HISTÓRIA MILITAR DO RIO GRANDE DO NORTE – PARTE 1 – AS LUTAS

Felipe Nery de Brito Guerra – Publicado originalmente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN, 1927, Volumes XXIII e XXIV, páginas 218 a 228.

* Informação do Blog Tok de História – Busquei atualizar alguma coisa da ortografia do texto do Desembargador Felipe Guerra, escrito em agosto de 1920, sem, contudo, alterá-lo. Devido a sua extensão, foi necessário dividi-lo em duas partes, uma dedicada as lutas e outra aos combatentes potiguares, que será a nossa próxima publicação.

Escrever a história militar do Rio Grande do Norte desde o início de sua colonização, principiada em fins do século XVI seria, pelo menos até princípios do século XVIII, escrever a história do Rio Grande do Norte, porquanto esse espaço de tempo, abrangendo um período de cerca de dois séculos, foi preenchido por sangrentas agitações, lutas e guerras.

A dominação sa, exercida então por piratas, aventureiros, desclassificados, sem outros ideais a não ser o lucro mercantil, sempre receosos e a espera de ataques dos portugueses. O que é certo, porém, é que essa permanência constante e demorada dos ses, embora sem estabelecimento conhecido, representava um perigo para as vizinhas e próximas capitanias, principalmente a Paraíba, de onde haviam sido repelidos.

“O mal vem do Rio Grande”, dizia-se em Pernambuco e na Paraíba. E assim, para acabar com esse mal, foi resolvida a conquista do Rio Grande, da qual foi incumbido Manoel Mascarenhas Homem, tendo Jerônimo de Albuquerque alcançado melhor êxito na empresa.

Piratas ses no Brasil – Fonte – httpswww.goianarte.com

Não tinham então os ses regulares instalações. Viviam, entretanto, em estreitas relações com os selvagens, habitando mesmo suas aldeias. É o que se depreende da célebre “História do Brasil” de Frei Vicente do Salvador, escrita em 1627, e onde se lê que logo ao chegar Manoel Mascarenhas Homem “ali desembarcaram e se entrincheiraram de varas de mangue para começarem a fazer o forte e se defenderem dos Potiguaras que não tardaram muitos dias. Vieram uma madrugada, infinitos, acompanhados de cinquenta ses, que haviam ficado das naus no porto dos Búzios e outros que ali estavam casados com Potiguaras”.

Manoel Mascarenhas Homem, que lutou no Rio Grande do Norte contra os ses – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia

E assim ofereceriam os selvagens, auxiliados por seus aliados ses, tenaz resistência. O que não impediu, entretanto, a fundação do “Forte dos Reys”, permitindo a criação da povoação do Natal dois anos depois — 25 de dezembro de 1599. Foi celebrada a paz com os Potiguaras, conseguida por Jerônimo de Albuquerque com a mediação de um selvagem “principal e feiticeiro”, chamado ILHA GRANDE.

A conquista do litoral brasileiro havia sido começada do norte para o sul, sendo depois continuada do sul para o norte, tendo, principalmente esta última, contado com eficaz cooperação dos naturais da terra, já representados por brancos, filhos de portugueses, por mestiços e pelos selvagens que, subjugados e pacificados pelos portugueses, eram aproveitados como seus aliados.

Os selvagens constituíam sempre o grosso das forças conquistadoras, embora não fossem, em regra, os elementos mais resistentes nos combates. Eram, entretanto, os mais resistentes às longas marchas, aos transportes e aos mais serviços exigidos em campanhas rudes e aventurosas, em que não podia se contar com auxílios minguadíssimos e retardados, senão impossíveis.

Forte dos Reis Magos, por Frans Post (1638)
– Fonte – http://noisnafolia.no.comunidades.net/pontos-turisticos

Os Potiguares, que dominavam o litoral do Rio Grande do Norte, uma vez pacificados, foram valiosos e fortes elementos para a conquista do norte. Não existindo mais o “mal vindo do Rio Grande», que ara para o Ceará e para o Maranhão, foi resolvida a conquista desses pontos, onde os ses procuravam se firmar. Ainda foram os Potiguares elementos preponderantes para a conquista do primeiro daqueles territórios.

Expulsos os ses do litoral, de Paraíba ao Maranhão, as novas populações que procuravam se estabelecer não ficaram na tranquilidade da paz. Nem todas as tribos haviam feito amizade com os colonizadores; e mesmo no meio daquelas tidas como amigas, surgiam ataques e desconfianças que traziam para a região um verdadeiro estado de guerra, rompendo a duvidosa paz, sempre de curta duração..

Veio depois a guerra holandesa. O Rio Grande do Norte foi duramente sacrificado na luta. Tomada a Fortaleza dos Reis Magos (12 de dezembro de 1533) por uma força holandesa guiada por Calabar, sofreu o Rio Grande do Norte com o invasor até o final da guerra holandesa no Brasil. Esteve assim esta terra dezenove anos sob o domínio batavo.

Florin holandês de ouro. Essa foi a primeira moeda a conter o nome Brasil e foi produzida pelos holandeses durante a ocupação de Recife – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Dutch_guilder

Calabar conseguira angariar para os holandeses a amizade dos Índios Janduís, que unidos aqueles praticaram horríveis massacres. Fácil é de imaginar o que seria a guerra movida por selvagens açulados por aventureiros da pior espécie, como parece que eram os holandeses enviados para o Rio Grande do Norte. Chegaram a negociar prisioneiros como animais para o corte, destinado a pasto dos antropófagos Janduís.

Finda a guerra holandesa pela expulsão dos invasores, continuou a luta no Rio Grande contra os Índios, sempre dispostos a defender sua vida selvagem e sem peias. Houve mesmo uma rebelião generalizada dos nativos que durou longos anos, nada respeitando, nem a vida nem os habitantes do Rio Grande, que já contava elementos de prosperidade. Foi calculado que os índios mataram “perto do trinta mil cabeças de gado grosso e mais de mil cavalgaduras”. Essa rebelião durou de 1688 a 1720, quer dizer, 32 anos, talvez mais, porquanto não se acha bem estudado esse ponto da história. Foi um movimento sério e perigoso. Pedidos insistentes de socorro partiram para Pernambuco, para a Bahia, e até diretamente seguiu um emissário para Lisboa, levando uma representação do Senado da Câmara ao Rei, tais as delongas do auxílio reclamado.

“Cena da Expedição do Tenente-Coronel Affonso Botelho”, aquarela do artista Joaquim José de Miranda (1771) que retrata o confronto entre indígenas e bandeirantes. Provavelmente cenas como essa ocorreram no Rio Grande do Norte – Fonte – https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/guerras-barbaras/

Do litoral ao alto sertão era grande o perigo que ameaçava a própria Natal, sendo, o ponto culminante da rebelião a ribeira do Assú. Vieram em excursões guerreiras tropas da Paraíba, de Pernambuco e da Bahia. Vieram os ”terços paulistas” que haviam lutado em Palmares, vieram companhias do Batalhão de Henrique Dias. Essas forças, os melhores elementos de luta então disponíveis pelo Governo do Brasil, subiram até as cabeceiras do rio Assú, foram às ribeiras do Seridó, do Apodi até ao Jaguaribe, em perseguição dos índios que foram afinal pacificados, isto é, aniquilados, escorraçados, sendo tomada a providência de aldear os restantes. Ainda em tais aldeamentos apareciam insurreições dos índios motivadas por excessivos rigores e injustiças. Nenhuma condescendência havia para o infeliz selvagem, a quem de fato era negado qualquer direito.

Seguramente Miguel Joaquim de Almeida Castro, o Padre Miguelinho, foi o potiguar que mais expresivamente tomou parte na revolução de 1817 e acabou sendo fuzilado. Em junho de 1906, no 89º aniversário do fuzilamento, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, promoveu uma série de homenagens em Natal . Houve uma sessão solene no então Teatro Carlos Gomes, atualmente Teatro Alberto Maranhão, na noite de 12 de junho de 1906, onde um coro feminino cantou o “Hino de Miguelinho”, letra de Henrique Castriciano e música de Luigi Maria Smido, cuja a capa da partitura apresentamos acima – Fonte – https://gamfrente.blogspot.com/2017/03/padre-miguelinho-luz-do-rio-grande-do.html

Na revolução de 1817, não é ignorado o papel que representou o Rio Grande do Norte. Pode-se dizer que essa página luminosa da história nacional se caracteriza no seu conjunto mais pela pureza de seus chefes, pelo estoico heroísmo dos que nela figuram, pela elevação dos ideais, pelo pendor doutrinário, do que por feitos militares e ação guerreira. E foi essa seguramente uma das causas que apressaram o fracasso da revolução.

Em agitações partidárias ou a Província as fases da Independência Nacional. Tomou parte na revolução da “República do Equador”.

Os corajosos e mal organizados destroços das forças revolucionárias de 1824 seguiram por terra, em dificultosa marcha por ínvios sertões de Pernambuco ao Ceará, procurando junção com as forças que nessa Província apoiavam o movimento revolucionário. Foi uma verdadeira retirada de cerca de três mil pessoas, conduzindo duas peças de artilharia, arrastadas por caminhos impraticáveis e arrostando todas as dificuldades que podem acompanhar forças sem disciplina, sem organização militar, sem recursos e sem alentadoras esperanças.

Quadro “Estudo para Frei Caneca”, de Antônio Parreiras (1918), mostrando o padre revolucionário em seu julgamento – Fonte – https://en.wikipedia.org/

Atravessaram o sertão do Rio Grande do Norte entrando pelo Seridó, seguindo para Pau dos Ferros pelos limites entre Rio Grande do Norte e a Paraíba. No Seridó, onde o presidente provisório da Paraíba deixou sua família, que com ele vinha acompanhando a expedição, da qual também fazia parte o nobre, elevado e culto espírito que era Frei Caneca, não foram hostilizadas as forças. Em Caicó, demoraram-se oito dias, concertando as carretas das peças que eram puxadas por bois. Em Patu de Fora, começou a expedição a sofrer hostilidades e também a hostilizar. Foram incendiadas algumas casas e fazendas.

Em Torrões (ou Torões), Patu, houve forte tiroteio, morrendo mais de trinta pessoas de parte a parte. Parece que batalhões irregulares de Portalegre organizaram guerrilhas, unindo-se depois com as forças legalistas do Rio do Peixe (PB).

Foto – Rostand Medeiros.

Serenada a luta pela submissão dos rebeldes, seguiram-se o martírio e as exageradas punições de infelizes chefes rebeldes, sonhadores antecipados dos ideais republicanos, vítimas da crueldade das juntas militares, tão tristemente célebres na história pátria.

Os habitantes do Rio Grande do Norte conservaram sempre prontos para qualquer emergência, chegando a formar batalhões de tropas irregulares, contra os reacionários de 1832, apoiando a política do então ministro da justiça e depois Regente do Império, padre Diogo Antônio Feijó.

Iniciada no Ceará em dezembro de 1831, com a proclamação de Joaquim Pinto Madeira, essa revolta obedecia aos ideais do Partido Restaurador, ou Caramuru, apoiado pelos portugueses. Formou-se no sertão do Rio Grande do Norte batalhões de tropas irregulares que marcharam para o Crato contra os revolucionários. De Martins e Portalegre seguiu um batalhão sob o comando do coronel Agostinho Pinto de Queirós. Conta-se que na primeira noite de marcha dois soldados de família do Martins, os irmãos Patrícios, tentaram voltar para casa, sendo por isso, ao amanhecer, sumariamente fuzilados. O comandante da tropa foi processado por esse fato e depois, por prescrição, isento da pena.

Pintura em azulejo de Armando Lopes Rafael (2010), representando Joaquim Pinto Madeira – Fonte – https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revista/a-guerra-dos-cacetes-bentos/

Sob o comando do coronel José Teixeira se organizou um batalhão no Seridó, do qual faziam parte os homens válidos das principais famílias. Incorporada à força combatente e reunida em Caicó, o padre Francisco de Britto Guerra, então vigário da cidade e representante da Província na Câmara Temporária, onde entrara como suplente, intimamente relacionado com o padre Feijó, e talvez o principal fator do movimento, promoveu uma grande solenidade cívico-religiosa por ocasião da partida da força. Seguiram todos montados para Pombal onde se uniram as forças da Paraíba, principiaram a receber instrução militar ministrada pelo alferes Canuto, de tropa de linha do Ceará.

Nas várzeas do Rio do Peixe (PB), houve o primeiro encontro entre esse batalhão do Seridó e as forças de Pinto Madeira, tendo estas atacado de surpresa, procurando tomar o valioso comboio dos víveres e munições dos seridoenses. O resultado foi as forças de Madeira retirando-se do combate com a perda de doze homens.

Manuel de Assis Mascarenhas, presidente da Província do Rio Grande do Norte ente 1838 a 1841, em cujo governo concedeu a patente de Coronel Comandante ao seridoense Joãop Gomes da Silva, pela sua capacidade de luta nos combates contra as forças de Pinto Madeira em 1831 – https://pt.wikipedia.org

O batalhão do Seridó continuou em marcha afim de reunir-se com as forças legalistas que no Ceará procuravam abafar a revolta, havendo pelo caminho alguns encontros. Terminada a luta, voltou a tropa ao Caicó, onde foi recebida com festas, aclamações, Te Deum na igreja, etc. Por ocasião dessas festas da chegada, foi aclamado pelos soldados o comandante das forças o quartel mestre João Gomes da Silva, que se havia distinguido na expedição, aclamação que anos depois no governo de Manoel de Assis Mascarenhas (1838 – 1841) foi confirmada com a patente de Coronel Comandante.

Muito é de notar que em todas essas lutas político-partidárias, os sertanejos do Rio Grande do Norte, serenados os ânimos, evitavam ódios inúteis, crueldades, perseguições e delações contra os vencidos.

A tradição narra mesmo o fato de haver Simão Gomes de Britto, capitão de milícias em Campo Grande, recebido ordem superior para prender o Coronel Cavalcante, implicado na revolução de 1817. Mas este apresentou a ordem de prisão ao seu amigo e pediu para que tomasse suas precauções. Acrescentou: — “Dê no que der, não o prenderei, porque sei que não cometeu crime”. E efetivamente não tentou fazer a prisão. Entretanto, o Coronel Cavalcante, ou porque se julgasse inocente, ou por altivez de caráter, ou ainda para evitar a responsabilidade do amigo, foi se entregar, e sofreu os rigores daqueles horríveis cárceres, onde foram martirizados os patriotas de 1817.

Óleo sobre tela de Eduardo de Martino, que retrata a troca de tiros que culminaram na primeira agem de navios brasileiros por o de Tonelero em 1851, onde os argentinos construíram fortificações que bloqueavam a navegação no Rio Paraná. Domínio público, Revista de História da Biblioteca Nacional – Fonte – https://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/historia-do-brasil/brasil-monarquico/8979-quest%C3%B5es-platinas-a%C3%A7%C3%B5es-militares-no-segundo-imp%C3%A9rio

Nas guerras contra as repúblicas do Rio da Prata numerosos filhos do Rio Grande do Norte acudiram em defesa da pátria.

Quatro meses depois de declarada a Guerra do Paraguai, embarcou em Macau um contingente de mais de sessenta voluntários, dos quais trinta e três eram do Assú, além de onze de Campo Grande, que haviam seguido diretamente para a Capital. É conhecido o fato de haver o Dr. Olinto José Meira de Vasconcelos, então Presidente da Província (1863 – 1866), dirigido a palavra na capital, a grupos que se achavam em manifestações em frente ao quartel, apelando para o patriotismo de todos e pedindo dar um o à frente aqueles que quisessem seguir para a guerra. Mais de 400 voluntários moveram-se para a frente. De todos os pontos da Província seguiram Voluntários da Pátria, sendo também crescido o número de recrutados. E o papel que na guerra desempenharam os rio-grandenses-do-norte ajudou ao merecido renome adquirido pela infantaria do norte.

O brasileiro Symphonio dos Santos uniformizado para combater na Guerra do paraguai – Fonte – http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=92142

Na proclamação da República, na revolução federalista do sul, na revolta da armada, em Canudos, os filhos do Rio Grande do Norte cumpriram sempre seu dever.

Sob as ordens de Plácido de Castro, nas lutas acreanas, encontraram-se também inúmeros rio-grandenses-do-norte, destemidos e audazes pioneiros da colonização e conquista das mais recuadas fronteiras da Pátria, os quais tangidos do torrão natal por atormentadoras secas, forneceram, com seus irmãos de outros Estados, por igual vítimas da calamidade, os elementos vitais, talvez os únicos possíveis para o colossal empreendimento da colonização da Amazônia.

De fato, outras populações vivendo certamente sob um clima mais doce e uma natureza mais amena, não estariam, como os nossos sertanejos, tão habituados a receber e aguentar o choque e a destruição das mortíferas forças da natureza amazônica, com a mesma resignação, com o mesmo esforço e coragem com que encaram e recebem as furiosas cargas das nossas devastadoras secas.

Na execução da recente lei do serviço militar (1916) raro é o sorteado dessa terra que deixa de acudir ao chamado: talvez nenhum listado da União apresente menor número de insubmissos.

Eis aqui, a largos traços, a vida militar do Rio Grande do Norte: lutas constantes durante dois séculos, sempre aceso o sentimento de patriotismo, de abnegação, de sofrimento. E por isso mesmo, apesar de uma bissecular educação guerreira, os filhos do Rio Grande do Norte têm acentuadamente o caráter pacífico: o banditismo, o caudilhismo, e as lutas por fanatismo nunca encontraram apoio entre eles.

Para conhecerem a biografia de Felipe Guerra é só ar esse link – https://fatosdefelipeguerra.blogspot.com/2019/10/felipe-guerra_31.html 

OS VELHOS CAMINHOS DO RIO GRANDE DO NORTE

Luís da Câmara Cascudo – Publicado originalmente no livro HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE, Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1955. 1ª EDIÇÃO, Capítulo XIII, páginas 307 a 312.

A primeira estrada conhecida no Rio Grande do Norte e, durante séculos, a mais trilhada, foi pelo litoral, beirando quase o mar, rumo da Paraíba. Os colonizadores vieram pelo Atlântico, mas a parte da tropa que devia vir por via terrestre recuou na baía da Traição ante a peste de bexigas. Mascarenhas Homem, fundador do Forte dos Reis Magos, regressou por terra. Esse primeiro caminho teve, no correr da guerra contra os indígenas no final do século XVII, uma série de casas fortes, protegendo o trânsito que seria relativamente vultoso. Vinha-se pela baía da Traição ou Mamanguape, Tamatanduba, Cunhaú, Goianinha, Guaraíras (Arês), Mipibu, Potengi, Utinga, ou seguindo o vale do Cajupiranga, diretamente a Natal. A jornada para o interior ia até o vale do Ceará Mirim, limite do conhecimento geográfico, útil até mesmo depois da expulsão do holandês em 1654.

Fortaleza dos Reis Magos no período colonial

Quando o mestre de campo Luís Barbalho Bezerra realizou a famosa contramarcha de fevereiro-maio de 1640, calcou a estrada já histórica. O genealogista Pedro Taques diz ter sido o desembarque a 7 de fevereiro no porto de Aguaçu, topônimo desaparecido, junto ou nos arredores da atual cidade de Touros. Em nomeações reais encontro baixios de São Roque. O caso é que Barbalho Bezerra veio até o Potengi, quase vendo Natal ou vendo, onde se bateu, derrotou e aprisionou Joris Gartsman, capitão flamengo do Reis Magos, e o conduziu para a cidade do Salvador. De Cunhaú é que o mestre-de-campo escreveu ao conde de Nassau pedindo agem. Encontramos sua espada vencendo Alexandre Picard em Goiana. Era a trilha secular para ó sul, Natal, vale do Cajupiranga, vale do Capió, Cunhaú, rio Guaju para a Paraíba e daí para Pernambuco, por Mamanguape e Goiana como ainda nos nossos dias é a maior rodovia interestadual.

Riacho seco no Vale do Cafundó, zona rural da cidade pernambucana de Flores, Região do Pajeú. No ado essas eram as primeiras estradas da ocupação do interior do Nordeste. – Foto de Alex Gomes.

A repressão oficial à revolta da indiaria provocou o alargamento das fronteiras corográficas. Antônio de Albuquerque Câmara bate-se em 1688 nas cabeceiras do rio Açu e entre as serras do João do Vale e Santana do Matos. A revolta abrangia as ribeiras do Açu e Jaguaribe. A zona teve de ser batida e tresada pelas colunas militares. Nesse 1688 os paulistas vieram ajudar a corrigir a indiada e se encontraram, vindos da Paraíba, com Albuquerque Câmara que se batia no baixo Açu. Domingos Jorge Velho viera de seus currais do São Francisco, por terra e mergulhara pelo boqueirão de Parelhas, no chamado “Sertão de Acauã”, que enrolava serras e capoeirões desde os atuais Jardim do Seridó até Currais Novos. Toda essa região, Focinho dos Picos, Picuí, Caiçara e Bico da Arara, até roçar o rio Acauã, era terra do gentio da nação Canindé e Janduí (Cariri) que se alargava por Quacari, Quimbico, Quintururé, Umvibico, Amoré, Onaxi, Acinum, Quindê, Arari, Jucurutu até a misteriosa serra, do Araridu ou Papuiré até Ticoiji e Tipuí, julgadamente a serra do Coité no território paraibano. São topônimos ·cariris que orlam a peregrinação dos aldeamentos e ficaram como testemunhando a agem dos Janduí e Canindé antes do desaparecimento. Esse povo dos Canindé foi derrotado em 1690 por Afonso d’Albuquerque Maranhão, da casa de Cunhaú, neto de Jerônimo, 1.º capitão-mor do Rio Grande. O tuxaúa Canindé, soberano do sertão da Acauã, foi batizado e tomou o nome de João Fernandes Vieira. Dois anos depois o Senado da Câmara de Natal pedia a criação de arraiais, povoados com defensão militar nos quatro pontos extremos da região pacificada: Jaguaribe, Açu, Acauã e Curimataú. As estradas ligavam entre si esses lugares e se articulavam nas duas vias-tronco para o sul, o caminho do litoral, já mencionado, e a estrada por onde nasceria a estrada das boiadas. Em 1697 os indígenas Paiacu e Caratéu, da nação cearense dos Icó que viviam desde o Catolé do Rocha até as margens do rio Piranhas, na Paraíba, fixaram-se entre as ribeiras do Apodi e Jaguaribe, formando um liame de ativa comunicação pela chapada.

Ilustração de Jean Baptiste Debret

Por onde, durante as guerras contra o cariri, entraram os Terços Paulistas, as tropas de auxílio, vindas para conter os Janduí, Icó, Paiacu, Pega e Panati insubmissos?

Desceram da Paraíba, vindos por Soledade-Picuí ou Piranhas, depois Pombal, Brejo do Cruz e Catolé do Rocha, varando a fronteira depois da reentrância paraibana, ou vinham pela mesopotâmia do Panema-Açu? As tropas que voaram em socorro de Albuquerque Câmara tomaram o primeiro caminho e as do sertanista Domingos Jorge Velho creio que escolheram o segundo, ainda hoje piso batido e tradicional.

ada a guerra ficou a lembrança da terra pisada para baixo e para cima. Do Açu sobe-se pelo rio Paraú até o fim e apanha-se a estrada paraibana depois de Belém. Lembremo-nos que a Paraíba não tinha gado e sim açúcar. O Rio Grande do Norte possuía tanto gado que podia suprir a Paraíba, Itamaracá e Recife. Os currais paraibanos são posteriores ao domínio holandês na vigência do qual o Rio Grande exportava, de graça e a força, milhares de cabeças. Irineu Joffily (Notas sôbre a Paraíba, 124) diz que as “fazendas apareceram normalmente quando os exploradores galgaram o planalto da Borborema e os paulistas penetraram no Piancó. Depois de 1690 é que temos indícios das atividades bandeirantes dos Oliveira Lêdo no Piancó e Piranhas. Os núcleos iniciais foram o Boqueirão a leste e Piranhas a oeste até que Oliveira Lêdo reuniu e sistematizou o esquema do povoamento pela fixação das tribos disseminadas.

Estrada de rodagem do Seridó, início da década de 1920

Durante muitos anos os pontos povoados do sertão paraibano não tiveram intercomunicação. Piancó conhecia a ligação com a Bahia, e Boqueirão, nos Cariris Velhos, com Pernambuco. Entre nós, já no século XIX, sucedia o mesmo. Mossoró ia para o Aracati e Caicó para Campina Grande. O sertão escapou secularmente à capital que vegetava, humilde e minúscula, junto ao Potengi. As ligações orientavam-se para Pernambuco e Paraíba, para as grandes feiras de gado, Igaraçu, Goiana, També (Pedra de Fogo), Itabaiana e depois Campina Grande. Daí a rede de estradas e variantes que sempre aglutinaram esses lugares e os articulavam às regiões do Seridó e sertão de Piranhas, ribeira da Panema, enquanto a zona do Mossoró se escoava para o Ceará pelo chapadão do Apodi. Com o desenvolvimento do Aracati ou este a dirigir Mossoró e Mossoró ao seu sertão na linde do Oeste.

Do Mossoró, a velha estrada ia a São Sebastião (Governador Dix-Sept Rosado), como presentemente a estrada de ferro, Jurumenha, perto de Caraúbas, Atoleiros, Piranhas, Mombaça, Boa Esperança (Demétrio Lemos, atual Antônio Martins) nos batentes da serra do Martins, Carnaúba, Barriguda (Alexandria), Tabuleiro Formoso onde se bipartia. Um ramal ia para o Catolé do Rocha e outro à cidade de Sousa, tocando em Santa Rosa. Em Sousa entroncava-se com a estrada-das-boiadas que era uma reminiscência das estradas de penetração povoadora. Daí a importância de Sousa, Cajazeiras e Pombal na formação comercial de uma zona do Rio Grande do Norte. Para lá, como depois para o Caicó, envia-se o menino aos estudos do latim e o ador-de-gado, afoito e lendário.

Antiga estação ferroviária de Demétrio Lemos, atual Antônio Masrtins – Foto – Rostand Medeiros

Sousa centralizava muito e uma sua estrada vinha morrer na antiga rota dos conquistadores de Natal. Partia de Sousa e atravessava sucessivamente Catolé, Belém, Amazonas, São Miguel (já em nossa província), Serra de Santana por Flores (hoje Florânia). Santa Cruz, centro de irradiação do Seridó depois de ar a serra do Doutor nas vizinhanças de Currais Novos, daí para Nova Cruz por Campestre (São José do Campestre) onde se via o caminho que levava à Paraíba ou Pernambuco por Mamanguape. Quando se criou o correio, Mamanguape era o ponto de intersecção entre Paraíba e Rio Grande do Norte. Aí o estafeta recebia a correspondência para Pernambuco e distribuía a carga entre as duas coterminas. A posição de Mamanguape explica a predileção dos grandes latifundiários por suas terras. Os Albuquerques Maranhões, da casa de Cunhaú, possuíam vários sítios e engenhos em Mamanguape.

Vaqueiros potiguares – Foto – Rostand Medeiros

A estrada-das-boiadas na Paraíba era muito mais seguida pelos vaqueiros norte-rio-grandenses que qualquer outra nossa. Ia-se por ela para o Piauí e o Piauí, de fins do século XVIII em diante, muito valia à nossa vida de pastorícia. Irineu Joffily reconstruiu-a e posso completá-la.

Do oeste do Espinharas, ribeira de Santa Rosa, Milagres, tocando depois na lagoa do Batalhão (Taperoá), seguia-se o rio, descendo a Borborema até Piranharas e daí a Patos, Piranhas (Pombal), Sousa, São João do Rio do Peixe (Um ramal recebia a contribuição de Cajazeiras) ia-se ao Ceará pelos Cariris Novos, Icó, Tauá, atingindo-se Crateús, inesquecível pelo encontro de centenas de vaqueiros que demandavam o Piauí. Outros preferiam acompanhar a vaqueirama divertida e pousar ali mesmo, mas eram em parte menor. A maioria furava, do Tauá, diretamente para o Piauí. De Crateús comprava-se a gadaria em Santo Antônio do Surubim de Campo Maior, núcleo influenciador de cantigas sobre o ciclo do gado, Valença, Oeiras, que fora capital até 1852, Jatobá (São João do Piauí) e Picos, fornecedor dos primeiros cavalos pampas, ornamentais e vistosos, orgulho do patriarcado rural no Rio Grande do Norte. uns vaqueiros arrastavam a jornada até São Gonçalo de Amarante e outros a Jerumenha. As maiores feiras eram nas localidades citadas.

Foto – Rostand Medeiros

Os norte-rio-grandenses do oeste iam via Ceará. De Tauá para Crateús e daí seguiam galgando a Ibiapaba para Campo Maior, ·banhado pelo rio Surubim ou, dos cearenses Arneiros e Cococi, alcançavam Valença no Piauí ou em diagonal para Picos.

Essa toponímia ficou registrada na cantiga velha. Desaparecida quase a estrada das boiadas, rara a viagem do vaqueiro, a poesia tradicional guardou os nomes dos lugares de outrora. Essa toada, verdadeira canção de marcha dos vaqueiros, recorda o percurso (!) de Campo Grande (Augusto Severo) no Rio Grande do· Norte até o ·Piauí, envolvendo dois perfis femininos, cuidados amorosos do vaqueiro cantador.

Como Xiquinha não tem

Como Totonha não há;

Xiquinha de Campo Grande

Totonha do Lagamá !

Xiquinha vale dez fio (filhos)

Totonha vale dez vó. . . (avós)

Xiquinha do COCOCl

Totonha do Arneiró …

Xiquinha prá querer bem

Totonha prá carinhá;

Xiquinha é de Crateús

Totonha é lá do Tauá

Xiquinha vale uma vila,

Totonha vale ela só;

Xiquinha nasceu nos Pico (Picos)

Totonha em Campo Maió …

Um ramal da estrada das boiadas ficou popularíssimo na “cantoria”. É o do Piancó, Misericórdia, Milagres (Ceará), Missão Velha, Crato, nos Cariris Novos. Do Mossoró viajava-se outrora, como atualmente, pelo araxá do Apodi (Pedra de Abelha, atual Felipe Guerra). Outras estradas partindo de Mossoró, iam rio acima até as cabeceiras do Apodi, Portalegre, Pau dos. Ferros, São Miguel e Luís Gomes. Uma variante de Pau dos Ferros, velhíssimo rancho de comboieiros e tangedores de gado, chega a Alexandria, antiga Barriguda e seguia para Tabuleiro Formoso, pegando o caminho paraibano. De Pau dos Perros a vizinhança cearense animava as visitas por Pereiro. Do Patu ia-se para Catolé do Rocha. Do Açu caminhava-se para Campo Grande (Triunfo, Augusto Severo), Martins, no pé da serra, onde se continuava em um dos ramos para a estrada das boiadas pela Ribeira do Rio do Peixe.

Foto – Rostand Medeiros

O inverno era mais cedo. Dizia tão certo como chuva em janeiro. No Piauí as águas vinham em novembro. Iam vaqueiros de toda parte comprar bois de carro e de corte e novilhos para reprodução e engorda. Voltava-se em fins de dezembro ou começos de janeiro, tocando, para aproveitar as babugens verdes e ralas que as chuvas faziam nascer.

As datas quase infalíveis criavam ponto de reunião para que a jornada fosse menos enfadonha e monótona. Especialmente ficavam juntos no regresso para o auxílio mútuo nas travessias sem água ou agens difíceis nos rios e riachos, estouro de boiada e moléstias súbitas na gadaria. Essas estradas todas, como vimos, em pleno sertão, determinaram a necessidade das vendas, feiras rápidas de suprimento ligeiro e descanso ao longo da rota. Fizeram casas. As fazendas se aproximaram. Ergueram a capela. Foi vila e muitas são sedes municipais.

Para o sul do Rio Grande do Norte a viagem continuava margeando. As praias, caminho feito por Nosso Senhor. Assim voltou, agonizante, Pêro Coelho de Sousa, em 1605, ando Amargosa e Guamaré na costa de Macau.

Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú, município de Canguaretama, no litoral sul potiguar, onde aconteceu o Massacre de Cunhaú em 16 de julho de 1645 – Foto – https://joaobosco.wordpress.com/2007/09/22/onde-esta-a-verdade-sobre-o-masacre-de-cunhau/

Em 1810 Henry Koster fez sua excursão ao Ceará partindo do Recife, por Goiana, Espírito Santo, Mamanguape (Paraíba), Cunhaú (Rio Grande do Norte), Papari (Nísia Floresta), São José de Mipibu, Natal, Açu, Santa Luzia (Mossoró), praia do Tibau, Aracati (Ceará) e Fortaleza.

Quando o bispo de Pernambuco, Dom João da Purificação Marques Perdigão, visitou o Rio Grande do Norte em 1839, vinha do Ceará. Penetrou pelo Apodi, descansando em “Sabe Muito”, nos arredores da cidade de Caraúbas, dormindo no então povoado; almoçou em Coroas, perto da vila de Campo Grande (Augusto Severo), alcançando o Açu. Atravessou Santa Quitéria, depois Patachoca (Pataxó), vila dos Angicos e pelo seu Itinerário sabemos que o prelado veio por São Romão (Fernando Pedrosa), Santa Cruz, ambas estações da Estrada de Ferro Sampaio Correia, Riacho Fechado, Várzea dos Bois, Umari, Boa Água, Ladeira Grande, Taipu do Meio (sede municipal), Capela, no vale do Ceará-Mirim e Extremoz. É a travessia do poente ao nascente, oeste-leste. De Natal, Dom João partiu para a Paraíba repetindo quase o trajeto de Mascarenhas Homem no percurso de regresso em 1598. Natal, São Gonçalo, São José de Mipibu, Papari, Arez, Goianinha, Vila Flor, Tamanduba, Comatanduba (Paraíba), Mamanguape. É a descida norte-sul.

Pelos caminhos do sertão potiguar – Foto – Rostand Medeiros.

No interior as primitivas e grandes vias de povoamento e penetração foram as margens dos álveos dos rios Piranhas e Apodi-Mossoró. A oeste a chapada do Apodi com o rush cearense. A linha Natal-Macau estirão solitário de areias inúteis, com água rara, esteve despovoado, afora os breves oásis de coqueirais plantados na segunda metade do século XVIII em diante e que abrigaram povoações de pescadores, Genipabu (estrema do mapa de Marcgrav). Pitangui, Jacumã, Muriú, Maxaranguape, Caraúbas, Maracajaú, Touros, Olhos d’Agua, Santo Cristo, Reduto, Caiçara, Galinhos; Diogo Lopes, etc.

A CAVERNA DOS CROTES – UM INTERESSANTE E BELO PATRIMÔNIO NATURAL POTIGUAR

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Entrada da Caverna dos Crotes, Felipe Guerra, Rio Grande do Norte – Foto – Solon Rodrigues Almeida Netto

Rostand Medeiros – Escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN 

Sólon Rodrigues Almeida Netto – Bacharel em Direito e Servidor Federal

Talvez muitos potiguares não saibam, mas no seu pequeno território existe interessantes cavernas e grutas de diversas características, feições e tamanhos, onde geólogos apontam que a heterogeneidade da estrutura geológica do Rio Grande do Norte propicia a formação de diferentes áreas para a existência de cavidades naturais.

Na porção sul do estado existe o Embasamento Cristalino e ao norte a principal formação geológica é denominada Bacia Potiguar, formada durante o período Cretáceo e Pré-cambriano. E é na Bacia Potiguar, uma peculiar área geológica, onde vamos encontrar a maior quantidade de cavernas, normalmente localizadas em áreas onde se encontram grandes extensões de lajedo de pedra calcária que afloraram.

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Mapa geológico simplificado da Bacia Potiguar (RN) – Fonte – https://www.researchgate.net/figure/235928283_fig1_Figura-1-Mapa-geologico-simplificado-da-Bacia-Potiguar-RN-com-localizacao-da-area

Alguns estudiosos descrevem a área da Bacia Potiguar como tendo uma extensão de 60.000 km² e a porção emersa possui uma área de exposição de 24.500 km², estando localizada na região norte do estado do Rio Grande do Norte e parte da região nordeste do estado do Ceará.

A origem da bacia tem sido alvo de vários estudos e diversos modelos têm sido propostos para explicá-la. Sua estratigrafia é composta por várias formações geológicas, sendo em sua maioria batizadas com nomes de municípios potiguares, tais como a Formação Pendências, Açu, Jandaíra, Guamaré, Macau e Tibau.

A Bacia Potiguar possui nos municípios de Jandaíra, Governador Dix-Sept-Rosado e Felipe Guerra os maiores afloramentos de calcário, os populares lajedos, sendo em Felipe Guerra o município com maior concentração proporcional de cavernas.

Pesquisas Sobre As Cavernas Potiguares

O conhecimento do patrimônio espeleológico e o desenvolvimento da espeleologia no estado do Rio Grande do Norte apenas começaram a ser conhecidos de forma mais sistemática a partir de 1997, com citações e o início dos levantamentos topográficos realizados pelo saudoso CERN – Clube de Espeleologia do Rio Grande do Norte. Esta entidade foi criada por vários ambientalistas potiguares e oriundos de outros estados, tendo a frente os geólogos paulistas Geraldo Gusso e Eduardo Bagnoli, ambos falecidos. Entre 1988 a 1995, foram mapeadas 18 cavernas e descobertas mais 26, as quais foram incluídas no Cadastro Nacional de Cavernas – CNC, da Sociedade Brasileira de Espeleologia – SBE.

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Foto – Rostand Medeiros

Na sequência do CERN surgiu a SEPARN – Sociedade para Pesquisas e Desenvolvimento Ambiental do Rio Grande do Norte cujo trabalho desenvolvido proporcionou um largo conhecimento deste patrimônio. Em apenas dois anos, através dos dados obtidos a partir da Cooperação Técnica firmada entre a SEPARN e a Superintendência Estadual do Rio Grande do Norte do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (Termo de Cooperação Técnica nº 001/2000), muito mais foi descoberto.

Segundo o CNC, 98% das cavernas do Rio Grande do Norte estão relacionadas às falhas e fraturas existentes no calcário da Bacia Potiguar e apenas 2% destas cavidades naturais se encontram em rochas graníticas.

Seus comprimentos médios variam entre 30 e 500 metros com desníveis entre dois e 30 metros, reduzido desenvolvimento subterrâneo, estando com uma média de 90 a 120 metros linear de área de desenvolvimento por caverna.

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Caverna da Carrapateira, Felipe Guerra, Rio Grande do Norte – Foto – Sólon Rodrigues Almeida Netto

Em torno de 46% destas cavidades se encontram colônias de morcegos, sendo muitas destas colônias formadas por morcegos hematófagos e pouco estudadas. Embora o estado do Rio Grande do Norte não apresente até o momento um destaque significativo no cenário espeleológico brasileiro, temos que evidenciar a importância das cavernas aqui existentes por seu conteúdo histórico, cultural, científico e turístico.

Cerca de 80% das cavernas do estado possuem ornamentações (espeleotemas), sendo alguns de rara beleza e outros de extrema importância para pesquisas em determinadas áreas científicas e a maioria das cavernas potiguares encontram-se em razoável estado de conservação, bem como o seu entorno.

Felipe Guerra, a “Meca” das Cavernas  Potiguares

Como comentamos anteriormente o município potiguar onde existem mais cavidades naturais em termos proporcionais é Felipe Guerra.

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Parte mais antiga da cidade de Felipe Guerra, conhecida como “Cidade Baixa” – Foto – Rostand Medeiros.

Localizada na região do Brejo do Apodi, a 330 quilômetros da capital potiguar Felipe Guerra é pacata cidade, um lugar muito agradável, de pessoas trabalhadoras, tranquilas, extremamente acolhedoras e um grande número de cavidades naturais.

A incidência de cavernas no município ocorre a seis quilômetros da sede deste e município, em um grande afloramento de calcário que possui vários quilômetros quadrados de rocha exposta, sendo certamente o maior local deste tipo existente no Rio Grande do Norte. Este local é conhecido como Lajedo do Rosário.

Esta área constitui o mais importante sítio de cavernas já identificado no estado. Os dados coletados pela SEPARN na década de 2000 apontavam cinquenta e cinco cavidades identificadas[1]. Hoje sabemos que já foram descobertas mais de 80 cavernas e grutas no município.

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Lajedo do Rosário – Foto – Ricardo Sávio Trigueiro de Morais.

As cavidades naturais desta área são estruturas de pequeno a médio porte de desenvolvimento em rocha calcária, apresentando desenvolvimento linear médio em torno dos 100 metros. Há, porém, cavidades que fogem a tal padrão e aproximam-se dos 400 metros ou mais.

A profundidade média das cavernas também é pouco expressiva, ficando em torno de oito a dez metros. Deve-se isso às características do calcário Jandaíra, que estratigraficamente não é muito profundo, sendo os estratos praticamente horizontais, o que não favorece a formação de cavidades com marcante desenvolvimento vertical.

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Outro aspecto do Lajedo do Rosário – Foto – Rostand Medeiros.

As cavernas e grutas do Lajedo do Rosário representam um rico patrimônio natural, especialmente quando se considera a diversidade dos ambientes e a rica (e ainda pouco estudada), biologia ali presente.

Superficialmente, por não possibilitar fácil o e locomoção por possuir inúmeras fendas e ravinas, a capa rochosa do Lajedo do Rosário ostenta, ainda, inúmeros lapiás[2], criando uma paisagem incomum, que favorece, essencialmente, a sobrevivência de espécies ameaçadas da caatinga brasileira, tanto da fauna, quanto da flora.

Lá crescem árvores de grande porte, destacando-se o angico (Piptadenia macrocarpa), a aroeira (Astronium urundeuva Engl.), a craibeira (Tabebuia sp.), a faveleira (Cnidoscolus phyllacanthus), macambira (Bromelia laciniosa Mart.), a oiticica (Licania rigida), o pereiro (Aspidosperma pyrifolium) e o mulgungu (Erythrina velutina), dentre tantos outros.

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Foto – Rostand Medeiros.

Pela sua morfologia, o Lajedo do Rosário tende a apresentar ilhas de vegetação – nos locais onde a rocha cede espaço à existência de solo – setores que am a abrigar rica fauna e flora, onde muitas vezes as espécies encontram refúgio contra a caça ilegal e a exploração sem controle, muito devido ao o extremamente difícil.

Importância do Lajedo do Rosário

As belezas naturais presentes nas cavernas do Lajedo do Rosário destacam-se de diversas formas e chamam a atenção do visitante as estalactites e estalagmites, que formam corpos cristalinos de rara beleza. Por esse motivo, justifica-se que o bem natural ali encontrado seja protegido, incluindo-se os existentes em sua sub-superfície.

Pelo aspecto da hidrologia, o Rosário representa um importante ponto de recarga da bacia hidrográfica do Rio Apodi, posto que a drenagem criptorréica funciona como uma grande calha que transporta a precipitação pluvial da região ao grande rio[3], alimentando fontes naturais que servem à população de vários modos.

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A importância dos aspectos ligados a hidrologia do Lajedo do Rosário, se refletem na existência de um verdadeiro oásis em pleno sertão nordestino – Foto – Sólon Rodrigues Almeida Netto.

Entre estes se encontram os agroprodutores locais, que possuem extensas plantações de arroz em terrenos que permanecem a maior parte do ano com boa quantidade de água pela forma como o Lajedo do Rosário contribui  a recarga do lençol freático, promovendo a circulação e manutenção de todo o sistema hídrico daquela região, mesmo nos períodos de maior estiagem, quando grande parte das terras adjacentes se tornam imprestáveis à agricultura tradicional.

Entre as muitas cavidades naturais ali existentes, mais precisamente na extremidade sudeste do Lajedo do Rosário, se destaca de sobremaneira a Caverna dos Crotes.

Uma Bela Caverna

Facilmente se atinge a entrada desta cavidade contornando o Lajedo subindo pela picada quase fechada que sai da estrada na casa do Sr. Elias Cardoso Souza.

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Aspecto interno da Caverna dos Crotes – Foto – Alex Gomes.

A cavidade apresenta inúmeras clarabóias que conectam seus condutos com o ambiente exterior. Da principal delas, surge a copa de uma grande e aparentemente muito antiga árvore do tipo oiticica (Licania rígida), da qual comentaremos melhor adiante.

As claraboias podem ser utilizadas como entradas auxiliares, desde que através do uso do equipamento de rapel. Existem apenas duas entradas íveis diretamente, sem o uso de cordas, onde ambas estão associados a um desabamento de blocos calcários, ocasionado na junção de duas sequências de falhas da superfície do afloramento onde se situa a cavidade, sendo a mais utilizada a que fica do lado leste.

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Conduto da Cachoeira do laguinho da Caverna dos Crotes – Foto – Sólon Rodrigues Almeida Netto

Essa entrada principal possui uma característica exterior muito marcante e singular, pois está cercada por uma vegetação que na região é conhecida popularmente como crotes, ou cróton, que com suas folhas pontiagudas e de um verde escuro lustroso, pertencente à família das euforbiáceas, sendo plantas típicas de regiões quentes, com mais de mil espécies catalogadas, muitas das quais úteis ao homem, tendo muita utilização em jardins e projetos paisagísticos. Em todo patrimônio espeleológico do Rio Grande do Norte, a profusão deste vegetal, só aparece nesta condição somente nessa caverna.

Desenvolvimento interior é retilíneo com uma área total de 262,50 metros e desnível de 25 metros, sendo uma das maiores cavernas listadas neste município.

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Detalhe de espeleotema da Caverna dos Crotes – Foto – Ricardo Sávio Trigueiro de Morais.

Os espeleotemas da Caverna dos Crotes são muito diversificados. O fluxo d’água escorre por eles nessa caverna, existindo ocasionalmente na forma de respingos pelas fraturas do calcário. Geram-se enormes estalactites e estalagmites, além de espeleotemas do tipo couve-flor, cortinas e especialmente pérolas de caverna em quantidade considerável à região. Essas peças oólitas estão em maior número em poças de acúmulo pluviométrico, que são abastecidas por lençóis existentes no calcário do Lajedo do Rosário. Esse mesmo fluxo natural que alimenta a caverna é sugerido também pela presença de plantas, os crotes, que não são xerófilas. Aparentemente o fluxo de água demora muito tempo para se extinguir, pois durante a realização de trabalhos espeleológicas anteriormente desenvolvidos nesta cavidade, ocorridas em períodos de forte estiagem, ainda foram encontradas gotejamentos dentro da Caverna dos Crotes.

Características Singulares e Interessantes  

Os salões normalmente ocorrem nos desenvolvimentos dos próprios condutos, confundindo-se com estes. A caverna toda esta associada a uma grande falha geológica que molda seu eixo central. Nessa linha, há inúmeras clarabóias que iluminam cerca de 70% da caverna, fazendo seu ambiente interior muito aprazível ao ser humano.

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Iluminação das claraboias da cavidade – Foto – Rostand Medeiros

No conduto principal, descem do teto raízes da mesma vegetação que há nas entradas, formando verdadeiras “cortinas” de raízes. Igualmente algumas árvores do tipo oiticicas surgem do interior da caverna e transam suas clarabóias. A maior delas, cujo tronco ultraa facilmente a circunferência de três metros, sua copa serve de referência para a localização da cavidade em meio o grande lajedo calcário. Está localizado no local batizado como Salão da Oiticica das Abelhas.

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Exemplar da limitada fauna da Caverna dos Crotes. Este é o amblipígio, um aracnídeo que faz parte da mesma classe das aranhas, escorpiões e carrapatos. Seus olhos pequenos, pernas finas e corpo bulboso proporcionam uma aparência um tanto quanto asquerosa, mas ela é totalmente inofensiva e no Brasil, existem aproximadamente 13 espécies catalogadas – Foto Ricardo Sávio Trigueiro de Morais.

Nesses locais há poucos espeleotemas, mas intensa beleza visual e muita vida, especialmente aves que nidificam na vegetação que há associada às clarabóias.

A seqüência de corredores leva por salões e espaços bem amplos.  São habitados por rica fauna, desde insetos, rasga-mortalhas, outros pássaros não identificados, alguns morcegos, diversos insetos e aracnídeos.

O fato de tamanha diversidade deve-se a inúmeros trechos da caverna ter penetração de luz natural por fendas. Há também muitas plantas da mesma espécie dos crotes da entrada. As raízes descem por qualquer fratura, vindo atingir o fértil e úmido chão da caverna, em vários locais com espessa camada de resíduos sedimentares e material orgânico.

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A grande e velha oiticica da Caverna dos Crotes – Foto – Rostand Medeiros.

Outra característica interessante são as muitas ossadas de animais pequenos e médios. Algumas ainda estão inteiras. Em sua maioria de mamíferos como roedores, morcegos, além de cabras que ficam presas na caverna. Diferentemente das demais cavernas exploradas, por essa ter um constante fluxo d´água em inúmeros trechos, apresenta elevado grau de re-calcificação e sedimentação desse material, mostrando estruturas totalmente recobertas por calcário liso e perolado, quando na água, ou mesmo poroso, nos níveis mais secos.

Sugere-se a presença de fósseis mais antigos, pois todas as estruturas orgânicas presentes estão em processo de fossilização acelerado, pelas condições locais bastante propícias.

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Foto – Rostand Medeiros.

Não há nenhum tipo de pichação. As visitas realizadas pelas pessoas que moram na região parecem se resumir ao interesse pelo mel, nas poucas colméias ali existentes. O pouco lixo que se acumula é decorrente dessa atividade. Mas não é significativo.

Existe um potencial turístico, principalmente pelas formas sugeridas pelas plantas e o ambiente diferenciado que elas criam. Locais contam, inclusive, histórias de pessoas que se utilizavam daquele abrigo natural para confecção de artefatos e instrumentos de madeira, como carros de boi. Histórias impossíveis, analisada a topografia e o o à caverna.

Nos outros domínios a caverna existe um pequeno lago criado pelo acúmulo que se apresenta com água na maior parte do ano, localizado em um nível superior da caverna. O outro pode ser tomado a partir do poço que há no final do conduto central da cavidade. O fosso, de cerca de oito a dez metros de profundidade desenvolve um curto conduto com teto-baixo, mas muito ornamentado por espeleotemas.

Sobre vários aspectos a Caverna dos Crotes, com suas singulares e interessantes características, deve primeiramente ser preservada e, guardada as normas ideias e legais de uso, destinada ao turismo.

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Os autores deste artigo – Sólon Rodrigues Almeida Netto (macacão vermelho) e Rostand Medeiros – Foto – Ricardo Sávio Trigueiro de Morais.


NOTAS

[1] Dados obtidos a partir da Cooperação Técnica SEPARN-IBAMA, ref. Termo de Cooperação Técnica nº 001/2000 – Superintendência Estadual do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA – Rio Grande do Norte.

[2] Formações residuais típicas dos ambientes cársticos, originadas da dissolução da rocha carbonática pela água atmosférica, criando feições pontiagudas nas rochas aflorantes.

[3] Em ambientes cársticos verifica-se o que se chama de drenagem criptorréica, quando os fluxos d’água não correm em superfície, mas em sub-superfície, pelas condições de solubilidade da rocha, fenômeno que, inclusive, é diretamente responsável pelo surgimento das cavernas e cria uma íntima relação entre as cavidades naturais subterrâneas e a circulação d’água nos rios e lagos.

AS BELAS CAVERNAS DE FELIPE GUERRA E A AGEM DE LAMPIÃO E SEU BANDO

Entrada da Caverna da Carrapateira, no Lajedo do Rosário, Distrito de agem Funda, Felipe Guerra-RN, local de abrigo de pessoas da região quando da agem de Lampião para atacar Mossoró em 1927 - Foto - Solon R. A. Netto
Entrada da Caverna da Carrapateira, no Lajedo do Rosário, Distrito de agem Funda, Felipe Guerra-RN, local de abrigo de pessoas da região quando da agem de Lampião para atacar Mossoró em 1927 – Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto para ampliar.

Autor-Rostand Medeiros 

Poucos conhecem ou já ouviram falar da pequena e pacata cidade de Felipe Guerra, localizada na região do Brejo do Apodi, a 330 quilômetros da capital potiguar. Um lugar muito agradável, de pessoas trabalhadoras, tranquilas e extremamente acolhedoras, mas o que torna Felipe Guerra mais interessante é sua concentração de cavidades naturais, a maior do Rio Grande do Norte. Já foram descobertas mais de 80 cavernas no município, ali foi descoberta uma das maiores cavernas do Nordeste do Brasil, a Caverna do Trapiá, com 2.250 metros de extensão. A maioria das cavernas de Felipe Guerra está localizada no Lajedo do Rosário e os os a elas são bem complexos, ando pelas fendas e pelas afiadas rochas calcárias do lajedo.

Em uma das cavernas de Felipe Guerra com equipamento adequado para entrar nestes ambientes - Foto - Solon R. A. Netto
O autor deste texto em uma das cavernas de Felipe Guerra, com os equipamentos adequados para entrar nestes ambientes – Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto para ampliar.

Tive o privilégio de participar de varias atividades ligadas ao conhecimento do patrimônio das cavernas potiguares, mas adentrar nas cavernas é um desafio à parte. Em algumas é preciso descer por árvores que brotam de dentro da caverna, se esgueirar por entre pedras e rastejar por alguns bons e dolorosos metros para chegar até as galerias ou salões, que são as partes mais amplas das cavernas e onde são normalmente encontrados os espeleotemas.

Além das cavernas, Felipe Guerra ainda possui uma das maiores cachoeiras do Rio Grande do Norte, a cachoeira do Roncador e lugares de águas cristalinas para banho, como o Olho D’água, localizado em propriedade privada.

Na região rural de Felipe Guerra trabalhei algum tempo em um projeto que envolvia o IBAMA-CECAV/RN e a SEPARN (Sociedade para Pesquisa e Desenvolvimento Ambiental do Rio Grande do Norte) e vi muita coisa bonita.

O bando de Lampião
O bando de Lampião

Mas uma das situações que me impressionava era como os habitantes locais mantêm a lembrança viva das agruras sofridas com a agem do bando do cangaceiro Lampião, em seu ataque a cidade de Mossoró.

Em uma destas cavidades que alguns habitantes conseguiram um abrigo prático para os terríveis eventos que ocorriam próximos a suas casa e deixou na lembrança das pessoas do lugar um respeito muito grande por estes ambientes. 

Um Lugar Tranqüilo que Perdeu a Paz 

Nas margens do Rio Apodi, na então pequena Pedra de Abelha, a vida seguia tranquila naqueles primeiros dias do mês de maio de 1927. A pequena vila era então um simples aglomerado humano, com pouco menos de 1.200 habitantes, sobrevivendo da cera de carnaúba, da pequena agricultura e da pecuária. Na época dos invernos mais fortes, a pequena vila sofria as enchentes provocadas pelo Rio Apodi, como foi o caso das cheias de 1912, 1917 e a grande cheia de 1924.

Casas antigas de Felipe Guerra
Casas antigas de Felipe Guerra. Foto – Rostand Medeiros – Clique na foto para ampliar.

Por esta época, Pedra de Abelha era um ponto de agem de viajantes, tropas de burros, vendedores, vaqueiros e outros andarilhos que seguiam a estrada entre a pulsante e rica cidade de Mossoró e a progressista Apodi. Havia uma pequena feira que crescia a cada ano, sempre em ordem e em paz, pronunciando uma tendência de progresso para o pequeno lugar. Outra lembrança de boas perspectivas foi à agem de alguns homens, de língua enrolada, que se diziam engenheiros, faziam medições e coletavam pedras no lajedo do Rosário, na agem Funda, um lugarejo a 8 km de Pedra de Abelha. Logo se espalhou a notícia que o lugar seria transformada em uma grande barragem, que haveria muitos empregos, que seria maior que a barragem de Pau dos Ferros e que a vida em Pedra de Abelha iria mudar para melhor. Mais a barragem não veio e a vida seguia tranquila.

No começo de maio chegam as primeiras das mais terríveis notícias que a região oeste do estado do Rio Grande do Norte iria conhecer. No dia 10, pela madrugada, o cangaceiro paraibano Massilon Leite e mais vinte bandidos atacaram Apodi, depois seguiram para Gavião (atual Umarizal) e na sequência, pilharam a pequena vila de Itaú. As notícias comentavam que apenas um cangaceiro fora preso próximo à cidade de Martins. Para a ordeira população de Pedra de Abelha, ficou o pensamento de que, se os cangaceiros haviam atacado Itaú, uma vila praticamente do mesmo tamanho do seu lugar, por que não atacariam o pequeno povoado a beira do Rio Apodi? ou então a existir no seio da população uma forte intranquilidade.

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Não era para menos que os habitantes da singela Pedra de Abelha ficassem ainda mais apavorados quando, em 10 de junho de 1927, chega a notícia de que, incentivado por Massilon Leite, Lampião cruzou a fronteira da Paraíba e entra no estado Potiguar. Seguindo a cavalo, com cerca de 60 cangaceiros (número que gera muita polêmica até hoje), em direção a Mossoró.

Avançando para o norte, promoveram um verdadeiro bacanal de destruição, rapinagem e terror. Roubaram, tocaram fogo em diversas fazendas, assam os que reagiam, entraram em confronto com a polícia e fizeram alguns prisioneiros, do qual só libertariam mediante resgate.

Com a chegada das notícias cada vez mais assustadoras, a população de Pedra de Abelha tratou de procurar refúgio aonde houvesse condições. Muitos seguiram para a fronteira do Ceará, outros foram para propriedades de parentes mais distantes e outros que conheciam melhor a região, buscaram o abrigo das cavernas. É bem verdade que a população do sertão possui um medo respeitoso em relação às cavernas, mais naquele momento, este medo foi deixado de lado e a escuridão da caverna ou a ser um abrigo mais acolhedor do que a incerteza da luz do dia e a presença de cangaceiros na região. 

O Abrigo 

A caverna da Carrapateira fica localizada no Lajedo do Rosário, próximo ao atual Distrito de agem Funda e a pouco mais de mil metros da margem esquerda do Rio Apodi. Entre as várias cavernas deste lajedo, essa é a que apresenta a maior facilidade de penetração. Sua entrada tem formato oval, com quatro metros de altura e possui desenvolvimento horizontal, No seu início encontram-se alguns blocos caídos e deslocados, também presentes localmente no interior da caverna. 

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O autor deste texto na Caverna da Carrapateira. Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto para ampliar.

Chama a atenção à forma bem como a natureza moldou o túnel principal, sendo muito largo e alto para os padrões das cavernas das proximidades. Sua sinuosidade apresenta contornos de fluxo d’água, marcados nas paredes bastante lisas, lavradas, de rocha calcária limpa e de cor amarelada, com níveis de sedimentação a mostra. Os espeleotemas encontrados são escorrimentos de calcita, cortinas, algumas estalactites e estalagmites. Na parte posterior do corredor principal, aparecem outros tipos de espeleotema muito comum nas cavidades da região; o couve-flor.

Foto - Solon R. A. Netto
Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto para ampliar.

Conforme adentramos a caverna da Carrapateira, o chão vai apresentando uma menor continuidade, mostrando reentrâncias, blocos rolados, até desembocar em uma bifurcação, de onde a caverna segue para salões mais apertados, seguindo por condutos menores. Neste setor, tem-se uma clarabóia de poucos metros de altura, aproximadamente três metros. Por ela pode-se sair do interior com facilidade.

Pelas dimensões do seu interior, pela proximidade com o rio e como na região encontram-se diversas provas da agem de grupos de caçadores e de coletores, entre 5.000 e 2.000 anos atrás, essa caverna é a que melhor poderia sugerir a possibilidade de algum indicio arqueológico. Contudo, não foram vistos pinturas ou evidências nesse sentido e sua litologia é o calcário.

Foto - Solon R. A. Netto
Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto para ampliar.

Não foram encontrados vestígios da ocupação dos habitantes de Pedra de Abelha na caverna. Como a agem de Lampião e seu bando no Rio Grande do Norte duraram apenas quatro dias, acredita-se que a ocupação da caverna tenha sido por curto espaço de tempo. Mesmo tendo sido apenas por quatro dias, a região oeste do Rio Grande do Norte nunca esqueceu este episódio. 

O Avanço dos Cangaceiros 

Neste meio tempo, o bando de Lampião seguia em direção a pequena Pedra de Abelha, ou ao lado da povoação de Gavião (atual Umarizal) e seguiu depredando as propriedades “Campos”, “Arção”, “Xique-Xique” e “Apanha Peixe” e nesta última propriedade, para a sorte dos refugiados escondidos na caverna da Carrapateira e da maioria da população de Pedra de Abelha, o bando foi dividido. As sete da noite, seguiu o cangaceiro Massilon Leite, para assaltar pela segunda vez, a cidade de Apodi, enquanto Lampião seguia para Mossoró. Em Apodi houve resistência da população, obrigando Massilon a fugir. Devido a esta divisão, Lampião seguiu em frente por outra estrada, ando paralelo ao povoado. A população respirou aliviada e Lampião seguiu o seu caminho.

A fazenda da foto chama-se Mato Verde, também atacada por cangaceiros sob o comando de Lampião e próxima a Felipe Guerra. Foto - Solon R. A. Netto
A fazenda da foto chama-se Mato Verde, também atacada por cangaceiros sob o comando de Lampião e próxima a Felipe Guerra. Foto – Solon R. A. Netto – Clique na foto para ampliar.

Caminho que faria seu bando cruzar com o progressista comerciante e fazendeiro Antonio Gurgel do Amaral, proprietário de uma moderna fazenda em Pedra de Abelha, às margens do Rio Apodi, no atual Distrito do Brejo. Nesta propriedade foram empregadas muitas pessoas, o local possui uma estrutura muito moderna para a época, inclusive com eletricidade e mecanização. Antonio Gurgel havia acabado de chegar de uma viagem da Europa, aonde buscava trazer matrizes de novas raças bovinas para desenvolverem-se na região.

Sentado a esquerda vemos o coronel Gurgel
Sentado a esquerda vemos o coronel Gurgel

Assim que soube do avanço dos cangaceiros, seguira para a sua fazenda para organizar sua defesa. No meio do caminho, na localidade chamada Santana, foi preso por membros do bando. Era o dia 12 de junho e somente no dia 25, Gurgel seria libertado no Ceará, juntamente com outra refém. Por ser Gurgel um homem inteligente, de boa conversa, índole calma e que sempre procurou a tranquilidade junto aos bandidos, ele nada sofreu. Durante sua convivência forçada, escreveu um diário que é tido como um dos mais completos documentos sobre a vida e o dia a dia destes cangaceiros. No fim de sua provação Lampião lhe deu duas moedas de ouro para serem presenteadas a sua neta e, como pagamento de uma promessa feita pela sua liberdade, sua mulher construiu uma capela na Fazenda Santana, que continua de pé até hoje, bem como a sede de sua fazenda, na atual Felipe Guerra. 

Mossoró, 13 de junho de 1927, a Derrota de Lampião 

Na Segunda-feira, 13 de junho de 1927, dia de São Francisco, ás 16:30 da tarde, com o céu nublado, os cangaceiros atacaram a maior cidade do interior do Rio Grande do Norte. O seu Prefeito, Rodolfo Fernandes, praticamente sem ajuda do governo do estado, conseguiu reunir desde advogados, dentistas, comerciantes, padres e pessoas comuns, entrincheirando-os em vários locais.

1- Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião

Os cangaceiros foram derrotados depois de uma hora de combate, não mataram ninguém e perderam um cangaceiro na hora e outro, o temível Jararaca, foi ferido e capturado logo depois. Acabou assassinado pela polícia local no dia 20 de junho e o mais interessante foi que seu túmulo tornou-se um local de peregrinação religiosa popular.

Lampião sofreu a sua mais terrível derrota, comentou que “Cidade com mais de quatro torres de igreja não é para cangaceiro”. Sem conhecer o seu tamanho e a sua capacidade de defesa, acabou enganado pela promessa de Massilon de pouca resistência e muito dinheiro.

O seu ataque a Mossoró causou repercussão em todo país, sendo noticiado em muitos jornais, foi um verdadeiro choque, que impulsionou ainda mais a sua fama. Mesmo já sendo bem conhecido e frequentador de jornais cariocas, foi a partir deste episódio que o seu nome ficou muito conhecido no sul do país.

Após a derrota em Mossoró, o bando em Limoeiro do Norte-CE
Após a derrota em Mossoró, o bando em Limoeiro do Norte-CE

Após fugir do Rio Grande do Norte, para onde nunca mais voltou, o bando seguiu para o Ceará, aonde pensavam que estariam protegidos e foram implacavelmente perseguidos. O mesmo ocorreu na Paraíba e em Pernambuco. Em 1928 cruzou o Rio São Francisco e conseguiu uma sobrevida de mais dez anos, praticando atrocidades na Bahia, Alagoas e Sergipe, aonde foi morto, com a sua companheira Maria Bonita, na Grota de Angico.

Aqui vemos o caminho ainda original da agem dos cangaceiros, no sentido de quem segue para a cidade de Governador Dix Sept Rosado
Aqui vemos o caminho ainda original da agem dos cangaceiros, no sentido de quem segue para a cidade de Governador Dix Sept Rosado

Para a população de Pedra de Abelha, sempre que as notícias sobre Lampião surgiam, voltava as lembranças dos medos e aflições de junho de 1927. Com a sua morte (1938) e o desbaratamento do cangaço (1941), a a existir um alívio intenso nesta população. Com o ar dos anos, ocorre o desaparecimento das vítimas sobreviventes dos atos cruéis dos cangaceiros e muitos dos descendentes destas vítimas deixam a região, emigrando para grandes centros. Falar sobre os fatos da época do cangaço deixa de ser um tabu. A partir dos anos 60, o mito deste cangaceiro o torna um dos personagens históricos mais famosos da cultura popular brasileira, aonde muitos lugares do País Lampião é encarado como símbolo de nacionalidade e o cangaço como um expoente de luta da cultura e do povo nordestino.

Para conhecer as cavernas de Felipe Guerra, muitas vezes devido a localização, só acampando para facilitar. Foto - Solon R. A. Netto
Para conhecer as cavernas de Felipe Guerra, muitas vezes devido a localização, só acampando para facilitar. Foto – Solon R. A. Netto

Apesar de possuir potencial turístico, em Felipe Guerra, a exploração das cavernas só é feita de âmbito científico e, assim, não existe estrutura alguma para a prática do chamado espeleoturismo. Quem quiser conhecer essas maravilhas, só participando de algum grupo de espeleologia ou então se aventurando naquelas cavernas de mais fácil o.

Como chegar a Felipe Guerra: A partir de Natal, pegar a BR-304 até Mossoró, seguida da BR-405 e RN-032. Contato: (84) 3329-2211 (Prefeitura de Felipe Guerra)

Bibliografia:

FERNANDES, Raul, A MARCHA DE LAMPIÃO, ASSALTO A MOSSORÓ. 3 ed. Natal, Editora Universitária, 1985.

NONATO, Raimundo, LAMPIÃO EM MOSSORÓ. 5 ed. Mossoró, Coleção Mossoroense, Fundação Vingt-Un-Rosado, 1998.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira, HISTÓRIA DO CANGAÇO, 4 ed. São Paulo, Global Editora, 1991.

CHANDLER, Billy Jaynes, LAMPIÃO, O REI DOS CANGACEIROS, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1980.

FACÓ Rui, CANGACEIROS E FANÁTICOS, GÊNESE E LUTAS, 7 Ed. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1983.

PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico, QUEM FOI LAMPIÃO, Recife, Editora Stahli, 1993.

DELLA CAVA, Ralph, MILAGRE EM JUAZEIRO, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1976. 

CAVERNA DA CARIDADE, CAICÓ, SERTÃO DO SERIDÓ, RIO GRANDE DO NORTE – ANTIGO ESCONDERIJO DE CANGACEIROS

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CONHEÇA AQUI A HISTÓRIA DESTA INTERESSANTE CAVERNA SERIDOENSE E ASSISTA UM VÍDEO SOBRE O LOCAL

Autor – Rostand Medeiros – Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

Já tínhamos ouvido vários comentários sobre a Gruta ou Caverna da Caridade, em Caicó, mas nunca tinha tido oportunidade de visitar este local. Ela esta localizada nas proximidades da Fazenda Caridade, na Serra da Cruz, já próximo a área territorial do município de Jucurutu. É uma caverna com água constante, em pleno sertão, muito interessante e difícil no seu deslocamento interno.

Salão principal da Caverna da Caridade, onde provavelmente se esconderam os cangaceiros de Antônio Silvino em 1901

Antigo local onde viveram os primeiros habitantes do sertão, possui muitas histórias e pode ter sido esconderijo de membros do grupo do cangaceiro Antônio Silvino, que esteve na região em 1901, após o famoso “Fogo da Pedreira”.

Os índios e a ocupação dos europeus

Os antigos que deixaram registros na Caverna da Caridade, formaram os grupos indígenas que durante séculos viveram da caça e da coleta no sertão potiguar.

Dentre tais, os membros da nação Tarairiús habitaram a região, fazendo parte as tribos dos Paiacus, os Jenipapos, Canindés, Pegas, Sucurus e outros. É provável que membros desses grupos tenham se utilizado da cavidade, em algum momento, principalmente pela fonte de água.

Registros rupestres na área externa da Caverna da Caridade

Entretanto, sem uma exploração arqueológica no sítio, é impossível firmar certezas.

Quase duzentos anos após o descobrimento, os primeiros habitantes brancos chegaram à região das ribeiras dos rios Seridó e Piranhas. Durante a ocupação, os colonizadores encontraram as aguerridas tribos indígenas da nação Tarairiús. O Seridó vivenciou, então, a terrível e pouco conhecida Guerra dos Bárbaros, o conflito provocado pela ocupação europeia e a resistência indígena no Nordeste do Brasil.

Casa da Fazenda Caridade. Típica da região

Mas essa oposição, ainda que heroica, mostrou-se infrutífera diante da enorme superioridade militar do colonizador, como também as dificuldade dos indígenas de se unirem contra o inimigo comum. Nos raros momentos de união contra os brancos, os silvícolas criaram as chamadas “Confederações”, dispensando aos conquistadores muito trabalho para dominá-los.

Caridade 2 - Solon Almeida Netto
Interior da gruta – Crédito – Solon Almeida Netto.

Com o fim da guerra, o Seridó ou a ser sistematicamente ocupado pelos portugueses, que rapidamente se misturaram com as índias da região e trouxeram seus gados.

A Serra da Cruz, onde está a caverna, ou a receber colonizadores entre a segunda metade do séc. XVII e o início do séc. XVIII, sendo construídas fazendas para criação bovina. As casas principais eram sempre edificadas próximas a água, em terrenos elevados, sobre plataformas, com paredes apresentando pé-direito alto, utilizando-se pedra e adobe na sua construção, bem como a técnica da “taipa de sopapo”. As cumeeiras mostravam-se altas para amenizar o calor, sendo, normalmente, em “duas águas”.

Serra da Cruz, onde se localiza a caverna

Isoladas e com dificuldades de abastecimento e comunicação, as casas possuíam grossas paredes para defesa. Imprescindível, ainda, era o alpendre, para receber os raros visitantes.

As residências rurais remanescentes do período, mesmo estando muitas em deplorável estado de preservação, pressupõem imponência e força. As propriedades mais antigas construídas no entorno da cavidade natural foram a própria Fazenda Caridade, a Inês dos Ferreiras (ou Inês Velha) e, mais ao sul, a imponente Fazenda Dominga.

A “Caverna Esconderijo” de Nobres e Cangaceiros

Na região da Caridade o ado e o presente parecem confundir-se, sendo comum encontrar pessoas que narram a  principal marca das antigas gerações; as suas histórias.

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Segundo o senhor Nelson Soares de Medeiros, o “Nelson Carneirinho”, os mais antigos comentavam que a fazenda foi construída nesse local por estar próxima a um sítio fértil, além de existir água na Caverna da Caridade, explicando-se o nome da propriedade e da cavidade natural. Para ele “É uma caridade que um lugar como aquele nunca deixou de ter água”. Os relatos dos habitantes corroboram que, mesmo nas piores secas, a fonte da Caridade jamais deixou de verter.

Há uma notícia sobre a Caverna da Caridade no livro “Acari – Fundação, História, Desenvolvimento” de Jayme da Nóbrega Santa Rosa, de 1974. O autor comenta, mesmo sem citar fontes, nem fornecer maiores detalhes, que, durante a agem pela região dos revoltosos pernambucanos da Confederação do Equador, no ano de 1824, tendo como um dos seus comandantes o Frei Caneca do Amor Divino, o lugar teria servido de esconderijo para o padre caicoense Francisco de Brito Guerra e o poderoso fazendeiro acariense Tomás de Araújo Pereira.

Caridade 1 - Alex Gomes
As marcas da água na Caridade – Crédito — Alex Gomes

O Padre Brito Guerra foi o primeiro senador do Rio Grande do Norte e Tomás de Araújo, após a proclamação da independência em 1822, foi o primeiro governador da província potiguar.

O autor do livro informa que conheceu a caverna na década de 1920, junto com seu pai e um guia da região, fornecendo interessantes detalhes do interior e fazendo uma razoável descrição do local.

Notícia original do “Fogo da Pedreira”, fevereiro de 1901

Já em relação a utilização desta cavidade natural como esconderijo de cangaceiros, Seu Nelson comenta que o caso se deu após o famoso combate ocorrido entre o grupo de cangaceiros de Antônio Silvino e polícia paraibana, na Fazenda Pedreira, do coronel Janúncio Salustiano, no dia 15 de fevereiro de 1901 (Sobre este combate ver – http://antonioadrianomedeiros.blogspot.com/p/curiosidades.html).

Em meio a uma festa, a polícia paraibana cercou o local e abriu fogo. Morreu no primeiro momento o cangaceiro Pilão Deitado, mas logo depois os policiais Nestor e Estolão morriam varados de balas quando foram saquear os bornais do cangaceiro anteriormente morto.

Logo os cangaceiros se dispersaram pela região rural de Caicó e paulatinamente vários deles foram sendo mortos a mando da elite agrária da região. Foi um corretivo pela afronta de Antônio Silvino em vir a região e um aviso para que estes guerreiros das caatingas não voltassem mais ao Seridó.

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Um dos mortos foi Felix José da Costa, mais conhecido como Azulão, um negro alto, forte e valente, nascido na Fazenda Dominga, localizada nas proximidades da Caverna da Caridade.

Segundo Seu Nelson, o cangaceiro Azulão conhecia a localização da Caverna da Caridade e sabia que no local havia água. A ideia do foragido era “dar um tempo” e procurar os amigos que tinha naquele setor e assim escapar daquela situação.

Na caverna, junto com Azulão,  estava o cangaceiro conhecido como Moreninho.

Notícia da morte de Azulão na Fazenda Dominga

Consta que após o tiroteio na Pedreira, os dois cangaceiros vararam o sertão em direção Norte/Nordeste, ando pela região onde hoje se encontra o Açude Itans, mantendo a cidade de Caicó a esquerda deles. Seguiram então pelas proximidades das Serra da Bernarda e da Formiga, até a região da Serra da Cruz, em um estirão comprido, mas que o desespero ajudava a amenizar a distância.

Segundo Seu Nelson, antes dos fugitivos chegarem a caverna, aram na casa de conhecidos, se abasteceram e seguiram para Serra da Cruz, onde aram cerca de dez dias e noites na cavidade, logo no salão frontal do local.

No dia 25 de fevereiro eles saíram do abrigo rochoso e foram em busca da Fazenda Dominga, do tenente-coronel Gorgônio Ambrósio da Nóbrega, algum apoio.

Caridade 4 - Alex Gomes
agens da Caridade – Crédito – Alex Gomes

Mas o que encontraram foi bala. A polícia, avisada pelo pessoal da propriedade, deram cabo dos dois homens.

Segundo Seu Nelson, ele sabe bastante desta história pois um dos um dos homens que participaram da ação foi seu pai. Ele comenta que sabe até mesmo onde os homens estão enterrados a sombra da Serra da Cruz.

A Caridade

Quem chega à Caverna da Caridade depara-se na entrada com vastos painéis de gravuras rupestres. As fantásticas sequências se iniciam nas margens rochosas do pequeno córrego que escorre da entrada da caverna e desce pela Serra da Cruz, ando, inclusive, pela entrada de outra cavidade, a chamada Falsa Caridade, uma pequena gruta a poucas dezenas de metros da entrada principal da Caridade.

Um astro celeste?

Os registros rupestres são um forte indicativo da evolução das manifestações artísticas dos povos primitivos. Para melhor entendimento, os arqueólogos definiram que as pinturas e gravuras fossem agrupadas em “Tradições”. No Nordeste brasileiro existem três grandes Tradições: Nordeste, Agreste e as Itaquatiaras, as quais são subdividas em outras classes.

Itaquatiaras, ou “pedras pintadas” em língua tupi, conhecidas pelos sertanejos como “pedra de letreiro” ou “pedra lavrada”, são gravuras feitas em rocha, ou petróglifos, possuindo como principal característica o fato de serem encontradas nos afloramentos rochosos próximos a locais que concentram água.

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Registros rupestres gravados na pedra, em meio a pichações.

A Caridade é, basicamente, uma caverna formada por um pequeno rio. O vão interno é bastante sinuoso, repleto de curvas que a água incessantemente, ao longo de milhares e milhares de anos, esculpiu na pedra. Há poucas agens laterais, podendo ser descrita como um longo corredor. Essas características facilitam qualquer topografia, mas, por outro lado, existem lá algumas sérias dificuldades. A primeira dela é que, praticamente, o tempo inteiro o avanço ocorre por dentro d’água, molhando-se todo o equipamento. Há agens extremamente apertadas, as quais um sujeito magro transpõe com dificuldades.

Analisando o local, no caso de Azulão e Moreninho terem utilizado a cavidade como abrigo, sem dúvida que o local ideal deve ter sido o primeiro salão, apresentado na foto inicial deste artigo.

Infelizmente concluímos nossa visita a noite, sem tempo de visitar a Fazenda Dominga.

Caridade 5 - Solon Almeida Netto
Caridade – Créditos – Solon Almeida Netto

Filmagem

A filmagem realizada no local teve como objetivo fazer um registro visual simplificado da cavidade e desta visita, cuja realização e edição ficaram a cargo de Ricardo Sávio Trigueiro de Morais.

Os participantes deste grupo fazem parte da SEPARN – Sociedade para Pesquisa e Desenvolvimento Ambiental do Rio Grande do Norte e da SEP – Sociedade Espeleológica Potiguar, duas ONGs que batalham pelo conhecimento e preservação das cavernas potiguares. Participaram desta visitação, além de Ricardo, Sólon Rodrigues Almeida Netto, André Mota e Rostand Medeiros.

Para ar o vídeo da visita a Caverna da Caridade, clique no link abaixo;

https://www.youtube.com/watch?v=f5d3DfJSaKs

O BELO E DESCONHECIDO MUNDO SUBTERRÂNEO POTIGUAR

ESTAS FOTOS FORAM FEITAS EM SUA MAIORIA PELO AMIGO SOLÓN RODRIGUES ALMEIDA NETTO, NAS NOSSAS VIAGENS AO REALIZAMOS UMA CONSULTORIA PARA O SEBRAE-RN. ESPERO QUE GOSTEM!

Estada.Nenhuma caverna que preste, se encontra a menos de 100 km de Natal.
agem Funda, Felipe Guerra-RN.
Gruta da Carrapateira.
Casa de Pedra, Martins-RN.
Gruta da Catedral ao meio dia.
Gruta dos Três Lagos. Aventura pura.
Fósseis.
Gruta dos Crotes. Dá para ver o porque do nome.
Gruta da Carrapateira.
Registro rupestre.
Túnel dos Bodes.
Lajedo da Tainá.
É em Bonito? Não, Felipe Guerra-RN.
Exemplo de fauna existente próximo as cavernas potiguares.

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LUÍS DA CÂMARA CASCUDO E OS QUIRÓPTEROS

Autor – Rostand Medeiros – Escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

Quem nasce no Rio Grande do Norte, gosta de ler livros interessantes, de aprender sobre fatos, pessoas e coisas que valham a pena serem conhecidos, dificilmente vai deixar de ler alguma referência, algum livro, ou mesmo episódios da vida de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986).

Luís da Câmara Cascudo

Felizmente para este leitor, ele estará diante de toda uma plêiade de obras que vão dos estudos folclóricos, as pesquisas históricas, antropológicas, etnológicas, sociológicas e de outras áreas do conhecimento.

Este grande pesquisador das manifestações culturais brasileiras deixou um extenso material cujo conjunto é considerável em quantidade e qualidade, onde mais de trinta dos seus livros são listados como essenciais ou no mínimo importantes para muitas áreas da pesquisa.

Mesmo tendo ado toda sua vida na provinciana Natal, distante dos grandes centros culturais do país, Cascudo obteve reconhecimento nacional, internacional e sua obra ainda não foi superada.

Romance de Costumes

Como leitor contumaz do “Mestre Cascudo”, como ele é conhecido pelos potiguares, na sua vasta produção li poucas referências às cavernas, a espeleologia e seus assuntos correlatos. Até então tinha lido somente pequenos apontamentos sobre lendas envolvendo cavernas, a utilização de nomes ligados a espeleologia na toponímia de pontos geográficos pelo Brasil afora e outras referências. Imaginava que para Cascudo, a espeleologia e o universo de assuntos que rodeiam esta área do conhecimento eram limitados. Talvez um assunto que não tenha despertado o seu interesse?

Foi então que um amigo me apresentou um livro que o próprio autor definia como um “romance de costumes”, o único escrito por ele. Este livro é “Canto de Muro”.

A primeira edição em 1959.

Confesso que depois de ler “Geografia dos Mitos Brasileiros”, “História da Cidade do Natal”, “Dicionário do Folclore Brasileiro”, “Viajando o Sertão”, “Vaqueiros e Cantadores” e outras maravilhas do universo de Cascudo, aos quais tenho como referências obrigatórias em minhas pesquisas, eu não me animei em conhecer este “Canto de Muro”. Imaginava esta obra como sendo uma viagem literária do pesquisador, por uma área das letras “nunca d’antes navegada”.

Comecei a folhear o livro, onde os personagens que se apresentavam a minha frente eram um escorpião chamado “Títius”, ou a aranha “Licosa”, ou ainda a lagartixa “Vênia” e outros. Após o exame inicial, fiquei com vontade de devolver na mesma hora o objeto oferecido.

Mas como este amigo havia tido a gentileza de me emprestar seu livro, me entregando com um largo sorriso de satisfação no rosto, tive vergonha de devolvê-lo.

Em todo caso imaginei ir para casa aproveitar o “Canto de Muro” para contar algumas “historinhas de animais” para minha filha Tainá quando ela tinha apenas sete anos de idade e entretê-la na hora de dormir.

Ao folhear mais calmamente o romance de Cascudo, imaginando a “historinha” mais interessante para contar, quem verdadeiramente foi ficando no “Canto do Muro” fui eu.

O livro é verdadeiramente maravilhoso.

Cascudo fez um “romance de costumes”, mas de animais.

E que animais são estes? A maioria são justamente as espécies menos enaltecidas pelo homem. São aquelas que vivem literalmente no “Canto de Muro”. eiam por suas páginas aranhas, besouros, ratos, baratas, cobras, escorpiões e outros que vivem escondidos nos quintais das casas velhas, entre troncos decaídos, buracos, ripas, tijolos quebrados e em outros locais que são rejeito e entulho da desenvolvida humanidade.

O autor age unicamente como um narrador, em meio a uma primorosa escrita, aonde vai trazendo de forma romanceada, os aspectos naturais destes animais. Os capítulos se seguem como se fossem uma descrição feita em uma caderneta de campo de um pesquisador atento e minucioso. Cascudo comentou que desde cedo fora seduzido pela história natural, que foi se aprimorando quando captou, e anotou os episódios da vida dos protagonistas do livro. Ele realizou estas anotações, principalmente nos jardins e quintais da casa paterna, a chamada “Vila Cascudo”.

Com o ar do tempo, o homem crescia, mudanças surgiram em sua vida, seus caminhos literários se expandiam, mas nunca deixou de observar e anotar, desinteressadamente, o comportamento de alguns animais.

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“Quiró”

Para minha satisfação, entre os animais observados e descritos por Cascudo, está o mais representativo membro da fauna cavernícola, os morcegos.

No terceiro capítulo vamos encontrar “O Mundo de Quiró”, onde o autor inicia com a citação de certo “Sr. Hemenegildo”, proprietário de um pomar em Natal, que resoluto questionava;

“- Faça-me o favor de dizer: para que Nosso Senhor fez o morcego?

Logo após o escritor mostra uma das características mais conhecidas dos quirópteros, a forma como descansam;

“Quiró está com as unhas dos pés fincadas numa saliência da parede, voltado para ela, e com a cabeça para baixo, dormindo. Não sei de outro vivente que durma desta maneira. Dorme todo o dia e detesta a luz e mesmo as cores garridas e atraentes.”

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Vai descrevendo de forma clara e simples o único mamífero voador, comparando-o a outros animais e de como utilizava suas características naturais.

Em meio a deliciosas informações biológicas, que certamente podem fazer muitos cientistas desta área torcerem o nariz, Cascudo afirmou que suas observações sobre os morcegos foram feitas em expedições noturnas no centro de Natal, nos bancos da tradicional Praça Sete de Setembro, defronte ao antigo Palácio do Governo.

Cascudo não estava escrevendo um chato, monótono e, como muitos realizam, inútil texto acadêmico. Suas informações fluem de uma maneira tranquila  fazendo com que o leitor, de forma fácil, conheça sobre o peculiar mundo destes animais.

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Como de praxe em suas obras não faltam citações explicativas de figuras históricas, como a do naturalista e escritor francês, George Louis Buffon, que tinha o título de conde de Leclerc (1707 – 1788), que afirmava serem os quirópteros “mais um capricho que uma obra regular do Criador”.

Lembrava o jesuíta e naturalista italiano, Lazzaro Spallanzani (1729 – 1799), aquele que em 1756 cegou quatro morcegos, colocou todos em um quarto escuro, com uma teia de fios verticais embebidos em forte visgo, para assim prender os pequenos animais ao menor esbarrão e, mesmo sem compreender, percebeu que os morcegos conseguiam se desviar dos finos obstáculos.

Ou uma citação do também naturalista francês, Georges Cuvier (1769 – 1832), que descreveu aspectos da gênese destes mamíferos e em 1797 batizou a família dos morcegos com o termo “quiróptero”.

Afirmava que o mamífero estava em terras brasileiras desde o início dos tempos, mas comentava com certa decepção que estes animais não tinham mito, ou lenda na memória popular no Brasil, servindo “apenas para fantasias de carnaval”.

Cascudo não procurou desfazer a triste lenda que afirmava “serem os morcegos, uma evolução dos roedores mortos”. Mostrava inclusive as ligações que havia entre os termos “morcego” e “rato” nos idiomas inglês, alemão e francês. Mas não fechou a questão da falsa evolução voadora dos roedores e deixava o tema em aberto.

Outra faceta dos quirópteros que o autor comentou, foi em relação ao sentido de orientação destes animais. Apontando que milhares de anos antes, estes já possuíam um radar.

Cascudo, a Cobaia dos “Morcegos-Vampiro”

Entre as espécies deste mamífero, a que mais chamou a atenção do folclorista foram os membros da família dos morcegos-vampiro (Desmodus rotundos). Cascudo buscou detalhar a forma como estes estranhos animais agiam em busca do seu alimento. Lembrou que foi o cronista português Gabriel Soares de Sousa, em seu “Tratado Descritivo do Brasil em 1587”, o primeiro estudioso a analisar a ação dos morcegos-vampiro.

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Cascudo chega a afirmar que em algumas ocasiões, em locais onde proliferavam estes mamíferos, o famoso folclorista chegou a dormir despido da cintura para cima, na intenção de se transformar em cobaia. Seu desejo era conhecer os mecanismos do analgésico que estes animais utilizam para manter a vítima adormecida enquanto retiravam sangue.

Devido à tez bastante clara da sua pele e sua compleição forte, o pesquisador era um alvo fácil para estes quirópteros. Mas afirmava decepcionado que nunca foi mordido. Ele não podia então “dar seu depoimento pessoal sobre a ação destes mamíferos”.

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Contudo informa que em uma ocasião viu um destes animais “saborear” o sangue de um jumento “Catolé” e este nem dar atenção ao banquete que faziam nele. Relembrou que no antigo Brasil colonial, os homens do campo atribuíam ao “Saci-Pererê”, a responsabilidade pelas sangrias nos pescoços e dorsos dos diversos tipos de alimárias que eram utilizados nas antigas fazendas.

Para quem gosta da espeleologia e não tem medo de quirópteros, o terceiro capítulo de “Canto de Muro” é uma ótima pedida de leitura.

Luis da Câmara Cascudo, nas últimas páginas, confessa que esta obra parecerá estranha aos que haviam lido seus trabalhos anteriores. Ele não pensava em publicá-lo, se assim o fizesse seria com um pseudônimo. O amigo e editor José Olympio aceitou as condições, mas a família e outros amigos convenceram-no a o “Canto de Muro”.

Lançado em 1959, quando o autor tinha então setenta e três anos foi um sucesso e uma surpresa para a intelectualidade brasileira. Este livro teve mais três edições, todas acolhidas de forma positiva por parte do grande público, principalmente aqueles que não se entregam ao cotidiano, que com olhos atentos sempre focalizam as coisas naturalmente interessantes. Mesmos as pequenas.

P.S. – Desde 1990 que participo de grupos dedicados ao conhecimento e preservação de cavidades naturais no Rio Grande do Norte, visitando estes ambientes na Região Oeste do estado e vendo muitos morcegos. Na foto abaixo estou na Gruta Três Lagos, no município de Felipe Guerra.

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