FIGURAS DO SERIDÓ – O DOUTOR PIRES, O PRIMEIRO MÉDICO DE CAICÓ E QUANDO E AONDE ELE SE FORMOU?

1ª Parte – Transcrição da Coluna “Figuras do Seridó”, Publicada no Diário de Natal, Edição de Quinta-feira,14/06/1977, Pág. 18.

“Figuras do Seridó” abre hoje a oportunidade para prestar uma homenagem que se faz necessária, lembrando uma figura que não nasceu no Seridó, mas que toda a sua vida foi dedicada a praticar o bem, principalmente aos mais necessitados na cidade do Caicó e em todo o Seridó, como médico e como cidadão, o paraibano José da Silva Pires Ferreira, o Doutor Pires.

Ninguém melhor do que o seu genro, Dr. Janúncio Bezerra da Nóbrega, pesquisador, escritor, figura estimadíssima e de ilustre família do Seridó, para fazer um esboço biográfico daquele que foi um benemérito não só para Caicó, mas para todo o Seridó:

José da Silva Pires Ferreira e Dona Serafina de Araújo Pires Ferreira, esposa com quem constituiu família. Casaram-se em 1892, ela da família Araújo, de Caicó, filha do Dr. Antônio Aladim Araújo, que foi promotor público da Monarquia em Caicó, durante os anos de 1867 a 1884 e Juiz Municipal em 1889, data em que faleceu com 57 anos de idade. Antônio Aladim era um descendente de Tomaz de Araújo Pereira.

Aspecto típico de um hospital no Brasil do final doséculo XIX.

Do consórcio do Dr. PIRES e Serafina nasceram os filhos Osmila, Celina, Clóvis, Antônio (médico pediatra residente em São Paulo), Oscar (Oficial da Polícia de São Paulo), Georgina e José. Já existiam dois filhos Capitão do Exército Nacional, Afonso Medeiros, e José de Medeiros, comerciante em Recife.

O Dr. Pires era paraibano, de João Pessoa, nasceu em 1852 e chegou a Caicó em 1887, com 35 anos de idade. Trazia um título de médico e havia defendido tese. Morreu em 1948, portanto com 96 anos, quase um século, receitando para os que não podiam pagar e completamente lúcido. Enviuvara em 1908; viveu 44 anos de viuvez insipida.

Deixou uma saudade imensa que perdura no tempo. Muitas lembranças para as gerações futuras. Dr. Apóstolo da caridade, o Pires nunca deixou voltar de sua porta um cliente, porque não tinha o dinheiro. Amava a pobreza… Exercia sua profissão em todos os municípios das adjacências, bem como nos da Paraíba. Na sua época, era muito difícil um médico naqueles sertões. Lembro-me que em 1924, aportara em Natal e estacionou provisoriamente o Dr. Aderbal de Figueiredo, grande facultativo, que fundou o primeiro hospital de Caicó.

Durante a sua assistência o Dr. PIRES fez centenas de viagens para os municípios vizinhos, outras tantas para o de Caicó. Destaco duas, a uma distância de 5 léguas (30 km), cada. Era o Brasil primitivo, onde só havia o cavalo e a liteira, a última como meio de transporte para as famílias nobres.

Janúncio da Salustiano da Nóbrega e sua esposa Iluminata Theodora, que viveram a terrível experiência de perder duas filhas menores no mesmo dia, em decorr~encia da queda de um raio em sua propriedade Pedreiras, em 1886. O DR. PIRES nada pode fazer para salvar essas meninas.

Na fazenda Saco do Martins, pertencente ao Coronel João Damasceno Pereira de Araújo, adoecera de congestão o seu filho Tomas Epaminondas. O Dr. PIRES fora chamado e permaneceu mais de uma semana por lá. Outra, na fazenda Pedreiras, do Capitão Janúncio Salustiano da Nóbrega, na casa dele, casa no estilo colonial, assobradada, com sótão e janela virada para o norte. Estavam naquela janela duas filhas moças da casa apreciando uma chuva que ava ao longe. Pois bem, nisto foram vítimas de uma faísca elétrica, um raio. Chamado o Dr. PIRES às pressas nada pode fazer. Chamavam-se Maria Madalena e Inácia, e deu-se a morte no dia 14 de fevereiro de 1886, pelas 03:30 da tarde. Eram tias legitimas do escritor dos livros “Saudades do Seridó” e “Revivendo o Seridó”.

Detalhe da tragédia na Pedreira em 1886.

Aproximadamente, em 1904, ο Dr. PIRES, foi ao extremo norte, Amazonas, cavar a vida, atraído pela fascinação da região! Não levou a família. Cientista, inteligente e culto, tinha uma grande vocação pelas artes. Construía qualquer tipo de móvel, casas, barragens. Projetou e istrou a construção da Intendência Municipal de Caicó, hoje adaptada internamente para a moderna Prefeitura da mesma cidade. Ele era um sábio cientifico e empírico, de sua época, e todos os tempos.

Foi o primeiro médico que chegou e morou à vida inteira em Caicó. Fazia verdadeiro sacerdócio de sua profissão. Nasceu em João Pessoa. Tinha irmãos radicados ali como na cidade paraibana de Sousa, na Bahia e no Recife, todos com projeção social.

O monsenhor Emidio Cardoso, dizia que o maior amigo que tinha na terra era o Dr. PIRES. Por causa desta intimidade, ele, vigário de Caicó, sabendo das habilidades do seu amigo, pediu-lhe que projetasse e construísse a maior e mais espaçosa casa em Caicó, para sua residência. Isto foi feito: a célebre e grande casa do Serrote, por ser em cima de um ponto assim. Ao deixar Caicó, procurou o Dr. PIRES e ordenou: esta casa é sua até você morrer. Venda a sua casa e se e para ela. Isto também foi feito, conforme a vontade do amigo monsenhor. Hoje em dia, poderá aparecer amigo deste quilate? Morar 34 anos de graça na casa de um amigo?

O Dr. Chateubriand Bandeira de Mello concluiu a o curso de medicina no Rio de Janeiro junto com o Dr. Pires. Ele é tio do jornalista Assis Chateubriand.

O ex-deputado e governador deste Estado, Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros, quando em sua infância, deveu a sua vida ao Dr. PIRES, que salvou-o, muito doente que esteve.

O Dr. PIRES deixou um exemplo de caráter, honestidade, retidão e nobreza aos filhos do Seridó. Destarte foi um estelo de ordem e felicidade do seu povo, tornando-se uma pirâmide que não perdeu seu destaque, nem pendeu, até mesmo indo para o outro lado do infinito…

Além do mais, legou um modelo de brasileiro, cultivando princípios que o destacaram como “homem de bem”, o que não se pode dizer de todos os homens residentes aqui na face da terra.

Em homenagem a ele, sua propriedade “Riacho dos Santos”, ou a chamar-se granja “Dr. PIRES”. A Prefeitura também prestou sua homenagem dando o nome do Dr. PIRES a uma das principais ruas da cidade de Caicó.

Igreja de Santo Inácio ou dos Jesuítas, no Morro do Castelo, ao lado do Hospital São Zacharias, antigo Colégio dos Jesuítas, onde a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro funcionou em seus primeiros anos. Fotografia de Augusto Malta, por volta de 1920. Acervo do Instituto Moreira Salles – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/

Foi um benemérito!”

2ª Parte – Produzido Peçp Blog Tok de História – E Aonde e Quando Ele se Formou?

Por ser da Paraíba seria mais fácil imaginar que o Dr. Pires tenha concluído seu curso superior na Faculdade de Medicina da Bahia, mas descobrimos que ele estudou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

A tese apresentada pelo Dr. PIRES em 1882.

Defendeu sum tese no dia 30 de setembro de 1882, sendo intitulada “Estudo comparativo de talha e Litotricia nos cálculos vesicais”. Prires Ferreira se formou junto com os também paraibanos Chateubriand Bandeira de Mello (tio do jornalista Assis Chateubriand) e Antônio Rogério de Gouveia Freire. Nesse ano nenhum potiguar se formou nessa faculdade.

Não consegui descobrir qual, ou quais, razões levaram esse médico para Caicó, mas, contudo, podemos afirmar que José da Silva Pires Ferreira nasceu em 12 de janeiro de 1853, na atual cidade de João Pessoa, no estado da Paraíba. Faleceu em 31 de janeiro de 1948, em Caicó, Rio Grande do Norte. Era filho do comerciante João Chrisóstomo Pires Ferreira e Amância Olindina do Sacramento.

BATUQUES EM LISBOA

Earle retrata uma dança popular no Rio de Janeiro no século XIX. Rítmos africanos fizeram parte da cultura musical de Barbosa desde a sua juventude.
Earle retrata uma dança popular no Rio de Janeiro no século XIX. Ritmos africanos fizeram parte da cultura musical de Barbosa desde a sua juventude.

Levando as batidas do lundu para a Europa, Domingos Caldas Barbosa fez sucesso entre a elite portuguesa

Adriana de Campos Rennó – http://www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/batuques-em-lisboa

Quando a primeira música foi gravada no Brasil, em 1902, havia ali a influência de um poeta e compositor que fez sucesso muito antes, ainda no século XVIII. A canção “Isto é bom”, de Xisto Bahia (1841-1894), era um lundu, gênero musical do qual foi precursor um brasileiro que viveu muitos anos em Portugal. Domingos Caldas Barbosa (1740-1800) misturou aos seus versos ritmos melódicos tipicamente africanos, dos batuques dos escravos. E deu um tom de novidade à poesia feita na sua época.
A importância do lundu, e, consequentemente, de Barbosa, está na maneira como esse gênero inspirou a criação de outros – o maxixe, inventado no século XIX, é um exemplo – e a carreira de artistas considerados pioneiros da música popular brasileira, como Chiquinha Gonzaga (1847-1935).

Barbosa deixou uma obra que contribuiu para a formação da identidade brasileira. O poeta viveu numa época em que a sociedade ainda procurava imitar em tudo a portuguesa, vista como o modelo a ser seguido. O mesmo acontecia na literatura, em que os autores lusos eram a grande referência. Mas os novos ritmos e letras com influência africana sugeriam que a Colônia era diferente da metrópole: maliciosa, malemolente, sensual, irreverente e encantadora – características que hoje são associadas ao modo de ser do brasileiro.

Com suas composições, Barbosa introduziu uma poesia menos rígida do que a neoclássica, que era a corrente em Portugal e se baseava numa linguagem nobre, elevada, capaz de manter os sentimentos sob o controle da razão. Ao “violar” as regras da época, o poeta abriu caminho para o que outras gerações consagrariam no futuro: uma expressão romântica, mais livre e subjetiva, repleta de versos com jogos de palavras que tinham uma forte musicalidade. 

“Nhanhá faz um pé de banco/ Com seus quindins, seus popôs/ Tinha lançado seus laços/ Aperta assim mais os nós (…) Logo que nhanhá saiu/ Logo que nhanhá dançou/ O cravo que tinha ao peito/ Envergonhado murchou”, dizia a letra de um de seus lundus. Barbosa já escrevia com a intenção de ter seus poemas cantados, e não lidos individualmente. Eles deviam servir de fundo para as danças de salão nas festas, fossem populares ou nobres, exaltando a graça do remelexo das mulheres de forma sensual e atrevida.

Já as modinhas – outro gênero musical do qual Barbosa também foi precursor – tentavam expressar os sofrimentos de amores não correspondidos ou nunca concretizados, mas de forma menos erótica do que os lundus: “Eu sei, cruel, que tu gostas,/ Sim gostas de me matar;/ Morro, e por dar-te mais gosto/ Vou morrendo devagar/ […] O veneno do ciúme/ Já principia a lavrar/ Entre pungentes suspeitas/ Vou morrendo devagar”. A musa desses poemas é inalcançável. O ritmo é mais arrastado, bem diferente das marcações aceleradas e pulsantes do lundu. A melancolia é um traço forte das modinhas, mais lentas e contidas, e ainda assim populares.

Como sua poesia, o próprio Domingos era resultado de uma mistura que marcou presença na formação do Brasil. Mulato, ele era filho de um funcionário público português, Antônio de Caldas Barbosa, e de uma escrava angolana de nome desconhecido. Nasceu assim que o navio que trazia seus pais da África aportou no Rio de Janeiro – ou mesmo dentro do navio, como sugerem alguns biógrafos – e estudou no Colégio dos Jesuítas, como a maioria dos filhos de portugueses abastados. Nessa escola escreveu suas primeiras poesias, com tendência satírica e repentista. Após servir como soldado na Colônia do Sacramento – região disputada por Portugal e Espanha, hoje parte do Uruguai –, foi enviado a Coimbra, Portugal, para estudar na universidade de 1770 a 1772.

Os planos de Barbosa mudaram assim que ele se instalou em Portugal e recebeu a notícia da morte de seu pai. Sozinho numa terra estrangeira onde não tinha parentes, abandonou a ideia de estudar porque precisava tratar do sustento. ou a escrever versos encomendados pelos estudantes e a cantar em festas universitárias. Ele compunha, na maioria das vezes, na forma de improviso, para musicar e acompanhar os versos ao som de sua viola de arame. O apelo ao exotismo da mestiçagem cultural brasileira servia como uma espécie de “tempero” para a sua poesia, que fazia sucesso entre os jovens. Mas era durante as férias da universidade que Barbosa tinha mais dificuldades. A cidade ficava vazia, e o poeta, sem trabalho, chegou a ar fome.   

Sua vida mudou ao ser apadrinhado por dois nobres portugueses que conhecera em uma festa: José Luís de Vasconcelos e Sousa (1740-1812), genro do conde de Pombeiro, e seu irmão Luís de Vasconcelos e Sousa (1742-1809). De tão encantados com o talento de Barbosa, os dois o trataram como se fosse da família. Logo o ajudaram a se instalar definitivamente na corte em Lisboa, conseguindo para ele o cargo de capelão da Casa da Suplicação (o supremo tribunal de justiça do Reino de Portugal), o que o faria ser conhecido também como “Padre Caldas”.

Na capital do Reino, Barbosa participou das atividades artísticas patrocinadas pelo marquês de Pombal (1699-1782). Mesmo após a ascensão ao trono de D. Maria I (reinado, 1777-1816), o poeta continuou frequentando o Palácio Real. Seu prestígio no meio intelectual cresceu a tal ponto que em 1790 ele ou a presidir a Nova Arcádia, agremiação literária que se reunia no Palácio dos Condes de Pombeiro e pretendia reavivar a Arcádia Lusitana, associação semelhante extinta em 1774.

Alguns escritores consagrados da época, como Bocage (1765-1805), Filinto Elísio (1734-1819) e Agostinho de Macedo (1761-1831), participavam da Nova Arcádia, que deixou de existir em 1794, após desentendimentos entre seus membros. Barbosa às vezes assinava como Lereno Selinuntino, um pseudônimo bem ao gosto da moda pastoral do Arcadismo, o movimento literário do século XVIII que, retomando modelos clássicos, se opunha aos exageros do barroco, privilegiando temas ligados ao mundo natural. 

No entanto, nem tudo era luxo e festa na vida do poeta brasileiro. Alguns de seus colegas de literatura criticavam duramente sua obra e o viam como um simples “modinheiro”, um mero compositor de letras de músicas a serviço da diversão, de um sentimentalismo derramado, sem qualquer riqueza estética que o pudesse qualificar como um verdadeiro homem das letras.

Domingos Caldas Barbosa foi um sacerdote, poeta e músico brasileiro, autor de lundus e criador da Modinha. Foi membro da Nova Arcádia de Lisboa.
Domingos Caldas Barbosa foi um sacerdote, poeta e músico brasileiro, autor de lundus e criador da Modinha. Foi membro da Nova Arcádia de Lisboa.

Essa desconfiança persistiu ao longo dos anos, mesmo após sua morte, em 9 de novembro de 1800, em Lisboa. E é um dos fatores responsáveis por ele não ser tão conhecido quanto outros artistas da sua época, como Bocage e Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), ainda que a nascente geração romântica do século XIX tivesse promovido um resgate da sua memória com a publicação no Brasil, em 1826, do segundo volume de Viola de Lereno, coletânea com as composições de Barbosa. O primeiro volume havia sido lançado pelo próprio poeta em 1798, em Portugal.

Valorizando Barbosa, os românticos buscavam uma literatura nacional para sustentar a pátria que havia acabado de conquistar a independência política em 1822. E conseguiram: mesmo sem ser muito conhecida, a obra do poeta permanece, mais de 200 anos depois, nas raízes da cultura brasileira.

Adriana de Campos Rennó é professora da Universidade Paulista e autora de Caldas Barbosa e o pecado das orelhas: a poesia árcade, a modinha e o lundu (textos recolhidos e antologia poética) (Arte & Ciência, 2005).

Saiba Mais – Bibliografia

BARBOSA, Domingos Caldas. Viola de Lereno. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,     1944. v.1 e v.2.
TINHORÃO, José Ramos. Domingos Caldas Barbosa: o poeta da viola, da modinha e     do lundu (1740-1800). São Paulo: Ed.34, 2004.

Saiba Mais – Discografia

História da música brasileira II (vários, s/d)
Marília de Dirceu (vários, s/d)
Modinhas fora de moda (vários, s/d)
Modinhas e lunduns dos séculos XVIII e XIX (vários, 1997)
Música de salão do tempo de D. Maria I (vários, 1994)
1900: a virada do século (vários, s/d)
Ninguém morra de ciúme (vários, s/d)
Viagem pelo Brasil (vários, s/d)