª Air Force e ou oito meses prisioneiros dos nazistas, a primeira coisa que ele me pediu foi que nunca o tratasse como um herói, pois isso ele não havia sido de forma alguma. Deste encontro nasceu o nosso livro intitulado “Eu Não Sou Herói-A Biografia de Emil Petr”, lançado ano ado.
Percebi que as pessoas que participaram e vivenciaram o maio conflito da história da humanidade, conforme a idade avança, possuem o desejo que aqueles fatos sejam conhecidos, para que eles não se repitam. Mas não desejam de forma alguma serem tratados como heróis.
Reproduzo matéria do jornal O Estado de São Paulo, publicada em 25 de agosto de 2012, onde o Comandante Meira comentou sobre a sua experiência durante a Segunda Guerra Mundial.
“Se eles fossem descobertos, seriam fuzilados por alemães” – Depoimento: José Rebelo Meira de Vasconcelos, major brigadeiro da FAB e piloto de caça.
Por que alguém bota sua família em risco por um sujeito que nunca viu na vida? Meu colega foi abatido, saltou em território inimigo e ficou escondido na casa de uma família italiana. Se eles fossem descobertos, seriam fuzilados por alemães. Não consigo entender. Essa pergunta fica até hoje na minha cabeça: por que eles ajudavam? Porque o fascista não perdoava: ia a família inteira. Anos depois, a Franca, que era a jovem que cuidou do meu amigo, veio nos ver no Brasil. Nós éramos todos jovens e voluntários. Todos.
Eu era instrutor de pilotagem da Escola da Aeronáutica quando abriu o voluntariado para o 1.º Grupo de Aviação de Caça. Cumpri 93 missões durante a 2.ª Guerra Mundial. Minha primeira missão foi um eio. Eu era o número quatro da esquadrilha. Normalmente, o mais novo era o último que mergulhava. Ia sempre atrás do seu líder. É claro que todo mundo sabia que ia levar tiro. Não podia ar pela cabeça de ninguém que você ia para um negócio daqueles (guerra) sem acontecer nada. Mas o tiro a gente não via. Você ouvia o barulho: páááááá. Não dava nenhuma sensação. Naquele momento, sua cabeça estava preocupada com a missão a realizar.
P-47 do Comandante Meira na Itália
Eu me lembro do dia em que fui atingido. Deve ter sido por uma granada de 20 mm. Num determinado momento, o comandante da esquadrilha disse: “See, atenção, vamos fazer um break para a direita de 90°”. O break era uma curva fechada porque estávamos com um campo de vida franca pela frente. Campo de vida franca era um campo de aviação. Era um terror, pois eles eram tremendamente defendidos. Esse break era justamente para sair de lá. Mas me esqueci de que havia uma pista nova nessa base e, quando acabei minha curva, vi na minha frente aquela faixa preta das explosões. Aí eu já levei uma cacetada direto – baaaannnn -, que quase joga o avião no chão. Joguei fora o tanque extra e colei no chão para voar o mais baixo possível e fugir da artilharia antiaérea. O avião (P-47) era um monstro, era uma coisa inacreditável de forte.
Eu voei no último dia da guerra. Tudo já estava praticamente decidido. Sabia-se que ia haver uma parada do alemão. Nesta missão, foram dois pilotos: eu e meu ala. A ordem era fazer reconhecimento armado, como a gente chamava, sem atirar. Só o faríamos se fôssemos alvejados pelo inimigo. Mas, na realidade, quando chegamos estava todo mundo na rua. Todos com lenço, aquela euforia maluca de que a guerra tinha acabado. Milhões de pessoas tinham ido embora, mas o resto estava salvo. Voamos baixo. A gente ava, todos faziam sinal com a mão. Foi como se fosse um 7 de setembro. / M.G. e E.F.
No anoitecer do dia 6 de abril, em 1661, Jerônimo Barbalho Bezerra foi decapitado no Largo da Polé, hoje Praça XV, perante a população. Sua cabeça, escreveu dias depois o governador Salvador Corrêa de Sá e Benevides, foi posta “no pelourinho para se conseguir a quietação” do povo. Terminou assim o período de cinco meses em que os cariocas governaram-se a si mesmos, no primeiro exercício de democracia da História do Brasil. Faz mais de 350 anos.
A Revolta da Cachaça, que Bezerra liderou, é pouco documentada e por isso mesmo objeto de polêmica. Ele era, nos dizeres do tempo, “nobre da terra”. Senhor de engenho, filho de herói da batalha que expulsou os holandeses da Bahia em 1625, um homem que tinha ao seu lado vereadores e outros donos de terra na região. É o que sugere ter sido uma briga interna da elite.
Não era a impressão do importante historiador britânico Charles Boxer, corroborada recentemente pelo geógrafo Maurício de Almeida Abreu, autor de “Geografia Histórica do Rio de Janeiro”. Ao lado de Jerônimo, entre os 131 listados como revoltosos, tinha gente da elite, mas aparentemente também despossuídos de terras. Foi um levante amplo, de todas as classes, contra um ditador.
Salvador Corrêa de Sá e Benevides tinha 58 anos. Pertencia à terceira geração da família Sá no comando do Rio, desde Estácio. Com quase um século de idade, a pequena cidade era pobre, como todo o Brasil sul, e domínio absoluto de sua família. Salvador era também uma lenda viva no Brasil e em Portugal. Místico, ou a juventude seguindo os conselhos do padre jesuíta João d’Almeida, um sujeito que diziam flutuar em transes longos. Todos os Sás eram ligados aos jesuítas.
Salvador era também bandeirante e, como todo bandeirante, mais tupi do que europeu em batalha. Lutava com os pés descalços, acompanhado em mar de longas canoas de índios flecheiros. Venceu assim Piet Heyn, o maior corsário holandês de seu tempo. Heyn quebrou a Espanha ao saquear, no Caribe, o navio que levava o ouro das Américas. E Salvador o venceu com índios, expulsando-o do Espírito Santo, quando ainda tinha 23 anos. Assim como, também acompanhado de índios, conquistou Angola dos holandeses e venceu em seu próprio território a mítica rainha N’Zinga, uma das mais ferozes líderes guerreiras da África. (Vem de seu nome o termo ginga, da capoeira).
O corsário Pieter Pieterszoon Heyn
Se tupi em batalha, a corte em Lisboa não o intimidava. Tinha assento no Conselho Ultramarino, a mais alta instância de comando do império. Ainda antes de sua morte, esteve entre os líderes de uma tentativa de depor o rei português. Na Ilha do Governador, sua ilha posto que era Sá, o governador, e dono das terras ali, construiu o galeão d’El Rey, maior navio do mundo de então. Construiu-o na Ponta do Galeão. Salvador Corrêa de Sá e Benevides era muito maior do que o Rio e fazia do Rio o que bem quisesse. Como, por exemplo, aumentar impostos.
No fim de 1660, decidido a aumentar o número de soldados no Rio, Salvador liberou a produção de cachaça e instituiu sobre ela um pesado tributo. Daí criou um imposto predial. A população, ricos e pobres, já enfrentava sérias dificuldades. A cidade vivia uma crise. Os conjurados reuniram-se por várias madrugadas em São Gonçalo, onde ficava a fazenda de Jerônimo. No dia 7 de novembro, cruzaram de madrugada a Guanabara. O sol ainda não havia raiado quando uma turba invadiu a Câmara, no alto do Morro do Castelo, e derrubou o interino Thomé Corrêa de Alvarenga, primo de Salvador. O governador estava em São Paulo.
Os cariocas instituíram governo, mandaram cartas ao rei português garantindo fidelidade e pedindo só que pudessem governar com um nível tolerável de impostos. Pediram também aos paulistas que prendessem Salvador – mas, em São Paulo, os de lá decidiram que era boa política não aderir.
Tão espetacular quanto o golpe foi o contragolpe. Salvador tinha o comando da frota da Companhia Geral de Comércio, que anualmente navegava para o Brasil para recolher os produtos que voltariam à Europa. Ele esperou que os navios chegassem ao Rio. Naquele 6 de abril, de madrugada – era sempre madrugada nos ataques de surpresa de antanho – Salvador, seu filho João e um exército de índios tupis invadiram o Rio e tomaram o paiol onde ficava a munição. Os soldados da frota desceram a terra e enfileiraram-se na Praça XV, um bocado o centro da cidade do tempo. Quando o dia amanheceu, o Rio independente já havia caído sem que um tiro fosse disparado. O próprio Salvador decidiu pela execução de Jerônimo, naquela noite.
Se venceu militarmente, perdeu na política. Em menos de um ano, Lisboa deu ordens para que ele deixasse o cargo de governador. Convocado para a Europa em 1663, nunca mais pôs os pés do Brasil. Assim como, nunca mais, um Sá governou o Rio. O filho primogênito de Salvador foi feito Visconde de Asseca, um título de nobreza alto. Mas não ele. Era o equivalente real a uma punição na alta esfera.
O primeiro experimento com democracia no Brasil, de certa forma, deu mais liberdade à cidade que ainda demoraria algumas décadas para se tornar capital. Não há qualquer monumento a Jerônimo Barbalho, mas não custa nada lembrar que ele morreu há mais de 350 anos.
Pode parecer estranho em uma época onde o padrão de beleza feminino é a Gisele Bündchen (não para mim) e diante da verdadeira epidemia de obesidade que atinge a humanidade (entre eles eu), que houvesse uma época em que os jornais natalense publicavam anúncios de duvidosos remédios que prometiam engordar em tempo recorde.
Realmente no século ado a nossa população se sobressaia pelo excesso de pessoas magras. Na época da Segunda Guerra Mundial está comprovado que muitos dos nossos soldados tinham uma alimentação limitada na vida civil e ganhar uns quilinhos a mais era preciso.
Quem pesquisa jornais antigos encontra com perturbadora frequência a notícia de mulheres que morriam no parto. Logicamente que as más condições da saúde pública e da higiene sanitária nos hospitais explicam muito da razão desta situação, mas também as deficiências alimentares da época ajudaram a ceifar a vida de muitas mães de família.
Naquele tempo, uma mulher sem maior estrutura corporal, muito magra, era tida como “doente”, como não tendo as condições adequadas para procriar, de ser mãe. Visto ser este o papel principal das mulheres de uma época onde o mercado de trabalho feminino era limitadíssimo.
Na nossa sociedade muita coisa mudou para melhor neste tema. Certamente este anúncio publicado no jornal natalense “A República” em 3 de junho de 1939 deverá se tornar bem raro de ser repetido.
Luiz Gonzaga Nascimento, nasceu em uma sexta-feira, no dia 13 de dezembro de 1912 , numa casa de barro batido na Fazenda Caiçara, povoado do Araripe, à 13 quilômetros de uma longínqua cidade sertaneja chamada Exu, no extremo oeste do Estado de Pernambuco.
É apontado pela crítica como um dos nomes mais importantes da música popular brasileira de todos os tempos. A importância de Luiz Gonzaga deve-se à abrangência que sua obra tem em todo o território brasileiro.
Era filho de Ana Batista de Jesus, conhecida como Mãe Santana, ou simplesmente Santana, uma dedicada agricultora e dona de casa, e de Januário José dos Santos, afamado tocador de sanfona de 8 baixos na sua região e que também concertava este tipo de instrumento musical.
Exu e a Igreja do Bom Jesus na década de 1950
Consta que seu nome se deu pelos seguintes motivos; Luiz, porque era dia de Santa Luzia; Gonzaga por sugestão do vigário que o batizou, e Nascimento por ser o mês que Maria deu à luz a Jesus. Foi batizado na matriz de Exu no dia 05 de janeiro de 1913, pelo Padre José Fernandes de Medeiros.
Desde criança, Luiz Gonzaga se interessou pela sanfona, ele ajudava o pai tocando e cantando em festas religiosas e forrós. Luiz Gonzaga, mesmo muito precoce já recebia cachê ( 20$000 vinte mil réis) para cantar e tocar a noite toda em festas de região, tornando-se famoso em 1920. Quatro anos depois, sua família mudou-se para Araripe, após uma enchente. Lá, Luiz chegou a receber mais que seu pai, mas o que ele recebia ainda não era suficiente para comprar um fole. Diferente dos outros garotos de sua idade que queriam ir para se divertirem, Luiz Gonzaga gostava era de ficar no palco tocando com seu pai e demais músicos.
Aos treze anos, Luiz Gonzaga compra sua primeira sanfona, na cidade de Ouricuri-PE, graças ao empréstimo concedido pelo coronel Manoel Ayres de Alencar: um 8 Baixos, Koch, marca veado, igual ao do Mestre Januário, ao preço de 120 mil réis. Quando saldou sua dívida, anunciou ao coronel Ayres que não iria mais trabalhar com ele, pois a partir de então, seria sanfoneiro profissional.
Antiga Rua Padre João Batista, na Exu da década de 1950
Antes dos dezoito anos Luiz teve sua primeira paixão: Nazarena, uma moça da região e que Luiz conheceu ao participar de um grupo de escoteiros. Foi rejeitado pelo pai dela, que não o queria para genro e ameaçou-o. Ferido na sua honra de macho novo, aproveita o dia da feira e vai tirar satisfações da desfeita armado com uma faquinha, isso tudo após tomar uns goles de cana para dar coragem. Ao saberem do episódio, Januário e Santana lhe dão uma surra. Revoltado por não poder casar-se, Luiz Gonzaga fugiu de casa e ingressou no exército como voluntário.
Luiz Gonzaga aumenta sua idade para sentar praça no Exército, mais precisamente no no 23º Batalhão de Caçadores, em Fortaleza. Ali é conhecido como soldado Nascimento. O ano era 1930, ano de revolução, isso fez Gonzaga seguir em missão militar por várias partes do Brasil como corneteiro de sua unidade. Para ele foi uma fase também muito importante, pois teve realmente o às várias culturas que encontramos neste país.
Após o término do tempo legal de serviço militar, o soldado Nascimento escolhe continuar servindo no Exército, instituição que representou o papel de uma grande e importante escola. Nas horas vagas acompanhava, pelos programas de rádio, os sucessos musicais da época. Por não conhecer a escala musical, é reprovado num concurso para músico numa unidade do exército, em Minas Gerais. Vira “soldado-corneteiro 122” e ganha o apelido de “bico de aço”.
Em Juiz de Fora-MG, conheceu Domingos Ambrósio, também soldado e conhecido na região pela sua habilidade como acordeonista. A partir daí começou a se interessar pela área musical e aprende a tocar sanfona de 120 baixos .
Gonzaga é ludibriado por um caixeiro-viajante, a quem paga 500 mil réis em prestações mensais para adquirir uma sanfona branca, Honner, de 80 baixos. Foge do quartel, em Ouro Fino-MG, para ir buscar a sanfona em São Paulo. Lá chegando, descobre que não vendiam sanfona no endereço que o caixeiro lhe dera. Ao retornar ao hotel onde se hospedara, acaba comprando uma sanfona igualzinha à que tinha ido buscar.
Em 1939 Luiz dá baixa das Forças Armadas, impulsionado por um decreto que proibia para os soldados um engajamento superior a dez anos no Exército. Desembarca no Rio com bilhetes comprados para Recife, de navio, e Exu, de trem. Enquanto aguardava a chegada do navio que o levaria ao Recife, resolve conhecer o Mangue, o bairro boêmio vizinho. E lá, com sua sanfona Honner branca, faz sucesso tocando valsas, tangos, choros, foxtrotes e outros ritmos da época. Através de um músico amigo, o baiano Xavier Pinheiro, casado com uma portuguesa, Gonzaga vai morar no morro de São Carlos, à época tranquilo reduto português no Rio. Consta que teve sua primeira apresentação em palco, num cabaré chamado “O Tabu”.
Luiz Gonzaga tocava em festas na Lapa ou se apresentava nas ruas ando o chapéu. O homem simples não tinha vergonha de se apresentar na rua e foi assim, longe dos holofotes, longe dos palcos que ele começou sua carreira no Rio de Janeiro, tocando na rua, apenas um estranho, apenas mais um entre muitos que buscavam ganhar algum dinheiro para sobreviver na cidade maravilhosa.
Por consequência da Segunda Guerra Mundial, o país foi invadido por músicas e ritmos estrangeiros, mas nada impediu Luiz Gonzaga de tocar, sendo assim, ele começou a tocar os ritmos incluindo blues e fox trot, afinal vivia da música e precisava agradar o público.
Dono de um enorme talento logo começou a participar de programas de calouros, com um repertório composto basicamente de músicas estrangeiras. Mas o sucesso não veio.
Tudo mudou em 1941. Um dia, pressionado por estudantes cearenses, Luiz Gonzaga modifica o seu repertório e consegue tirar nota máxima no programa “Calouros em Desfile”, de Ary Barroso, na Rádio Tupi, executando a música Vira e Mexe, um “xamego” (chorinho) lá do seu pé-de-serra. Pouco tempo depois vai trabalhar com Zé do Norte no programa “A hora Sertaneja”, na Rádio Transmissora. Nesta mesma época chega ao Rio seu irmão José Januário Gonzaga, fugindo da seca devastadora e trazendo um pedido de ajuda por parte de Santana. Zé Gonzaga a a morar com o irmão.
Luiz Gonzaga já atraia a atenção das pessoas, já tocava bem melhor, sua voz inconfundível dava nova tonalidade às canções e o ritmo não deixava ninguém ficar parado e tudo isto despertava a atenção das pessoas e começava já a chegar também nas rádios.
Em 5 de março de 1941 Luiz realiza sua primeira participação numa gravação da empresa Victor, atuando como sanfoneiro da dupla Genésio Arruda e Januário França. Seu talento chama a atenção de Ernesto Augusto Matos, chefe do setor de vendas da Victor. E no dia 14 de março Luiz Gonzaga grava, assinando pela primeira vez como artista principal, e exclusivo da Victor, quatro músicas que são lançadas em dois 78 rotações. É publicada a primeira reportagem sobre Luiz Gonzaga na revista carioca Vitrine, com o título “Luiz Gonzaga, o virtuoso do acordeom”. Ainda em 1941, Gonzaga grava mais dois 78 rotações. O sucesso havia chegado, e Gonzaga já era chamado como “O maior sanfoneiro do nordeste, e até do Brasil”.
Gonzaga apresentava-se com o típico figurino do músico profissional: paletó e gravata. Mas em 1943, após conhecer o trabalho do sanfoneiro catarinense Pedro Raimundo, que se apesentava no palco com as roupas típicas de sua cultura; Luiz decidiu vestir-se com roupas típicas do nordeste, adotando o traje de vaqueiro – figurino que o consagrou como artista.
Desta época recebeu o apelido de Lua do amigo O apelido “Lua”, invenção de Dino 7 Cordas pelo rosto arredondado de Gonzaga, é divulgado pelo radialista Paulo Gracindo na Rádio Nacional.
Dois anos depois, em 11 de abril, Luiz Gonzaga grava o 25º disco de sua carreira como sanfoneiro, e o primeiro como cantor, com as músicas Dança Mariquinha, mazurca de sua autoria com letra de Miguel Lima, e Impertinente, polca também de sua autoria, instrumental. Mas a afirmação como intérprete só chega com o 31º disco, lançado em novembro, pelo sucesso estrondoso da mazurca Cortando o pano, uma parceria com Miguel Lima e Jeová Portella.
Ainda em 1945, uma cantora de coro chamada Odaléia Guedes dos Santos deu à luz um menino, no Rio. Luiz Gonzaga mantinha um caso há meses com a moça – iniciado quando ela já estava grávida – Luiz, sabendo que sua amante ia ser mãe solteira, assumiu a paternidade da criança, adotando-o e dando-lhe seu nome: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior.
Odaléia, que além de cantora de coro era sambista, foi expulsa de casa por ter engravidado do namorado, que não assumiu a criança. Ela foi parar nas ruas, sofrendo muito, até que foi ajudada e descobriu-se seu talento para cantar e dançar. Ela ou a se apresentar em casas de samba no Rio, quando conheceu Luiz.
A relação de Odaléia, conhecida por Léia, e Luiz, era bastante agitada, cheia de brigas e discussões, e ao mesmo tempo muita atração física e paixão. Após o nascimento do menino, as brigas pioraram, já que havia muitos ciúmes entre os dois. Eles resolveram se separar com menos de dois anos de convivência. Léia ficou criando o filho, e Luiz ia às vezes visitá-los.
Em 1946 voltou pela primeira vez a Exu, e teve um emocionante reencontro com seus pais, Januário e Santana, que desde 1930 não viam o filho. No retorno para o Rio, a pela primeira vez no Recife, participando de vários programas de rádio e muitas festas. Nesse momento conhece Sivuca, Nelson Ferreira, Capiba e Zé Dantas, estudante de medicina, natural de Carnaíba, músico por vocação e apaixonado pela cultura nordestina.
Desejoso de encontrar o parceiro certo para expressar sua musicalidade sertaneja, Luiz Gonzaga procura o cearense Lauro Maia. Este lhe apresenta o cunhado, também cearense, advogado e poeta, Humberto Teixeira. Esse primeiro encontro rendeu a primeira parceria, No meu pé de serra, xote que só seria gravado em novembro do ano seguinte.
Em 1947, em parceria com Humberto Teixeira, a música ícone do Nordeste: Asa Branca. Asa Branca tornou-se praticamente um hino do povo sofrido do nordeste brasileiro. A parceria com Humberto Teixeira gerou sucessos como Baião, Juazeiro,Mangaratiba, Paraíba e tantos outros. Nessa época Luiz Gonzaga adotou o ório que marcou sua imagem, um chapéu de couro estilizado, baseado no que Lampião usava nas tropelias do cangaço.
Outubro de 1948. A conceituda “Revista do Rádio”, aponta Luiz Gonzaga, artista da RCA Victor, emplacando os primeiros lugares da venda de discos
Num domingo de julho de 1947, Gonzaga conhece na Rádio Nacional, a contadora Helena das Neves Cavalcanti, e a contrata para ser sua secretária. Rapidamente o namoro acontece, e Gonzaga pensa em casar. No ano seguinte o matrimônio acontece e o casal vai viver, juntamente com a mãe de Helena, dona Marieta, no bairro de Cachambi. Eles não tiveram filhos biológicos, por Helena não poder engravidar, mas adotaram uma menina, a quem batizaram de Rosa Maria.
Gonzaga chamando atenção nos jornais cariocas, como nesta edição de 12-03-1948, do jornal “A Noite”
Ainda em 1948 Odaléia morre de tuberculose. O filho deles, apelidado de Gonzaguinha, ficou órfão com dois anos e meio. Luiz queria levar o menino para morar com ele e Helena, e pediu para a mulher criá-lo como se fosse dela, mas Helena não aceitou. Luiz não viu saída: Entregou o filho para os padrinhhos da criança, Leopoldina e Henrique Xavier Pinheiro, criá-lo, no Morro do São Carlos. Luiz sempre visitava a criança e o menino era sustentado com a assistência financeira do artista. Luizinho foi criado como muito amor. Xavier o considerava filho de verdade, e lhe ensinava viola, e o menino teve em Dina um amor verdadeiro de mãe.
A luta em Exu, entre as famílias Alencar e Sampaio, repercutia fortemente no Rio de Janeiro em 1949. Jornal carioca “A Manhã”, 06-11-1949.
Aproveitando uma folga entre as gravações, Luiz Gonzaga leva a esposa e sogra para conhecerem o Araripe, e sua terra Exu. Porém, interrompem a viagem quando estavam no Crato, por causa das desavenças e mortes entre as famílias tradicionais Sampaio e Alencar. A grande violência que marcava a disputa entre os clãs rivais ameaçava sua família, ligada aos Alencar. Preocupado, Gonzaga aluga uma casa no Crato, para onde leva seus pais e irmãos, enquanto preparava a mudança de sua família para o Rio de Janeiro, o que ocorreu ainda em 1949.
Em 1950, em janeiro, o médico formando Zé Dantas chega ao Rio de janeiro, a fim de prestar residência no Hospital dos Servidores. Nesse ano, Luiz Gonzaga lançou, gravando ou cedendo para outros intérpretes, mais de vinte músicas inéditas, a maioria parcerias com Humberto Teixeira e Zé Dantas que se tornariam clássicos nacionais. Depois deste ano, começou a fazer shows pelo interior do país continuando muito popular. Neste período Luiz Gonzaga já era bem mais conhecido e seus shows estavam sempre cheios, por onde ava o sucesso era garantido.
Cantando acompanhado de sua sanfona, zabumba e triângulo, levou a alegria das festas juninas e dos forrós pé-de-serra, bem como a pobreza, as tristezas e as injustiças de sua árida terra – o Sertão nordestino – para o resto do país, numa época em que a maioria das pessoas desconhecia o baião, o xote e o xaxado.
Depois da morte de Zé Dantas, fez parceira com outras pessoas. Ganhou o apelido de Rei do Baião dos cidadãos paulistas e até hoje é conhecido como tal. Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, não parou mais de fazer sucesso e se tornou um dos artistas mais conhecidos e respeitados do Brasil.
Em 1968, aconteceu uma coisa engraçada na carreira do cantor; Carlos Imperial espalhou que os Beatles gravaram “Asa Branca” tudo mentira, é claro! Sendo assim, Luiz ocupou muito lugar na imprensa por causa da repercussão dessa brincadeira. Em 1971, após Caetano Veloso e Sérgio Mendes gravaram “Asa Branca”. Depois disso o Rei do Baião chegou a se tornar sucesso entre os hippies.
Em 1980 foi convidado a cantar para o Papa João Paulo II e recebeu um “Obrigado, cantador”. Em 1982, enfim, virou o Gonzagão e seu filho o Gonzaguinha que acompanhou seu pai numa turnê, mostrava que só daria orgulho ao pai.
Jornal do Brasil – Caderno B – 13-01-1982
irado por grandes músicos, gravou nos anos oitenta com cantores de grande sucesso como Raimundo Fagner, Dominguinhos, Elba Ramalho, Milton Nascimento e outros, conseguindo alavancar ainda mais sua carreira. Ao todo, Luiz Gonzaga conseguiu gravar em toda sua vida cinquenta e seis discos compondo mais de quinhentas canções de grande sucesso nacional. Recebeu no ano de 1984 o primeiro disco de ouro com o Danado de Bom, outro grande sucesso.
Relação das músicas e sequência como elas foram cantadas no show de Gonzagão & Gozaguinha no Rio de Janeiro – Jornal do Brasil – Caderno B – 13-01-1982,
Em 1988, separou-se de Helena e assumiu a relação com Edelzuíta Rabelo. Em 1989, Gonzagão se apresentou pela última vez, surgindo no palco em uma cadeira de rodas. Ele sofria osteoporose e desobedecendo a ordens médicas, participou de um show no dia 6 de junho no Teatro Guararapes em Recife, cidade onde viveu seus últimos dias de vida.
No dia 21 de junho foi internado, morrendo em dois de agosto, aos 76 anos, no Hospital Santa Joana, na capital de Pernambuco. Como ele próprio contou em tributo à Humberto Teixeira ” o homem morre, mas sua obra torna-se imortal”.
Aos 76 anos, no ano de 1989 no dia dois de agosto às cinco e quinze da manhã morreu o Rei do Baião, depois de quarenta e dois dias internado no Hospital Santa Joana na cidade de Recife. No seu sepultamento compareceram mais de vinte mil pessoas que cantaram Asa Branca quando o caixão descia as quatorze horas e cinquenta minutos do dia quatro de agosto. Uma data que ficou marcada na vida de muitos brasileiros.
E assim o Brasil perdia um ícone da música popular e ganhava um mito que viverá para sempre em suas músicas, pois o homem simples soube cantar a simplicidade do sofrido povo brasileiro e chegou a conquistar a todos, independente da classe social, Luiz Gonzaga é querido por todos, é sem dúvida alguma o eterno Rei do Baião.
A missa do vaqueiro, realizada no município de Serrita, a 536 km do Recife, surgiu em 1971 como uma homenagem ao vaqueiro Raimundo Jacó, sendo considerada atualmente uma das maiores e mais importantes festas do sertão nordestino.
Esse evento atrai anualmente cerca de 50 mil visitantes e é promovido pela Fundação João Câncio, em parceria com a Prefeitura Municipal de Serrita e a Associação de Vaqueiros de Pega de Boi na Caatinga do Alto Sertão de Pernambuco (Apega).
Vamos conhecer um pouco de sua história.
A Morte de Raimundo Jacó
Em 1954 Serrita, no Sertão do Araripe, próximo a cidade de Salgueiro, era bem maior em termos de área territorial e possuía uma população estimada em quase 23.000 habitantes. Mas em um Nordeste ainda prioritariamente agrário, na sede municipal daqueles tempos habitavam pouco menos de 700 pessoas[1].
Em meio à caatinga fechada daquela região, à vegetação cortante e espinhenta que caracteriza este ecossistema, o vaqueiro encourado Raimundo Jacó se destacava na sua lide.
Conhecido pela sua dedicação ao trabalho era muito estimado pela população local. Ficou afamado pela coragem ao capturar, ou “pegar”, o boi no meio do mato. Ele também era conhecido por saber no meio da caatinga fechada, onde descansava e bebia cada um dos animais que ele tomava conta.
De tão destemido, o vaqueiro tinha o apelido de “Raimundo Doido”. Era casado com Odília de Jesus e tinha como filhos Francisca e Vicente. Em Rancharia, atualmente distrito do município de Granito, era irado pelo seu aboio afinado, daqueles vibrantes, cantado “com o dedo no ouvido”[2].
Sobre o vaqueiro Raimundo Jacó, os irmãos cantadores Pedro e João Bandeira de Caldas assim cantaram a sua fama;
Raimundo Jacó trabalhava como vaqueiro para o fazendeiro José de Sá Barreto, conhecido como Seu “São” e Dona Tereza Teles, a Dona “Tetê”. Consta que ele cuidava do gado do patrão e José Miguel Lopes, seu colega de profissão, era o responsável pelo plantel da patroa.
No dia 8 de julho de 1954, ano seco, os dois vaqueiros saíram pelo sertão em busca de uma rês arisca que havia fugido e era famosa pelas suas astúcias.
Mas no fim do dia apenas Miguel retornou a sede da fazenda.
Contou que não havia encontrado Raimundo Jacó e logo a notícia se espalhou. Em pouco tempo várias pessoas rasgavam a caatinga na busca pelo afamado vaqueiro.
Dois dias após seu desaparecimento, o cadáver de Jacó foi encontrado junto a um pé de imbaúba, em um lugar conhecido como sítio Lajes. A pouca distância do corpo estava amarrado o garrote fugitivo, o seu cavalo e, guardando o cadáver dos urubus, estava o seu fiel cachorro.
No crânio do vaqueiro havia duas marcas de ferimentos e não muito distante do seu corpo, uma pedra com sangue. Todo o cenário apontava para um possível assassinato[4].
Consta que Raimundo Jacó foi sepultado no local onde fora morto. Afirma-se que o seu fiel cachorro acompanhou todo o enterro e que depois ficou no local, até morrer de sede e de fome, guardando o túmulo do seu amo.
O Nascimento de Um Mito
Logo, para a opinião pública e para a justiça local, Miguel Lopes surgiu como o mais provável suspeito da morte de Raimundo Jacó. Afirmavam que Miguel invejava o colega de profissão por suas habilidades como vaqueiro e que entre ambos havia uma rixa muito forte.
Para muitos o assassinato teria acontecido quando Miguel chegou às margens do açude do sítio Lajes e se deparou com Raimundo Jacó fumando tranquilamente um cigarrinho. Junto estava o seu cavalo, seu cachorro e a rês fugitiva, já devidamente amarrada. A cena deixou Miguel bastante alterado. Logo, motivado pela inveja, o ódio aflorou e de posse de uma pedra ele bateu fortemente na cabeça de Jacó.
Foi aberto um processo crime contra Miguel Lopes, que afirmava ser inocente e houve controvérsias e discussões em relação à morte de Jacó.
Clarisbalte Figueiredo Sampaio, o Promotor Público da cidade, desistiu do processo contra Miguel Lopes. No calhamaço de papeis que compunha a peça processual havia declarações de cinco testemunhas, que nem mesmo assistiram o episódio da morte do vaqueiro.
Logo o processo foi arquivado por falta de provas e a morte de Raimundo Jacó até hoje não foi esclarecida.
Ocorre que desde 1949 os Alencar e os Sampaios, as duas mais poderosas famílias da cidade de Exu, mantinham uma luta ferrenha entre seus membros. Estas famílias, como se diz na região oeste do Rio Grande do Norte, “se acabavam na bala”. Miguel era então ligado a um dos clãs e, para muitos na região, foi através desta ligação que ele não foi preso[5].
Vinte e dois anos depois da morte do vaqueiro, encontramos em um jornal pernambucano uma interessante e controversa declaração de Geraldo Teles, filho de Tereza Teles, a Dona “Tetê”, patroa de Raimundo Jacó e Miguel Lopes.
Ele afirmou que a morte de Jacó poderia ter sido acidental, pois este “sofria do coração e bebia muito” e afirmava que Miguel, que ainda estava vivo na época da reportagem, seria “incapaz de fazer mal a alguém”. Geraldo Teles levantou a hipótese que Jacó poderia ter tido um colapso. Após o ataque, consequentemente o vaqueiro teria caído do cavalo, batido a cabeça na pedra e falecido sem assistência médica[6].
Mas se da justiça não teve castigo, de uma parte da população da região o acusado da morte de Jacó só recebeu ódio e desprezo[7].
Como ocorre em muitos locais do Nordeste onde pessoas assassinadas em mortes trágicas eram enterradas, logo a cruz que marcava o túmulo de Raimundo Jacó ou a receber várias pessoas, principalmente vaqueiros. Estes, além de deixarem fitas e velas, rezavam e pediam ao falecido que intercedesse por alguma causa.
Mas foi um primo legítimo do falecido, que empunhava uma sanfona e fazia sucesso no Rio de Janeiro, que imortalizaria para sempre a figura de Raimundo Jacó em uma inesquecível canção.
A Morte do Vaqueiro na Voz de Luiz Gonzaga
Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu na fazenda Caiçara, em Exu, no dia 13 de dezembro de 1912, dia consagrado no catolicismo a Santa Luzia. Era filho de Januário José dos Santos e de Ana Batista de Jesus, mais conhecida como Santana. Além de agricultor seu pai era um afamado tocador de acordeon e igualmente conhecido por concertar este tipo de instrumento musical.
Foi com Januário que Luiz Gonzaga aprendeu a tocar ainda criança e ou a se apresentar acompanhando seu pai.
Em meio a muito talento, grande capacidade musical, inúmeras peripécias, aventuras e sorte, em 1963 vamos encontrar Luiz Gonzaga como um consagrado músico e cantor, com seu sucesso alcançando todo o Brasil e tendo se tornado um verdadeiro ícone da música nordestina.
Apesar de 1963 não ser um dos períodos mais felizes na carreira de Luiz Gonzaga, devido à concorrência com as músicas modernas e os rock vindos do exterior, naquele ano o músico pernambucano lançou pela empresa fonográfica RCA, o Long Play, ou “LP”, intitulado “Pisa no Pilão – Festa do Milho”.
Este disco de vinil tinha um acervo musical mais apropriada para ser tocado em festas juninas, pois possuía músicas intituladas “Festa do Milho”, “Festa de São João” e “Pisa no Pilão”.
Mas a quarta faixa do lado “A” do LP trazia uma toada diferente. Nomeada “A Morte do Vaqueiro”, é uma música marcante e de longe a mais importante deste disco de Luiz Gonzaga.
Capa do LP onde foi primeiramente divulgado a música “A morte do vaqueiro” – Fonte – discotecapublica.blogspot.com.br
Nas páginas 229 e 230 do livro “A vida do viajante: A saga de Luiz Gonzaga”, da sa Dominique Dreyfrus, a música foi composta em uma única tarde na casa de Nelson Barbalho, amigo de Gonzaga[8].
O famoso cantador do Sertão do Araripe queria homenagear seu primo, o vaqueiro Raimundo Jacó. Ele narrou a Nelson como foi o episódio da morte do parente e em pouco tempo a “A Morte do Vaqueiro” ficou pronta.
A música se tornou um marcante sucesso da carreira de Luiz Gonzaga, imortalizando a morte de Jacó e se tornando um dos motores que impulsionaria um dos mais importantes eventos do sertão nordestino – A Missa do Vaqueiro de Serrita.
Mas toda missa precisa de um padre!
Um Padre Antes de Tudo Autêntico
Mesmo hoje em dia, em meio a toda uma plêiade de padres cantores, que estão sempre na televisão e surgem na velocidade da internet, certamente chamaria a atenção de todos se fosse divulgado que um sacerdote nascido no sertão de Pernambuco valorizava tanto as tradições de sua terra ao ponto de utilizasse normalmente o gibão de couro, particie de constantes vaquejadas e fosse conhecido como “Padre Vaqueiro”.
Padre João Câncio
Imagine isso então no final da década de 1960?
João Câncio dos Santos nasceu em Petrolina, Pernambuco, em 21 de outubro de 1936, era filho de Francisco Avelino dos Santos e de Laudemira Carvalho Sales e seguiu sua vocação sacerdotal logo cedo. Estudou no seminário do Crato, depois foi para Salvador e João Pessoa, onde se formou padre em 1965.
Sua primeira paróquia foi em Serrita, onde iniciava seu trabalho pastoral com a consciência de que a religião e a fé estão presentes em todas as pessoas. Segundo material produzido pela Fundação Padre João Câncio, o pároco não impôs a comunidade a sua oratória de seminário, mas buscou aproximar-se da comunidade, vivenciando e praticando seus hábitos, com o propósito de entendê-los melhor[9].
No livro “A vida do viajante: A saga de Luiz Gonzaga”, nas páginas 246 e 247, Dominique Dreyfrus informa que em uma vaquejada realizada em Exu, no verão de 1970, ano de forte seca, o padre conheceu Luiz Gonzaga e daí nasceu uma grande amizade.
O padre Câncio adorava a música “A Morte do Vaqueiro”, que escutava no toca fitas de sua Ford Rural, enquanto seguia para alguma obrigação sacerdotal no meio do sertão.
A autora sa informou que em meio à seca de 1970, durante as celebrações que ocorriam nas frentes de emergência, que proporcionava aos trabalhadores rurais alguma renda (mínima) em meio à calamidade climática, alguém comentou que “existia missa para todo tipo de gente, mas não havia para vaqueiros”. Logo foi sugerido que uma missa dessas poderia ocorrer no local onde Raimundo Jacó foi assassinado.
1971-Primeiro ano da Missa do Vaqueiro de Serrita, Pernambuco
Como o padre Câncio era um vaqueiro, gostava da música e conhecia Luiz Gonzaga, estava pavimentado o caminho para a Missa do Vaqueiro de Serrita.
Entretanto, ao lermos o trabalho intitulado “Padres do interior II – Os padres da Paroquia de Nossa Senhora do Bom Concelho de Granito”, produzido pelo padre Francisco José P. Cavalcante e publicado na internet em 2010, afirma que a ideia da famosa Missa do Vaqueiro de Serrita tem relação direta com uma celebração pela vida do vaqueiro e havia sido criada primeiramente na Diocese de Petrolina, no ano de 1941.
Segundo o padre Cavalcante foi no dia 2 de agosto de 1941, com uma concentração na fazenda Lagoa Seca, que se realizou pela primeira vez o “Dia do Vaqueiro”, evento idealizado pelo padre Américo Soares.
Registros informam que os vaqueiros estavam neste evento com a indumentária de couro apropriada e entraram nesta cidade do interior de Pernambuco dispostos em filas de quatro em quatro. Depois se dirigiram para a igreja matriz de Nossa Senhora Rainha dos Anjos, onde houve palestra preparando os vaqueiros para o sacramento da penitência. No dia seguinte, pela manhã, os vaqueiros participaram de uma missa na Matriz, presidida por Dom Idílio José Soares. Após duas missas realizadas no mesmo dia, os vaqueiros se concentraram diante do Palácio Diocesano e em seguida partiram em eata pela cidade.
No ano seguinte a festa se repetiu com cerca de 150 vaqueiros. A programação foi semelhante à apresentada acima, mas com a diferença que o pregador foi famoso e carismático frei Damião de Bozzano.
Celebrações de vaqueiros pelo interior do Nordeste não eram incomuns nas décadas de 1940 e 1950. Aqui vemos um encontro de vaqueiros nas ruas de Icó, Ceará – Fonte –http://www.icoenoticia.com
No livro de tombo da Paróquia de Nossa Senhora Rainha dos Anjos, de Petrolina, há uma anotação informando que em 1946 continuava a ser celebrada a Festa do Vaqueiro. Em 21 de julho de 1951 o evento ou a ser presidido pelo padre José de Castro, vigário cooperador de Petrolina. Apesar das dificuldades o padre José conseguiu reunir uns 200 vaqueiros naquele ano.
A ideia de celebrar a vida do Vaqueiro foi seguida em outras paróquias da Diocese, como foi o caso na cidade de Araripina, Pernambuco, onde os vaqueiros entravam na cidade tocando os seus búzios nos eventos celebrados pelo padre Gonçalo Pereira Lima[10].
1971 – A Primeira Missa
Os jornais pesquisados na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco não são muito pródigos em relatos sobre a primeira Missa do Vaqueiro realizada em Serrita.
1971 – Luiz Gonzaga na primeira celebração
Ao folhear as velhas páginas, posso entender que o evento estava a ser uma comemoração religiosa que ocorria em uma pequena cidade sertaneja, localizada a mais de 550 quilômetros da capital pernambucana.
Segundo o padre Câncio a primeira missa contou com o apoio decisivo de Luiz Gonzaga, que patrocinou grande parte do evento. Vários vaqueiros (o número não é especificado) e cerca de “50 outras pessoas” atenderam ao chamamento do padre e do cantador e se fizeram presentes no sítio Lajes.
Os cavaleiros vieram a celebração montados em seus alazões, trajados a caráter e assistiram a missa montados. A comunhão foi celebrada não com hóstias tradicionais, mas com queijo de coalho e rapadura. A missa foi celebrada sobre um tablado de madeira e junto ao padre estavam os familiares de Raimundo Jacó.
Os poucos relatos que me forneceram sobre este primeiro evento mostram uma foto com o consagrado Luiz Gonzaga, de sanfona em punho, cantando o sermão da missa. A pesquisadora sa Dominique Dreyfus informa em seu livro, página 248, que Gonzaga participou ativamente dos primeiros anos da Missa do vaqueiro de Serrita e apoiou financeiramente o evento até 1974.[11]
Os primeiros eventos foram caracterizados pela simplicidade
Não foi possível precisar a data, mas acredito ter sido no terceiro domingo de julho de 1971, 18 de julho, pois nos anos seguintes seria nesta data que normalmente o evento aria a ocorrer.[12]
Mas percebemos através dos antigos periódicos que foi tudo muito simples, sem sofisticação, sem recursos eletrônicos, mas com muita fé e um positivo sentimento participativo de todos que ali estavam.[13]
Mas algo aconteceu!
A simplicidade do altar nos primeiros eventos
Não sabemos como se processou, mas em meio à missa simples e tradicional de 1971, com todos os vaqueiros encourados presentes, foram realizadas as tomadas cinematográficas para um documentário.
Intitulado “A Missa do Vaqueiro”, era um curta-metragem rodado em 16 m.m., colorido, com 25 minutos de duração e tinha a direção do baiano José Carlos Capinam e do carioca José Carlos Avellar.[14]
Repercussão no Sul do País
Em janeiro de 1972 vamos encontrar o padre João Câncio e os poetas e cantadores Pedro e João Bandeira reunidos na casa de Luiz Gonzaga, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Estavam na Cidade Maravilhosa para assistir a uma exibição do trabalho de Capinam e Avellar, mas concederam entrevistas para os periódicos locais O Jornal e Jornal do Brasil, onde o padre Câncio conseguiu chamar a atenção dos jornalistas cariocas tanto para o seu trabalho sacerdotal, como para a incipiente e diferenciada celebração religiosa na zona rural de Serrita[15].
Os jornalistas se impressionaram com a simplicidade e a inteligência do padre Câncio. Afirmaram que ele poderia tanto comentar sobre problemas do sertão, como sobre a “Crise de Bagladesh”[16].
Nos anos posteriores a Missa do Vaqueiro de Serrita se consolidou e foi notícia em inúmeros jornais do sul do país. Com a divulgação na mídia o evento cresceu em movimento e fluxo de pessoas, tornando-se uma dos mais importantes eventos do calendário turístico de Pernambuco.
Ao violão o poeta Bandeira, tendo ao seu lado o padre Câncio com seu chapéu de couro. Foto da edição de 12 de janeiro de 1972, do periódico carioca “O Jornal”
Se nos anos seguintes a celebração só cresceu, igualmente ocorreram criticas relativas a descaracterização da pequena e simples festa, da participação negativa das forças políticas regionais no evento.
Anos depois o padre Câncio decidiu deixar a batina, casou com Helena Câncio e veio a falecer no dia 10 de fevereiro de 1989. Não sei até quando o grande Luiz Gonzaga continuou a frequentar o evento. Mas indubitavelmente a Missa do Vaqueiro, mantendo ou não suas características iniciais, deve a estes dois homens, que tanto amavam o sertão, o seu sucesso.
NOTAS
[1] Sobre dados estatísticos de Serrita na década de 1950, ver “Enciclopédia dos Municípios Brasileiros”, 18º Volume, IBGE, 1958, págs. 279 a 281.
[2] Este costume de muitos vaqueiros aboiadores colocarem o dedo no ouvido ao começar a cantar provem da necessidade da transformação da voz do rapsodo, de “voz do peito” em “voz da cabeça”, e à necessidade de manter o equilíbrio em face da vertigem que a cantiga provoca. Ver http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id=892
[3] Ver “O Jornal”, Rio de Janeiro, edição de quarta feira, 19 de janeiro de 1972, págs. 4 e 5. Pedro e João Bandeira de Caldas, salvo engano, são netos do afamado violeiro Manuel Galdino Bandeira e são naturais do Sítio Riacho da Bela Vista, município de São José de Piranhas, sertão da Paraíba. Mas a vida artística destes respeitados violeiros se desenvolveu na cidade do Crato, Ceará.
[4] Ver o “Diário de Pernambuco”, edição de domingo, 20 de julho de 1975, págs. 12 e 13 e a edição de terça feira, 27 de agosto de 1996, págs. 10 e 11, existentes na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco. O “Jornal do Commércio”, de Recife, na sua edição de quarta feira, 16 de julho de 1976, pág. 10, aponta que o corpo de Jacó foi encontrado um dia após o seu assassinato.
[5] A cidade de Exu se encontra a cerca de 70 quilômetros de Serrita. O conflito entre as famílias Alencar e Sampaio marcou profundamente a região do Sertão do Araripe, principalmente na década de 1970. Esta briga entre famílias tradicionais só acabou quando o próprio Governo Federal chegou a intervir na cidade, em parceria com outras instituições de Pernambuco, inclusive a igreja católica.
[6] “Diário de Pernambuco”, edição de terça feira, 20 de julho de 1976, página 9. Ver a reportagem sobre a Missa do Vaqueiro.
[7] Na edição de domingo, 27 de agosto de 1996, do “Diário de Pernambuco”, de Recife, trás a informação que José Miguel Lopes, ainda vivo a época da reportagem, jamais participou da celebração famosa, vivendo praticamente recluso no distrito de Rancharia.
[8] Segundo site http://www.onordeste.com, Nelson Barbalho nasceu no dia 2 de junho de 1918, na cidade de Caruaru, Pernambuco. Não chegou a concluir o curso secundário no Colégio Americano Batista do Recife, regressando à terra natal para trabalhar. Aposentou-se como fiscal do IAPAS, função que lhe permitiu conhecer quase todas as cidades do interior pernambucano, recolhendo, assim, farto material para seus livros. Jornalista, historiador, pesquisador, lexicógrafo, compositor musical (parceiro em diversas músicas com Luís Gonzaga – o Rei do Baião), Nelson Barbalho sempre foi um escritor, autor de quase uma centena de livros, entre os quais destacamos “Cronologia Pernambucana” (com vinte volumes publicados dos quase cinquenta que compõem a obra), perto de vinte livros sobre Caruaru (“Meu povinho de Caruaru”, “Major Sinval”, “Caruaru do meu tempo”, etc.) e outros trabalhos folclóricos como “Dicionário da Cachaça”, “Dicionário do Açúcar”, sem contar vários ensaios publicados em jornais e revistas especializadas, na qualidade de estudioso da história e costumes do povo do Nordeste. Faleceu na cidade do Recife, no dia 22 de outubro de 1993.
[10] Certas espécies de búzios marinhos possuem a capacidade de produzir sons fortes, que serviam para comunicação a distância e foram utilizados para esta prática em várias partes do mundo, por vários povos, através dos séculos. No sertão nordestino, de largas paragens, a utilização de búzios era uma forma de comunicação prática entre vaqueiros que tangiam gado no meio da caatinga. Vem daí o termo “buzar”, para tocar o instrumento.
[11] A foto comentada está na edição do periódico carioca “O Jornal”, de quarta feira, 19 de janeiro de 1972.
[12] Ver as páginas do periódico carioca “Jornal do Brasil”, edição de quinta feira, 1 de agosto de 1974, em reportagem realizada pela jornalista Leticia Lins, que seguiu para Serrita para realizar a cobertura da missa que acontecia pela terceira vez, onde temos informes do primeiro evento. Ainda sobre a primeira missa, ver o “Jornal do Commércio”, de Recife, edição de terça feira , 18 de julho de 1978.
[13] Em entrevista concedida pelo padre João Câncio e Luiz Gonzaga, ao periódico carioca “O Jornal”, de 19 de janeiro de 1972, afirma que a missa teve a participação de “cinco mil vaqueiros”, número que considero exagerado.
[14] No site http://cinemateca.gov.br temos detalhes deste documentário, mas com o título “A Morte do Vaqueiro”. José Carlos Capinam é poeta e compositor. Natural de Esplanada, Bahia, é considerado um dos grandes letristas de sua geração. Poeta desde a adolescência mudou-se para Salvador aos 19 anos, onde iniciou o curso de direito, na Universidade Federal da Bahia, onde conheceu os estudantes Gilberto Gil e Caetano Veloso, respectivamente dos cursos de istração e Filosofia. Capinam participou ativamente do movimento Tropicalista no fim da década de 1960. Uma de suas músicas mais famosas é uma homenagem ao guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara e intitulada “Soy loco por ti, América”, com parceria de Gilberto Gil. Também é compositor da música “Papel Marche”, junto com João Bosco, Em 2000 compôs a ópera Rei Brasil 500 Anos, ao lado de Fernando Cerqueira e Paulo Dourado, uma crítica as comemorações dos 500 anos de Descobrimento do Brasil. Além de letrista, poeta e escritor, Capinam é publicitário, jornalista e médico! Ver http://www.salvadorcomh.com.br. Já o carioca José Carlos Avellar é Jornalista de formação, trabalhou por mais de vinte anos como crítico de cinema do Jornal do Brasil. Atualmente é integrante do conselho editorial da revista Cinemais e da publicação virtual “El ojo que piensa”, da Universidade de Guadalajara (México). É consultor dos festivais internacionais de cinema de Berlim (desde 1980), de San Sebastián (desde 1993) e de Montreal (desde 1995). Desde 2006 é também curador (com Sérgio Sanz) do Festival de Gramado e já publicou vários livros de ensaios sobre cinema. Ver http://bancocultural.com.br/cinema/?p=71.
[15] Descobri que o documentário “Missa do Vaqueiro” foi premiado na Jornada Nordestina de Curta-metragem, sendo exibido no MAM – Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, no início de outubro de 1973. Ver o “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, edição de domingo, pág. 16, 30 de setembro de 1973.
[16] Bangladesh, antigo Paquistão Oriental, é um país asiático, superpopuloso, que fica entre a Índia e o Golfo de Bengala. Independente do Paquistão em 1971, enfrentou uma sangrenta guerra pela sua liberdade que durou nove meses, encerranda no dia 16 de dezembro de 1971. Bangladesh contou com o apoio da Índia, que se envolveu no conflito contra o Paquistão. Este conflito, devido ao alto número de mortos civis, as terríveis imagens de pessoas famintas em meio aos combates, chamou a atenção dos países ocidentais.
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“(…) Quem faria face a Napoleão, cuja corte atravessara a Espanha e pisava já o solo português?
Não seria o príncipe-regente, nem a rainha doida, nem as altas classes ensandecidas, nem o povo faminto, indiferente, sebastianista.
À voz do verdadeiro Anticristo português, que foi Junot, desabou tudo por terra!
A nação, roída nos ossos pelo térmita infatigável, o jesuíta, nem já era o esqueleto, era apenas o pó de um cadáver.
Três séculos antes, Portugal embarcara, cheio de esperanças e cobiça, para a Índia; em 1807 (Novembro, 29) embarcava num préstito fúnebre para o Brasil.
A onda da invasão varria diante de si o enxame dos parasitas imundos, desembargadores e repentistas, peraltas e sécias, frades e freiras, monsenhores e cadastrados.
Dom João VI
Tudo isso, a monte, embarcava, ao romper do dia, no cais de Belém.
Parecia o levantar de uma feira e a mobília de uma barraca suja de saltimbancos falidos: porque o príncipe, para abarrotar o bolso com louras peças de ouro, seu enlevo, ficara a dever a todos os credores, deixando a tropa, os empregos, os criados, por pagar.
Desabava tudo a pedaços; e só agora, finalmente, o terramoto começado pela natureza, continuado pelo marquês de Pombal, se tornava um facto consumado. Os cortesãos corriam pela meia-noite as ruas, ofegantes, batendo às lojas, para comprarem o necessário; as mulheres entrouxavam a roupa e os pós, as banhas, o gesso com que caiavam a cara, o carmim com que pintavam os beiços, as perucas e rabichos, os sapatos e fivelas, toda a frandulagem do vestuário.
D. João VI e Carlota Joaquina
Era um afã, como quando há fogo; e não havia choro nem imprecações: havia apenas uma desordem surda. Embarcavam promiscuamente, no cais, os criados e os monsenhores, as freiras e os desembargadores, alfaias preciosas e móveis toscos sem valor, nem utilidade.
Era escuro, nada se via, ninguém se conhecia. Os botes formigavam sobre a onda sombria, carregando, levando, vazando bocados da nação despedaçada, farrapos, estilhas, aparas, que o vento seco do fim dispersara nessa noite calada e negra.
(…) O príncipe regente e o infante de Espanha chegaram ao cais na carruagem, sós: ninguém dava por eles; cada qual cuidava de si, e tratava de escapar. Dois soldados da polícia levaram-nos ao colo para o escaler.
Depois veio noutro coche a princesa Carlota Joaquina, com os filhos.
E por fim a rainha (D. Maria I), de Queluz, a galope. Parecia que o juízo lhe voltava com a crise. Mais devagar!, gritava ao cocheiro; diria que fugimos!
A sua loucura proferia com juízo brados de desespero, altos gritos de raiva, estorcendo-se, debatendo-se às punhadas, com os olhos vermelhos de sangue, a boca cheia de espuma.
O protesto da louca era o único vislumbre de vida. O brio, a força, a dignidade portuguesa acabavam assim nos lábios ardentes de uma rainha doida!
Tudo o mais era vergonha calada, iva inépcia, confessada fraqueza.
O príncipe decidira que o embarque se fizesse de noite, por ter a consciência da vergonha da sua fuga; mas a notícia transpirou, e o cais de Belém encheu-se de povo, que apupava os ministros, os desembargadores, toda essa ralé de ineptos figurões de lodo.
Chegada ao Brasil
E – tanto podem as ideias! – chorava ainda pelo príncipe, que nada lhe merecia. D. João também soluçava, e tremiam-lhe muito as pernas que o povo de rastos abraçava.
A esquadra recebera 15 000 pessoas, e valores consideráveis, em dinheiro e alfaias.
Levantou ferro na manhã de 29, pairando em frente da barra até o dia seguinte, às sete horas, que foi quando Junot entrou em Lisboa. Os navios largaram o pano, na volta do mar, e fizeram proa a sudoeste, caminho do Brasil.
Enquanto a esquadra esteve à vista, pairando, os altos da cidade, donde se descobre o mar, apareciam coroados de povo mudo e aflito.
As salvas dos navios ingleses que bloqueavam o Tejo troavam lugubremente ao longe.
O sol baixava, a esquadra perdia-se no mar, ia-se toda a esperança, ficava um desespero, uma solidão… Soltou-se logo a anarquia da miséria, e na véspera da chegada do Anticristo, Lisboa correu risco de um saque.
Napoleão estava burlado.
Napoleão
O príncipe D. João, a bordo com as mãos nos bolsos, sentia-se bem remexendo as peças de ouro: ia contente com a sua esperteza saloia, única espécie de sabedoria aninhada no seu gordo cérebro. Bocejava ainda: mas porque o enjoo começava com os balanços do mar.
É o que sucede à história, com os miseráveis balanços do tempo: vem o enjoo incómodo e a necessidade absoluta de vomitar.”
Autor – Oliveira Martins (1845-1894) – História de Portugal – 1.ª ed. – 1879 – Lisboa – Portugal.
David Humphreys Miller realizando seu trabalho junto ao filho adotivo do grande chefe índio Touro Sentado
AUTOR – ROSTAND MEDEIROS
Atualmente existe uma grande quantidade de livros lançados sobre o tema cangaço. Infelizmente a maioria do que surge não a de lixo da pior qualidade. Mero ajuntamento de material já trabalhado, onde a utilização do “Ctrl V x Ctrl C” corre frouxo e a qualidade é rasteira, bem rasteira.
E qual seria a razão disso?
Simples, pois quase tudo que se relaciona com cangaço, Lampião e Cia. Ltda. vende bastante.
O problema é que são poucos os pesquisadores que se dedicam a sério a pesquisa de campo nesta área.
Está difícil ver gente ralando na estrada, comendo poeira do sertão, sentando com pessoas idosas, de ritmo lento, que são normalmente simples, bastante humildes, para ar às vezes horas e arrancar alguma, ou nenhuma, informação. Raros hoje em dia são os bons livros sobre o Cangaço.
Melhor o “Ctrl V x Ctrl C”.
Alguém pode me dizer, com razão, que pesquisa histórica não é só pesquisa de campo. Tem que haver muitas horas de escrivaninha para olhar livros, material escrito, dados coletados em arquivos, etc. Mas pela qualidade do que estou vendo por aí, acho que nem isto está mais acontecendo.
Aos doutos “pesquisadores” do cangaço, vou apresentar a história de uma figura desconhecida aqui no nosso Brasil, mas que possui na sua história de vida uma dedicação a pesquisa que é maravilhosa.
O resultado do seu trabalho mudou a percepção de um grande fato histórico de cunho militar, na nação mais militarizada do Planeta.
George A. Custer
Dificilmente quem já assistiu algum filme do gênero faroeste, deve ter deixado de ouvir, mesmo de relance, alguma referência sobre George Amstrong Custer.
Custer
Este foi um dos mais famosos oficiais do exército dos Estados Unidos, que além da exuberante cabeleira loira e do vasto bigode, possuía uma empáfia, uma ousadia e uma arrogância que, na opinião de muito dos seus pares, beirava a rebeldia.
Custer lutou na cruenta Guerra Civil Americana, onde se distinguiu na primeira batalha de Bull Runn. Em junho de 1863 tornou-se um general de brigada, o mais jovem general do exército da União, ou seja, o exército nortista. Depois conduziu habilmente uma brigada de cavalaria na famosa batalha de Gettysburg. Ele lutou na Virgínia e participou de combates ao lado do general Sheridan. Foi promovido a comandante de uma divisão em outubro de 1864, tendo derrotado no dia 9 de outubro o general Thomas L. Rosser, em Woodstock. O general Custer recebeu a bandeira confederada de trégua, esteve presente na rendição e entrega do exército sulista, ou Confederado, em Appomattox. Considerando sua juventude, foi um dos mais espetaculares militares nortistas da Guerra Civil.
Típica tropa nortista durante a Guerra Civil
Com o fim do conflito o governo americano pôde se dedicar à organização e a exploração econômica das terras que gradativamente eram conquistadas no oeste. A integração nos Estados Unidos se acentuou com a construção de ferrovias, que forçou a tomada de terras indígenas, cujas distintas tribos e nações, sem a menor sombra de dúvida, foram as maiores vítimas desta marcha migratória.
Na reorganização do exército dos Estados Unidos, Custer foi designado para uma unidade conhecida como 7ª Cavalaria, com a patente de tenente-coronel. Em 1867 ele foi submetido a uma corte marcial por indisciplina, mas em setembro de 1868 foi reintegrado, principalmente através dos esforços de Sheridan, de quem Custer sempre foi dos seus oficiais preferidos. Mesmo reabilitado, não deixou de ter problemas. No massacre contra os índios Cheyenne e seus aliados, na conhecida Batalha da Washita, ocorrida em novembro de 1868, Custer foi acusado de abandonar um pequeno destacamento de seus homens no campo da luta e estes foram aniquilados. Vamos encontrar o garboso oficial, em 1873, no então território de Dakota e no ano seguinte Custer comandou uma expedição militar para as montanhas Black Hill e participa da campanha contra a nação indígena Sioux.
Tropas de Custer na região das Black Hills em 1874, em foto de William H. Illingworth
Arrogância
Tal como ocorreu no Brasil, à tomada de terras dos indígenas nos Estados Unidos se deu através de um verdadeiro genocídio físico e cultural dos nativos, que gerou o extermínio de inúmeras tribos, em um claro exemplo histórico de limpeza étnica. Mas as tribos norte-americanas proporcionaram uma grande resistência à ocupação do homem branco. Lutaram como puderam, de maneira firme, com coragem, sem medo do confronto, nem de morrer pelas suas terras ancestrais.
Custer, sentado ao centro e seus batedores indígenas
Em 1876, na continuidade da campanha contra os Sioux, foi ordenado pelo general Alfred H. Terry que o 7º Regimento de Cavalaria de Custer marchassem de Bismarck para o rio Yellowstone.
No dia 25 de junho, na região do Rosebud, no sudeste do território de Montana, perto da fronteira com o Wyoming, Terry enviou Custer a frente das tropas do exército, com a intenção dele localizar o inimigo. Enquanto o general Terry marchava para unir-se a coluna sob o comando do general John Gibbon e atacarem juntos, Custer, seguramente desejoso de conquistar sozinho os louros da vitória, decidiu levar seu 7º Regimento para atacar o acampamento guerreiro que existia próximo ao rio Little Big Horn. Mas ele não percebeu a esmagadora superioridade numérica dos índios, ou nativos americanos.
Típico índio americano das planícies
Grandes encontros entre as várias nações indígenas eram ocorrências raras, pois além das velhas rivalidades, os problemas de abastecimento de alimentos eram grandes demais para as pessoas nômades. Mesmo assim estudiosos acreditam que as estimativas do número de Sioux e suas tribos aliadas que se reuniram no Vale do Big Horn pode ter totalizado entre 12.000 a 15.000 indivíduos, onde existiam provavelmente até 5.000 guerreiros.
A maioria destes eram Sioux sob o comando dos famosos Chefes Crazy Horse e de Touro Sentado. Mas havia Cheyennes tendo a frente os Chefes Duas Luas e Touro Branco. Também estavam presentes os Miniconjous, os Sans Arcs, os Brules, os Arapahos e outros grupos menores. O enorme acampamento se estendia por cerca de três quilômetros e foi sobre esta concentração de índios hostis que Custer foi ao ataque com cerca de 600 soldados, 44 índios contratados que serviam de guias e 20 civis contratados para diversas funções.
Região de Little Big Horn em 2010
Custer dividiu seu regimento – cerca de 600 homens – em três partes, onde duas frações ficaram sob o comando do major Marcus A. Reno e do capitão Frederick W. Benteen e o terceiro grupamento estava sob as ordens do próprio Custer. Esta última tropa seguiu em ataque direto contra os índios.
Tudo redundou em um extremo fracasso e todos os membros que seguiram ao lado de Custer foram mortos em batalha. Reno e Benteen, que não eram bestas, se mantiveram na defensiva e recuaram ante o avanço avassalador de milhares de guerreiros.
Até a chegada do general Terry a extensão da tragédia ficou desconhecida.
Criação de um Mito
Cerca de 260 soldados foram mortos pela arrogância e a incapacidade de Custer e ninguém sabe qual foi o número de vítimas indígenas.
O local da batalha em 1879, onde era possível ver as ossadas dos cavalos mortos no combate
A Batalha do Little Big Horn ocorreu pouco mais de uma semana antes do primeiro aniversário da independência da nação. Evidentemente que as notícias do massacre de Custer chegaram às grandes cidades do leste dos Estados Unidos a tempo de estragar as celebrações.
O confronto foi importante na história americana e sua relevância vai muito além de seus resultados imediatos. Este foi o último incidente importante da resistência violenta por parte do índio americano contra o avanço da colonização branca nos Estados Unidos. Foi a única vez em que os índios superaram suas antigas rivalidades e conseguiram uma vitória completa, esmagadora.
Mesmo com toda resistência indígena, não demorou muito para que o resultado final dos confrontos contra os brancos fosse à rendição e o confinamento de vários grupos indígenas em reservas.
Custer e sua esposa
Logo após o combate, os amigos militares de Custer e sua viúva, Elizabeth Bacon Custer, ou “Libbie“, se adiantaram para defender a memória do comandante derrotado.
Em pouco tempo os comandantes Reno e Benteen foram acusados de não apoiarem corretamente o seu líder. Reno sentiu mais o golpe e sua carreira militar foi arruinada, tendo sido depois afastado do exército por embriaguez e conduta inconveniente para um oficial.
Libbie se esforçou para fortalecer a reputação e o nome do marido, foi autora de três livros sobre sua vida com Custer. Ficou famoso por partir para ataques nos tribunais e nos jornais, contra qualquer um que atentasse contra a capacidade militar do seu falecido marido na malfadada Batalha do Little Big Horn.
A sociedade americana por sua vez apoiava a criação do mito de Custer e não aceitava totalmente a sua derrota. Mas também não podemos esquecer que para os americanos do final do século XIX e início do seguinte, “um índio bom, era um índio morto”.
Um Grande Pesquisador
Mas ainda bem que existem os inconformados e David Humphreys Miller foi um desses.
David em suas entrevistas
Por alguma razão que não descobri, em 1935, quando ele tinha apenas 16 anos de idade e contando com o apoio da sua família, este jovem que não acreditava apenas em uma versão da história, começou um trabalho memorável.
Ele buscou se aproximar dos últimos 72 sobreviventes indígenas da Batalha de Little Big Horn. Sua intenção era coletar o que fosse possível de seus relatos sobre o grande combate. Além disso, por ser igualmente um exímio pintor e desenhista, o jovem David desejava persuadi-los a serem retratados por sua paleta e os seus pincéis.
Junto a um dos sobreviventes da grande batalha
Consta que em meio a Grande Depressão econômica, ocasionada pelo Crash da Bolsa de Valores de 1929, este jovem ou todo o verão daquele ano encontrando e fazendo amizade com esses guerreiros antigos.
Houve algumas dificuldades, pois os índios não falavam o idioma inglês e eram muito desconfiados. Para obter a verdadeira história, David entrevistou os antigos combatentes indígenas em sua própria língua. Isso o ajudou a se tornar seu amigo íntimo e pessoal.
No momento em que ele retornou de suas inúmeras viagens às reservas indígenas, David Humphreys Miller tinha uma história para contar. Ele capturou a história dentro da Batalha de Little Big Horn, mas não a história que foi escrita pelo homem branco.
As fotos mostram David aparentemente em franco contato com os antigos guerreiros
Além do mais não podemos esquecer que naquela primeira metade do século ado, os índios derrotados pelos brancos viviam esquecidos em reservas miseráveis, com em um padrão de vida paupérrimo, muitos tendo se tornado alcoólatras, sendo tratados como párias humanas. O jovem David teve a coragem de ir contra os preconceitos de sua sociedade e de sua geração para alcançar seus objetivos.
No entanto, a corajosa narração deste conto teve que esperar, porque além de ter uma história para contar, Miller teve uma guerra para lutar. Em 1942 ele foi para o serviço na Força Aérea do Exército dos Estados Unidos – USAAF, onde seguiu para o teatro de operações da China, servindo no 14º Army Air Corps, sob o comando do general Chanault, onde alcançou a patente de primeiro tenente.
Trabalho Reconhecido
Quando ele voltou, apenas cerca de 20 dos sobreviventes de Little Big Horn ainda estavam vivos.
Aqui ele se encontra com o índio Joseph White Cow Bull, que morreu em 1942. De acordo com o livro de David Miller “Custer Fall” este foi o índio que matou George Armstrong Custer
Ele continuou sua pesquisa e seu contato com os índios. Para continuar a dialogar com os poucos sobreviventes do Big Horn, consta que David aprendeu 14 línguas indígenas, começando com Lakota, a língua Sioux. Ele era conhecido entre as tribos como “Wasicu Maza”, o “Homem de Ferro Branco”.
Mesmo em meio a muita controvérsia e fortes críticas, em 3 de junho de 1948 David Miller organizou a última reunião dos sobreviventes do combate contra Custer. Eram apenas oito.
Depois de 22 anos de exaustiva pesquisa surgiu o livro da sua vida – “Custer’s Fall: The Native American Side of the Story”. Aqui a história foi contada a partir da perspectiva dos guerreiros, dos que ganharam a batalha, mas perderam a guerra. Não devemos esquecer que normalmente é o vencedor do conflito que narra como aconteceram os episódios militares. Após a publicação deste trabalho, editado até hoje, os conceitos sobre Custer mudaram totalmente.
Coleção de retratos pintados por Miller dos sobreviventes do combate que matou Custer
David Miller foi mais do que um artista, ele se tornou uma autoridade na história dos índios norte-americanos e da história ocidental. Ele é igualmente famoso nos Estados Unidos por seus retratos litográficos. Os 72 retratos dos rostos dos sobreviventes de Little Big Horn foram feitos entre 1935 e 1942, possuem um valor estimado de US$ 5 milhões e a sua coleção tem sido exibida em todos os Estados Unidos, em prestigiados museus e galerias.
Sua carreira se desdobrou para a de assessor técnico sobre assuntos indígenas em Hollywood e também na televisão. Seus retratos dos sobreviventes de Little Big Horn foram usados para inspirar diretores de arte e figurinistas de filmes de faroeste. Perceberam que David era um artista notável, que não tinha sangue indígena, mas parecia ter uma afinidade natural com as tribos. Perceberam o quão útil ele poderia ser para a indústria cinematográfica e logo foi contratado como consultor. Miller trabalhou em 25 filmes, realizando atividades que iam desde treinador de diálogo, escritor e ocasionalmente ator.
David Miller
Em seus últimos anos David Miller e sua esposa, Jan, moravam no Rancho Santa Fé, Califórnia, onde ele continuou a escrever e pintar, até sua morte, em 21 agosto de 1992 com a idade de 74 anos.
Conclusão
Este artigo tem vários pontos para os “nobres” pesquisadores do cangaço para me criticarem.
Podem dizer que as situações são totalmente distintas, que as histórias são diferentes, as épocas idem, os países também. Que hoje em dia não existem quase pessoas que vivenciaram o cangaço para se entrevistar, que o que tinha de se procurar já foi encontrado e que o resto já se foi.
Podem até dizer que não tenho argumento, pois nunca lancei nenhum livro sobre cangaço. É verdade, sou autor de três livros, mas nada sobre o tema. Mas bem que já rodei por aí e várias publicações neste nosso Tok de História estão aí para provar.
No meu entendimento acredito que mesmo com todas as diferenças, ao vermos o exemplo de David, em relação a pesquisa sobre o cangaço o que falta por aqui é vontade de correr atrás.
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis:
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes?
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo:
Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam
gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou?
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou,
quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.
Bertolt Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 — Berlim, 14 de Agosto de 1956) foi um influente dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX.
Nascido Eugen Berthold Friedrich Brecht, na Baviera, Brecht estudou Medicinae trabalhou como ordenança num hospital em Munique, durante a Primeira Guerra Mundial. Filho da burguesia sofreu, como todos no seu país, a sensação de encarar um país completamente destruído pela guerra.
Depois desta mudou-se para Berlim, onde o influente crítico Herbert Ihering lhe chamou a atenção para a apetência do público pelo teatro moderno.
Já em Munique, as suas primeiras peças (Baal e Trommeln in der Nacht) foram levadas ao palco e Brecht conheceu Erich Engel, com quem veio a trabalhar até ao fim da sua vida. Em Berlim, a peça Im Dickicht der Städte tornou-se no seu primeiro sucesso. O totalitarismo afirmava-se como a força renovadora que não só iria reerguer o país, como se outorgava a missão de reviver o Sacro Império Romano-Germânico. Mas, ao mesmo tempo, chegavam à Alemanha influências da recém formada União Soviética, com sua bem-sucedida implantação de um regime socialista, o que significava esperança para um povo sofredor como o da Alemanha, naquele período.
É a este último grupo que Brecht se vai unir, na ânsia de debelar o seu desespero existencial. No entanto, depois de Hitler, eleito em 1933, Brecht não estava totalmente seguro na Alemanha Nazi, exilando-se na Áustria, Suíça, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Inglaterra, Rússia e, finalmente, nos Estados Unidos.
A capoeira é ao mesmo tempo dança, luta e jogo e possui raízes nas práticas de sociedades tradicionais. Mas tal como acontece com grande parte do patrimônio africano no Brasil, o que é conhecido sobre as origens da capoeira é preliminar e existe uma grande dificuldade em firmar os momentos iniciais da capoeira sob muitos aspectos..
O que prevalece é que a “dança guerreira” começou na senzala das antigas fazendas brasileiras, onde os cativos africanos se reuniam para manter viva sua cultura através de rituais. Como os escravos capturados provinha de várias tribos africanas diferentes, muitas vezes sua única linguagem comum era um português rudimentar e a postura corporal. Danças, tambores e cânticos tornaram-se ferramentas para fortalecer os laços e criar um senso de comunidade entre os cativos.
O que parecia aos olhos dos donos dos escravos apenas uma “dança de negros”, eram a cobertura perfeita para desenvolver as competências necessárias para desenvolver uma técnica de luta capaz de matar.
Com o tempo os laços da senzala permitiu que os escravos se organizassem e planejassem a fuga de seus cativeiros. Uma vez na condição de fugitivos, eles iriam praticar sua dança de resistência nas clareiras das florestas. Essas áreas de vegetação rasteira eram chamadas na língua Tupi como caa-puera e de lá Capoeira evoluiu.
Consta que o registro mais antigo registro referente à capoeira foi encontrado pelo jornalista Nireu Cavalcanti e publicado no seu livro “Crônicas históricas do Rio Colonial”( Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira/FAPERJ, 2004). Este documento data de 1789 e se comenta sobre a libertação da cadeia de um escravo chamado Adão, preso nas ruas do Rio de Janeiro devido à prática da “capoeiragem”, apontando que a repressão policial ocorria antes mesmo da lei de 1890 que criminalizou a capoeira, já durante o início do período republicado do governo do Marechal Deodoro da Fonseca.
Pesquisas históricas apontam que, diferentemente da forma como são apresentados nos jornais da época, os capoeiras não eram simplesmente e tão somente um bando de vadios e vagabundos. Vários eram trabalhadores de rua que viviam de ocupações esporádicas e intermitentes, com um ritmo de trabalho irregular, o que gerava períodos de ociosidade, certamente entremeados por momentos de diversão.
Muitos eram marítimos, carregadores, carroceiros e estivadores que atuavam próximo à região portuária. Outros realizavam trabalhos braçais como marceneiros, chapeleiros, peixeiros, engraxates, pedreiros, vendedores ambulantes, entre outras atividades. Nesta condição a maioria dos capoeiras eram analfabetos.
Jornal “A Folha Nova”, Rio, 18-12-1882
Já a relação entre os capoeiras no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX se davam através do dia a dia cotidiano da escravidão urbana, dividida entre a casa do senhor e a rua, espaços onde o escravo cuidava dos afazeres domésticos e trabalhava no comércio local, sendo este muitas vezes o motivo gerador de disputas territoriais.
Jornal “O Cruzeiro”, Rio, 05-01-1878
Nesta situação de territorialidade não era difícil que muitos capoeiras também transgredissem as regras da ordem pública vigentes no período. Seus praticantes eram reconhecidos por afrontarem a polícia, provocarem brigas e correrias, marcadas por cabeçadas, rasteiras e navalhadas. Muitos destes combates aconteciam entre grupos de bairro distintos do Rio antigo. Além disso, causavam arruaças e brigas nos desfiles das bandas militares.
Jornal “Diário de Notícias”, Rio, 25-11-1870
A primeira codificação penal brasileira, datada de 1830, não possuía uma referência explícita aos praticantes da capoeira, mas os chefes de polícia os enquadravam no capítulo que tratava dos vadios e mendigos. Com o fim da escravidão e o início da República, a capoeira é inserida no Código Penal Brasileiro através do decreto de 11 de outubro de 1890:
Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil
Capítulo XIII — Dos vadios e capoeiras
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;
Pena — de prisão celular por dois a seis meses.
A penalidade é a do art. 96.
Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dôbro.
Art. 403. No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400.
Parágrafo único. Se fôr estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.
Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, a tranqüilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.
Com este instrumento jurídico específico de incriminação da capoeira, a polícia reprimiu com extrema violência os praticantes desta tradição. Desse modo, o final do século XIX e início do século XX é marcado no Rio de Janeiro por histórias de combates e conflitos entre as maltas dos capoeiras e os policiais.
Jornal “O Paiz”, Rio, 15-12-1884. Através deste atestado de óbito de um detido, é possível ler como as autoridades enquadravam os capoeiras
QUER SABER MAIS, ENTÃO LEIA – CAVALCANTI, Nireu Oliveira. Crônicas históricas do Rio Colonial. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira/FAPERJ, 2004.
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Negregada Instituição: os capoeiras na Corte Imperial (1850-1890). Rio de Janeiro: Access Editora, 1999.
DIAS, Luis Sérgio. Quem tem medo da capoeira? Rio de Janeiro: Secretaria Municipal das Culturas, Departamento Geral de Documentação e Informação cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro: Divisão de Pesquisa, 2001.
MORAES FILHO, Mello. “Capoeiragem e Capoeiras Célebres”. In: Festas e Tradições Populares no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia/São Paulo: EDUSP, 1979.
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Em 1999 conheci grande parte do litoral sul de Pernambuco, em uma viagem que começou em Natal e só finalizou na foz do Rio São Francisco, na divisa entre Alagoas e Sergipe.
Na época segui em um valente Chevette 1.6, movido exclusivamente a álcool, sem ar-condicionado, direção hidráulica, vidros elétricos e outras modernidades. E foi uma viagem maravilhosa.
O caminho segue em meio a canaviais e…
Maravilhosa pelas descobertas de locais fantásticos, que ainda se encontravam intocados antes da invasão estrangeira, especulativa e imobiliária das nossas belas praias.
Pessoalmente não sabia da existência da praia do Porto, que neste local existia uma “ilha” e que a mesma possuía um solitário coqueiro. Na época a descoberta foi incrível.
…e algumas áreas de mata.
Agora, neste primeiro semestre de 2012, decidi retornar e encontrar a mesma ilha que foi tão surpreendente.
Saí de Natal no meu Renault Logan, equipado com tudo que tem direito, esperando encontrar um o coberto de asfalto. Mas para minha surpresa, ao chegar próximo ao município pernambucano de Barreiras, descobri que a estrada para a praia do Porto continua de barro e que a praia continuava a “-Não ter nada de futuro”, segundo a informação de um transeunte local.
Enfim o mar se aproxima.
Lembrei-me que em 1999 tive de largar o Chevettinho, literalmente, no meio do mato e caminhar uns dois quilômetros, pulando porteiras e na eminencia de levar algum balaço de um proprietário mais radical. Agora descobri que na praia do Porto havia um bar. Bom, pelo menos havia um ponto de apoio e, teoricamente, as porteiras estariam abertas.
O o é muito difícil para um Logan, que sofreu muito, mas foi em frente. Chegar à esta praia é uma verdadeira aventura e um desafio. A sinalização é quase nula, a erosão no leito de barro do caminho é forte, exigindo seguir devagar, pois precisava voltar e não sou nenhum nababo para ter num segundo veículo.
Último ponto para meu carro.
Porém o visual do caminho, em meio a extensos canaviais, entrecortados com caminhos no meio da mata é maravilhoso, uma benção.
Quando o hidrômetro do carro marcava quase 10 quilômetros de barro, buracos e muita lama, chegamos a um maravilhoso coqueiral a beira mar, sem um pé de gente e com a bela Ilha do Coqueiro Solitário ao fundo.
A Ilha… No dia da minha visita encontrei dois pescadores da Comunidade da Várzea do Una, que pescavam de tarrafa.
Realmente vale a pena chegar nesse paraíso e deleitar-se com a paisagem da praia desértica
A ilhota é formada por pedras enormes, cuja disposição se estendem até o mar, formando piscinas naturais protegidas do vento e das ondas. A única vegetação é o famoso coqueiro que dá nome à ilha. Consta que esta venturosa árvore cresceu sozinho entre as pedras.
Uma vista em direção ao norte da ilha.
O local está próximo a beira mar, mas para galgar as pedras só é possível com a maré baixa, quando surge um o formado pela areia. A ilha a a maior parte do tempo deserta, sendo visitada por pescadores e turistas e não há qualquer tipo de comércio. Descobrimos que o tal bar só abre na alta estação.
Muito silêncio e tranquilidade.
Para alguns esta praia do Porto foi um dos possíveis pontos de desembarque dos holandeses na época da invasão batava ao Nordeste do Brasil. A razão dos holandeses buscarem este local como ponto de apoio de suas naus, a mais de 100 quilômetros ao sul de Recife, estava na existência de ricos engenhos de cana-de-açúcar. Estes se localizavam nas atuais áreas rurais que atualmente compõem os municípios pernambucanos de Barreiros, Tamandaré, São José da Coroa Grande e produziam muita riqueza naquela época.
Inclusive me informaram que territorialmente a Ilha do Coqueiro Solitário pertence ao município de Barreiros e que na região existe um projeto de construção de um resort cinco estrela, de capital europeu.
Realmente não existem casas no lugar, o silencio impera, ouve-se apenas o barulho do mar quebrando na areia e o vento nas palhas dos coqueiros.
O coqueiro em meio aos restos da civilização e da pichação.
Mas, apesar de tudo, algo não estava correto!
Em um primeiro momento, depois de encarar a dura estrada em um carro que não foi especificamente criado para aquilo, seguindo devagar, com calma, ao chegar à beira mar não me dei conta em um primeiro momento de algo muito negativo.
O descarte de lixo de piqueniques ocupa uma grande área na praia.
Aparentemente a praia do Porto é muito visitada por hordas de pessoas que realizam piqueniques e deixam uma grande quantidade de lixo e muita sujeira. Não faltam marcas de fogueiras, estacas usadas para colocar lonas, restos de cordas usadas para armar redes de dormir, muita garrafa pet, plástico e todo tipo de porcaria.
Sem comentários…
Para completar o quadro triste não faltam pichações nas pedras da Ilha do Coqueiro Solitário. São principalmente marcações de nomes de pessoas que, na sua mediocridade, imaginam que perpetuam sua miserável existência, gravando seus nomes naquelas rochas que conheci limpas.
Um tipo de arte bem atrasada.
É uma pena que em um local tão belo ocorra este tipo de situação.
No dia da nossa visita.
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Quadro de horários e outras informações da empresa Aéropostale, partindo do Rio de Janeiro. Publicado em um jornal carioca de 1931.
A empresa de aviação Aéropostale. ou Compagnie Générale Aéropostale foi uma das pioneiras da aviação no mundo e principalmente no Brasil.
Em 25 de dezembro de 1918, a empresa começou a servir a sua primeira rota entre Toulouse e Barcelona, na Espanha. Em fevereiro de 1919, a linha foi estendida para Casablanca, no Marrocos. Em 1925 estendeu-se a Dakar, a capital e a maior cidade do Senegal, onde as malas postais eram enviadas por navio para a América do Sul. Em Novembro de 1927 iniciou voos regulares entre o Rio de Janeiro e Natal. Suas rotas foram se expandindo até o Paraguai e depois, em Julho de 1929, foi criada uma uma rota regular, a té Santiago, Chile, ando sobre a Cordilheira dos Andes.
Da esquerda para direita vemos os ses Gimié, Mermoz e Dabry, no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, seguindo para o sul do continente. Heróis da aviação comercial.
Um dos pontos altos da empresa ocorreu em 1930, com a viagem através do Atlântico Sul do hidroavião Latécoère 28, que sem escalas e pilotado pelo francês Jean Mermoz, voou 3.058 quilômetros de St. Louis, no Senegal a Natal, em 19 horas e 35 minutos, com seu avião trazendo mais de 100 quilos de malas postais.
Depois de um escândalo envolvendo pagamentos postais do governo francês para Aéropostale, a empresa foi dissolvida em 1932, e fundiu-se com outras companhias de aviação para criar a Air .
Cartaz mostrando a travessia de Mermoz e mais dois companheiros, que ficou conhecida como a primeira travessia comercial do Atlântico Sul.
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No último dia 16 de junho de 2012, um sábado, no Tropical Eco Resort, em São José de Mipibu ocorreu o lançamento do nosso mais novo livro.
Nosso novo trabalho.
Intitulado “Fernando Leitão de Moraes – Da Serra dos Canaviais à Cidade do Sol” foi um trabalho biográfico que buscou registrar a trajetória de um pernambucano nascido na região da Zona da Mata Norte, que escolheu Natal para viver e aqui criou raízes.
Trabalho simples, mas feito com esmero e dedicação, fruto do reconhecimento do meu trabalho anterior sobre o criador do Grupo Santa Clara/Três Corações, esta nova atividade nós levou a conhecer a região da cidade pernambucana de Macaparana, um belo e pouco conhecido local.
Estive na região em cinco ocasiões, sempre sendo muito bem acolhido, realizando os levantamentos necessários para a realização do nosso trabalho.
O convite para o lançamento do livro no éltimo dia 16 de junho de 2012
Por estar em um local onde existem elevações com mais de 800 metros de altitude, decidi criar o termo “Serra dos Canaviais”, fato desconhecido das maravilhosas pessoas desta região.
No artigo a seguir, uma adaptação do terceiro capítulo do nosso novo livro, trago um relato dos contatos ocorridos entre o famoso cangaceiro Antônio Silvino e anteados do nosso biografado na região de Macaparana.
A ideia de se inserir os acontecimentos relativos a Antônio Silvino neste trabalho se deveu as lembranças da infância de Fernando Leitão de Moraes,
A agem do bando deste famoso cangaceiro pela região da antiga Macapá, onde ocorreram combates que marcaram a memória local. Quem contava essas histórias ao nosso biografado era seu pai, Durval, sempre na casa do Sítio Gitó, no alto da Serra do Pirauá, acompanhado da plateia formada pelos filhos, parentes e moradores.
Aqui nosso biografado junto a sua irmã Creusa de Moraes Cavalcanti e sua sobrinha Creusa Olívia, defronte a casa centenária de seu avô, João Leitão de Melo, no Sítio Esquecido, atualmente na área rural da cidade pernambucana de São Vicente Ferrer. Tenho uma enorme gratidão a Dona Creusa e a sua filha pelo apoio nesta pesquisa. Foto – Rostand Medeiros
Foi realmente uma experiência interessante, que culminou com a festa de lançamento, de caráter privado e distribuição do livro dirigida aos cerca de 350, convidados que estiveram presentes na comemoração do 80º aniversário de Fernando Leitão de Moraes.
Neste trabalho biográfico contei com o total apoio de seus familiares, principalmente seus filhos Fernando Junior, Hermano da Costa Moraes e Fabiano Moraes, a quem agradeci diretamente na dedicatória de “Fernando Leitão de Moraes – Da Serra dos Canaviais à Cidade do Sol”.
A PRESENÇA DO CANGACEIRO ANTÔNIO SILVINO NA REGIÃO DE MACAPARANA
Antônio Silvino nasceu em no dia 2 de novembro de 1875, na Fazenda Colônia, zona rural de Afogados da Ingazeira, Pernambuco. A principal causa da sua entrada no cangaço, em 1896, foi a intenção de vingar a morte de seu pai. Lutou ao lado de seu tio, Silvino Aires de Alencar, e depois assumiu a chefia do grupo quando Aires foi morto, em 1900, em um combate na Paraíba, contra o tenente Luís Mansidão.
Antônio Silvino
Antônio Silvino foi o mais famoso cangaceiro do Nordeste brasileiro antes de Lampião. Foi rotulado de “Rifle de Ouro”, “Rei do Cangaço” e, durante 16 anos, ficou conhecido como “Governador do Sertão”.
As ocorrências envolvendo esse famoso cangaceiro, parentes e amigos da família do nosso biografado se deram entre os anos de 1904 e 1908, quando o bandoleiro e seus homens rondaram a região em vários momentos, atravessando impunemente a fronteira entre a Paraíba e Pernambuco.
Em 1904, a pequena Macapá continuava na sua missão de apoiar os que por ali avam com destino a São Vicente e Timbaúba, em Pernambuco, ou a Umbuzeiro, já na Paraíba.
Visão atual da cidade de Macaparana, Pernambuco, antiga Macapá. Foto – Rostand Medeiros
No lugar, prosperava o comerciante Manoel Francisco de Paula, conhecido como Manoel Belo, dono de um sortido armazém, daqueles que vendiam de tudo um pouco, que ficava ao lado da igreja. Era tido como um homem rico e também acumulava a função de delegado.
No dia 22 de outubro de 1904, segundo o jornal recifense “A Provincia”, edição de quinta-feira, 27 de outubro de 1904, p. 1-2, por volta das sete horas da noite um grupo de dez homens fardados chegou a Macapá supostamente conduzindo um preso. Mas o soldado de plantão reconheceu que o detido era o famigerado cangaceiro “Cocada”, parceiro de Antônio Silvino, e foi feito refém naquele momento, sendo obrigado a levar o bando à casa do subdelegado da povoação.
Diante da autoridade, Silvino, que usava uniforme com divisas de Sargento, informou que o seu negócio naquele lugar era com o comerciante Manoel Belo.
Foi, então, conduzido à residência do dono do armazém, onde fez inúmeras ameaças. Os cangaceiros levaram dinheiro, peças de tecidos, rifles e outros produtos. Segundo o jornal, foi o soldado refém quem conseguiu convencer Antônio Silvino a não levar Manoel Belo em troca de seis contos de réis.
Antiga casa de Manoel Belo, em Macaparana – Foto Rostand Medeiros
Após essa primeira abordagem, o bando ainda atacou outras casas comerciais. Levou, inclusive, todo o dinheiro do posto de arrecadação fiscal que ali existia, deixando o povoado às onze horas da noite, depois de quatro horas de terror.
Ainda de acordo com o periódico, depois de saírem da cidade, os cangaceiros se dirigiram ao Engenho Macapá; às cinco horas da manhã, seguiram para o Engenho Bonito, de João do Rego Cavalcanti, e depois para o Engenho Santa Tereza, de Francisco Prefeito de Albuquerque Maranhão, quando tomaram a direção de Bom Jardim. O jornal não informa se eles atacaram esses locais nem fornece maiores detalhes sobre o percurso.
A primeira página da edição de “A Provincia” de terça-feira, 1 de novembro de 1904, traz uma extensa reportagem sobre o ataque do bando de Antônio Silvino a Macapá, fazendo sérias acusações a proprietários rurais da região de fornecerem apoio ao cangaço[1].
Outro caso envolvendo Antônio Silvino não está ligado diretamente a Macapá, mas a um parente de Fernando Moraes, o fazendeiro e comerciante Joaquim Tavares Vieira de Melo.
Ele era conhecido na família Leitão como “Quincas Tavares” ou “Tio Quinca”, a quem a mãe do nosso biografado, Izabel de Andrade Melo, muitas vezes mandou Fernando Moraes e seus irmãos pedirem a bênção. Fernando lembra-se dele como sendo um homem alto e forte.
Joaquim casou em 25 de novembro de 1886 com Leonor Ferreira Gomes de Andrade. Era tido como um homem de grande poder aquisitivo e possuía uma imponente casa numa localidade conhecida como Poço Comprido, onde exercia liderança política.
Ao lado do casarão ficava seu armazém, com farto sortimento de Mercadorias[2].
Quincas Tavares tinha, em casa, um verdadeiro arsenal de rifles e farta munição. Um dia, estava limpando sua coleção, quando uma pessoa ou e lhe indagou qual era o motivo de possuir tantas armas. Certamente confiando no potencial bélico do qual dispunha, proclamou, aos quatro cantos, que “ali Antônio Silvino não teria vez”.
Sem nenhum aviso, Silvino chegou a Poço Comprido para tomar satisfações com Joaquim.
Visão atual do Distrito de Pirauá – Foto – Rostand Medeiros
Surpreendido, o comerciante clamou pela vida. O chefe cangaceiro declarou que Joaquim estava preso e que sua liberdade custaria muito caro. Foi quando o detido se lembrou do comerciante e amigo Gonçalo José de Medeiros, que morava no povoado de Pirauá, já na fronteira com a Paraíba, argumentando com Antônio Silvino que certamente seu camarada teria condições de pagar pelo resgate.
Antes de seguir para Pirauá, o armazém de Quincas Tavares foi saqueado, suas armas e munições foram tomadas e muitos mantimentos foram espalhados na principal rua do lugarejo para que fossem recolhidos pelos mais pobres.
Casa do major Gonçalo José de Medeiros, em Pirauá, na fronteira entre Pernambuco e Paraíba, para onde Antônio Silvino e seu bando levaram Joaquim Tavares Vieira de Melo como refém. Foto – Rostand Medeiros
Em Pirauá, Major Gonçalo, como era conhecido o mais importante comerciante local, disse a Silvino que possuía apenas duzentos mil réis e que daria todo aquele dinheiro para que seu amigo fosse solto pelo bando. Antônio Silvino, irritado com o baixo valor oferecido pelo prisioneiro, respondeu que a liberdade de Joaquim valia dois contos de réis.
Diante do ime, o chefe cangaceiro decidiu partir pela estrada que segue para a região do Sítio Gitó, já na Paraíba. Segundo uma das versões da história, Silvino iria levar seu prisioneiro para ser morto embaixo de uma frondosa cajazeira que ficava à beira da estrada.
Apesar das ameaças, o experiente cangaceiro percebeu que matar aquele homem não lhe traria nada de valor, além de problemas e perseguições. O melhor era receber os duzentos mil réis do
Major Gonçalo e evitar mais essa morte nas suas costas.
Ameaçou, então, um camponês que ava, exigindo que ele trouxesse o dinheiro que o comerciante de Pirauá havia oferecido em troca da vida de Joaquim.
Depois de receber e contar as notas, soltou seu prisioneiro.
Quase um ano depois do ataque a Macapá, Antônio Silvino e seu bando fariam um assalto a um engenho cujo proprietário era uma pessoa ligada a membros da família Moraes.
O fazendeiro Manoel Inácio de Andrade Lima. Fonte: Arquivo de José Inácio Moraes Andrade
Manoel Inácio de Andrade Lima era o senhor do Engenho Mirador, próximo à cidade de Bom Jardim, Pernambuco. Era uma terra poderosa, rica, com grandes áreas de plantações de cana-de-açúcar.
O motivo da visita do chefe cangaceiro seria uma vingança.
Em uma ocasião anterior, Silvino havia mandado um mensageiro pedir dinheiro ao dono do Engenho Mirador. Era uma das famosas solicitações de Antônio Silvino, que descaradamente alegava que não podia trabalhar por causa da perseguição do governo à sua pessoa. Então, argumentava que, como não queria roubar, apenas “pedia aos amigos”.
Manoel Inácio se recusou a atender não apenas a este, mas a vários outros pedidos feitos pelo cangaceiro. O problema era que o bandido não se esquecia dessas negativas e, quando tinha oportunidade, saía para cobrar o que havia pedido ou para gerar um prejuízo de grande porte.
Antônio Silvino, movido pela vingança, mandou seus cangaceiros abaterem a tiros de rifle todo o gado do Mirador e destruírem a casa-grande do engenho, principalmente seus móveis. Antes de deixar o local, gritou para os moradores: “Não é para aproveitar nem o couro dos bichos mortos!”.
O prejuízo – associado ao trauma do ataque dos cangaceiros – foi tão intenso que Manoel Inácio de Andrade Lima decidiu vender o Engenho Mirador e se mudar para uma propriedade próxima ao povoado de Poço Comprido. Começou a plantar outras culturas agrícolas, mas não prosperou. Então, vendeu a gleba e arrendou o Engenho Paquevira, nos arredores de Macapá, que pertencia à Senhora Maria Borba, mãe do futuro governador pernambucano Manuel Borba.
Xilogravura com a figura de Antônio Silvino
Somente dez anos depois do ataque de Antônio Silvino, o fazendeiro Manoel Inácio pôde se recuperar financeiramente. Ele comentava com seus descendentes que “valia mais a pena ser arrendatário plantando cana-de-açúcar do que ser proprietário de uma terra e plantar outras culturas”[3].
Existe, ainda, um último e importante caso envolvendo um membro da família Moraes e o cangaceiro Antônio Silvino: o do Bacharel Francisco Porfírio de Andrade Lima.
Sobre esse personagem, utilizamos o ótimo trabalho de pesquisa genealógica desenvolvido por José Ignácio de Andrade Lima. Segundo o estudioso, Porfírio nasceu em 1863 e se formou Bacharel em Direito pela tradicional Faculdade do Recife no ano de 1887.
O Bacharel Porfírio foi casado com Cândida Rosa Albuquerque de Morais, que faleceu em 4 de agosto de 1920, quando Porfírio era Juiz de Direito em Timbaúba. A união gerou quatorze filhos, entre eles, Ana de Moraes Andrade, de quem falaremos adiante.
Francisco Porfírio de Andrade Lima. Fonte: Acervo fotográfico da Fundação Joaquim Nabuco, Recife, Pernambuco
Ainda sobre Porfírio, sabemos que ele foi um dos fundadores da Loja Maçônica “Obreiros do Porvir”, da cidade de Nazaré, e que foi avô materno de Jarbas de Andrade Vasconcelos, ex-governador e atual senador pernambucano[4].
Em 1912, Francisco Porfírio era Chefe de Polícia em Pernambuco, cargo que pode ser comparado ao atual Secretário de Segurança do estado. Junto com o Bacharel Hercílio de Souza, então Secretário de Justiça, elaborou um plano que poderia ajudar a acabar com as ações do cangaceiro Antônio Silvino.
A ordem para esse projeto partiu do governador pernambucano na época, o General Emídio Dantas Barreto, que esteve à frente do Poder Executivo do estado entre 1911 e 1915[5].5
Capturar Antônio Silvino era uma das mais importantes demandas na área de Segurança Pública do governo pernambucano naqueles tempos.
Há anos o famoso chefe do cangaço dominava os sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Agindo com extrema mobilidade, Silvino não reconhecia a existência de fronteiras, mas as polícias estaduais – fracas, despreparadas e pouco numerosas – ainda tinham o agravante de não poderem cruzar os limites entre os estados.
Mensagem do governador pernambucano lida na Assembleia Legislativa do estado, em 1913, mencionando a reunião interestadual organizada por Porfírio. Fonte: Arquivo do autor
Percebendo que isoladamente as polícias não resolveriam a questão, Francisco Porfírio, mais conhecido na família Moraes como Dr. Chico Porfírio, concluiu, junto com Hercílio de Souza, que apenas a união de esforços dos governos estaduais e de seus aparatos de segurança pública poderia resolver o caso Antônio Silvino.
Foram enviadas mensagens para os governos dos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e do Ceará solicitando a presença de representantes em Recife para uma reunião que ocorreria no dia 25 de novembro de 1912.
O chamado foi respondido positivamente.
Da Paraíba, seguiu o público e folclorista José Rodrigues de Carvalho. Do Rio Grande do Norte, veio o poeta, educador e escritor Henrique Castriciano de Souza e, do Ceará, seguiu para a importante reunião o escritor José Getúlio da Frota Pessoa[6].
Apesar da maioria dos respeitáveis representantes estaduais serem homens mais ligados à pena, utilizada para desenvolver poesias e textos literários, a reunião seguiu o caminho para o qual havia sido planejada. Os assuntos versados foram a criminalidade e a repressão ao banditismo, especialmente o caso Antônio Silvino.
Durante nossas pesquisas contamos com o apoio do pastor, pesquisador e professor Geraldo Batista (na cabeceira da mesa), que aqui está junto a Fernando Leitão de Moraes (a direita do Prof. Geraldo) e o autor deste trabalho (de camisa azul). Mestre Geraldo é uma grande figura humana, sempre disposto a ajudar, sendo imensamente devotado a Deus, a instrução e a história do seu lugar.
Ao final do encontro, foi realizado um festivo e concorrido almoço na conhecida “Pensão Landy”, à Rua Benfica, no centro da “Veneza brasileira”.
Henrique Castriciano de Souza retornou ao Rio Grande do Norte a bordo do paquete “Ceará”, da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, em 3 de dezembro, sendo recebido no porto pelo governador Alberto Maranhão. No entanto, Castriciano não adiantou quase nada aos jornais da capital potiguar, visto que a reunião tinha “caráter reservado”.
Logo o periódico “A Republica” estampava um editorial no qual apontava que;
“Graças às medidas de vigilancia e perseguição postas em prática pelo Governo do Estado, agora mais efficazes com o acordo firmado em Pernambuco, os bandos de malfeitores acossados pelas polícias dos Estados compromettidos nessa obra saneadora dentro em breve terão desapparecido. Antonio Silvino, de todos os bandidos o mais sagaz, não escapará as deligencias inteligentemente combinadas, para extirpar do seio sertanejo, a sua mais profunda raiz do banditismo”.[7]
Cada estado participante do convênio idealizado por Porfírio deveria criar condições para ampliar o combate aos cangaceiros de Silvino. No caso do Rio Grande do Norte, o governador Alberto Maranhão atendeu ao que havia sido acordado e anunciou que ampliaria o efetivo do Batalhão de Segurança.[8]
Após a reunião dos governadores, a atuação de Antônio Silvino aparentemente se tornou extremante limitada, apesar de não haver indícios deste cangaceiro ter associado o enfraquecimento do seu poder à ação istrativa tocada pelo Dr. Chico Porfírio.
Sobre a captura de Antônio Silvino em 1914.
Ainda que o esforço de Porfírio tenha colhido bons resultados, ele não testemunharia, como Chefe de Polícia, a captura de Antônio Silvino, pois já havia deixado o cargo. Em seu lugar, assumiu o Bacharel Joaquim Maurício Wanderley.[10]10.
No dia 27 de novembro de 1914, dois anos depois da do convênio firmado entre os quatro estados nordestinos, o procurado chefe do cangaço foi capturado. Mas não por uma força conjunta interestadual, e sim por uma volante da polícia pernambucana comandada pelo militar Theophanes Ferraz Torres.[11]
O fato se deu em uma propriedade denominada Lagoa da Laje, na época pertencente territorialmente ao município pernambucano de Taquaritinga do Norte.
Notícia do jornal “Diário de Pernambuco”, informando a liberdade de Antônio Silvino.
Ferido, Antônio Silvino foi enviado a Recife. Depois, foi julgado e condenado a trinta e nove anos e quatro meses de reclusão em regime fechado. Ele só seria libertado em 13 de março de 1937, mediante um indulto assinado pelo então presidente Getúlio Vargas.
O temido cangaceiro permaneceu vinte e três anos, dois meses e dezoito dias na prisão. Faleceu em 28 de julho de 1944, em extrema pobreza, morando de favor na casa de uma prima na cidade de Campina Grande, Paraíba.
[1] As edições do jornal “A Provincia” aqui mencionadas se encontram na Hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, na Rua do Imperador D. Pedro II, 371, Bairro de Santo Antônio, no Centro de Recife (PE).
[2]Poço Comprido, que tem mais de 120 anos, teve como um de seus fundadores justamente Joaquim Tavares. Quando era criança, ele tomava banho, junto com alguns amigos, em um poço construído na horizontal, uma espécie de canaleta para escoar a água, que ficou conhecido como Poço Comprido. O local ficava a cerca de três quilômetros da casa de seus pais, que residiam na Serra do Aburá. Quando casou, Joaquim construiu uma casa ao lado do poço e lá foi morar com sua esposa – daí surge o povoado. Informação gentilmente cedida por Creuza Olívia de Moraes Cavalcanti, de Macaparana, sobrinha De Fernando Leitão de Moraes.
[3] Manoel Inácio era o bisavô de José Inácio Moraes Andrade, sobrinho do nosso biografado, que ouviu a narrativa do caso contada pelo seu pai, José Inácio Filho.
[4] Em uma nota publicada no Jornal do Commercio (Recife, 17 jun. 2000), o ex-governador de Pernambuco e atual senador Jarbas Vasconcelos recordou que, pelo fato de seu avô ser Chefe de Polícia, a sua mãe, Dona Áurea de Andrade Vasconcelos, nasceu no mesmo prédio que abrigava, no ano de 2000, a Direto ria de Polícia Civil, na Rua da Aurora. Como os governadores pernambucanos residiam no primeiro andar do Palácio das Princesas, o avô do senador Jarbas morava no primeiro andar do prédio de sua repartição, mantendo no térreo o gabinete onde trabalhava.
[5] Emídio Dantas Barreto nasceu em Bom Conselho, Pernambuco, em 1850. Era militar, participando da Guerra de Canudos como Tenente-coronel; foi um dos primeiros a publicar registros sobre o acontecimento, narrando sua experiência no livro ”Última Expedição a Canudos”, lançado em 1898. Foi Ministro da Guerra no governo Hermes da Fonseca, depois governador e senador de Pernambuco. Além da carreira militar e política, Dantas Barreto redigiu obras científicas, estudos militares e romances históricos, deixando extensas informações sobre campanhas militares do seu período. Morreu no Rio de Janeiro, em 1931, aos 81 anos de idade.
[6] Segundo as amareladas páginas do jornal “A Republica”, que constam no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e no Arquivo Público do Rio Grande do Norte, em 1912, Henrique Castriciano de Souza respondia pelo cargo de Procurador Geral
do Estado.
[7] Em 1912, os termos “cangaço” e “cangaceiro” não eram muito utilizados pela imprensa nordestina. Eram mais comuns os vocábulos “banditismo”, “facinorosos” e “bandoleiros”. O texto é uma reprodução idêntica à redação da época.
[8] Esse aumento de efetivo foi publicado no jornal “A Republica”, em 18 de dezembro de 1912, através do Decreto Estadual nº 279. Interessante é notar a diferença de rendimento entre esses militares. Enquanto o capitão recebia 350$000 réis de gratificação mensal, aos soldados eram destinados apenas 5$000 réis. Para maiores detalhes, ver “A Republica”, edição de 22 de janeiro de 1912, p. 3.
[11] Ferraz Torres nasceu em 27 de dezembro de 1894, na cidade pernambucana de Floresta, e tinha o posto de Alferes em 1914. Ficou conhecido pelos combates, na década de 1920, contra Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
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Fundada pelo primeiro rei Português em 1153, o cisterciense Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça foi um dos mosteiros mais ricos e mais prestigiados na Europa medieval. A sua igreja foi o primeiro edifício em Portugal a adoptar o estilo gótico e ainda é s maior igreja do país.
História
Em março de 1147, em uma importante batalha em Santarém frente aos mouros, D. Afonso Henriques prometeu que iria construir um grande mosteiro se Deus lhe concedesse a vitória. Após vencer a batalha e se tornar o primeiro Rei Português, Afonso manteve a sua promessa. Ele fundou o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça em 1153 e o entregou a Bernardo de Claraval, um abade cisterciense que promoveu fortemente as Cruzadas.
Os monges cistercienses viviam em simples casas de madeira por várias décadas, enquanto esperavam para o mosteiro a ser construído. As obras começaram em 1178, eles foram capazes de ocupar os edifícios do mosteiro em 1223.
Os arquitetos são desconhecidos, mas provavelmente eram de origem sa e basearam o seu projeto na Abadia de Clairvaux, fundada por São Bernardo em 1115. Esta abadia não sobreviveu aos dias atuais, tornando o Mosteiro de Alcobaça uma testemunha importante para a arquitetura cisterciense. Quando a igreja foi concluída em 1252, ele foi o primeiro edifício totalmente gótico e a maior igreja de qualquer estilo em Portugal. No final do século 13, o rei D. Dinis acrescentou o claustro gótico, poeticamente conhecida como o Claustro do Silêncio.
Ao longo dos séculos, os monges de Alcobaça fizeram contribuições significativas para a cultura portuguesa. Em 1269 eles foram os primeiros a dar aulas públicas ao seus seguidores e, posteriormente, produziram a história oficial sobre Portugal em uma série de livros. A biblioteca de Alcobaça foi uma das maiores de Portugal. Muitos monarcas portugueses foram sepultados no Mosteiro de Alcobaça nos séculos 13 e 14, incluindo Afonso II, D. Afonso III, e suas rainhas, bem como D. Pedro I e sua amante, a malograda Inês de Castro.
Escapou do Terremoto, Mas Não da Espada dos Invasores
Durante o reinado de D. Manuel I, um segundo andar foi adicionado ao claustro e uma sacristia nova foi construída em estilo manuelino, ricamente ornamentada. O mosteiro foi ainda mais ampliado no século 18 com a adição de um novo claustro e torres de igrejas novas. O mosteiro escapou de grandes danos com o forte terramoto de 1755. Em 1794, o escritor de viagens, crítico e colecionador de artes inglês, o Lorde William Thomas Beckford visitou o local e comentou que ele encontrou cerca de 300 monges “que vivem de uma maneira muito esplêndido!”. Mas a vida monástica em Alcobaça estava prestes a acabar.
Em 1810, as tropas invasoras sas saquearam a famosa biblioteca, roubaram os túmulos, e roubaram e queimaram parte da decoração interior da igreja. O que quer que tenha sobrado deste saque gaulês foi posteriormente roubado em 1834 durante uma revolta anticlerical, que acompanhou a dissolução oficial da vida monástica em Portugal e a partida dos últimos monges de Alcobaça.
Mosteiro de Alcobaça foi designado como Património Mundial pela UNESCO em 1989 porque “seu tamanho, a pureza do seu estilo arquitetônicos, a beleza dos materiais e o cuidado com que foi construído tornar esta uma obra-prima da arte gótica cisterciense”.
A fachada oeste da igreja do mosteiro cisterciense é o majestoso estilo gótico com enfeites barroco. No seu interior é um exemplo requintado de arquitetura gótica cisterciense. Em conformidade com princípios austeros cistercienses, decoração é mínima, permitindo que a apreciação máxima das linhas de subida verticais. Os corredores laterais são tão altos como a nave central. As abóbadas nervuradas são adas em arcos transversais e grandes pilares com colunas envolvidas. A abside, inundado de luz de grandes janelas góticas, tem um ambulatório com capelas radiantes.
A partir do ambulatório de um corredor leva para a sacristia, construída em estilo manuelino no início do século 16, onde existe um cofre Lierne esplêndido e um portal manuelino ricamente ornamentados com o brasão de armas Português.
Um Amor Real Perpetuado em Pedra
Mas é no transepto da igreja que está uma das atrações do mosteiro: os túmulos góticos reais de Pedro I (1320-1367) e Inês de Castro (1325-1355) , filha de um aristocrata castelhano. Tão importante quanto a magnífica arquitetura gótica da própria igreja são estes túmulos e sua história.
Eles se conheceram quando Pedro foi forçado a se casar com a jovem Constanza de Castela em 1339, mas Pedro se apaixonou por Inês e a tomou como sua amante. Depois de Constanza morrer em 1349, Pedro se recusou a casar-se novamente e continuou a ser dedicado a Inês, com quem teve vários filhos.
Pedro reconheceu todos os seus filhos com Inês e favoreceu os castelhanos na corte, levando o pai de Pedro, o rei Afonso IV, a considerá-la como uma ameaça ao seu reino. Assim, em 1355, o rei mandou matá-la.
Dois anos depois, Afonso IV morreu e Pedro tornou-se rei. D. Pedro I declarou imediatamente que ele havia se casado com Inês em uma cerimônia secreta em Bragança, fazendo dela a rainha de direito. Segundo a lenda, o rei enlutado, em seguida, tomou sua vingança terrível, ele exumou o corpo de Inês, apresentou o cadáver na corte e ordenou que todos os seus cortesãos em homenagem à sua mão decomposta. Também forçou seus assassinos ao mesmo castigo e depois os matou. Este evento dramático mais tarde iria inspirar Camões, Velez de Guevara e tantos outros autores contemporâneos e cineastas.
D. Pedro encomendado suntuosos túmulos de mármore para si e para sua amada. Ambos os túmulos têm efígies do falecido assistido por anjos. Os lados do túmulo de Pedro são decorados com episódios da vida de São Bartolomeu e as cenas de sua vida com Inês, incluindo a promessa de que eles estarão juntos até o fim do mundo. Os túmulos estão decorados com cenas da vida de Cristo e do Juízo Final estátuas de anjos prontos para despertar Pedro e Inês no Dia do Juízo, e criaturas grotescas que representam seus inimigos forçados a ar o peso das tumbas. Embora danificados, os sarcófagos são as maiores peças de escultura do século 14 em Portugal.
Além dos túmulos dos dois amantes reais, existem neste local os túmulos do século 13 da rainha Urraca de Castela e Rainha Beatriz de Castela. O túmulo mais notável é o da rainha Urraca, que é ricamente decorado.
Existe a sala do capítulo, ligado ao claustro por um portal de estilo românico, cheio de estátuas barrocas criadas pelos monges. Os visitantes também podem explorar o dormitório dos monges e do “scriptorium” onde eles copiaram manuscritos.
A cozinha monástica é uma visão impressionante e interessante. Os monges de Cister, conhecidos por suas habilidades de engenharia, desviaram um braço do rio Alcoa direito pela cozinha, criando um permanente fornecimento de água corrente e límpida, além de um conveniente local de pescaria. A cozinha tem uma enorme chaminé. Afirma-se que até oito bois poderiam ser simultaneamente assados ali A cozinha é acompanhada por um refeitório espaçoso.
Os restos da biblioteca do mosteiro, incluindo centenas de manuscritos medievais, agora são mantidos na Biblioteca Nacional em Lisboa.
Se você tem interesse em história, arquitetura gótica ou de ambos, Alcobaça é para ser visto.
Acredito que este local é perfeito para escutar com um bom fones de ouvido (para não perturbar ninguém) a bela música “12 O’clock II”, do instrumentista grego Vangelis, do seu disco de 1975, “Heaven and Hell”.
Qual é o naufrágio mais famoso de todos os tempos?
Evidentemente que é a tragédia do RMS Titanic (RMS-Royal Mail Ship ou Navio de Correio Real).
Na fatídica noite de 14 de abril de 1912, o Titanic colidiu com um iceberg que a mandou para uma cova profunda e fria. Seu naufrágio encontra-se no Atlântico Norte, em um trecho solitário, a várias centenas de quilômetros a leste da costa da região da Nova Scotia, Canada. Em 1985, seus restos foram descobertos por uma expedição franco-americana liderada pelo mundialmente renomado oceanógrafo Bob Ballard.
O INÍCIO
O Titanic foi construído em Belfast, Irlanda, sob a direção de J. Bruce Ismay, co-proprietário da White Star Line, empresa de navegação proprietária do navio. Em 31 de julho de 1908, os contratos finais foram assinados para a construção do Titanic e seus navios irmãos, o Olympic e o Britannic. O Titanic como seu nome indica foi enorme, suas especificações originais eram;
2 máquinas de tripla expansão com 15 000 HP 1 turbina de baixa pressão com 16 000 HP (hélice central) 29 caldeiras de vapor 2 hélices laterais de três pás 1 hélice central de quatro pás
Velocidade
23 nós, e presumivelmente cerca de 25 se as válvulas de segurança das caldeiras fossem fechadas a fim de aumentar a pressão do vapor
Tripulação
860
ageiros
3.547
A construção continuou em várias fases até que o Titanic estava pronto para sua viagem inaugural em 10 de abril de 1912.
Vamos dar uma olhada nas atividades deste dia fatídico.
A cerca de 7h30, o capitão Edward J. Smith embarca no Titanic juntamente com sua equipe. O Titanic está no porto de Southampton, Inglaterra. Às 8:00 da manhã, a tripulação é convocada. Entre 9:30 e 11:00, os ageiros estão autorizados a embarcar no navio. Como descrito no filme “Titanic”, o embarque para os ageiros de primeira classe é um processo bastante diferente do que aqueles destinados a terceira classe. As pessoas ricas apreciavam acomodações luxuosas, gastronomia, lazer e vistas deslumbrantes do Oceano. Os ageiros de segunda classe e terceira classe eram colocados abaixo do convés principal, muitas vezes em quartos apertados. Muitos eram imigrantes que esperam começar uma nova vida na América.
Às 11:30 da manhã, os ageiros da primeira classe são escoltados aos seus camarotes. Ao meio-dia em 10 de abril de 1912, o Titanic zarpa.O monstro de aço é puxado por vários rebocadores para o oceano aberto.
Às 17:30, o Titanic chega ao porto de Cherbourg, na França, para pegar mais ageiros. Por volta das oito da noite, embarcam mais 274 ageiros adicionais e segue viagem durante a noite para Queensland, na Irlanda. Às 11:30 do dia seguinte, mais 120 ageiros são embarcados.
A uma e meia da tarde de 11 de abril de 1912, a âncora do Titanic ‘é levantada para a sua viagem final. Mais uma vez vários rebocadores escoltam o navio para o oceano aberto, onde ele segue em sua primeira viagem transatlântica até Nova York.
Uma estimativa de 2.227 pessoas é a quantidade de pessoas a bordo do Titanic antes de seu desastre. Os número exato de ageiros não são conhecidos devido a discrepâncias envolvendo vários membros da tripulação e listas de ageiros.
A história dos últimos dias de Titanic ‘no mar é lendária e, claro, seu naufrágio é um dos mais cativantes e histórias trágicas dos tempos modernos.
Entre 11 de abril e 12, o Titanic navegou 386 quilômetros de oceano aberto, o clima é calmo e claro.
Entre Abril de 12 e 13, o capitão decide aumentar sua velocidade, o que lhe permite cobrir 519 milhas náuticas. A tripulação começou a receber avisos de gelo, mas que era esperado e não foi considerado incomum para abril.
No domingo, 14 de abril, o Titanic começou a pegar avisos de iceberg mais frequentes, sendo observados a partir de navios nas proximidades. Um aviso de iceberg do navio Báltic é recebida, que informa existir grandes quantidades de gelo a cerca de 250 milhas à frente do Titanic. A mensagem é dada ao capitão Smith, que mais tarde dá para Bruce Ismay que estava a bordo para sua viagem inaugural. Ele coloca a mensagem no bolso.
Às cinco e meia da tarde, o capitão altera ligeiramente o curso do navio, talvez para tentar evitar o gelo.
Às sete e meia da manhã, três mensagens de outros navios, sobre grandes icebergs são captados. As mensagens são retransmitidas mais uma vez para o capitão do Titanic, que está participando de um jantar. O gelo está agora a apenas 50 quilômetros à frente do grande navio.
Às 21:20 da noite, o capitão vai para o seu camarote, pedindo apenas para ser despertado, se necessário.
Às 23:40, o Titanic está se movendo a 20 nós. A temperatura do ar está baixíssima, em meio a um céu sem nuvens. De repente, vigias do Titanic informam sobre um iceberg, elevando-se entre 50 a 60 metros acima da água, a apenas 500 metros de distância. Imediatamente, os sinos de alerta são tocadas e mensagens transmitidas para a ponte de comando.
O oficial Moody está na ponte no momento e reconhece o aviso. É a ordem de parar os motores. As alavancas para fechar as portas estanques abaixo da linha d’água são ativadas. O Titanic começa a virar, mas é tarde demais. O navio bate no iceberg no lado estibordo do navio. Apenas 37 segundos se aram desde o momento do iceberg foi avistado.
O TITANIC ESTÁ CONDENADO!
Em dez minutos, a água subiu 14 metros acima da quilha. Os primeiros cinco compartimentos estão fazendo água. O setor da caldeira número 6 é inundado rapidamente com oito metros de água.
À meia-noite o capitão pede e recebe uma avaliação da situação: O Titanic vai afundar em no máximo uma hora e meia.
O capitão pede que seja enviado um sinal de socorro. A posição do navio: 41 graus 46 minutos Norte e 50 graus 14 minutos Oeste.
A meia noite e cinco minutos de 15 de abril de 1912, a Quadra de squash, 32 metros acima da quilha, está inundada. Ordens são dadas para retirar as lonas que cobrem os botes salva-vidas. A triste realidade da situação está começando a tomar forma. Há apenas espaço suficiente para 1.178 ageiros nos botes, mas há 2.227 pessoas a bordo.
Entre 00:15 e 02:17 horas da manhã, vários navios relatam ter ouvido os sinais d e SOS do Titanic. Estes incluem o navio irmão do Titanic, o transatlântico Olympic, que está a 500 quilômetros de distância. Seis navios, entre eles o Carpathia tentam vir prestar assistência.
O cargueiro Carpathia
Por volta das 00:15, a banda do navio começa a tocar música no salão de primeira classe. É um momento famoso e, finalmente, surrealista!
O primeiro bote é baixado, mas ele sai com 28 pessoas, mas tem capacidade para armazenar 68.
O embarque dos ageiros em botes salva-vidas logo degenera em caos. A maior parte destes barcos saem do navio agonizante sem estar completamente carregado. O pânico agora é total entre os ageiros e muitos começam a perceber a situação desesperadora em que estão metidos. Enquanto isso o cargueiro Carpathia se desloca a toda velocidade para tentar prestar assistência.
Às 02:10 horas da manhã, com água a apenas dez metros abaixo do convés, o capitão Smith manda que os homens no posto de comunicação deixem as suas funções e busquem se salvar. Mas um deles, um homem chamado Phillips desobedece a ordem e continua a enviar mensagens. Consta que a última mensagem foi enviada às 02:17 da manhã.
O capitão Smith
O capitão finalmente se retira para a ponte, quando neste momento, parte do Titanic mergulha debaixo d’água e o navio inicia a sua descida, longo e solitário na escuridão. De 2.220 pessoas que reservaram a agens, 1.500 morrem em consequência do afundamento, com 705 pessoas sobrevivendo.
Existem centenas de histórias individuais vinculados a este trágico acontecimento:
A banda que tocou bravamente, enquanto o navio estava afundando em torno deles.
Os bravos homens que ordenaram a clássica ordem “mulheres e crianças primeiro” para os botes salva-vidas, sabendo que eles próprios não seriam salvos.
O capitão que estava destinado a ir para baixo com seu navio.
A segunda terceira classe de ageiros, que foram bloqueados abaixo do convés, enquanto para os ageiros da primeira classe não faltaram cuidad
os e atenções.
Maridos e esposas, mães e pais e suas crianças, que seria para sempre separadas pela morte.
Como resultado deste afundamento, várias alterações profundas foram feitas na indústria de transporte. Claro, o mais significativo foi o pronunciamento do inquérito Britânico, onde ordenou que a partir daí haveria botes salva-vidas suficientes para todos os ageiros a bordo de todos os navios da terra de sua Majestade. Além disso, em abril de 1913, uma Patrulha do Gelo Internacional foi estabelecido que, sob a direção da Guarda Costeira dos Estados Unidos para guardar as rotas marítimas do Atlântico Norte.
A trágica história do naufrágio do Titanic tornou-se lendária. Através de livros e filmes, as gerações têm vindo a conhecer e entender seus últimos dias no mar. No entanto, foi somente em 1985 quando o Dr. Robert Ballard, usando o estado da arte da tecnologia submarina, finalmente descobriu o local de descanso deste transatlântico de luxo.
A busca para encontrar o Titanic foi feito por uma equipe de expedição conjunta americano-francês. No papel, a estratégia parecia simples. Os ses iriam rebocar um dispositivo de sonar de profundidade e em um padrão de grade, sobre a área geral do naufrágio até o navio ser encontrado.
Claro que, apesar do tamanho imenso do Titanic, ela seria apenas um pontinho no vasto Oceano Atlântico Norte. Então dias e semanas se aram, e as dificuldades de um dispositivo de reboque pesado, muitos quilômetros abaixo da superfície tornou-se evidente.
Então, no início da manhã de 01 de setembro de 1985, os operadores cansados de repente começaram a ver alguma coisa.
DESTROÇOS!
Na verdade, a primeira peça reconhecível foi uma das caldeiras do navio.
No entanto, os cientistas e engenheiros a bordo sabiam que estavam perto. Continuaram a sua pesquisa vigilante acima do fundo do oceano e logo pedaços maiores de destroços começaram a aparecer. Eles estavam sobre o “campo de destroços”, uma seção do fundo do oceano coberto com itens soltos do Titanic.
O naufrágio principal ainda não tinha sido encontrado, mas ironicamente não foi a tecnologia submarina que realmente localizou os destroços do navio principal, mas um equipamento chamado ecobatímetro, já bem antiquado, que estava a bordo do navio de pesquisas que fez a descoberta no dia seguinte. Com a localização exata encontrada, um robô submarino foi baixado e imagens de vídeo do naufrágio foram vistos pela primeira vez após décadas do seu afundamento.
A expedição de 1985 terminou logo depois. Ballard retornou no ano seguinte para realizar um estudo mais exaustivo dos destroços. Em 1986, um submersível tripulado, chamado Alvin, seria usado para levar os homens para baixo e ver o navio pela primeira vez “ao vivo e a cores”. Um veículo operado remotamente penetrou mais profundamente no interior do navio.
Foto de um jornal da época, mostrando o comitê do senado norte americano, criado para debater as causas do desastre do Titanic
Descer 12.000 pés em um submersível não é nenhum eio! O tempo de viagem da superfície para o fundo é de cerca de onze horas e meia. Ainda assim, usando a combinação de tecnologia e equipamento submersível, uma impressionante variedade de imagens de informações sobre o naufrágio já foram trazidos à tona para o mundo todo ver.
Outros, no entanto, voltaram para o Titanic.
Durante as expedições realizadas em 1987, 1993, 1994 e 1996, foram recuperados mais de 5.000 artefatos do local do naufrágio. Esses artefatos foram cuidadosamente preservados e foram colocados em exposição para o público em vários locais do mundo.
Há alguma controvérsia raging sobre a recuperação desses artefatos.
Alguns, Bob Ballard incluído, possuem a opinião que o Titanic é um cemitério e um memorial a todos aqueles que morreram na noite de 15 de abril de 1912. Perturbando o local com a remoção de artefatos, eles sentem que a santidade e a dignidade do Titanic está sendo comprometida. Outros pensam que o naufrágio é um artefato da história e as peças recuperadas apenas ajudam a educar as pessoas sobre a tragédia do Titanic. Eles também afirmam que se não retirassem do mar esses artefatos , ao longo do tempo eles vão desaparecer para sempre.
Independentemente da sua posição sobre este assunto, certamente a história do Titanic será lembrada por muito tempo.
Imagem de parte da estrutura do Titanic, feita por modernos equipamentos de rastreamento do solo marinho
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