FIGURAS DO SERIDÓ – O DOUTOR PIRES, O PRIMEIRO MÉDICO DE CAICÓ E QUANDO E AONDE ELE SE FORMOU?

1ª Parte – Transcrição da Coluna “Figuras do Seridó”, Publicada no Diário de Natal, Edição de Quinta-feira,14/06/1977, Pág. 18.

“Figuras do Seridó” abre hoje a oportunidade para prestar uma homenagem que se faz necessária, lembrando uma figura que não nasceu no Seridó, mas que toda a sua vida foi dedicada a praticar o bem, principalmente aos mais necessitados na cidade do Caicó e em todo o Seridó, como médico e como cidadão, o paraibano José da Silva Pires Ferreira, o Doutor Pires.

Ninguém melhor do que o seu genro, Dr. Janúncio Bezerra da Nóbrega, pesquisador, escritor, figura estimadíssima e de ilustre família do Seridó, para fazer um esboço biográfico daquele que foi um benemérito não só para Caicó, mas para todo o Seridó:

José da Silva Pires Ferreira e Dona Serafina de Araújo Pires Ferreira, esposa com quem constituiu família. Casaram-se em 1892, ela da família Araújo, de Caicó, filha do Dr. Antônio Aladim Araújo, que foi promotor público da Monarquia em Caicó, durante os anos de 1867 a 1884 e Juiz Municipal em 1889, data em que faleceu com 57 anos de idade. Antônio Aladim era um descendente de Tomaz de Araújo Pereira.

Aspecto típico de um hospital no Brasil do final doséculo XIX.

Do consórcio do Dr. PIRES e Serafina nasceram os filhos Osmila, Celina, Clóvis, Antônio (médico pediatra residente em São Paulo), Oscar (Oficial da Polícia de São Paulo), Georgina e José. Já existiam dois filhos Capitão do Exército Nacional, Afonso Medeiros, e José de Medeiros, comerciante em Recife.

O Dr. Pires era paraibano, de João Pessoa, nasceu em 1852 e chegou a Caicó em 1887, com 35 anos de idade. Trazia um título de médico e havia defendido tese. Morreu em 1948, portanto com 96 anos, quase um século, receitando para os que não podiam pagar e completamente lúcido. Enviuvara em 1908; viveu 44 anos de viuvez insipida.

Deixou uma saudade imensa que perdura no tempo. Muitas lembranças para as gerações futuras. Dr. Apóstolo da caridade, o Pires nunca deixou voltar de sua porta um cliente, porque não tinha o dinheiro. Amava a pobreza… Exercia sua profissão em todos os municípios das adjacências, bem como nos da Paraíba. Na sua época, era muito difícil um médico naqueles sertões. Lembro-me que em 1924, aportara em Natal e estacionou provisoriamente o Dr. Aderbal de Figueiredo, grande facultativo, que fundou o primeiro hospital de Caicó.

Durante a sua assistência o Dr. PIRES fez centenas de viagens para os municípios vizinhos, outras tantas para o de Caicó. Destaco duas, a uma distância de 5 léguas (30 km), cada. Era o Brasil primitivo, onde só havia o cavalo e a liteira, a última como meio de transporte para as famílias nobres.

Janúncio da Salustiano da Nóbrega e sua esposa Iluminata Theodora, que viveram a terrível experiência de perder duas filhas menores no mesmo dia, em decorr~encia da queda de um raio em sua propriedade Pedreiras, em 1886. O DR. PIRES nada pode fazer para salvar essas meninas.

Na fazenda Saco do Martins, pertencente ao Coronel João Damasceno Pereira de Araújo, adoecera de congestão o seu filho Tomas Epaminondas. O Dr. PIRES fora chamado e permaneceu mais de uma semana por lá. Outra, na fazenda Pedreiras, do Capitão Janúncio Salustiano da Nóbrega, na casa dele, casa no estilo colonial, assobradada, com sótão e janela virada para o norte. Estavam naquela janela duas filhas moças da casa apreciando uma chuva que ava ao longe. Pois bem, nisto foram vítimas de uma faísca elétrica, um raio. Chamado o Dr. PIRES às pressas nada pode fazer. Chamavam-se Maria Madalena e Inácia, e deu-se a morte no dia 14 de fevereiro de 1886, pelas 03:30 da tarde. Eram tias legitimas do escritor dos livros “Saudades do Seridó” e “Revivendo o Seridó”.

Detalhe da tragédia na Pedreira em 1886.

Aproximadamente, em 1904, ο Dr. PIRES, foi ao extremo norte, Amazonas, cavar a vida, atraído pela fascinação da região! Não levou a família. Cientista, inteligente e culto, tinha uma grande vocação pelas artes. Construía qualquer tipo de móvel, casas, barragens. Projetou e istrou a construção da Intendência Municipal de Caicó, hoje adaptada internamente para a moderna Prefeitura da mesma cidade. Ele era um sábio cientifico e empírico, de sua época, e todos os tempos.

Foi o primeiro médico que chegou e morou à vida inteira em Caicó. Fazia verdadeiro sacerdócio de sua profissão. Nasceu em João Pessoa. Tinha irmãos radicados ali como na cidade paraibana de Sousa, na Bahia e no Recife, todos com projeção social.

O monsenhor Emidio Cardoso, dizia que o maior amigo que tinha na terra era o Dr. PIRES. Por causa desta intimidade, ele, vigário de Caicó, sabendo das habilidades do seu amigo, pediu-lhe que projetasse e construísse a maior e mais espaçosa casa em Caicó, para sua residência. Isto foi feito: a célebre e grande casa do Serrote, por ser em cima de um ponto assim. Ao deixar Caicó, procurou o Dr. PIRES e ordenou: esta casa é sua até você morrer. Venda a sua casa e se e para ela. Isto também foi feito, conforme a vontade do amigo monsenhor. Hoje em dia, poderá aparecer amigo deste quilate? Morar 34 anos de graça na casa de um amigo?

O Dr. Chateubriand Bandeira de Mello concluiu a o curso de medicina no Rio de Janeiro junto com o Dr. Pires. Ele é tio do jornalista Assis Chateubriand.

O ex-deputado e governador deste Estado, Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros, quando em sua infância, deveu a sua vida ao Dr. PIRES, que salvou-o, muito doente que esteve.

O Dr. PIRES deixou um exemplo de caráter, honestidade, retidão e nobreza aos filhos do Seridó. Destarte foi um estelo de ordem e felicidade do seu povo, tornando-se uma pirâmide que não perdeu seu destaque, nem pendeu, até mesmo indo para o outro lado do infinito…

Além do mais, legou um modelo de brasileiro, cultivando princípios que o destacaram como “homem de bem”, o que não se pode dizer de todos os homens residentes aqui na face da terra.

Em homenagem a ele, sua propriedade “Riacho dos Santos”, ou a chamar-se granja “Dr. PIRES”. A Prefeitura também prestou sua homenagem dando o nome do Dr. PIRES a uma das principais ruas da cidade de Caicó.

Igreja de Santo Inácio ou dos Jesuítas, no Morro do Castelo, ao lado do Hospital São Zacharias, antigo Colégio dos Jesuítas, onde a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro funcionou em seus primeiros anos. Fotografia de Augusto Malta, por volta de 1920. Acervo do Instituto Moreira Salles – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/

Foi um benemérito!”

2ª Parte – Produzido Peçp Blog Tok de História – E Aonde e Quando Ele se Formou?

Por ser da Paraíba seria mais fácil imaginar que o Dr. Pires tenha concluído seu curso superior na Faculdade de Medicina da Bahia, mas descobrimos que ele estudou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

A tese apresentada pelo Dr. PIRES em 1882.

Defendeu sum tese no dia 30 de setembro de 1882, sendo intitulada “Estudo comparativo de talha e Litotricia nos cálculos vesicais”. Prires Ferreira se formou junto com os também paraibanos Chateubriand Bandeira de Mello (tio do jornalista Assis Chateubriand) e Antônio Rogério de Gouveia Freire. Nesse ano nenhum potiguar se formou nessa faculdade.

Não consegui descobrir qual, ou quais, razões levaram esse médico para Caicó, mas, contudo, podemos afirmar que José da Silva Pires Ferreira nasceu em 12 de janeiro de 1853, na atual cidade de João Pessoa, no estado da Paraíba. Faleceu em 31 de janeiro de 1948, em Caicó, Rio Grande do Norte. Era filho do comerciante João Chrisóstomo Pires Ferreira e Amância Olindina do Sacramento.

CAICÓ DOS PRIMEIROS TEMPOS

MATERIAL DA REVISTA “RN/ECONÔMICO”, Nº 124, JUNHO/JULHO 1981, PÁGS. 12 a 16.

Segundo o pesquisador da história de Caicó, Benedito Alves dos Santos, o povoamento inicial da cidade está íntima e inseparavelmente ligado à de toda a região seridoense e à de alguns municípios do Estado da Paraíba. Entretanto, é de crer-se que os fundamentos iniciais da colonização tenham sido lançados por volta de 1700, pelos batedores paraibanos, que chegaram à região para darem caça aos índios caicós que habitavam nas proximidades da confluência do Rio Barra Nova com o Seridó.

Com a expulsão dos indígenas, vieram os plantadores de fazendas, ajudados pelo negro, continuar a obra de desbravamento, esquadrinhando o território e fazendo surgir os primeiros núcleos demográficos, fundamentalmente ligados à criação de gado bovino. A povoação era conhecida em 1748, conforme é citada através de uma carta dirigida a Dom José Tomáz de Melo, governador de Pernambuco, datada de 1787 e subscrita pelo desembargador Antônio Felipe Soares de Andrade Brederodes, defendendo a elevação da povoação ao predicamento de vila. A região pertencia à freguesia de Piancó, Paraíba.

Catedral de Santana, Caicó, em 1981.

A esse tempo já a povoação era sede de distrito istrativo, criado por alvará de 1748 e também freguesia que fora criada em 15 de abril de 1748. De par com a denominação de Seridó existia também o topónimo Caicó, que vem citado em um documento atinente à instalação da freguesia, de 1748, registrado no Livro de Tombo da Catedral de Caicó e também mencionado em uma concessão de sesmaria feita em 7 de setembro de 1736, ao capitão Inácio Gomes da Câmara.

LENDAS

São várias as lendas que se conta sobre o nascimento do município, todas de uma beleza infinita, mas a mais interessante e a mais bela de todas é a colhida por Manuel Dantas: “Quando o sertão era virgem, a tribo dos Caicós, célebre pela sua ferocidade, julgava-se invencível, porque Tupan vivia ali, incarnado num touro bravio que habitava um intrincado mufumbal, existente num local onde está hoje edificada a cidade de Caicó. Destroçada a tribo, permaneceu intacto o misterioso mufumba, morada de um Deus, mesmo selvagem.

Sertão do Seridó – Foto – Liberanilson Martins da Costa, de São José do Seridó-RN.

Certo dia, um vaqueiro inexperto, penetrando no mufumbal, viu-se de repente, atacado pelo touro sagrado, que iria, indubitavelmente, matá-lo. Rapidamente inspirado, o vaqueiro fez o voto a Nossa Senhora Santana de construir ali uma capela, se o livrasse de tamanho perigo. Como por encanto, o touro desapareceu. O vaqueiro destruiu a mata e iniciou, logo, a construção da capela. O ano era seco e a única aguada existente era a de um poço do rio Seridó. O vaqueiro fez novo voto a Santana para o poço não secar antes de concluída a construção da capela. O poço de Santana, como ficou desde então denominado, nunca mais secou.

Reza a lenda que o espírito do Deus índio, expulso do mufumbal, foi se abrigar no poço, encarnando-se no corpo de uma serpente enorme que destruirá a cidade, ou quando o poço secar, ou quando as águas do rio, numa cheia pavorosa, chegarem até o altar-mor da matriz (hoje catedral) de Caicó onde se venera a imagem da mãe de Nossa Senhora.

ORIGENS

Belezas naturais da região do seridó – Foto – Liberanilson Martins da Costa, de São José do Seridó-RN.

O conhecimento do território ou município só pôde ser feito após os índios Caicós se dispersarem pelo Seridó. Disso resultou o propósito de colonização por parte dos primeiros desbravadores. Existem algumas crônicas escritas que dão conta da existência de uma fazenda fundada em 1624 por José Francisco Rangel, porém é muito racional que se firme a data da primeira, entrada um pouco antes de 1700, já que os batedores paraibanos conquistaram definitivamente com a expulsão dos índios. Aos primeiros descobridores do Seridó não ou despercebida a riqueza da terra em pastagens e aguadas, surgindo daí a ideia das primeiras fazendas.

Requeridas as primeiras datas e espalhada a notícia da “limpeza” (o índio era empecilho ao domínio dos povoadores) de uma nova paragem propícia à criação, acorrem os caçadores de terras paraibanos, pernambucanos e até mesmo alguns portugueses de nascimento, a fim de situarem seus gados nas novas áreas dominadas. Daí surgem as primeiras fazendas e a multiplicação dos núcleos demográficos por toda a ribeira, registrando-se os nomes do capitão Inácio Gomes da Câmara, Manoel de Souza Forte, tenente José Gomes Pereira como os mais antigos povoadores conhecidos.

O Seridó – Foto – Liberanilson Martins da Costa, de São José do Seridó-RN.

O RECONHECIMENTO

predominância da antiga povoação do Seridó. que se manifestava principalmente pela opulência das fazendas de gado da região seridoense, começou a ser reconhecida pelos poderes políticos e eclesiásticos a partir de 1748, ano em que foi constituída em sede de distrito istrativo e da freguesia. A criação do município veio um pouco depois, por alvará

ou ordem governamental de 28 de abril de 1788. elevando-se a aludida povoação ao predicamento de vila, isso, ao tempo em que o Estado era governado pelo Senado da Câmara de Natal, presidido por João Barbosa de Gouveia. A instalação do município teve lugar a 31 de julho de 1788.

Centro de Caicó em 1981.

Nos primeiros tempos a região do Seridó, Caicó, inclusive, esteve sujeita ou ligada ao Estado da Paraíba, pelo menos no que se relaciona com a vida religiosa, de onde se desligou em 1748. Dentro do Estado do Rio Grande do Norte, deve ter pertencido ao município de Natal. Primitivamente, Caicó esteve ligado à Comarca da Paraíba, até 1818 quando ou a pertencer ao Rio Grande do Norte, da qual se desligou para fazer parte da Comarca de Assu (Princesa), até a criação da Comarca do Seridó, pela Lei Provincial número 365, de 19 de julho de 1858.

A designação da Comarca foi mudada para Caicó, por Decreto número 33, de 7 do julho de 1890. O João Valentino Dantas Pinagé. No tocante à divisão eclesiástica, Caicó pertenceu algum tempo à Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso, de Piancó (PB) de onde foi desmembrada em 15 de abril de 1748, por ato do visitador Manuel Machado Freire, de ordem do reverendíssimo Frei Luiz de Santa Tereza, Bispo de Pernambuco, para constituir-se Paróquia com a invocação de Nossa Senhora de Santana, na qual estavam abrangidos, além da Ribeira do Seridó, Patos e Cuité, na Paraíba. A Freguesia foi instalada pelo padre Francisco Alves Maia. cura da Freguesia, em 26 de julho do mesmo ano de 1748, abrange atualmente, apenas o município de Caicó.

FATOS MARCANTES

Uma pesquisa feita por alunos do CERES, Antônia Figueiredo, Maria Bernadete, Marly Medeiros, Francisca Neuza, Francisca Porfírio e Maria Sueli, mostra os primeiros fatos e acontecimentos importantes para a história do município.

Pórtico defronte a Catedral de Santana – Foto – Rostand Medeiros.

Segundo a pesquisa o movimento do “Quebra Quilo” aco9nteceu em 5 de dezembro de 1874 e foi contra a aceitação da introdução do novo Sistema Métrico Decimal. Caicó foi iluminada pela primeira vez em 1909, com lampiões a querosene, pelo dr. Jose Augusto Monteiro e a 21 de abril de 1925 foi inaugurada a luz elétrica, sendo na época prefeito o senhor Joel Damasceno.

Já o primeiro jornal nascido em Caicó chamou-se “O Povo” e o primeiro número circulou no dia 4 de março de 1889, pertencente a José Renaut. Tinha a direção do dr. Diógenes Santiago da Nóbrega e de Olegário Vale.

O primeiro rádio que chegou a Caicó foi em setembro de 1932 e pertencia a uma sociedade. Já o primeiro telegrama foi recebido pelo senhor Gedeão Delfino, então da Mesa de Rendas. Na época as e encomendas dos Correios e Telégrafos era enviada de Natal a Caicó por meio de burros e cavalos. Mas em 1928, com a inauguração de uma linha rodoviária ligando Natal a Caicó, esse transporte ou a ser feito por ônibus de ageiros, conhecidos como “sopa”, e a agência dos Correios ou a receber a correspondência com maior rapidez e assiduidade.

O primeiro telegrafista foi José Antunes Torres, que exerceu o cargo, ininterruptamente, desde 19 de março de 1917 a 15 de agosto de 1932. O primeiro avião que sobrevoou Caicó era pilotado pelo francês André Depecker e trazia como ageiro o dr. Juvenal Lamartine, Governador do Estado e George Piron. O campo de aviação, situado no sítio “Baixa do Arroz” foi inaugurado em 19 de março de 1917. O primeiro automóvel que chegou à cidade foi durante o carnaval de 1919 e a primeira pessoa a avistar o auto foi Daniel Diniz. O proprietário era Coriolano de Medeiros, natural de Natal.

Interessante texto do historiador Luís da Câmara Cascudo escreve sobre Caicó no jornal natalense “A República” em 26 de março de 1929.

Manuel Batista Pereira foi o construtor do primeiro Mercado Público, mais ou menos em 1860, no local onde hoje está edificada a Praça da Liberdade. Na falta de uma estação de rádio, o primeiro alto-falante a transmitir informações em Caicó pertenceu ao Cel. Celso Dantas tendo sido ouvido pela primeira vez a 8 de julho de 1938. Em 1876 a cidade teve sua primeira banda de música, que foi organizada pelo maestro Tertuliano, mas a primeira retreta, realizada na avenida Seridó, realizou-se a primeiro de janeiro de 1908 e foi organizada pelo professor Manuel Fernandes.

A 24 de dezembro de 1938 chegava à cidade o primeiro “Snooker”(sinuca), trazido pelo cel. Celso Dantas. Em 1906 chegava mais uma diversão à Caicó: era o carrossel de Francisco Azevedo. Na Festa de Santana de 1910, no prédio da Prefeitura Municipal, funcionou a primeira sessão de cinema mudo. Só no dia 27 de dezembro do ano de 1936 o cel. Celso Dantas inaugurava o cinema falado moderno. No dia 22 de janeiro de 1922 acontecia o primeiro jogo oficial de futebol entre as equipes do Caicó Futebol Clube e Brasil Esporte Clube e só três anos mais tarde, a 21 de abril de 1925, jogava pela primeira vez na cidade, um time de fora.

Primeira turma de seminaristas do Seminário Diocesano de Caicó.

O dr. Washington Luiz foi o primeiro presidente a visitar a cidade. Isso aconteceu no dia 6 de agosto de 1926 e o dr. Pedro Velho foi o primeiro governador, exatamente a 5 de julho de 1901.

VILA DO PRÍNCIPE

A sede municipal teve inicialmente o nome de Seridó, ou, quando da criação do município, à denominação de Vila Nova do Príncipe, conservada pela Lei número 612, de 1868, que elevou à categoria de cidade. A velha denominação de Seridó, voltou a ser imposta pelo decreto número 12, de 1 de fevereiro de 1890 e, só em 7 de julho do mesmo ano é que recebeu o nome atual.

Castelo de Engady em foto de 2015 – Foto – Rostand Medeiros.

Caicó está edificada entre os rios Barra Nova e Seridó, que correm bem próximos, sendo caracterizados pelas seguintes coordenadas geográficas: Latitude Sul 6o 27′ 00″; Longitude W. Gr. 37° 02′ 00″. Rumo (em relação a capital) 030. Distância da Capital do Estado, em linha reta,

218 quilômetros e altitude de 157 metros e limita-se com algumas cidades desse Estado e com uma da Paraíba. São seus limites: ao Norte, Jucurutu; a Leste, Florânia, Cruzeta, Jardim do Seridó e Ouro Branco; ao Sul, Santa Luzia (PB), São João do Sabugi, e Serra Negra do Norte; a Oeste com Timbaúba dos Batistas, Jardim de Piranhas e São Fernando.

Antigo jornal de Caicó informando sobre o ataque de Lampião a Mossoró em junho de 1927.

Nenhum plano urbanístico orientou a construção da cidade e, nem tampouco existe qualquer trabalho de sistematização, a não ser o relativo cuidado com que a istração municipal orienta as novas construções. Entretanto o traçado das ruas é mais ou menos regular, apesar do acidentado terreno. As construções são na maioria do tipo colonial e de um meio termo entre colonial e moderno. Nota-se, entretanto, nas construções recentes, uma predominância

de linhas tipicamente modernas.

LIDERANÇAS

A população de Caicó, pelos seus líderes, nunca deixou de tomar parte nos acontecimentos que empolgaram a vida nacional. Em fins de 1831, formou-se em Caicó uma expedição guerreira para dar combate ao coronel de milícias Joaquim Pinto Madeira, que havia se assenhorado da Província da Paraíba.

1955 – Visita a Caicó do candidato a Presidente da República Juscelino Kubitschek.

O comando que foi composto de figuras da maior representação da zona, deu mostras de grande heroísmo, batendo-se valentemente em diversos encontros, sob a chefia do cel. José Teixeira, destacando-se pela bravura de que deram mostras o Alferes Canuto e os soldados Firmeza, Zuza da Cachoeira e Tomaz Cazumba. Quando da “Guerra do Paraguai”, formou-se também em Caicó um corpo de voluntários, a fim de combater em defesa da dignidade nacional, tendo por chefes José Bernardo e Manuel Basílio de Araújo. Esses voluntários, chegando ao Rio de Janeiro, foram dispensados de combater, regressando em seguida a terra natal. Também na Revolução Comunista, em 1935, Caicó armou um contingente de paisanos sob as ordens do senador Dinarte Mariz, Monsenhor Walfredo Gurgel e Eduardo Gurgel de Araújo, a fim de dar combate aos comunistas que haviam ingressado no interior. Esse contingente, no encontro da Serra do Doutor, conseguiu bater valentemente os revoltosos, numa emboscada estratégica, saindo plenamente vitorioso.

Governador Lavoisier Maia descerra uma placa na inauguração do 1º Batalhão de Engenharia e Construção (1º BEC) de Caicó..

Na política, floresceram vários partidos em Caicó, tanto monarquistas como republicanos, sobressaindo-se os chefes políticos locais pela preponderância que sempre exerceram no estado. Entre os grandes chefes políticos históricos, citam-se o padre Francisco Brito Guerra, José Bernardo de Medeiros, Joaquim Martiniano Pereira e Gorgônio Ambrósio da Nóbrega, José Augusto Bezerra de Medeiros e Dinarte de Medeiros Mariz.

Quando a luta pela libertação dos escravos ecoou pelo Brasil inteiro, organizou-se em Caicó uma comissão libertadora, dirigida por José Bernardo de Medeiros, Olegário Gonçalves de Medeiros Vale, Manuel Augusto Bezerra de Araújo, José Batista dos Santos Lula, padre Amaro Castor, Lindolfo Adolfo de Araújo, Salviano Batista de Araújo e outros. Esse comitê, empreendeu festas públicas em prol do movimento libertador e solenizava as cerimônias de alforria. Diz-se que ao ser decretada a Lei da Abolição da escravatura, já existiam poucos escravos em Caicó.

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1921 – O ESTRANHO CASO DE UMA FAMÍLIA DO SERIDÓ POTIGUAR QUE FOI DIZIMADA POR COMER UM TOUCINHO – ENVENENAMENTO OU UMA DOENÇA MISTERIOSA? 

Fonte – Rostand Medeiros.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros 

Em um dia comum de abril de 1921, um ano de inverno razoável, um homem que vivia na região Seridó do Rio Grande do Norte seguiu de seu sítio até a feira de uma vila próxima para comprar alimentos para seus familiares. Seu nome era Manoel Alves de Maria, conhecido como Neguinho Gonçalo e morador da propriedade Riacho de Santana, próxima a então vila de São Miguel de Jucurutu, que nessa época fazia parte do município de Caicó. 

Entre as várias bancas que havia na feira, ele encontrou uma que negociava uma bem nutrida carcaça de porco, que estava sendo repartida pelo vendedor e os pedaços eram adquiridos por várias pessoas. Manoel então escolheu uma peça de toucinho, que em sua casa seria habilidosamente preparada pela sua esposa Guilhermina Alves e se transformaria em um delicioso torrado. 

Certamente Neguinho, Dona Guilhermina e seus sete filhos aproveitaram com satisfação aquele torrado de toucinho de porco, feito com muito esmero e qualidade. Mas segundo um texto existente na primeira página do Jornal A República de Natal, edição de 2 de maio de 1921, com informações do jornal O Seridoense, assim que o almoço foi encerrado uma das filhas do casal começou a ar mal, vomitou e caiu no chão, chamando a atenção de todos e desesperando seus pais. 

Um pequeno e rustico açougue no sertão potiguar em 2022 – Foto – Rostand Medeiros

Nos próximos dias essa jovem padecerá terrivelmente de dores, vômitos e em poucos dias virá a falecer. Não demorou e todos que provaram o torrado caíram doentes e também começaram a morrer. Neguinho Gonçalo, Dona Guilhermina e mais dois filhos foram as novas vítimas e, segundo o jornal, os outros quatro filhos ficaram em um estado considerado “desesperador”. 

Segundo comentou o cidadão Aureliano de Freitas, um parente das vítimas, os sintomas apresentados começaram com “vômitos amarelos e depois azuis como anil”. Disse também que as vítimas vomitavam tudo quanto ingeriam e quando paravam de expelir o conteúdo estomacal eles morriam. Outro dado interessante e estranho informado por Aureliano foi que “até os últimos momentos de vida eles falavam, cantavam e tinham accessos em que rasgavam as vestes e se mordiam”. Além disso, em meio aos padecimentos, os membros da família de Neguinho Gonçalo consumiam pouca água. 

Foi informado em A República que da família do Sítio Riacho de Santana somente Neguinho Gonçalo e outro parente foram enterrados no cemitério de Caicó, cuja população ficou verdadeiramente impressionada com o ocorrido. Nesse tempo, segundo o Censo de 1920, Caicó tinha meros 2.550 habitantes e em todo o município viviam 25.366 pessoas, que viviam em uma área territorial muito maior que a atual. 

Misteriosa Tragédia 

O material existente em A República informou que José da Silva Pires Ferreira e Gil Braz de Araújo, os únicos médicos de Caicó nada puderam fazer para descobrir o que aconteceu com aquela família e itiram que não dispunham de recursos suficientes para resolver esse mistério. Nem na botica do farmacêutico Homero Nóbrega existia algum unguento para ajudar aquelas vítimas. 

A família Alves era benquista na região, não tendo nada que desabonasse a conduta deles perante a sociedade caicoense. Isso gerou ainda mais estranhamento em relação aos fenômenos ocorridos, pois muitos acreditavam que aquela família tivesse sido envenenada, mas só não entendiam a razão para isso. 

Como a hipótese mais plausível então comentada era a de envenenamento, a polícia entrou no circuito. 

O tenente Ignácio Valle, de uniforme, em um casamento em Caicó – Fonte – Rostand Medeiros.

O tenente Ignácio Valle, na época Delegado Regional de Caicó, se deslocou a cavalo para a localidade de Riacho de Santana e a vila de São Miguel de Jucurutu para apurar os fatos.

O caso ou a ser muito comentado em todo Seridó e na capital, isso em uma época onde o jornal A República, o mais importante do Rio Grande do Norte, quando mostrava alguma notícia vinda do interior era basicamente para apresentar as “ações positivas” dos políticos e das elites locais, algumas raras ações do governo estadual nestes rincões e algo sobre as secas e as chuvas. Para fugir desse script básico só algum assassinato rumoroso de membros abonados das famílias interioranas, um assalto de cangaceiros, ou uma desgraça incomum como a que dizimou a família de Neguinho Gonçalo. 

Em outra edição de A República (18/05/1921, pág. 1) soubemos que dos quatro filhos de Neguinho e Guilhermina que sobreviveram em um primeiro momento, mesmo em estado “desesperador”, três faleceram e foram enterrados no pequeno cemitério de sua comunidade, tal como a maioria dos membros de sua família. Apenas um dos nove filhos do casal sobreviveu a tragédia e infelizmente os jornais nada informaram sobre essa pessoa. 

Caicó na década de 1920.

O tenente Ignácio Valle continuou suas investigações. Ele descobriu que o porco de onde veio o toucinho era um animal “cevado”, que fora comprado pelo vendedor da feira de Jucurutu ao proprietário José Bezerra de Araújo, que vivia no Sítio Baixio, uma localidade ao sul daquela vila, que fica próximo a Serra do Estreito e não muito distante da rodovia asfaltada RN-118. Valle apurou também que no dia da feira diversas pessoas compraram partes do mesmo porco e nenhum outro caso como o ocorrido com os membros da família de Neguinho Gonçalo foi relatado na região.

Coincidência, ou não, poucos dias após os trágicos episódios ocorridos no Seridó, o tenente Ignácio Valle veio de Caicó para Natal, onde sabemos que ele esteve na sede do jornal A República, mas nada mais foi comentado sobre o caso e nenhum outro jornal comentou algo sobre essa tragédia. 

E a Explicação do Vômito Azul? 

Ao buscar mais informações eu descobri que realmente o ser humano pode vomitar uma substância azulada, vindo da bílis, que é normalmente fruto de intoxicação a partir da ingestão de altas doses de cobre (Cu) no organismo. 

Consta que os sintomas agudos da intoxicação por cobre incluem sintomas gastrintestinais que podem ser graves, como náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, hematêmese, anorexia, hipotensão, melena, coma, icterícia e desconforto gastrintestinal, podendo ainda ocorrer desidratação e choque hipovolêmico. Casos mais graves podem cursar com anemia hemolítica, hepatite aguda com necrose hepática, insuficiência cardíaca e renal, podendo evoluir com encefalopatia hepática, com alguns casos de óbito descritos.

Em um documento existente na internet (https://sappg.ufes.br/tese_drupal//tese_16314_Tese%20Filipe%2030-05-2022%20FINALIZADA.pdf), existe o relato de um caso de envenenamento por cobre e a existência de vômito azul – “relataram a morte de uma mulher que ingeriu fungicida a base de cobre. Foi encontrado vômito azul-turquesa no local e, na autópsia, material turquesa foi encontrado em todo o trato gastrointestinal. O nível de cobre no sangue post mortem foi de 500 μg/dL. A causa da morte foi determinada como “toxicidade aguda de cobre”.

Cobre – Fonte – Wikipédia.

Não sabemos se além de pequeno produtor rural, o comprador do toucinho tinha alguma outra atividade. Algo em que ele utilizasse cobre na manufatura de determinados produtos. Sem maiores dados fica difícil saber como quase toda a família de Neguinho Gonçalo morreu de uma possível ingestão desse mineral no Sítio Riacho de Santana? 

Mas segundo meu amigo Sales Felipe, profundo conhecedor da história e das coisas do sertão do Seridó, além de um grande poeta, a explicação mais provável estaria ligada ao fato do toucinho ter sido preparado em um tacho de metal, que na sua composição deveria possuir uma grande quantidade de cobre.

Segundo Sales, seridoense nascido em São Rafael, cidade que fica ao norte do atual município de Jucurutu, esses tachos eram as largas, muito utilizados na preparação de alimentos e em São Rafael existiam mestres ferreiros que fabricavam esse tipo de material. Ocorre que esses homens transmitiam a arte do seu ofício através da oralidade, mas que na formação de novos ferreiros poderiam ocorrer erros na utilização dos minerais para a confecção de seus produtos. No caso dos tachos a falha maior estava na quantidade de cobre que era misturada a outros metais. Se fosse mais elevada que o normal, o cobre provocaria a intoxicação dos compradores conforme eles preparavam alimentos nesses objetos.

Certamente nunca saberemos a real causa da intoxicação dos membros da família de Neguinho Gonçalo do Riacho de Santana em 1921, mas essa trágica história mostra as dificuldades enfrentadas pelos antigos habitantes do nosso Seridó.