A VISITA DO “AÇOUGUEIRO” ARTHUR HARRIS A NATAL E AO BRASIL

O Que Uma Das Mais Controvertidas Figuras da Segunda Guerra Mundial, Tido Por Muitos Como Um Implacável e Sanguinário Criminoso de Guerra, Veio Fazer em Nosso País e em Parnamirim Field?

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros  

Na tarde do dia 10 de agosto de 1945, uma bela sexta-feira de sol, o povo da cidade do Natal foi surpreendido pelo sobrevoo de duas grandes aeronaves estranhas e bastante chamativas.

E observem que durante grande parte da Segunda Guerra Mundial, os natalenses testemunharam a agem de milhares de aeronaves envolvidas naquele conflito e nessa época pouca coisa que voava ainda chamaria a atenção dos que aqui viviam. Mas aqueles dois aviões certamente fizeram as pessoas olharem para o céu!

Eles eram grandes quadrimotores, com duas grandes aletas elípticas na cauda onde ficavam os lemes que as guiavam. A parte de baixo das aeronaves era pintada de negro e na parte superior eram totalmente brancas[1]. Voando em um dia claro como aquele, aquelas aeronaves se destacaram bastante na paisagem.

Mas certamente para os natalenses que testemunharam o voo daqueles colossos aéreos, uma das coisas que mais deve ter chamado à atenção foi o ronco dos quatro motores que cada um daqueles majestosos aviões emitia. Pois era o inconfundível som dos motores Rolls-Royce Merlin, que equiparam e fizeram a fama de aeronaves inglesas como os caças Supermarine Spitfire e De Havilland Mosquito, além dos bombardeiros Vickers Wellington, Handley Page Halifax e os pesados Avro Lancaster. E as aeronaves que sobrevoaram Natal naquela sexta feira eram dois originais quadrimotores Avro Lancaster da RAF (Royal Air Force).

Bem, alguém deve ter se perguntado – Mas o que aqueles aviões estavam fazendo em Natal?

Enfim, a guerra na Europa já havia cessado desde abril, os combatentes da FEB e da FAB retornavam da Itália cobertos de glórias e no dia anterior os americanos haviam lançado uma superarma chamada “Bomba Atômica” na cidade japonesa de Nagasaki, depois de terem destruído dias antes e com o mesmo tipo de artefato outra cidade chamada Hiroshima!

Certamente quase ninguém em Natal sabia a razão da vinda daqueles pesados bombardeiros Lancaster, ou de quem viajavam neles. Mas um dos tripulantes era ninguém menos que Sir Arthur Harris, o comandante da toda poderosa força de bombardeiros da RAF.

Seguramente essa ainda é uma das figuras mais controversas de toda a História da Segunda Guerra Mundial. Tudo por causa das suas ordens que provocaram indiscriminados ataques aéreos contra as cidades alemãs e a morte de milhares de pessoas, a grande maioria delas civis. Certamente a ação de Harris que mais chamou a atenção do público ocorreu nos últimos dias do conflito, ao ordenar a total destruição da cidade alemã de Dresden. Um objetivo militar sem nenhuma importância concreta, repleta de refugiados que fugiam dos exércitos russos e que sofreu três dias de bombardeios devastadores.

Sir Arthur Travers Harris – Fonte – Wikipédia.

Mas o que esse homem veio fazer no Brasil e em Natal?

Um Militar Rude e Difícil, Mas que Inspirava Seus Comandados

Arthur Travers Harris nasceu em Cheltenham, sudoeste da Inglaterra, em 13 de abril de 1892. Seu pai era um engenheiro e arquiteto lotado no serviço público indiano e sua mãe uma típica dona de casa inglesa. Sua família vivia na Índia, mas Harris estudou na Inglaterra. Aos dezessete anos e contra a vontade do seu pai, largou tudo e foi para a colônia britânica da Rodésia, na África, atual Zimbábue. Ali tentou a sorte na mineração de ouro, na condução de diligências e na agricultura. Quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu, ele se juntou ao 1º Regimento da Rodésia e lutou na vitoriosa campanha para dominar territórios alemães no sudoeste da África.

Harris retornou à Inglaterra em 1915 e decidiu se juntar ao incipiente corpo de aviadores do exército. Ali obteve sucesso como piloto, provando ser um combatente tranquilo e eficaz, sendo-lhe atribuídas cinco vitórias aéreas. Em 1918 se juntou à recém-fundada RAF como oficial de carreira e chegou a comandar um esquadrão. Foi lembrado como um oficial que buscava constantemente maneiras de aprimorar o desempenho tático e técnico de seus comandados, mas era também rigoroso e exigia altos padrões de desempenho de todos ao seu redor.

Com o fim da Primeira Guerra Harris serviu na Índia, Iraque e Irã. Durante esse período a RAF realizou bombardeios com gás e bombas de ação retardada contra as tribos iraquianas que se rebelaram contra o domínio britânico. O Comodoro do ar Lional Evelyn Oswald Charlton, chefe do Estado Maior da RAF no Iraque, ficou horrorizado ao visitar em 1924 um hospital que abrigava vítimas civis desses ataques aéreos. Ele então se opôs a essa política e ou a criticar abertamente tais ações de bombardeio, o que o levou a renunciar ao seu comando. Não descobri o quanto e como Arthur Harris participou dessas ações, mas sei que ao lhe perguntarem o que achava dos bombardeios, a sua resposta foi “-A única coisa que os árabes entendem é a força e a mão pesada“.

Entre 1928 e 29, Harris frequentou a Escola de Estado-Maior e foi tendo uma progressão normal na sua carreira. Ele defendeu abertamente a produção de bombardeiros que pudessem atingir a União Soviética. Acreditava que o comunismo era a principal ameaça à Grã-Bretanha e foi considerado um dos primeiros “Combatentes da Guerra Fria“. Acreditava também que a Inglaterra entraria em guerra contra a Alemanha Nazista e previu corretamente 1939 como o ano do início desse conflito.

Bombardeio noturno da RAF na Segunda Guerra Mundial – Fonte – Wikipédia.

Harris ou os primeiros meses da Segunda Guerra comprando aeronaves para a RAF nos Estados Unidos. Mas ele achou seu relacionamento com os americanos muito difícil. Disse a amigos que não gostava de ter que lidar com “um povo tão arrogante, que simplesmente se recusava a ouvir os conselhos técnicos dos britânicos”. Harris também reclamou que os americanos não iriam lutar, a menos que fossem empurrados para a guerra.

Em fevereiro de 1942, Harris foi chamado de volta a Londres para ser nomeado comandante em chefe do Comando de Bombardeiros. Embora muitos no Ministério da Aeronáutica o considerassem rude e inível, ele também era capaz de inspirar intensa lealdade naqueles que serviram com ele.

Harris herdou uma força de uns 400 bombardeiros em condições de combate e apenas um punhado eram quadrimotores novos. Nessa época as suas aeronaves eram capazes de modestos e imprecisos ataques contra áreas do oeste da Alemanha e o lançamento de inúteis panfletos com pedidos para as forças de Hitler encerrarem as suas ações de combate.

Heinkel 111, o principal bombardeiro dos alemães na Segunda Guerra, em ação nos céus da Polônia em setembro de 1939 – Fonte – Wikipédia.

Mas é bom que se registre que quem começou os bombardeios contra civis na Segunda Guerra foram os alemães. Aconteceu já no primeiro dia do conflito, 1º de setembro de 1939, quando Varsóvia, capital da Polônia, foi alvo de uma campanha irrestrita de bombardeios aéreos iniciados pela Luftwaffe, a força aérea nazista. Em seguida foi atacada com extrema violência a cidade de Roterdã, na Holanda, seguida de Coventry, Londres e outros centros urbanos britânicos. Isso apenas para citar alguns alvos da Luftwaffe.

Harris e seus comandados decidiram então dar o troco!

Tempestade de Fogo

Arthur Harris não foi o inventor da guerra aérea contra as cidades, nem o comandante de unidades de bombardeiros que fizeram mais vítimas na Segunda Guerra Mundial e nem sequer o criador do conceito de bombardeamento estratégico. Mas ele foi um dos primeiros oficiais generais a aplicar esse conceito.

Foi o general italiano Giulio Douhet, que argumentou em sua influente obra “O Comando do Ar“, publicada em 1921, que o bombardeio estratégico — particularmente contra populações civis e a infraestrutura existente — poderia destruir a vontade de lutar de uma nação. O italiano acreditava que, ao infligir terror e destruição suficientes do ar, o moral da população civil entraria em colapso, forçando o governo inimigo a capitular. Chamou essa prática de “a mais alta arte da guerra aérea“, que provocaria nos inimigos “o esmagamento de todas as forças materiais e morais de um povo“.

Já seu colega britânico Hugh Trenchard defendia a ideia de decidir futuras guerras pelo ar, bombardeando alvos civis na retaguarda do inimigo.

Com o desenrolar da Segunda Guerra, a RAF ou a realizar ataques noturnos, mas os resultados foram decepcionantes. As perdas continuaram inaceitáveis ​​e a precisão dos bombardeios era péssima. Harris então buscou aperfeiçoar as táticas de bombardeamento de uma forma até então inimaginável: com base em critérios cientificamente estabelecidos, sua equipe selecionou as cidades na Alemanha que poderiam ser mais facilmente incendiadas do ar, realizando o chamado “Bombardeamento de área” e sem se importar com a precisão.

Esquadrilha de Lancaster durante a Segunda Guerra.

Seus pilotos aprenderam a lançar sua carga mortal nos centros densamente povoados, com ataques que concentravam muitos bombardeiros para destruir o máximo que pudessem e sobrecarregar os serviços de uma cidade. Harris também decidiu apostar as reservas do Comando de Bombardeiros em ataques de peso sem precedentes: centenas de aeronaves contra um único objetivo.

O primeiro-ministro britânico Winston Leonard Spencer Churchill e sua equipe aérea de alto escalão acreditava que o bombardeio de área desaceleraria a produção bélica alemã, destruiria o moral da frente interna e talvez levasse a uma revolta dos trabalhadores contra o regime nazista.

Em 1942 o Comando de Bombardeiros Britânico ou a contar com a parceria da formidável Oitava Força Aérea dos Estados Unidos, com suas tripulações e seus bombardeiros quadrimotores B-17 e B-24, que uniram forças aos bombardeiros ingleses Wellington, Blenheim, Stirling, Halifax e Lancaster.

Não demorou e a destruição das cidades alemãs logo ultraou o alcance e a ferocidade que a Luftwaffe havia feito em Varsóvia, Roterdã, Coventry ou Londres. As cidades de Lübeck, Rostock e Colônia foram as primeiras urbes alemãs a serem quase que totalmente destruídas por bombardeios. Em Hamburgo, outra “primeira vez” foi alcançada em 1943: em uma tempestade de fogo de proporções apocalípticas, cerca de 40.000 pessoas, a maioria delas civis, morreram queimadas. Nesse período, em apenas dez dias, mais civis foram mortos na Alemanha do que na Grã-Bretanha durante toda a Segunda Guerra.

A partir do verão de 1944, a RAF e os americanos conseguiam incendiar qualquer cidade alemã do ar, como Trier, Essen, Heilbronn, Stuttgart e Darmstadt. A sequência de ataques e seus resultados são inúmeros e seria até enfadonho listá-las nesse texto.

Já sobre os quadrimotores Lancaster, pode-se considerá-lo um dos maiores aviões de guerra de todos os tempos. Transportava uma carga normal de bombas de 6.300 kg e chegou a ser utilizado por 56 esquadrões do Comando de Bombardeiros da RAF. As tripulações dos Lancaster realizaram 156.000 surtidas sobre a Europa ocupada pelos nazistas e lançaram 681.645 toneladas de bombas. Com isso ajudaram a matar cerca de 600.000 pessoas, a maioria mulheres e crianças, e mais de um terço das moradias urbanas da Alemanha foram destruídas.

Três Lancaster da RAF em 1942– Fonte – Wilipédia.

Harris compreendeu as implicações sombrias do que lhe era exigido e dedicou-se à sua tarefa ingrata e nada glamorosa com vigor e por isso ganhou o apelido de Butcher (Açougueiro). Some-se a tudo isso o fato que mais de 55.000 homens das tripulações do Comando de Bombardeiros Britânico morreram e um total de 10.321 aeronaves foram perdidas em 389.809 surtidas.

O Controverso Herói de Guerra

No entanto, como comentamos anteriormente, Arthur Harris é mais conhecido pelo bombardeio à cidade alemã de Dresden, ocorrido entre 13 e 15 de fevereiro de 1945.

Poucos dias depois desse terrível e cruel ataque, ele teria dito a um dos secretários de Churchill: “– Dresden? Esse lugar não existe mais!”

Um dos dois únicos Lancaster em condições de voo na atualidade – Fonte – Wilipédia.

Com a destruição terrivelmente eficiente da velha cidade barroca alemã, que custou a vida de 25.000 pessoas, Harris havia ultraado um determinado limite na barbárie. Tanto que a necessidade do ataque a Dresden tão no fim da guerra tem sido muito debatida desde então.

A questão é que, em meio ao horror da Segunda Guerra Mundial, bombardear algumas cidades matando centenas de milhares de civis para desacelerar a produção bélica não parecia algo extraordinariamente cruel, especialmente se encerrasse a guerra mais cedo. Mas, ao final da guerra, quando os alemães estavam claramente prestes a se renderem em algumas semanas ou dias, o ataque a Dresden causou indignação e muitas vozes aram a reclamar dos ataques indiscriminados às cidades alemãs e das mortes de tantos civis.

Dresden, vista parcial do centro da cidade destruído, do outro lado do Rio Elba, até o bairro de Neustadt. No centro da imagem, estão a praça Neumarkt e as ruínas da Frauenkirche – Fonte – Bundesarchiv.

O primeiro-ministro Winston Churchill havia defendido o bombardeio da Alemanha e trabalhado em estreita colaboração com o Harris por três anos, mas em 1945 estava perpetuamente preocupado com o bombardeio de civis. Após Dresden e diante da reação indignada dos países neutros ao ataque, Churchill se distanciou do chefe do Comando de Bombardeiros, primeiro internamente e depois também em relação aos Aliados.

No fim das contas Arthur Harris nunca fez nada além de cumprir os desejos do seu Primeiro Ministro. A sua contribuição foi a consistência assassina, a determinação férrea, a crueldade para com seus próprios homens e também para com as vítimas alemãs.

O primeiro-ministro britânico Winston Churchill. 

E o que Arthur Harris fez diante das repercussões negativas e das críticas?

Deu uma esticadinha até o Brasil!

No Grande País Tropical

A razão divulgada nos jornais brasileiros para o comandante inglês sair da distante e fria Inglaterra para o nosso caliente e varonil país, seria assistir no Rio de Janeiro ao desfile da chegada do 2º escalão da Força Expedicionária Brasileira. Ao menos isso foi o que publicou com destaque os jornais cariocas, mas Harris só chegou três dias depois que nossos pracinhas da FEB desfilaram pelas ruas do Rio e ninguém explicou a razão da sua não participação!

Independente disso, no dia 25 de julho de 1945, três quadrimotores Lancasters B.III partiram da base da RAF de St. Mawgan, na Cornualha, no extremo sudoeste da Inglaterra. Eram as aeronaves com os indicativos NX687, NX688 e NX689, todas do 156 Squadron.

Os Lancaster que trouxeram Arthur Harris aop Brasil., estavam pintados com o esquema da “Tiger Force”.

Após paradas para reabastecimento e descanso em Rabat, no Marrocos, e na cidade de Bathurst, então capital da colônia inglesa da Gâmbia e atualmente conhecida como Banjul, o primeiro dos três quadrimotores ingleses chegou ao Recife na tarde do dia 27 de agosto, faltando dez minutos para as quatro horas.

Foi o Lancaster NX687 que aterrissou no Campo do Ibura, ou Ibura Field para os americanos, onde um grande número de autoridades e populares aguardava o “Grande Herói Inglês”. Mesmo depois de nove horas de voo, Harris e seu séquito só desembarcaram depois que os funcionários do Serviço Nacional da Malária dedetizaram totalmente a aeronave.

Desembarque no Campo do Ibura, em Recife.

Ao finalmente desembarcar, Harris foi recebido por Etelvino Lins de Albuquerque, Interventor Federal em Pernambuco, e pelo brigadeiro Ajalmar Vieira Mascarenhas, comandante da 2ª Zona Aérea da FAB. Depois das solenidades de praxe, seguiram em cortejo pelas ruas da capital pernambucana até o Grande Hotel, onde atualmente funciona o Fórum Thomaz de Aquino Cyrillo Wanderley, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, na Avenida Martins de Barros, 593, bairro de Santo Antônio.

Às quatro e meia chegou o segundo Lancaster e devido a um problema mecânico o terceiro avião ficou de aterrissar em Recife só no outro dia. Um dado interessante é que na chegada da segunda aeronave desembarcou no Campo do Ibura um oficial inglês alto, de boa aparência, falando português fluentemente com os oficiais brasileiros e que trazia pela mão uma criança.

Harris discursando para as autoridades brasileiras, tendo a sua esquerda o capitão da RAF Walter Pretyman como seu tradutor. A direita de Herris está o brigadeiro Eduardo Gomes.

Esse oficial era o capitão Walter Frederick Pretyman, um londrino de família pertencente ao mais fino High Society britânico, antigo estudante da Universidade de Oxford, que havia desembarcado no Brasil em 1923 e se apaixonou pelo país. Aqui Walter Pretyman morou no Rio de Janeiro, se tornou um empresário de sucesso no ramo açucareiro na cidade carioca de Campos e foi um dos fundadores da poderosa Usina Santa Cruz. Também no Rio ele foi um dos fundadores e assíduo frequentador do Gávea Golf and Country Club e um dos pioneiros do jogo de polo em nosso país[2].

Pretyman era muito ativo na alta sociedade carioca, com amizades entre muitos oficiais das forças armadas brasileiras e membros do governo de Getúlio Vargas. Com a entrada da Inglaterra na guerra ele voltou para Londres em 1942 e se alistou na RAF. Quis o destino que se tornasse um dos membros do staff de Arthur Harris no Comando de Bombardeiros e foi Pretyman que articulou a vinda deste chefe britânico ao Brasil.

Arthur Harris obsevando de binoculos uma corrida de cavalos no Jockey Club no Rio de Janeiro, tendo ao seu lado Walter Pretyman e o Ministro da Aeronáutica Salgado Filho.

Seu entrosamento com o comandante dos bombardeiros era tanto, que Harris deixou que o capitão Pretyman trouxesse no Lancaster a sua filha Cristina, nascida no Brasil e com cinco anos de idade em 1945. Nessa época Pretyman era viúvo e poucos anos depois se casaria com a paranaense Vera Sá Souto Maior.

Visitando o Rio, Petrópolis, São Paulo e Porto Alegre

No dia 28 de agosto, com a esquadrilha britânica já completa, partiram do Recife às nove da manhã em direção ao Rio de Janeiro. Na chegada fizeram um sobrevoo sobre a Cidade Maravilhosa, chamando a atenção dos cariocas e depois pousaram no Aeroporto Santos Dumont.

Quem primeiro se entendeu com Arthur Harris na pista do aeroporto foi o gaúcho Joaquim Pedro Salgado Filho, Ministro da Aeronáutica. Pelos próximos doze dias o inglês iria conhecer muita coisa no Brasil e aproveitar a estadia.

Sentados da esquerda para direita estão Donald Saint Clair Gainer, Getúlio Vargas, Arthur Harris e Salgado Filho. O capitão da RAF Walter Pretyman está em pé e de costas, atuando como tradutor. Junto com ele nessa função está o brigadeiro da FAB Antônio Appel Neto, visível no reflexo do espelho e com uniforme claro.

Logo Harris teve um encontro protocolar com Getúlio Vargas e os tradutores foram o capitão Walter Pretyman e o brigadeiro da FAB Antônio Appel Neto.

Depois o comandante inglês e Sir Donald Saint Clair Gainer, Embaixador do Reino Unido no Brasil, ofereceram as autoridades brasileiras um concorrido jantar na Embaixada Britânica.

Arthur Harris apreciando um belo churrasco, junto com o brigadeiro Appel Neto.

Em outro momento Harris participou de um evento especial no grill-room do mundialmente famoso Casino da Urca. O “grill” era um grande salão com um bem estruturado palco para apresentações e recebia grandes atrações e shows. Harris não ficou só no Rio, visitou também a cidade de Petrópolis, onde se hospedou no Hotel Quitandinha, o maior cassino hotel da América do Sul. Depois seguiu de avião para São Paulo e na sequência para Porto Alegre, onde Salgado Filho o ciceroneou na capital dos gaúchos e visitaram a Base Aérea de Canoas.

Nessas visitas, para deleite dos brasileiros, Harris deixou de lado o tradicional chá inglês e publicamente se fartou de café brasileiro de primeira qualidade.

Em nome da RAF o inglês homenageou a figura de Santos Dumont, colocando uma coroa de flores no monumento existente em frente ao terminal de ageiros do aeroporto que homenageia o nosso Pai da Aviação.

Nesse dia os quadrimotores Lancaster foram abertos para a visitação pública e o comparecimento dos cariocas foi enorme.

Como não poderia deixar de ser em se tratando de uma personalidade estrangeira, mesmo sendo um controverso herói de guerra, o governo brasileiro outorgou a Harris a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria que o Brasil concede a cidadãos estrangeiros. Mesmo sem achar que Harris merecia receber uma medalha dessas, eu até entendo as razões diplomáticas para o governo lhe entregar esse belo regalo. Só não entendi mesmo foi porque os aviadores da RAF Alan John Laird Craig, Charles Cranston Calder e Robert Martin Brown Cains foram igualmente agraciados com essa comenda[3].

Finalmente em Parnamirim Field

Na manhã de 10 de agosto duas aeronaves Lancaster da RAF decolaram para Natal, onde chagaram na parte da tarde. Não encontrei nos jornais nenhuma informação sobre o destino do terceiro avião.

Após sobrevoarem a cidade do Natal, os Lancaster aterrissaram em Parnamirim e Harris foi recebido pelo Desembargador João Dionísio Filgueira (então Interventor Federal Interino do Governo do Rio Grande do Norte)[4], o coronel norte-americano William David (Subcomandante da Divisão do Comando de Transporte Aéreo para o Atlântico Sul)[5], o coronel John M. Price (Comandante da Base Americana em Natal)[6], Jaime Wanderley (Representante de José Augusto Varela, então Prefeito de Natal), o major Salvador Roses Lizarralde (Comandante da Base Aérea de Natal) e outras autoridades brasileiras e americanas.

Em síntese a visita de Arthur Harris a Parnamirim foi rápida e pouca coisa em termos de informações eu consegui sobre o que aconteceu. Sabemos que ele percorreu as dependências da grande base, que houve um jantar no casino dos oficiais, que ele e seu séquito não vieram para Natal (pernoitaram na base) e que no outro dia pela manhã partiu para os Estados Unidos.

Apesar de parecer uma visita rápida, protocolar e simplória, o que mais me chamou a atenção foi encontrar várias declarações que Arthur Harris fez aos jornalistas brasileiros sobre a importância de Natal e sua grande base aérea para o esforço de guerra. Trago aqui duas destas declarações que foram publicadas em jornais cariocas.

Tal como muitos militares de renome e prestígio que atuaram na Segunda Guerra Mundial e estiveram em Parnamirim Field, como os generais Dwight D. Eisenhower, Mark Clark, Willis Crittenberger e outros, o inglês Arthur Harris sabia o valor daquela base e desejou conhecer esse local que ajudou as forças aliadas a ganhar a guerra contra o nazi fascismo.

As suas impressões sobre esse local eu não consegui encontrar. Mas, quem sabe, como Harris era um estrategista de mão cheia, talvez ele tenha pensado que os americanos iriam continuar por aqui depois de construir aquela cara e enorme base aérea e não entregariam nada aos brasileiros. Então, em um possível e futuro conflito contra os soviéticos, estar presente em Parnamirim Field poderia ser interessante para a RAF!

Bem, se ele assim pensou isso logo se desvaneceu, pois Harris deixou à RAF em 15 de setembro de 1945. Isso aconteceu em meio a uma disputa com o novo primeiro-ministro inglês Clement Attlee. Amargurado, ele foi viver na África.

Criminoso de Guerra?

Após a sua temporada africana e logo depois que Winston Churchill retornou ao poder na Grã Bretanha em 1951, Arthur Harris voltou ao seu país de origem.

Foi quando recebeu a oferta de ser agraciado com um título de nobreza, situação que ele recusou. Mas em 1953 aceitou um título mais modesto de baronete. No final das contas Harris nunca foi homenageado no mesmo nível de outros heróis de guerra britânicos, como os generais de exército Bernard Law Montgomery e Harold Alexander, ou comandante de caças da RAF Hugh Dowding.

Arthur Harris então se estabeleceu definitivamente com a sua família em Oxfordshire, aproveitando uma aposentadoria tranquila, porém ativa. Mas na década de 1960 a opinião pública britânica se voltou fortemente contra Harris e ele ou a ser visto por muitos como um “criminoso de guerra“.

Enfim, Arthur Harris foi um criminoso de guerra?

Não há uma resposta simples para isso: de acordo com critérios objetivos, a destruição seletiva dos centros urbanos alemães não era justificada militarmente e, portanto, era uma violação grave das leis da guerra. Por outro lado, essa violação não relativizou a culpa exclusiva de Hitler pela Segunda Guerra Mundial, nem pelos crimes de guerra da Wehrmacht e das tropas SS, e muito menos pelos assassinatos de milhões de judeus, eslavos, deficientes, homossexuais, ciganos e outros grupos de seres humanos.

Harris trabalhando no Comando de Bombardeiros.

Apesar disso, no entanto, o horror em relação à figura de Arthur Harris permaneceu. E ele ajudou bastante em tudo isso!

O ex-comandante dos bombardeiros lançou um livro com as suas memórias da Segunda Guerra. Intitulado “Bomber Offensive”, veio com muitas justificativas para as suas ações e entre estas existe a seguinte agem: “Apesar de tudo o que aconteceu em Hamburgo, o bombardeio era um método de guerra relativamente humano“.

Arthur Harris provavelmente nunca se considerou um humanitário, mas sim um comandante militar encarregado de matar alemães, fossem eles soldados ou civis.

Quando Arthur Harris faleceu, uma aeronave Lancaster sobrevivente realizou um sobrevoo sobre o cemitério onde acontecia o sepultamento.

Faleceu discretamente no dia 5 de abril de 1984, oito dias antes de completar 92 anos. Um preservado Lancaster sobrevoou o seu sepultamento e anunciou a homenagem final da RAF ao último de seus grandes comandantes da Segunda Guerra Mundial.

Quando foi decidido erigir uma estátua de Harris do lado de fora da igreja de St. Clement Danes, em Westminster, Londres, houve amplas objeções e severas críticas.

O homem se foi, mas a controvérsia que o cercava ainda persiste.

NOTAS ————————————————————————


[1] Essas pinturas brancas existentes nesses aviões Lancaster que vieram para o Brasil foram feitas para os Avro Lancaster do Comando de Bombardeiros Britânico que estavam destinados a atacar alvos no Japão. Essa foi uma oferta de Winston Churchill aos Estados Unidos para que 40 esquadrões de Lancaster fossem disponibilizados para uso na área do Oceano Pacífico e esse grande grupo de bombardeiros foi denominado “Tiger Force”. Durante a Segunda Guerra o esquema padrão do Comando de Bombardeiros Britânico em ação na Europa era a parte inferior preta e a parte superior com tons verde e marrom. Já nos Lancaster da “Tiger Force” a parte inferior preta foi mantida, mas a parte superior foi pintada de branco para refletir o calor. Com o lançamento das bombas atômicas sobre o Japão e a rendição desse país, a ideia da “Tiger Force” foi colocada de lado.

[2] Em 1926 Walter Pretyman sagrou-se campeão com a sua equipe em um badalado torneio de polo no Rio e a taça de vencedor foi entregue pelo então Presidente da República Arthur Bernardes.

[3] E ainda sobre essa história da entrega dessa comenda existe uma situação interessante. Antes da chegada de Arthur Harris ao Brasil, esteve em nosso país o general norte-americano Mark Clark, que foi o comandante do 5º Exército dos Estados Unido, que atuou na Campanha da Itália e tinha sob seu comando a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Ocorre que Clark, que inclusive nessa ocasião veio ao Brasil para assistir a chegada do 1º escalão da FEB no Rio, não recebeu essa mesma honraria e desconheço a razão disso. Clark só veio a receber essa comenda em maio de 1975, das mãos do Presidente Ernesto Geisel.

[4] Dionísio Filgueira estava recepcionando o comandante Arthur Harris em razão da ausência de Natal do general Antônio Fernandes Dantas, o Interventor Federal do Rio Grande do Norte na época.

[5] O Comando de Transporte Aéreo (em inglês Air Transport Command – ATC) era o setor da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (United States Army Air Force – USAAF) que durante a Segunda Guerra Mundial organizou e operou os transportes aéreos do exército americano em todo o mundo.

[6] Essa base aérea era a famosa Parnamirim Field, que se subdividia em uma base área da força aérea do exército americano e outra da marinha dos Estados Unidos, que trabalhavam em parceria com a base aérea brasileira, a chamada Base Aérea de Natal, todas na mesma região. O coronel Price havia assumido esse posto recentemente, substituindo o coronel Léo F. Post.  

O MOSQUITO ANOPHELES GAMBIAE – COMO O BRASIL ABATEU UM INVASOR

A inigualável realização cientifica do Brasil — o extermínio do mortífero mosquito gambiae — salvou o continente americano de uma praga letal.

Por Lois Mattox Miller[1] – Publicado na Revista Seleções do Reader’s Digest, edição de fevereiro de 1942, págs. 62 a 66[2]. Condensado do jornal “Correio da Manhã”, Rio de Janeiro.

NOTAS COMPLEMENTARES DO BLOG TOK DE HISTÓRIA AO FINAL DO TEXTO.

Em 1930, quando poucos se preocupavam ainda com a defesa do Novo Mundo, uma pequena turma de agentes secretos, sedentos de sangue, saídos da África Ocidental, atravessou o Atlântico Sul para desembarcar em Natal. Não tardou que os efeitos dessa missão de morte se fizessem notar.

Publicado na Revista Seleções do Reader’s Digest, edição de fevereiro de 1942, págs. 62 a 66. Condensado do jornal “Correio da Manhã”, Rio de Janeiro.

Dúzias, depois centenas, e enfim milhares de pessoas adoeceram em Natal. A face se punha pálida ou cor de chumbo; o corpo torturado de sofrimento era alternadamente consumido por febres devoradoras e sacudido de arrepios atrozes. “Malária” diagnosticaram os médicos. Mas aquele não era precisamente o tipo de malária endêmica dos trópicos e regiões subtropicais da América.

Alguns sábios médicos, que já tinham visto a malária sob o seu pior aspecto em outras regiões do mundo, pensavam coisas que nem sequer ousavam dizer em voz alta. Não tardou que um caçador de mosquitos aparecesse para confirmar as mais graves de suas suspeitas.

O Dr. Raymond C. Shannon, entomologista da Fundação Rockefeller[3], adido ao Serviço de Combate à Febre Amarela no Brasil, andava perto de Natal procedendo a sua verificação habitual de águas de chuvas retidas em barricas, estradas e caminhos, quando encontrou um mosquito que lhe pareceu estranho naquela região. No laboratório, o Dr. Shannon meteu o prisioneiro sob a objetiva do microscópio, lançou lhe um rápido olhar, e não pôde reter uma exclamação de assombro.

Atuação do mosquito anófeles gambiae no Rio Grande do Norte.

Pela primeira vez na história, o gambiae — o mais mortífero de todos os mosquitos transmissores da malária, e precisamente aquele que fez da África Ocidental um inferno de doença e morte — tinha invadido o Novo Mundo!

Mas de que modo? O raio de voo do inseto gambiae limita-se a quatro quilômetros. Teria o monstro chegado no porão de um navio? Não, o gambiae é incapaz de se manter de portas adentro, ou escondido por mais de 48 horas. Nesse caso devia ter vindo pelo ar! Os aviões comerciais da nova linha aérea sa tinham reduzido para vinte e uma horas o percurso Dakar-Natal. Era isso mesmo — o agente africano da “morte em vida” viera como ageiro clandestino[4].

O alarme foi irradiado para todas as nações da América. As autoridades sanitárias do Brasil decretaram logo um rígido controle: desde essa data, todos os aviões chegados da África deveriam ser imediatamente submetidos à inspeção e fumigação rigorosas. Mas os peritos da malária diziam: “O mal está feito! O gambiae já está aqui”.

Jornal natalense “A República”, edição de sábado, 19 de setembro de 1931, pág. 1.

A espécie ia se multiplicar com fantástica rapidez, A fêmea adulta (que se nutre de sangue e é o veículo da doença na família) é duma proliferação tremenda. Seus ovos se incubam em pouco mais de um dia e oito a nove dias depois as fêmeas recém-nascidas já começam a procriar, por sua vez, ativamente.

Além disso, o gambiae é o inseto mais sedento de sangue de todos os membros da família dos anófeles, transmissores da malária. As outras espécies podem se nutrir do sangue de animais e ficam satisfeitas com um repasto ocasional de sangue humano. A fêmea gambiae, essa, vive quase exclusivamente do sangue humano. Seu corpo funciona como um laboratório de venenos — alfobre onde se criam confortavelmente e aos milhões os parasitas da maleita. Essa combinação de hábitos faz do gambiae o mais perigoso veículo de malária que o mundo conhece.

Entre abril e junho de 1930, a cidade de Natal sofreu uma epidemia de malária, a mais intensa e violenta ainda verificada neste hemisfério. Durante a longa estação seca, de junho a fevereiro, a epidemia decresceu, para em seguida rebentar de novo e com redobrada virulência.

Lentamente, mas com precisão militar, o gambiae se espalhou para além de Natal. Os ventos dominantes arrastaram uma vanguarda do exército invasor pela costa acima e pela terra adentro, à distância de 186 quilômetros. Chegou a infectar 90 por cento da população de certas regiões e matou entre 10 e 50 por cento de suas vítimas. Minava as forças dos sobreviventes, deixando muitos demasiado débeis para trabalhar e demasiado abúlicos para se interessarem pela própria existência.

As autoridades da Saúde Pública, recordando o papel que a malária desempenhou na decadência da Grécia e da Roma antiga, olhavam com ansiedade crescente o alastramento do flagelo. O famoso malariologista americano Marshall A. Barber regressou do Brasil para lançar este aviso:

“A invasão do gambiae está ameaçando a América de uma catástrofe tal, que em comparação as pestes e mesmo as guerras, não am de calamidades temporárias, insignificantes. O gambiae, uma vez introduzido nas veias de uma nação, pode ali ficar como um flagelo pelos séculos afora…”

Membros da unidade de controle da malária pulverizando uma área alagada.

Foi então que o Brasil teve uma destas sortes que parecem providenciais. Durante os dois anos seguintes, uma seca mais rigorosa devastou literalmente as terras invadidas pelo gambiae, ressequindo os ninhos de reprodução, e suspendendo a marcha do invasor. Essa trégua providencial deu tempo aos combatentes antimaláricos para pensar e agir[5].

O Brasil tem um verdadeiro exército científico para o fim de combater as moléstias transmitidas pelos mosquitos. Sob a direção do Dr. Barros Barreto[6], diretor geral de Saúde Pública, está fazendo o Serviço de Combate à Febre Amarela algo que o Novo Mundo — e mesmo o mundo inteiro — devia se orgulhar. Trabalhando segundo as tradições heroicas do grande higienista Dr. Oswaldo Cruz[7], que há mais de 30 anos expulsou a febre amarela do Rio de Janeiro, tem dado combate tão persistente e eficaz ao aedes aegypti, que a espécie está se tornando verdadeira raridade no Brasil[8].

“Organize-se um serviço em grande escala contra o gambiae”, clamavam alguns entomologistas daquele Serviço. “Deem-nos os fundos, o pessoal e o equipamento, e nos encarregaremos de abater essa peste estranha ao Brasil!”

O médico Fernando de Goes foi um dos que atuaram nessa luta contra a malária no Rio Grande do Norte – Fonte – Facebook – Fernando de Goes Filho.

Alguns peritos, mais moderados, declararam essa medida impossível. Tinham eliminado a febre amarela pelo combate ao pernilongo — processo de fato adequado à destruição de outras espécies. Mas o gambiae é tão prolífico e tão mortal, que o combate seria fútil. Só a exterminação daria resultado. E quem ouviu jamais dizer que fosse possível exterminar qualquer espécie de inseto? Quanto mais se tratando dos gambiae… Outros mosquitos, mais íveis, procriam em sítios conhecidos e fáceis de achar — em cursos d’água, canais, lagoas, pântanos.

Combatê-los é só questão de drenagem e de aplicação de larvicidas. Os combatentes dos mosquitos têm um poderoso aliado num peixinho minúsculo, o Gambusia, que se alimentam na superfície de ovos e larvas dos mosquitos que pululam nas águas. Os Gambusia se proliferam em qualquer depósito de água, grande ou pequeno, e depressa os mosquitos desaparecerão.

Mas o gambiae é perverso e astuto, despreza os cursos d’água de boas dimensões, para consagrar sua preferência às poças minúsculas — até mesmo um sulco de roda de carro ou a marca do casco dum animal na estrada servem, contanto que tenham água da chuva. Disse um dos especialistas: “Seria necessário toda vez que chove, logo em seguida secar cada poça d’água no nordeste brasileiro”.

Foi assim que o Brasil pôs suas esperanças na seca. Talvez a terra dura e ardente, batida pelo sol, se mostrasse de todo inabitável para o invasor africano.

Quando, porém, voltaram às chuvas em fevereiro de 1934, a incrível marcha do gambiae recomeçou. Durante os quatro anos seguintes prosseguiram sem descanso para o norte e o oeste. Em 1938 cidades inteiras eram prostradas pela moléstia. O trabalho era suspenso e a falta de mão de obra deixava as terras incultas. A Fundação Rockefeller informava: “Calcula-se que em resultado das devastações causadas pelo mosquito, praticamente todas as pessoas nas áreas infestadas ficarão dependentes do auxílio governamental em 1939”.

A ameaça tornava-se agora muito séria para todo o continente. Disse uma autoridade: “Se o gambiae atravessar a barreira que o separa dos vales bem irrigados do Parnaíba e do São Francisco, seria impossível evitar que se propague a uma grande parte da América, não só do Sul e Central, como talvez da própria América do Norte”.

Foi então, em janeiro de 1939, que o Brasil declarou formalmente guerra ao anofeles gambiae. Por decreto presidencial foi organizado o Serviço de Malária do Nordeste. O Dr. Barros Barreto entregou a direção dos trabalhos a um distinto higienista, o Dr. Manoel Ferreira[9]; outros eminentes médicos brasileiros, incluindo o Dr. Evandro Chagas, famoso malariologista recentemente vitimado num desastre de aviação[10], foram mobilizados para a guerra. O Governo Brasileiro aprovou um orçamento provisório de cinco mil contos de réis, e a Fundação Rockefeller contribuiu com mais 100.000 dólares. Foi abandonada a discussão sobre se o gambiae podia ou não podia ser exterminado. As ordens eram: “Descubra-se como, e depois mãos à obra!”

Dispunha-se de pouco tempo para o treino e não havia precedentes. Mas quando a estação das chuvas principiou, em fevereiro de 1939, o primeiro exército já estava em campo, sendo formado por mais de 2.000 médicos brasileiros, técnicos, inspetores e jornalistas. Durante quatro meses os gambiaes e revelou formidável inimigo. As chuvas diárias multiplicavam ao infinito os esconderijos onde ele se reproduzia. Mas o “exército anti gambiae” tomou posições por todo o território infestado, distribuindo patrulhas, mandando partidas de batedores a estabelecer postos avançados ao longo das fronteiras. Em junho, o alto comando dos exércitos contra os gambiaes anunciava que o inimigo estava cercado. Foi então quando começou a verdadeira batalha.

NATAL, BRASIL – JUNHO DE 1943: – Pulverização de um avião de transporte C-87 Liberator para controle da malária no aeroporto de Parnamirim – Foto de Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images.

Cada um dos lugares de procriação era tratado com verde-paris[11]. De porta em porta iam brigadas de empregados, armados de vaporizadores, matando os mosquitos adultos nas casas, telheiros, lojas e edifícios abandonados. Essa estratégia de “terra devastada” era rigorosamente aplicada sobre cada centímetro quadrado das áreas reconhecidas como infestadas, e depois sobre uma zona de segurança de dezesseis quilômetros, para além das fronteiras do flagelo. Patrulhas sanitárias faziam parar todos os veículos que se dirigiam para a região não atacada e procedia a fumigação deles.

Mas os desapontamentos não faltaram. Os fundos para o combate ao gambiae cedo se esgotaram e o Governo Brasileiro teve que colocar mais cinco mil contos. A campanha tinha prosseguido na base da “tentativa e erro”; por vezes o gambiae dava a impressão de enfraquecer diante da guerra química dirigida contra ele. Quando tudo parecia correr o melhor possível, os anófeles reapareciam subitamente, dando lugar a novas explosões de malária a muitos quilômetros além da zona de combate, em territórios nunca antes infestados!

Perplexas, as autoridades remetiam brigadas de exploração para investigar. Depressa a resposta se fazia conhecer: num dos casos, um automóvel rodando por uma estrada abandonada no sertão, tinha ado sem a necessária fumigação; noutro caso, um bote de pesca tinha iludido a vigilância dos postos sanitários do serviço marítimo, indo assim levar o invasor a muitos quilômetros pela costa acima.

NATAL, BRASIL – JUNHO DE 1943: – Foto de Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images.

Os combatentes do mosquito, porém, não desanimavam. Em 1940, obtiveram um orçamento de 22.500 contos, incluindo uma dotação de 230.000 dólares da Fundação Rockefeller. As forças de campo foram aumentadas para 4.000 homens e novas táticas foram desenvolvidas. Os combatentes declaravam, cheios de confiança: “neste ano os invasores não escaparão à morte”.

Os pertinazes gambiae, com grande espanto dos observadores cépticos, começaram a perder terreno. Em meados da estação chuvosa (e ela foi excepcionalmente chuvosa) os relatórios foram chegando das regiões, uma por uma: “Área limpa… Nenhum traço de adultos, ovos ou larvas…” Essa estação teria sido realmente grandiosa para os anófeles. Em duas áreas não controladas, demarcadas precisamente para fins de pesquisa e comparação, os mosquitos proliferavam à vontade. Mas onde quer que chegavam as brigadas químicas, fazendo o seu trabalho, o inimigo ia sendo completamente derrotado.

Os combatentes resolveram estão fazer um teste decisivo. Quando uma área era declarada limpa pelos peritos em campo, suspendiam-se todas as medidas de guerra química. Mas a “força de batedores” duplicava e a vigilância era assim constante sobre o possível reaparecimento do flagelo. Lentos, longos, ansiosos, os meses foram correndo. Mas os gambiae não reapareceram!

Lois Mattox Miller foi uma renomada jornalista investigativa e escritora norte-americana especializada na área de saúde pública – Fonte – Wiki.

Os combatentes mantinham-se cautelosos e apreensivos, pois conheciam agora intimamente o anofeles gambiae, o traiçoeiro e difícil inimigo. A verdade é que ainda levaram um grande susto, A cerca de 80 quilômetros além da última fronteira conhecida da zona infestada, descobriu-se um buraco isolado contendo gambiae. O caso nunca ficou esclarecido, mas o certo é que limparam o buraco prontamente, antes de ter-se registrado qualquer vítima.

Há mais de um ano (desde 1941), um vasto corpo de homens treinados vem patrulhando o nordeste brasileiro, sem que tenha encontrado um só anofeles gambiae. Tem-se oferecido prêmios em dinheiro aos caçadores de mosquitos, amadores ou profissionais, que apresentem um ovo, uma larva, um adulto que seja! E até agora nenhum apareceu.

Os homens de ciência do Brasil relutam em aceitar que a espécie tenha sido “exterminada” neste hemisfério. Não obstante, o êxito da sua campanha deixou a mais funda impressão entre os cientistas de todo o mundo, porque o fato se mantém, de que a espécie gambiae não tornou a ser vista no Brasil, desde novembro de 1940.

Foto – James Gathany – Fonte – http://www.cdc.gov/ncidod/dpd/parasites/malaria/default.htm

O Brasil, tendo reduzido ao nada essa ameaça para a saúde e a segurança do Novo Mundo, deu também às outras nações da América uma “lição de coisas” que daqui em diante todas as autoridades de saúde pública terão dificuldade em ignorar. A malária lavra ainda em muitas áreas do Hemisfério Ocidental; no sul dos Estados Unidos, por exemplo, causa todos os anos alguns milhões de vítimas. É certo que não se trata do tipo virulento de malária, como o que o gambiae levou ao Brasil; tão pouco os anófeles que a transmitem de um para outro indivíduo são lutadores tão resistentes, nem tão evasivos, como os anófeles gambiae. Seus hábitos são mais simples; podem ser exterminados com maior facilidade e a um custo muito menor.

O Brasil derrotou o pioneiro da malária africana, e demonstrou que ela é uma doença extirpável. Desde então, a malária é uma praga que nenhum estado, nenhuma sociedade deve temer. Onde quer que ela se encontre será de hoje em diante um motivo de vergonha nacional.

NOTAS ——————————————————————————————————-


[1] Lois Mattox Miller foi uma renomada jornalista investigativa e escritora norte-americana especializada na área de saúde pública, tendo recebido, entre outros prêmios, o Albert and Mary Lasker, em 1958, por sua história em Reader’s Digest sobre filtros de cigarro.

[2] Na história da revista norte-americana Reader’s Digest, que no Brasil ficou popularmente conhecida como Seleções, seu primeiro número publicado em terras tupiniquins é de fevereiro de 1942, vinte anos após seu lançamento nos Estados Unidos. E esse texto que o blog TOK DE HISTÓRIA reproduz, é o primeiro exclusivamente a tratar de temas ligados ao Brasil, onde Natal aparece com destaque. Neste exemplar temos a menção que a tiragem mundial era de 5.000.000 exemplares, mas não há nada sobre a tiragem no Brasil. A revista era vendida nas bancas por 2.000 réis, o mesmo valor de um quilo de pão francês na época.  

[3] A Fundação Rockefeller é uma fundação privada americana e uma organização filantrópica de pesquisa médica e financiamento de artes sediada na cidade de Nova York. A fundação foi criada em 14 de maio de 1913, pelo magnata John D. Rockefeller (“Sênior”), da Standard Oil Corporation, seu filho “Júnior” e Frederick Taylor Gates, seu principal consultor de negócios. É a segunda maior instituição filantrópica mais antiga da América (depois da Carnegie Corporation) e está classificada como a 30ª maior fundação globalmente por dotação, com ativos de mais de US$ 6,3 bilhões em 2022. Fonte – Wikipédia.

[4] Aqui a escritora norte-americana Lois Mattox Miller aponta uma informação divergente do que se convencionou pensar sobre a propagação desses insetos no Rio Grande do Norte. Para os historiadores potiguares que se debruçaram sobre o período clássico da aviação em nossa região, essa propagação ocorreu durante as operações do primeiro serviço aeropostal entre a França e a América do Sul. Esse trabalho se iniciava quando os aviões partiam de Paris e seguiam até Dacar (no atual Senegal), então os malotes com correspondências eram embarcados em navios pequenos e bastante velozes conhecidos como “Avisos Postais”, ou “Avisos Rápidos”, e então atravessavam o Atlântico Sul até Natal. Depois os malotes eram embarcados em aviões para o sul do país. Em um desses barcos o anofeles gambiae teria chegado sorrateiramente a Natal. Ou não?

[5] A autora comenta provavelmente sobre a seca de 1932 a 33.

[6] João de Barros Barreto (Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1890 — Rio de Janeiro, 1956) foi um médico sanitarista e professor brasileiro. Seu nome batiza o Hospital Universitário João de Barros Barreto, no Pará, referência estadual em pneumologia e infectologia.

[7] Oswaldo Gonçalves Cruz (São Luiz do Paraitinga – SP, 5 de agosto de 1872 — Petrópolis – RJ, 11 de fevereiro de 1917) foi um médico, bacteriologista, epidemiologista e sanitarista brasileiro. Pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da microbiologia no Brasil, ingressou em 1900 como diretor técnico do Instituto Soroterápico Federal, no bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, transformado em Instituto Oswaldo Cruz, hoje a Fundação Oswaldo Cruz.

[8] Infelizmente e por várias razões, o aedes aegypti ainda está presente em território brasileiro e trazendo sérios problemas para a população. É triste perceber que há oitenta anos o combate a essa praga parecia ser mais efetivo que nos dias atuais.

[9] Manoel José Ferreira (Petrópolis – RJ – 1897 / Rio de Janeiro – RJ – 1978) foi um médico sanitarista, Diretor da Faculdade Fluminense de Medicina entre 1930 e 1932, Diretor do Serviço de Obras Contra a Malária em 1938, Médico do Serviço de Malária do Nordeste de 1939 até uma data incerta, Diretor do Serviço Nacional de Malária em 1954, Fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) em 1962, Diretor do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) de 1966 a 1968 e Membro do Comitê de Especialistas em Malária da OMS.

[10] Evandro Serafim Lobo Chagas (Rio de Janeiro – RJ, 10 de agosto de 1905 – Rio de Janeiro – RJ, 8 de novembro de 1940) foi um médico e cientista brasileiro, filho primogênito do cientista Carlos Chagas com Íris Lobo. Em 1926 diploma-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e feito residência no Hospital São Francisco de Assis e no Hospital Oswaldo Cruz. Cursou paralelamente a faculdade o curso de especialização em microbiologia no Instituto Oswaldo Cruz. Realizou estudos sobre a febre amarela, malária, ancilostomose e, principalmente, sobre a leishmaniose, descobrindo os primeiros casos humanos dessa doença e realizando investigações clínicas e epidemiológicas em diversos estados do Brasil e também na Argentina. Faleceu vítima de acidente aéreo em 8 de novembro de 1940, aos trinta e cinco anos, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1941, em sua homenagem, o Instituto Oswaldo Cruz (atual Fundação Oswaldo Cruz), nomeou o antigo Hospital Oswaldo Cruz (de 1918) como Hospital Evandro Chagas. Fonte – Wikipédia.

[11] Verde-paris é o nome trivial para um composto descoberto em 1808, designado por acetoarsenito de cobre, cuja fórmula química corresponde a 3Cu(AsO2)2.Cu(C2H3O2)2[1]. A história curiosa deste composto é que ele começou por ser comercializado em 1814 não como pesticida, mas sim como um mero pigmento para tintas, devido à cor verde intensa que apresentava. Só após se atribuir a culpa ao verde-paris pelos envenenamentos de algumas pessoas que pintavam quadros é que o composto foi completamente banido das tintas. Este veneno potente está inserido em inúmeros quadros pintados durante o século XIX. Apenas em 1867 o verde-paris foi introduzido no combate a pestes, sendo o principal inseticida para combater o escaravelho da batata. Em 1900 era usado em tão larga escala que levou o governo dos Estados Unidos da América a estabelecer a primeira legislação no país sobre o uso de inseticidas. O composto acabou por ser banido alguns anos depois, devido sua extrema toxicidade para animais mamíferos. Fonte – Wikipédia.

1945 – ALGUNS ASPECTOS DA GRANDE PONTE AÉREA CRIADA PARA TRAZER OS SOLDADOS AMERICANOS DA EUROPA ATRAVÉS DE NATAL

Uma Ideia Desse Retorno e Os Momentos Desses Militares em Parnamirim Field

Autor – ELTON C. FAY – Redator da equipe da Associated Press.

Publicado Originalmente no THE BINGHAMTON PRESS, de Binghamton, New York, EUA, edição de sábado, 25 de agosto de 1945

CADERNO DE CORRESPONDENTES: SOLDADOS RETORNANDO AOS ESTADOS UNIDOS POR VIA AÉREA A UMA TAXA DE 700 HOMENS POR DIA.

Natal, Brasil – Mais de 32.000 soldados vindos da Europa para casa, am por esta Base Aérea dos Estados Unidos na região oriental da América do Sul. Eles am em um fluxo constante. Mais de 700 homens por dia vem em aviões de Casablanca, Norte da África, em voos de até 17 horas. Apenas alguns dias a mais e eles estarão em casa.

Esses jovens tiveram sorte. Eles são prioridade máxima. Em geral, eles são homens destinados a baixa do serviço ativo. Separados de suas antigas organizações militares e movendo-se como indivíduos eles não teriam prioridade de viagem, que foi definida originalmente quando era urgente a redistribuição de soldados para os campos de batalha do Pacífico. Sob circunstâncias normais eles seriam os últimos a sair Europa por navios oceânicos, demorando alguns meses para isso.

Parnamirim Field – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV

Mas a maior companhia aérea do mundo – A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos e o seu Comando de Transporte, no entanto, tinha aviões – centenas deles a mão.

Este é um exemplo aonde o caminho mais curto para casa pode ser através do trecho mais longo. De navio eles teriam de percorrer cerca de 3.000 milhas, e de avião mais do que o dobro dessa distância. Seguindo uma rota descendo para Casablanca, Marrocos, cruzando a linha do equador e atravessando o Oceano Atlântico até Natal. Depois voando através do Caribe até os Estados Unidos. Em navios de transporte de tropas os soldados levariam em média 10 ou 12 dias através do Atlântico Norte. Já fazendo a viagem aérea pelo Sul, eles alcançam os Estados Unidos em cerca de três dias.

O acampamento militar de Parnamirim Field – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV

O Campo de Parnamirim e seu imenso acampamento militar é o ponto de transferência do soldado-viajante. Ele pousa aqui no meio do caminho para casa, geralmente em um avião de transporte quadrimotor Douglas C-54. Muitos talvez estejam cansados de ficar ouvindo o barulho dos motores por 17 horas e até um pouco mais. Fartos das rações K – mas com os Estados Unidos a apenas dois dias de viagem.

Desembarque de um militar americano de uma aeronave C-87, enquanto um técnico brasileiro prepara-se para colocdação de inseticida na aeronave contra a malária – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV

O grande avião taxia até a linha principal, representantes do Exército Americano sobem a bordo, incluindo médicos que fazem a colocação de pesadas doses de spray inseticida que enche o avião. A ideia é evitar que os insetos que transmitem a malária desembarquem impunimente por aqui, ou sigam mais adiante.

Alguns Estão Assustados.

Douglas C-54 – Foto – US Army.

Um ou dois deles dormiram no caminho em seus assentos, ou enrolados em um cobertor no chão. Muitos dos homens, muitas vezes a maioria, nunca voaram antes.

Eles estão cansados. De vez em quando eles ficam com medo das sacolejadas no voo. A terra parece boa para eles. Eles contam e repetem o pior de seus medos que aram na viagem – o salto sobre a água, sobre o Atlântico (sem perceberem que logo mais adiante estariam voando centenas de quilômetros sobre a selva amazônica).

So9ldados americanos em trânsito por Parnamirim Field Fonte – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV

Houve alguns casos tremendos em que os soldados recusaram a seguir de avião pelo medo. Nesse caso estes eram despachados para Recife afim de embarcarem para casa no próximo navio a vapor. O Exército não pode obrigar seus homens a voar.

Seria possível em menos de duas horas transferir esses soldados dos grandes aviões transoceânicos para os transportes bimotores menores com destino ao Estados Unidos, mas os homens são mantidos aqui (Parnamirim Field) para dormir em beliches e ter refeições regulares.

A média de permanência deles é de 24 horas. O mau tempo daqui até Miami, Flórida, às vezes reduz o número de operações de voo diárias e exige uma estadia um pouco mais longa.

Não Consigo Sair Do PX

O objetivo é tornar a vida tão mais agradável possível. (Nenhum lugar é melhor que casa para um soldado indo nessa direção.) Natal, por uma aberração do clima, é um local fresco, varrido pela brisa constante, mesmo localizado em uma região seca.

Trabalho normal e diário em Parnamirim Field – FOTO GETTY IVAN DIMITROV

Para seguir os regulamentos de saúde do governo brasileiro o soldado em trânsito não pode sair desse posto, até mesmo para a cidade próxima de Natal. Mas ele encontra aqui um entretenimento melhor que a configuração média e uma chance de se exercitar, comer e dormir.

Esses soldados vão encontrar, no entanto, alguns aborrecimentos antes que ele tenha aquele pedaço de papel que vai libertá-los das regras, regulamentos e do exército. O oficial de instrução que conheci a bordo do avião me disse, com um sorriso irônico: “– Você vai descobrir que quanto mais perto chegar de casa, mais difícil será a guerra. Mantenha a camisa abotoada e as calças arregaçadas”.

Para um soldado que deseje realizar uma viagem de compras, este é o lugar. Possui um dos maiores posto de trocas (PX) do exército. Mensalmente, as vendas aumentam como US$ 500.000 (quinhentos mil dólares). O produto que está no topo da lista dos soldados para compras é a “bota mosqueteira”, uma meia bota de couro fabricada em toda a América do Sul. Bolsas de couro de jacaré vem em segundo lugar.

1945 – ALGUNS ASPECTOS DA GRANDE PONTE AÉREA CRIADA PARA TRAZER OS SOLDADOS AMERICANOS DA EUROPA ATRAVÉS DE NATAL - Um Pequeno Vislumbre Desse Retorno e Os Momentos Desses Militares em Parnamirim Field
Outro aspecto do C-54 – Foto – US Army

Alguns homens, cerca de meia dúzia por dia, descobrem que pequenas doenças interrompem a viagem para casa. Se eles mostram temperaturas alteradas, ou outras evidências de doenças, elas permanecem em Parnamirim até o problema desaparecer e assim evitar que alguma doença contagiosa se instale.

ELTON C. FAY foi um repórter da Associated Press que atuou nos conflitos que envolveram os Estados Unidos, desde a Segunda Guerra Mundial até a Guerra do Vietnã. Ele foi um dos poucos repórteres informados antes dos bombardeios do general Jimmy Doolittle contra no Japão em abril de 1942 e durante o resto do conflito escreveu sobre os principais eventos da guerra. Esteve em duas ocasiões em Natal e Parnamirim Field. Fay ingressou no serviço de notícias em Albany, New York, e mudou-se para Washington em 1932, cobrindo o antigo Departamento da Marinha e depois junto ao Pentágono. Faleceu aos 81 anos, em 1º de setembro de 1982.

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1994 – JORNAL DE NATAL: OS DIAS DE GLÓRIA DOS B-25 E DO BOOGIE-WOOGIE NO BRASIL – A REPORTAGEM DO JORNAL THE NEW YORK TIMES SOBRE NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

1994 – JORNAL DE NATAL: OS DIAS DE GLÓRIA DOS B-25 E DO BOOGIE-WOOGIE NO BRASIL – A REPORTAGEM DO JORNAL THE NEW YORK TIMES SOBRE NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Por James Brooke – 26 de abril de 1994 – Fonte – https://www.nytimes.com/1994/04/26/world/natal-journal-brazil-s-glory-days-of-b-25-s-and-boogie-woogie.html

Depois de esticar em vão a rede numa tarde quente, um pescador finalmente mergulhou no mar, frustrado. Ao emergir das águas turvas do rio Potengi, ele relatou uma captura grande demais para seu barco a remo: um bombardeiro bimotor B-25.

Patrick Muller, um mergulhador francês, confirmou isso após um dia de exploração subaquática. “É um B-25 americano, quase completamente intacto”, disse ele. “O avião ficou lá embaixo por 50 anos, e então esse pescador o prendeu na rede.”

Há meio século, esta cidade costeira no nordeste do Brasil seguia freneticamente o apelo do presidente Roosevelt durante a Segunda Guerra Mundial para se tornar um “Trampolim para a Vitória”. Hoje a base é uma sombra de sua antiga grandeza, mas o Brasil tenta aproveitar o 50º aniversário do Dia D para renovar o interesse pela sua interessante história.

A base aérea americana mais movimentada do mundo na primeira metade de 1944, as faixas gêmeas do campo de Parnamirim, em Natal, realizavam um pouso a cada três minutos, enquanto tropas e cargas eram transportadas através do Atlântico Sul para alimentar campanhas na Itália, África, Rússia, Birmânia, China e a iminente invasão da Normandia.

O ponto mais próximo da África nas Américas, esta cidade equatorial proporcionou um ponto de partida durante todo o ano para os aviões de alcance limitado da época. Uma rota alternativa para o norte, através da Terra Nova e da Groenlândia, que ficava inoperante durante semanas devido ao inverno rigoroso nessas regiões.

“Foi uma operação tremenda”, lembrou Abe Cohen, 75 anos, um veterano americano que agora mora no Rio de Janeiro, sobre seus dias como controlador de tráfego aéreo. “Tínhamos centenas de aviões e milhares de homens ando por lá todos os dias nos períodos de pico”.

Há meio século, esta movimentada cidade militar americana tinha quartéis e tendas suficientes para 6.600 soldados, um jornal semanal e um grande Post Exchange fornecido pela primeira fábrica de engarrafamento da Coca-Cola da América Latina.

Hoje a base é centro de treinamento de pilotos da Força Aérea Brasileira. Numa tarde recente, um visitante do antigo teatro ao ar livre da USO assustou andorinhas que faziam ninhos entre as luzes do palco que outrora iluminavam espetáculos de Clark Gable e Humphrey Bogart. Mangas caídas cobriam a grama ao redor de uma capela no estilo da Nova Inglaterra, construída em 1943, com um farol de alerta de aeronave no topo do campanário. O único jipe ​​avistado na base foi um buggy que transportava aviadores brasileiros para um fim de semana na praia.

No início da década de 1940, num esforço finalmente bem-sucedido para conquistar o Brasil para o lado Aliado, os Estados Unidos construíram aeródromos e a primeira siderúrgica do Brasil. Uma geração de amizades militares aqui forjadas permitiu uma estreita aliança entre o Brasil e os Estados Unidos.

Hoje o Brasil está tentando ressuscitar a aliança da Segunda Guerra Mundial em nome do nexo internacional moderno da região: o turismo.

No ano ado, pela primeira vez desde o encerramento do sistema de transporte aéreo da Segunda Guerra Mundial, Natal inaugurou o seu primeiro voo internacional regular – para Roma. As autoridades desta cidade de 650 mil habitantes esperam atrair os americanos, tirando a poeira da ligação quase esquecida durante a guerra.

Ainda este ano, será inaugurado um Museu Histórico da Aviação da Segunda Guerra Mundial, com base em equipamentos deixados pelos americanos, incluindo um B-23 e um B-25. Também será exibido um jipe ​​usado pelo presidente Roosevelt e pelo presidente Getúlio Vargas do Brasil, quando se conheceram em Natal em 1943.

As fotografias irão capturar algumas das figuras da década de 1940 que por aqui aram: Eleanor Roosevelt, Madame Chiang Kai-shek, Antoine de Saint-Exupéry, Harry Hopkins, Charles Lindbergh, Jack Benny, Ernie Pyle e Tyrone Power.

O elenco de espiões do Eixo que transformou Natal em uma Casablanca brasileira será menos visível – a freira alemã que rotineiramente ou por guardas nas docas e os obscuros fascistas brasileiros que sempre pareciam ar com suas motocicletas pelo porto quando os transportes de tropas ancoravam.

“A polícia local foi duramente criticada pela forma negligente como tratou os supostos agentes do Eixo”, escreveu Clyde Smith Jr., um professor americano que mora aqui e que no ano ado lançou um livro sobre a história da base em português.

Para os brasileiros com idade suficiente para se lembrarem da presença americana, as lembranças desagradáveis ​​de exercícios antiaéreos e abrigos antiaéreos deram lugar, em grande parte, a imagens mais felizes de soldados derrubando Cuba Libres no Wonder Bar.

“Aprendi a dançar swing”, lembra Maria Lúcia da Costa, hoje bisavó, enquanto servia bolo caseiro a uma visitante americana. “O boogie-woogie foi ótimo. As festas americanas tinham de tudo”.

Seu marido, Fernando Hippolyto da Costa, coronel aposentado da Força Aérea Brasileira, entrou na conversa com uma lista de contribuições americanas à cultura local: “Óculos de sol Rayban, cigarros americanos, cerveja em lata, cabelos oleados e uso de shorts”.

Protasio Pinheiro de Melo, que ensinava português na base, escreveu recentemente um livro sobre “Contribuições norte-americanas para a vida do Rio Grande do Norte”. Relaxando em sua varanda à sombra de palmeiras, ele listou sua lista: “Beijar garotas em público, beber em garrafas, dançar jitterbug, chamar todo mundo de ‘meu amigo’ e usar roupas esportivas”.

“Quando os americanos chegaram aqui, encontraram uma cidade pequena com muitos preconceitos”, disse de Melo sobre Natal, que há 50 anos tinha uma população de 40 mil habitantes. “As meninas não podiam ir a festas sem acompanhantes. Tínhamos que usar paletó e gravata no cinema.”

Apontando para uma foto sua vestindo solenemente paletó, gravata e chapéu em um jogo de vôlei de soldados em 1943, Melo acrescentou rindo: “Devo ter 80 gravatas no armário que nunca mais usei”.

Uma versão deste artigo aparece impressa em 26 de abril de 1994, Seção A, página 4 da edição Nacional com a manchete: “Dias de Glória dos B-25’s e Boogie-Woogie do Brasil” 

DIA D – O MAIS LONGO DOS DIAS

Agosto de 1942. Um homem governa a Europa. De Berlim, ele controla um império que além da Alemanha inclui a Áustria, Tchecoslováquia, Polónia, Dinamarca, Noruega, Luxemburgo, Holanda, Bélgica, França, Lituânia, Letônia, Estônia, Hungria, Roménia, Bulgária, Iugoslávia, Albânia, Grécia, várias ilhas mediterrâneas, quase toda a costa setentrional da África e 2.000.000 de km² da antiga União Soviética.

A Itália de Mussolini é sua aliada. A Espanha de Francisco Franco e Portugal de Antônio de Oliveira Salazar, são seus simpatizantes. Na Europa só restam neutras a Suécia, a Suíça e a Turquia. A Europa está nas mãos de Adolf Hitler.

No entanto, a expansão do nazismo havia atingido seu ponto crítico. Do outro lado do Mediterrâneo, na África, os contra-ataques dos exércitos britânicos haviam detido o avanço dos alemães. A leste, o Terceiro Reich encontrara um obstáculo intransponível: a cidade russa de Stalingrado.

Lentamente, mudavam os ventos da fortuna.

Mulheres atuando na artilharia anti aerea na Inglaterra – Fonte – Office official photographer

Em fevereiro de 1943, as tropas alemãs que assediavam Stalingrado (atual Volgogrado) rendiam-se ao marechal russo Zhukov. Em maio, o famoso general alemão Rommel era definitivamente derrotado na África, e em julho o general americano Mark Clark conduzia as forças americanas e aliadas, invadindo a Itália. Não obstante, o avanço soviético a leste e anglo-americano ao sul era penoso. Embora os aliados mantivessem a hegemonia no Atlântico e aumentassem sistematicamente sua vantagem aérea, em terra o poderio alemão parecia invencível, apesar de algumas derrotas.

Praias na França semanas antes do Dia D – Fonte – Bundesarchiv_Bild_101I-719-0240-05,_Pas_de_Calais,_Atlantikwall,_Panzersperren

Através do canal da Mancha, o exército alemão de ocupação na França e as tropas aliadas acantonadas na Inglaterra entreolhavam-se ferozmente. Mas a guerra poderia arrastar-se sem fim, a menos que fosse aberta uma terceira frente que levasse diretamente ao coração da Alemanha. O caminho para lá atravessava a França. Era preciso invadi-la partindo da Inglaterra.

O Afiar das Garras

Em maio de 1944, é a invasão. Concentram-se na Inglaterra dezessete divisões britânicas e vinte divisões americanas. Havia ainda tropas remanescentes que escaparam dos territórios ocupados: uma divisão polonesa, sob o comando do General Sikorski, e outra sa, sob a liderança de um homem muito alto, cujo nome estava popularizando-se rapidamente: Charles de Gaulle, que nos anos anteriores organizara um governo livre na Argélia.

Bombardeio quadrimotor norte americano B-24, do 376th Bombardment Group.

Os aliados contavam com 16 mil aviões, dos quais 3.467 bombardeiros pesados e 5.407 caças. Mais de 6 mil navios de todo tipo esperavam ao largo da costa o dia do desembarque. Ao todo, quase três milhões de homens prontos para o combate. (ATENÇÃO – Um dos pilotos da Real Força Aérea Inglesa, que inclusive morreu em combate no Dia D, nasceu em Recife, Pernambuco e pilotava um caça Mustang P-51 – VEJA EM – /2022/11/04/exclusivo-quem-foi-o-brasileiro-que-morreu-no-dia-d-pilotando-um-caca-mustang/ )

Sir Leigh Mallory, comandante-chefe da força aérea, ordenava incursões diárias sobre o território ocupado, despejando milhares de toneladas de bombas. Os clandestinos maquis da Resistência sa intensificavam seus ataques contra as linhas de comunicação e suprimento inimigas.

Os alemães também estavam prontos. Conheciam os preparativos maciços que se faziam na Inglaterra e ignoravam somente o ponto exato da invasão. Hitler jactava-se da “Muralha Atlântica”, descrevendo-a como “um cinturão de fortalezas e gigantescas fortificações, desde a Noruega aos Pireneus”.

Típico oficial alemão durante a Segunda Guerra Mundial.

No entanto, havia pontos fracos na defesa germânica. A “Muralha Atlântica” era menos poderosa do que o próprio Hitler acreditava. As comunicações alemãs, sob contínua pressão de bombardeiros e ações de sabotagem, começavam a se tornar deficientes. A Luftwaffe (força aérea alemã) tornava-se impotente para, ao mesmo tempo, bombardear os territórios aliados e defender as áreas ocupadas.

Na verdade, os alemães contavam com duas armas: nas praias os canhões camuflados com as cercas de arame farpado da “Muralha Atlântica” e 60 divisões de exército distribuídas pela Europa ocidental. O problema que se apresentava aos estrategistas do Eixo era a tática a adotada. Hitler e Rommel confiavam nas fortificações costeiras e pretendiam destruir os invasores nas praias atacadas. O Marechal von Rundstedt, comandante do exército, preferia confiar em seus soldados. Seu plano era permitir o desembarque e depois proceder a um contra-ataque organizado.

O grosso das tropas, equipamentosa e armamentos seguiu a bordo de centenas de navios de transporte.

A controvérsia era importante. O projeto de Hitler pressupunha uma superioridade de fogo alemã em qualquer ponto que os aliados atacassem. Nas praias seria jogado o sucesso ou fracasso da invasão. Se as forças anglo-americanas conquistassem as praias, a Alemanha se veria obrigada a recair na defensiva. O plano de Rundstedt era mais cauteloso e se baseava na superior mobilidade das tropas alemãs. Sua ideia era proceder a uma ação de retardamento, permitindo o desembarque enquanto concentrava forças para contra golpear. Esse plano tinha duas vantagens: afastaria o combate principal das praias, eliminando o fator surpresa e impediria que as linhas fossem rompidas ao primeiro impacto do ataque. Mas prevaleceu, naturalmente, o plano de Hitler. Entretanto nenhum dos planos tomou em consideração um problema sério e básico: o apoio da população local aos aliados.

Hora, Dia e Lugar

Os soldados de infantaria dos Estados Unidos atravessam as ondas ao desembarcarem na Normandia, no Dia D. (Foto AP)

O lugar aparentemente mais lógico para a realização da invasão era o o de Calais, onde o mar se estreita e poucos quilômetros separam Calais, na França, de Dover, na Inglaterra. De fato, na região acotovelavam-se milhares de soldados e grandes quantidades de armas e equipamentos. Os observadores alemães davam conta de grande movimentação de tropas. Parecia certo que a qualquer momento os aliados atacariam Calais.

No entanto, tudo era falso. Os aviões e tanques que os espias alemães viam concentrar-se eram de madeira, borracha e papelão. A atividade das tropas era feita de maneira a fazer supor que seu efetivo era muitas vezes superior à realidade. O local do ataque não era Calais, mas as costas da Normandia, mais ao sul.

Rotas de desembarque no Dia D na Normandia – Fonte – Wikipedia

O objetivo eram cinco praias na baía do Rio Sena, que receberam nome em código: Utah e Omaha a oeste, cuja captura estaria a cargo do I Exército americano, chefiado pelo general Omar Bradley. Gold, June e Sword, a leste, seriam alvos das tropas anglo-canadenses do II Exército britânico. Na França o comando geral pertenceria ao general inglês Bernard Law Montgomery. O comandante em chefe de toda a operação era o então general Dwight D. Eisenhower.

O dia marcado precisava ser suficientemente claro para permitir o lançamento de para quedistas durante a noite e facilitar as missões de apoio aéreo. Também era necessário que a maré fosse baixa, para evitar os obstáculos colocados à beira-mar, e que o oceano estivesse tranquilo, para os navios de assalto efetuarem a travessia sem contratempos. Escolheu-se 5 de junho. E a notícia foi transmitida em código à Resistência sa, para preparar o auxílio em terra.

Navios de desembarque descarregando tanques e suprimentos na Praia de Omaha na Normandia- Fonte – Wikipedia

Operação Overlord

O dia 5 de junho chegou e ou. Nada aconteceu. O mau tempo fizera com que que a data fosse transferida. A Eisenhower cabia uma importante decisão: o tempo não melhoraria antes de 7 de junho, quando terminaria a fase das marés favoráveis. Condições ideais só existiriam meses depois. Competia-lhe adiar a invasão por tempo indeterminado ou arriscar-se a atacar sob condições atmosféricas desfavoráveis. A decisão era: atacar.

À zero hora de 6 de junho, a Real Força Aérea britânica começou a despejar 6.000 toneladas de bombas sobre objetivos militares entre Cherburgo e Le Havre. Começara a Operação Overlord. Chegara o Dia D.

Tanques M4 Sherman do Exército dos Estados Unidos em uma embarcação de desembarque (LCT), pronto para a invasão da França, final de maio ou início de junho de 1944 – Fonte – Wikipedia

À 01h30, os paraquedistas ingleses da 6.ª Divisão eram lançados sobre Breville. Sua missão era capturar o local e proteger os movimentos da ala esquerda britânica em Sword. Ao mesmo tempo, os homens da 82ª e 101ª divisões aerotransportadas dos Estados Unidos saltavam à retaguarda da praia de Utah, no rumo da localidade de Sainte-Mère-Eglise. Deveriam estabelecer uma cabeça de ponte e aguardar a chegada do 7º Corpo do Exército, que desembarcaria em Utah e desviaria para oeste, a fim de isolar a península de Cotentin. Os aliados precisavam de um porto, e o escolhido foi o de Cherburgo. Essa ação destinava-se a tomá-lo.

Ao alvorecer, os bombardeiros americanos atiraram mais de 3.000 toneladas de bombas sobre as defesas da costa. Às 06h30, com a cobertura cerrada da artilharia naval, começava a invasão.

Poderio aéreo aliado era enorme durante o Dia D – Fonte – NARA.

Na Normandia, o VII Exército alemão, com quinze divisões, foi colhido de surpresa. Confiando no mau tempo, o Comandante Dollman se ausentara, assim, como seu superior, Rommel. Rundstedt, ante a gravidade da situação, pediu imediatamente permissão ao Quarte General para colocar em combate as reservas mecanizadas.

A 352ª Divisão alemã conseguiu criar muitos problemas para os americanos em Omaha, infligindo pesadas perdas. A direita inglesa também foi paralisada. Mas, em Utah, as tropas dos Estados Unidos penetraram nove quilômetros, conectando com as forças da 101ª Divisão Aerotransportada. Do outro lado, em Juno, os canadenses avançavam onze quilômetros. E, na esquerda, Breville e Ouistreham eram capturadas pelos ingleses.

Praia Gold – Fonte – Wikipedia

O único contra-ataque violento sobre os ingleses foi desferido pela 21ª Divisão Panzer durante a tarde, pois só às 15h30 o Quartel General alemão resolvera permitir a Rundstedt que lançasse mão das reservas blindadas. No entanto, era muito tarde para impedir o desembarque. Correndo o risco de se verem isolados, os defensores da costa foram forçados a retroceder.

Ao cair da noite, os aliados haviam rompido a “Muralha Atlântica” entre os rios Vire e Orne, estabelecendo uma frente de 48 quilômetros. Terminara o Dia D.

O Terceiro Reich: Princípio do Fim

Prisioneiros de guerra alemães em 19 de agosto de 1944 às 14h00. Eles renderam-se ao grupo de batalha da 4ª Divisão Blindada Canadense – Fonte -http://archives.cbc.ca/war_conflict/second_world_war/clips/1303/ Aujourd’hui: http://www.flickr.com/photos/mlq/4431414623/

Os dias posteriores foram dramáticos. Rundstedt lançava contragolpes desesperados em toda a frente. Enquanto isso, o XVº Exército alemão, com dezessete divisões, permanecia inútil em Calais, aguardando uma invasão que jamais viria. Em 13 de junho, os aliados já haviam desembarcado 326 mil homens, 54 mil veículos e 104 mil toneladas de provisões.

Com incontestável supremacia aeronaval, os aliados firmavam suas cabeças de praia e iniciavam o avanço para o interior. A 19 de junho, uma tempestade causou-lhes sério revés, destruindo o porto artificial americano em Saint-Laurent-sur-Mer e avariando seriamente o dos ingleses em Arromanches. Mas, a 27 de junho, Cherburgo rendia-se e os aliados conquistavam um porto definitivo.

Soldados canadenses com uma bandeira nazista capturada – Wikipedia

Depois disso, a ofensiva foi lenta, mas inexorável. Os soviéticos avançavam a leste. E Hitler conhecia o terrível significado da guerra em todas as frentes. O rumo dos aliados era Paris, mas não puderam tomá-la. Essa glória coube à infatigável Resistência sa, que organizou um levante popular a 25 de agosto. No mesmo mês há um novo desembarque aliado, desta vez ao sul da França. A Alemanha recua em todas as frentes. Em novembro, o persistente von Rundstedt engendra um contra-ataque nas Ardenas, para chegar à Bélgica e cortar as linhas de comunicação aliadas. Mas o ataque fracassa e o Terceiro Reich agoniza. As forças aliadas atravessavam as fronteiras do mundo concentracionário nazista, para varrê-lo do mapa e da história.

Cemitério militar canadense de Beny-sur-Mer – Fonte – Wikipedia.

Fonte – Enciclopédia Conhecer, Abril S.A, Cultural e Industrial, São Paulo-SP, 1974 – Volume VII – páginas 1558 e 1559.

MORTE DE CASTELO BRANCO: MISTÉRIO QUE DURA MEIO SÉCULO

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Soldado carrega nas costas o irmão de Castelo Branco – Fonte – http://mobile.opovo.com.br/jornal/dom/2017/07/morte-de-castelo-branco-misterio-que-dura-meio-seculo.html

Autor – Thiago Paiva

Jornal O POVO – Fortaleza-CE

Fonte – http://mobile.opovo.com.br/jornal/dom/2017/07/morte-de-castelo-branco-misterio-que-dura-meio-seculo.html

Em 18 de julho de 1967, dois aviões se tocaram no céu e deixaram no ar um rastro de mistério que perdura há 50 anos. Foi numa terça-feira de tempo bom, visibilidade praticamente ilimitada e nebulosidade insignificante. Retornando de Quixadá para Fortaleza, a bordo de um bimotor Piper Aztec e acompanhado de outros três ageiros, além do piloto e copiloto, estava o ex-presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, único cearense a ter cumprido um mandato presidencial (1964-1967).

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Bimotor Piper Aztec, similar ao avião em que morreu Castelo Branco – Fonte – https://br.pinterest.com/pin/570972058984992062/

O primeiro governante da ditadura militar (1964-1985) tinha perfil considerado “moderado” entre os altos escalões das Forças Armadas. Em seu discurso de posse, em 15 de abril de 1964, o cearense falava de “eleições em 1965”. Quando do acidente, havia deixado o poder em um momento de ascensão do grupo chamado “linha dura”, cuja liderança foi também exercida por seu sucessor, Arthur da Costa e Silva. Era a primeira vez que Castelo visitava o Ceará desde sua saída da presidência. Na noite anterior, havia visitado a escritora Rachel de Queiroz, sua amiga.

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Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (trajes civis) junto a oficiais generais do Exército Brasileiro – Fonte – http://tokdehistoria-br.informativoparaibano.com/noticia/a-democracia-ultrajada/277962

Na viagem de volta, depois de aproximadamente 40 minutos de voo, ocorreu o incidente que dividiria os brasileiros. De um lado, aqueles que acreditavam (e ainda acreditam) em conspiração seguida de assassinato. Do outro, os que creem em fatalidade.

Vários fatores e imprevistos ocorridos, como atrasos de ageiros e alterações no horário da viagem, tornam improvável que o choque tenha sido intencional. Porém, a falta de transparência na condução das investigações e perguntas até hoje sem respostas alimentam especulações de crime com motivação política. Unanimidade, o caso se tornou uma das maiores tragédias da aviação cearense e é a mais controversa morte de um ex-presidente brasileiro.

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Desenho do Lockheed TF-33A, prefixo 4325 da FAB, que abalroou o avião de Castello Branco – Fonte – http://culturaaeronautica.blogspot.com.br/2009/09/o-estranho-acidente-que-matou-o.html

A queda

Enquanto se aproximava do aeroporto, já sobrevoando o bairro Mondubim, o avião cedido pelo Governo do Ceará foi subitamente colhido por um jato TF-33A, da Força Aérea Brasileira (FAB). O caça compunha esquadrilha de quatro aeronaves e bateu “com precisão cirúrgica” com a ponta da asa esquerda no leme de direção e quilha do piper, arrancando parte da cauda da aeronave civil.

Do choque até o solo, a queda em giros de parafuso chato foi acompanhada por uma agonia que durou aproximadamente 1 minuto e 30 segundos. Desfecho mortal para o ex-presidente, a educadora Alba Frota, o major Manuel Nepomuceno, o irmão do marechal — Cândido Castelo Branco, e o comandante Celso Tinoco Chagas. Somente o copiloto Emílio Celso Chagas, filho do piloto, sobreviveu.

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Manchete do jornal Folha de São Paulo em 20 de julho de 1967 – Fonte – http://www.desastresaereos.net/ac_br_1967.htm

Enquanto isso, o caça retornou ao aeroporto, onde pousou normalmente, sem os tip-tanques, que ficavam nas pontas das asas da aeronave. Um dos equipamentos foi arrancado na colisão e o outro automaticamente ejetado, para evitar o desequilíbrio do TF-33A.

Em seguida, vieram as investigações e conclusões duvidosas que atravessaram meio século sem que ninguém fosse responsabilizado pelo episódio. As apurações da Aeronáutica e órgão correlatos apontam para acidente. Testemunhos de familiares e amigos das vítimas também. Mas as teorias da conspiração ainda pairam sobre aquilo que não foi dito e sobre o que ainda permanece oculto, sob a guarda dos militares.

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O Aztec PP-ETT parcialmente restaurado e sem a deriva, preservado em Fortaleza Foto: culturaaeronautica.blogspot.com.br – Fonte – http://www.desastresaereos.net/ac_br_1967.htm

Fatos que alimentam teoria da conspiração

A tripulação do piper alertou à torre de controle quando estava a dez minutos da área de pouso. Desceriam na pista 13. Minutos depois, torre autorizou agem dos jatos da FAB sobre a pista 31, informando que não havia “tráfego conhecido ou à vista que interferisse com a agem solicitada”.

Em 20 de junho de 2004, O POVO mostrou, com base na Carta de Tráfego dos Aeródromos Pinto Martins e do Alto da Balança e Publicação de informação Aeronáutica, que os jatos deveriam virar à direita. Em 21 de junho de 2004, O POVO publicou entrevista com Emílio Celso de Moura, copiloto e único sobrevivente do acidente, após as revelações. Ele culpou à FAB e ao Controle do Tráfego pelo acidente. Antes, no O POVO de 18 de julho de 1997, ele havia dito que não invadiu a área dos jatos, mas tinha descartado a possibilidade de atentado, justificando que ocorreram pequenos atrasos que influenciaram nos horários de voo.

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Morte de Castelo Branco noticiada no Diário de Natal.

Manuel Cunha, do O POVO, fotografou Castelo Branco sendo socorrido. O filme foi recolhido pelos militares e jamais devolvido.

Indícios que corroboram tese de acidente

Na ida a Quixadá, Castelo usou um trole (pequeno carro que anda sobre a linha férrea), mas ficou com dores na coluna e alguém deu a ideia de solicitar o avião do Estado. A viagem aérea, portanto, não era planejada.

A saída do voo de Quixadá atrasou cerca de 30 minutos. Eventual atendado poderia ser atrapalhado pela mudança de cronograma.

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Castelo Branco (de terno escuro) no Rio Grande do Norte, tendo a sua direita o então governador potiguar Monsenhor Walfredo Gurgel.

Em 1997, o copiloto confirmou que voava em condições visuais e que somente os jatos poderiam tê-los avistado. E queixou-se da torre não ter os alertado da presença dos caças, mas declarou que nada havia a ser esclarecido.

Após a agem, a esquadrilha fez curva à esquerda para também pousar na pista 13, que possuía tráfego pelo sul destinado às aeronaves de caça, e norte para os demais aviões. A manobra, conforme o Cenipa, foi correta, tendo o piper invadido a área dos jatos. (Em 2004, com base na Carta de Tráfego, O POVO mostrou que ocorreu o contrário).

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O jato Lockheed TF-33A, prefixo 4325 da FAB, também foi restaurado e preservado – Foto: Escuta Aérea Fortaleza – Fonte – http://www.desastresaereos.net/ac_br_1967.htm

O piloto que colidiu no piper era o primeiro-tenente Alfredo Malan D’Angrogne, hoje coronel aviador, filho do general Alfredo Malan, grande amigo de Castelo. Conhecia o piloto Celso, que morreu na mesa em que seria operado. Ele também foi entrevistado pelo O POVO. Disse que o acidente o “chocou muito” e refutou a possibilidade de choque intencional. “Existem maneiras menos complicadas de derrubar um avião que se chocar contra ele”.

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Infográfico do jornal O POVO, de Fortaleza, Ceará – Fonte – http://mobile.opovo.com.br/jornal/dom/2017/07/morte-de-castelo-branco-misterio-que-dura-meio-seculo.html

História. Aeronáutica não disponibilizou material sobre queda de avião

Com base na lei nº 12.527/2011, a chamada Lei de o à Informação ou Lei da Transparência, no último dia 22 de março, O POVO requereu ao Ministério da Defesa (MD) todos os documentos relacionados à investigação do acidente aéreo. Foram solicitadas fotografias, laudos periciais, resultado de inquérito, investigações adicionais, conteúdo de depoimentos colhidos e conclusões de órgãos correlatos, como o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa).

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No mesmo dia, a demanda foi direcionada pelo MD ao Comando da Aeronáutica (Comaer), apontado como órgão detentor das informações. Em 11 de abril, a solicitação foi respondida. Os militares encaminharam ao O POVO apenas um relatório, de dez páginas, com selo de “Reservado”, feito à época pela Inspetoria Geral da Aeronáutica.

O documento é o mesmo encaminhado ao procurador da República Alessander Sales, em agosto de 2004. Após a publicação de uma série de matérias do O POVO, em junho daquele ano, apontando a possibilidade de ter havido falha de comunicação por parte da torre de controle, o procurador resolveu verificar e tornar públicas as causas do acidente.

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Fonte – http://www.desastresaereos.net/ac_br_1967.htm

Alessander, assim como O POVO, solicitou cópias do inquérito militar que apurou as causas da colisão entre o caça TF-33 e o piper PP-ETT, além do detalhamento do relatório final sobre o acidente. Mas o documento enviado não contém informações relevantes e não responsabiliza ninguém pela colisão. O relatório é apontado como única peça existente sobre a investigação, realizada há 50 anos.

No dia seguinte, 12 de abril, O POVO encaminhou recurso ao Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante de Esquadra Ademir Sobrinho, alegando que as informações estavam incompletas e eram insuficientes.

A reportagem questionou onde foram parar os depoimentos de testemunhas ouvidas na fase do inquérito (pilotos e até jornalista afirmam que foram ouvidos), bem como o rolo de filme de um dos nossos fotógrafos à época, Manuel Cunha. A equipe do O POVO foi a primeira a chegar ao local do acidente.

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Castelo Branco ao volante do seu carro no Rio em 1967.

É de Cunha o registro em que o então soldado Francisco Uchôa Cavalcante aparece carregando nas costas o corpo de Cândido Castelo Branco, irmão do ex-presidente, também morto no acidente. Na ocasião, Cunha também fotografou o momento em que o próprio Castelo era carregado, mas foi obrigado, pelos militares, a entregar o filme. As fotografias estavam divididas em dois rolos. Involuntariamente, Cunha entregou justamente aquele que continha as fotos do ex-presidente.

O material foi recolhido pela Aeronáutica como parte da investigação e jamais foi devolvido. Além disso, o relatório não revela quem eram os demais pilotos que compunham a esquadrilha da qual o caça fazia parte, se houve falha de algum funcionário da torre de controle, quem era o controlador, na ocasião, ou se alguém foi punido.

Entretanto, no dia 17 de abril, o pedido foi analisado e as informações prestadas anteriormente pelo órgão foram ratificadas. O Chefe do Estado-Maior reafirmou que “todos os documentos relativos ao acidente, disponíveis no Comando da Aeronáutica, foram encaminhados juntamente com a resposta formulada”. Não respondeu, porém, o que aconteceu com o restante do material.

O TEMPO VOA: COMO ERAM OS AVIÕES DE ANTIGAMENTE

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Fonte – http://oglobo.globo.com/boa-viagem/o-tempo-voa-como-eram-os-avioes-de-antigamente-20408135?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O Globo

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Foto: Panam.org/Paleofuture / Divulgação

Fumar era permitido

Os males do cigarro não eram tão divulgados, e era permitido fumar durante os voos. Lá fora, as primeiras proibições ocorreram a partir de meados dos anos 1980. No Brasil, a partir de meados dos 1990.

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Foto: Panam.org/Paleofuture / Divulgação

Banheiros espaçosos

Por muito tempo, os aviões, que eram bem menores, tiveram apenas uma classe, semelhante à executiva atual. Os banheiros, por exemplo, eram bem mais amplos e podiam até ser frequentados por mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

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Foto: Panam.org/Paleofuture / Divulgação

Espaço de convivência

Até a década de 1980, voar era luxo para muito poucos. Com a popularização dos voos, alguns serviços deixaram de ser oferecidos. Embora hoje seja possível encontrar espaços de convivência em algumas primeiras classes, na época bares eram local de entretenimento a bordo.

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Foto: Panam.org/Paleofuture / Divulgação

Comida farta

Comer a bordo, até a década de 1970, era muito diferente. Nada das refeições padronizadas, industrializadas, e os lanchinhos de hoje em dia. Na época, a oferta de pratos e bebidas era bem maior. Além disso, como o espaço entre as poltronas era mais amplo, comer também ficava muito mais fácil.

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Foto: Panam.org/Paleofuture / Divulgação

Conexões frequentes

Além dos preços bem mais altos, no ado as aeronaves precisavam fazer mais escalas durante as viagens. Alguns voos, como de Londres para a África do Sul, chegavam a ter 22 paradas. O barulho do motor também era bem mais alto, e os acidentes muito mais frequentes.

NATAL BEM QUE JÁ MERECIA UM LOCAL TEMÁTICO SOBRE A AVIAÇÃO E A II GUERRA!

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Rostand Medeiros 

Recentemente eu realizei uma viagem de avião ao sul do país com a minha família. Quando compramos as agens eu soube que faria uma conexão no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, o Aeroporto do Galeão (GIG), onde aria umas boas cinco horas aguardando entrar em uma aeronave e retornar a capital potiguar.

Com tempo de sobra decidi conhecer um café que existe no Terminal 1 e segundo um amigo do Rio era um local que eu iria gostar, pois sua decoração era totalmente voltada para a aviação e a II Guerra Mundial.

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O tal point se chama Air Café Palheta e realmente o amigo carioca estava certo, o local é muito interessante para quem gosta da história da aviação e da II Guerra.

Não é um muito grande, mas está em um ponto do Galeão onde é possível ter uma boa visualização de uma das pistas e no teto do café temos interessantes modelos de aviões em escala de clássicos da aviação.

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Apesar de estar com fome (nem tinha almoçado), confesso que a comida se tornou um ponto secundário diante da decoração do local.

Ali vi um Douglas C-47 da USAAF, o burro de carga do transporte aéreo dos Aliados na II Guerra, um Beechcraft 18 na versão utilizada pela Força Aérea Brasileira no CAN – Correio Aéreo Nacional e denominado UC-18. Finalmente contemplei um North-American T-6D da FAB, com as antigas cores do Esquadrão de Demonstrações Aéreas, a conhecida Esquadrilha da Fumaça.

Um modelo em escala de um North-American T-6D nas antigas cores da Esquadrilha da Fumaça.
Um modelo em escala de um North-American T-6D nas antigas cores da Esquadrilha da Fumaça.

Esta ultima aeronave e sua pintura tradicional me trouxeram maravilhosas lembranças de uma apresentação da Esquadrilha da Fumaça, em Natal, em plena Praia do Meio. Nem sei o ano exato, foi lá pela primeira metade da década de 1970, mas nunca me esqueci do ronco dos motores radiais e das evoluções dos hábeis pilotos da Fumaça.

Um diorama mostrando um P-47 do 1o Grupo de Aviação de Caça da FAB na Itália
Um diorama mostrando um P-47 do 1o Grupo de Aviação de Caça da FAB na Itália

Todas as aeronaves apresentadas no Air Café Palheta foram habitues dos céus potiguares. Mas além destas maquetes haviam três interessantes dioramas com cenas típicas de aeronaves no solo em diferentes cenários da II Guerra. Em tempo, diorama é uma representação de uma cena ou cenário em maquete, tendo por finalidade despertar a imaginação do público, fazendo-o visualizar, reviver ou vivenciar uma experiência única e diferenciada ao apreciar a obra.

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Vi ainda quadros com imagens de aviões clássicos. Também estava lá uma parede toda recoberta com antigos materiais de propaganda da II Guerra e do período histórico da aviação. Dois expositores continham vários livros superinteressantes, peças originais de painéis de aviões, manequins com capacetes e equipamentos originais utilizados pelos pilotos. Enfim, um local muito interessante para quem gosta destes temas.

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Finalmente chegou a hora de ir para a sala de embarque e deixei o Air Café Palheta, mas levando várias lembrancinhas ofertadas pelos atenciosos profissionais que lá trabalham. Um deles viu a minha camisa com imagens referentes a Parnamirim Field e deduziu acertadamente que eu gostava do material exposto.

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A bordo do Boeing 737-800, percorrendo o litoral brasileiro em uma noite sem lua fiquei pensando porque Natal, a cidade mais ativa na época dos antigos “Raids” e a comunidade mais engajada na II Guerra em toda a América do Sul, não possuía algo como aquele café do Aeroporto do Galeão.

Confesso que ando meio desatualizado da noite natalense, mas não me recordo de algo similar na nossa cidade (se estiver errado corrijo o texto na hora).

Mas algo como este café só poderia acontecer com a abertura do Museu da Rampa?

E enfim, o novo governo Robinson vai tocar mesmo o final da obra deste museu tão importante para Natal?

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Não sou empresário de bares ou similares, mas creio que um local baseado na decoração do Air Café Palheta não seria tão difícil e nem sequer precisaria esperar o Museu da Rampa ser aberto. De material fotográfico o nosso próprio blog TOK DE HISTÓRIA possui várias imagens deste período e está a disposição. Modelos de aviões em escala e dioramas poderiam ser criados por exímios plastimodelistas que habitam em Natal.

Mesmo sem ter o conhecimento deste ramo de atividade comercial vi uma situação muito interessante neste café temático no Galeão – Havia uma mesa com cerca de dez a doze pessoas que portavam camisas com desenhos de aviões clássicos e modernos. Batiam um papo bem animado, acompanhados de um bom chope gelado e muito tira gosto. Logo descobri que eles eram um grupo de praticantes de Plane Spotting, ou seja, um grupo de pessoas munidos de câmeras fotográficas que vem aos grandes aeroportos para fotografar ou registrar a matrícula de uma ou mais aeronaves.

Este hobby surgiu na II Guerra quando alguns países que sofriam ataques de bombardeiros alemães incentivaram seus cidadãos a observação de aeronaves inimigas para lançarem um alerta no caso de aproximação dos bombardeiros. Hoje este hobby é praticado em quase todo o mundo e existem sites onde os spotters compartilham suas fotos e organizam encontros e eventos em aeroportos. Na Europa é comum ver aeroportos oferecerem áreas dedicadas a observação de aeronaves, caso o aeroporto não tenha uma, os spotters  procuram locais ao redor do aeroporto onde se tenha uma visão razoável do movimento das aeronaves.

Um dos expositores existentes no local com vários itens sobre aviação.
Um dos expositores existentes no local com vários itens sobre aviação.

Evidentemente que aqueles spotters estavam no Air Café Palheta depois de um sábado de observação, debaixo do causticante sol carioca. O local servia para o encontro, o congraçamento daquele pessoal, o papo sobre as aeronaves e um bom chopinho.

A camisa mostrou o entusiasta pela aviação.
A camisa mostrou o entusiasta pela aviação.

Coisa de maluco?

Pode ser na opinião de muitos, mas não na minha que sou um entusiasta da história da aviação e da participação da minha terra na II Guerra.

O C-47
O C-47

Para finalizar não posso deixar de comentar que sobre vários aspectos o café temático carioca me fez recordar com enorme saudade o extinto bar Blackout, na velha Ribeira. Evidentemente me veio a mente a pessoa maravilhosa de Paulo Ubarana , que atendia a todos com tanta atenção e que tão tragicamente nós deixou.

Em tempo – Não estou recebendo nada para comentar e mostrar fotos do Air Café Palheta. Ele apenas serviu de inspiração.

Fotos – Algumas foram feitas por mim, por amigos e outras pesquei do site ttps://pt.foursquare.com/v/air-café-palheta/4b6a03ecf964a520e9c12be3