O DIA EM QUE JOHN KENNEDY ESTEVE NO BRASIL DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

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Kennedy no Rio junto com sua mãe Rose (D) e sua irmã Eunice (E).

Rostand Medeiros – Escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) 

Eu acredito que os países que possuem sistemas presidencialistas têm ao longo de suas histórias os seus mandatários relevantes, onde suas carreiras e suas vidas foram tão expressivas que eles nunca foram esquecidos e eles são sempre são lembrados no imaginário do seu povo.

Apontar quem seriam estes homens adentra no pantanoso e complicado terreno das paixões políticas, algo ao qual não tenho muito conhecimento e nem me interesse de explorar. Mas me arrisco a comentar que na vizinha Argentina o presidente mais marcante da história deste país foi Juan Domingo Perón. Já no Chile creio ser possível indicar Salvador Allende, ou não?. Mas e no nosso Brasil, teríamos, talvez, uma espécie de “empate técnico” entre Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek? E nos Estados Unidos, as indicações apontam para Franklin Roosevelt e John Kennedy?

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John F. Kennedy e sua esposa Jackie desfilando na Broadway em carro aberto em Nova York.

Este último presidente estadunidense foi um homem de uma história de vida icônica, que remete a muitos sucessos e enormes tragédias. Vem de uma rica e famosa (ou infame) família, foi herói na Segunda Guerra, consagrou-se como um político respeitado e atuante, que assumiu a presidência do seu país com apenas 43 anos de idade e foi associado como mandatário que desenvolveu um governo inovador. Era casado com uma bela mulher, foi muito popular até mesmo fora dos Estados Unidos e teve sua vida abruptamente interrompida na cidade de Dallas, Texas, no dia 22 de novembro de 1963.

Sobre John Kennedy muito já se falou e foi escrito, sendo tema de inúmeros livros, documentários e filmes de Hollywood. Mas o que muitos brasileiros não sabem é que ele esteve no nosso país vinte anos antes de se tornar presidente.

E o que ele veio fazer no Brasil?

Berço de Ouro

John Fitzgerald Kennedy nasceu em 29 de maio de 1917, sendo filho do empresário, filantropo e político Joseph Patrick “Joe” Kennedy e da socialite Rose Elizabeth Fitzgerald Kennedy. Era descendente de imigrantes irlandeses católicos e vários de seus anteados foram políticos no estado de Massachusetts, tendo seu avô, P. J. Kennedy, sido prefeito de Boston. 

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Os Kennedys

John Kennedy tinha um irmão mais velho, Joseph Jr., e sete irmãos mais novos; Rosemary, Kathleen, Eunice, Patrícia, Robert, Jean e Ted.

Sem problemas com dinheiro a família Kennedy mudou-se em 1927 para uma mansão majestosa, de estilo georgiano, na cidade de Nova York. Ali John frequentou a Riverdale Country School, uma escola particular para meninos. A família Kennedy ava seus verões em uma casa na área costeira de Hyannis Port, Massachusetts. Já durante as férias de Natal e Páscoa, muito frio nessa época na região de Nova York, os Kennedy seguiam para uma casa em Palm Beach, Flórida.

Durante a adolescência John Kennedy teve vários problemas de saúde, que culminaram com uma hospitalização de emergência em 1934, quando os médicos pensaram que ele poderia ter leucemia. Apesar do susto, no ano seguinte ele fez sua primeira viagem a Europa com seus pais e sua irmã Kathleen e no ano seguinte matriculou-se na Universidade Harvard.

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Em julho de 1937, desejoso de conhecer outros lugares, John Kennedy viajou para a França e ou mais de dois meses junto com um amigo percorrendo a Itália, Alemanha, Holanda e Reino Unido.

Um Mundo Em Guerra

No ano seguinte seu pai foi designado pelo Presidente Franklin D. Roosevelt embaixador dos Estados Unidos na Inglaterra e John seguiu para trabalhar na embaixada americana em Londres. Este cargo de prestígio abriu novas avenidas sociais para a família Kennedy e eles assistiram na primeira fila a abertura do triste drama da Segunda Guerra Mundial. 

Os Kennedy acompanharam os esforços do governo britânico por uma política de apaziguamento, destinada a evitar a guerra a qualquer custo, principalmente após Adolf Hitler ocupar Áustria e a Tchecoslováquia. Essa ação política era firmemente apoiada pelo embaixador Joseph Kennedy e ele seria um feroz crítico dos apelos de Winston Churchill para uma ação mais contundente contra a ameaça nazista. 

Além desse posicionamento o pai do futuro Presidente dos Estados Unidos era declaradamente a favor do isolacionismo dos Estados Unidos em relação a guerra europeia e estridente antissemita. Uma irônica intolerância para um homem que havia sido vítima de muito sentimento antirreligioso por ser católico.

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John Kennedy e seu pai, notório isolacionista e antissemita

Em 1938, porém, essas preocupações estavam mais no futuro. John Kennedy usou a posição de seu pai para organizar outra grande viagem, em preparação para sua tese final em Harvard. Esteve novamente na França e seguiu para a Polônia, União Soviética, os Bálcãs e chegou a ir até mesmo ao Oriente Médio. Viajante inveterado, Kennedy ou sete meses na estrada e só retornou a Londres em 1 de setembro de 1939, no mesmo dia em que a Alemanha invadiu a Polônia e teve início a Segunda Guerra Mundial.

O jovem Kennedy começou seu último ano em Harvard na primavera de 1940, com o campus universitário em grande efervescência com o que acontecia no outro lado do Oceano Atlântico. Ele se mostrava cada vez mais interessado na política, concentrando-se em assuntos internacionais e escreveu uma tese sobre a política externa da Inglaterra antes do início da guerra. Este material acadêmico foi bem recebido e ajudou John Kennedy a conquistar a graduação magna cum laude, a segundo maior possível no ranking de Harvard. Mais importante ainda, seu esperto pai aproveitou a tese como uma forma de tornar John uma figura pública. O embaixador puxou as cordas na indústria editorial e contratou um repórter de jornal para editar e polir a prosa. Logo, em julho de 1940, foi lançado o livro Why England Slept. O trabalho rendeu a John Kennedy um modesto best-seller e lhe concedeu seu primeiro gosto como celebridade.

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O S. S. Argentina, da respeitada empresa de navegação Moore-McCormack Lines – Fonte – http://www.moore-mccormack.com/images/BW%20SS%20Argentina.JPG

Na sequência John seguiu para a conceituadíssima Stanford Business School e decidiu realizar uma viagem pela América do Sul junto com sua mãe Rose e sua irmã Eunice. 

Eles embarcaram no final de abril de 1941 no luxuoso transatlântico S. S. Argentina, da respeitada empresa de navegação MooreMcCormack Lines, com grande experiência e tradição na ligação marítima entre os Estados Unidos e a América do Sul.

O suntuoso navio de ageiros realizava a rota Nova York ao Rio de Janeiro, seguindo sob bandeira americana, que na época era então um país neutro no conflito. Mas isso não significava que o S. S. Argentina não viesse a sofre um ataque por parte de submarinos nazifascistas, ou algum tipo de ocorrência com os próprios Aliados. E foi o que aconteceu naquela ocasião, quando a grande nave foi parada por um cruzador inglês de 10.000 toneladas e poderosamente artilhado, a 300 milhas da foz do rio Amazonas. A tripulação do S. S. Argentina foi obrigada a informar se a bordo havia entre os ageiros cidadãos de origem alemã ou italiana. Com a negativa a viagem do transatlântico foi liberada. 

Celebridades a Bordo 

Depois de dezesseis dias de viagem, às duas da tarde no dia 7 de maio de 1941, o grande navio aporta Rio de Janeiro, na época a Capital Federal.

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S. S. Argentina no Cais da Praça Mauá em 1948.

Como era praxe na época, durante o desembarque dos ageiros vários jornalistas corriam ao cais do porto da Praça Mauá em busca de saber quem estava a bordo, quem desembarcaria e se entre estes haviam figuras interessantes, o que chamamos hoje de “celebridades”.

Poderiam ser ricaços chegando de viagens, políticos patrícios retornando de suas férias para descansar do seu “pesado labor”, cientistas estrangeiros, ou astros e estrelas do cinema e da música do exterior com destino a Cidade Maravilhosa, ou de agem para Buenos Aires. Serviam para aquelas verdadeiros “piranhas da notícia” até mesmo pessoas com notícias frescas sobre os tristes acontecimentos da guerra.

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As celebridades que desembarcaram no Rio de Janeiro em 7 de maio de 1941.

Em meio aos flashes quem mais chamou atenção no desembarque foi a atriz Rosita Moreno. Nascida na Espanha ela já vivia há anos no México era filha de ator e estava radicada desde 1930 na Meca do cinema mundial – Hollywood. Rosita seguia para Buenos Aires a fim de realizar um filme e recebeu a todos saboreando uma “Coca-Cola gelada com batatas fritas”. Contou que já havia realizado muitos filmes mexicanos, argentinos e espanhóis e também foi destaque em versões em espanhol dos filmes de Hollywood.

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Foi enaltecida pelo jornalista de O Imparcial por está exalando o suave odor do perfume francês “Arpège”, cujo frasco pequeno custava a bagatela de “180$000” (cento e oitenta mil réis). Além dela os repórteres descobriram entre os ageiros um renomado dentista que vinha dar um importante curso sobre dentaduras, um jornalista de Nova York e um violinista judeu de San Francisco que vinha para alguns concertos na cidade. Este possuía alguma fama em 1941, mas viria a se tornar nos anos vindouros um dos maiores violinistas do Século XX – Yehudi Menuhin. Além destes se encontrava a bordo um jovem que era filho de Joseph Kennedy, o ex-embaixador dos Estados Unidos na Inglaterra.

“Missão Especial do Governo Americano”

Descrito como magro, de cabelos claros, olhos azuis e muito calmo, John Kennedy não negou a ser interpelado pelos jornalistas e informou que veio ao nosso país basicamente como um simples turista a eio e com “um desejo de conhecer outros países e outros povos”.

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Ficha de entrada de John Kennedy no Brasil em 1941.

Ele foi logo recordado pelos homens da imprensa que seu pai era um dos maiores defensores do isolacionismo dos Estados Unidos na guerra, mas fugiu diplomaticamente do questionamento. Depois foi perguntado se acreditava na vitória dos súditos do Rei da Inglaterra contra os alemães e respondeu que sim. Mas acrescentou ponderadamente que “seria imprudente dar qualquer declaração categórica sobre o desenrolar dos acontecimentos”. Kennedy comentou bastante sobre seu livro, que também estava escrevendo para jornais e revistas nos Estados Unidos e pretendia escrever outros livros sobre a conjuntura internacional. Ele foi descrito pelos jornalistas como “possuidor de bom humor e comunicativo e logo se tornou simpático na roda dos jornalistas”. Apesar de jovem, John Kennedy já tinha bastante experiência para tratar com o pessoal da imprensa e sabia o que significava não atender corretamente aos jornalistas.

Na edição do Jornal do Brasil do dia seguinte (página 12) surgiu a notícia que um suposto companheiro de viagem de Kennedy teria confidenciado a um jornalista deste periódico que o filho do embaixador Joseph estava de viagem pelo Brasil e pela Argentina em uma “missão especial do governo americano”. Segundo este amigo o jovem Kennedy pretendia “examinar as pulsações sentimentais dos povos sul-americanos em face ao conflito europeu”.

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Essa informação não deve ser verdade, pois nenhuma fonte pesquisada cita, além de sua mãe e de sua irmã, algum pretenso companheiro de viagem de John Kennedy a América do Sul. Além disso, o governo americano tinha na região embaixadas com pessoas altamente treinadas e extremamente atentas a todos os movimentos e ações dos governos sul-americanos e dos seus povos em relação ao conflito que ocorria na Europa.

Aparentemente Kennedy, sua mãe e sua irmã realmente vieram para o Brasil fazer apenas turismo, conforme mostra a foto que abre este texto.

Mas se aqueles dias do primeiro semestre de 1941 a vida de John Kennedy foi de tranquilidade no Brasil e na América do Sul, no fim daquele mesmo ano a situação ficou bem diferente.

Mas isso é outra história.


Fontes 

https://mholloway63.wordpress.com/2013/08/02/what-happened-on-august-1st-john-f-kennedy-and-pt-109/

https://br.pinterest.com/pin/450289662722928980/

http://www.bbc.co.uk/history/people/john_f_kennedy

https://www.jfklibrary.org/JFK/Life-of-John-F-Kennedy.aspx

https://familysearch.org

http://millercenter.org/president/biography/kennedy-life-before-the-presidency

http://www.historyplace.com/kennedy/president.htm

http://jfks.de/about-jfks/history/the-history-of-the-john-f-kennedy-school/

http://www.dailymail.co.uk/news/article-3262024/My-story-collision-getting-better-time-ve-got-Jew-n-r-John-F-Kennedy-revealed-father-exploited-PT-109-incident-make-son-hero-pave-road-White-House.html

https://www.gentlemansgazette.com/president-john-f-kennedy/

JOHN KENNEDY NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL – A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA E O ENCONTRO DE DOIS MUNDOS

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John Kennedy, o homem sem camisa a direita, junto com a tripulação de sua lancha torpedeira PT-109 no Pacífico Sul em 1943.

Rostand Medeiros – Escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) 

Antes mesmo do ataque pelos japoneses a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, que ocasionou a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, John Kennedy decidiu seguir adiante na carreira militar.

Mas ele era muito magro, com um histórico de doenças ao longo da vida, onde certamente não teria muitas condições de ar pelos rigorosos exames de issão na Marinha dos Estados Unidos (US Navy). Aí o filho do rico e influente Joseph Kennedy, ex-embaixador dos Estados Unidos na Inglaterra, usou a influência e os contatos de seu pai para dá um “jeitinho”. Mas nesse caso para ir trabalhar em uma instituição que o levaria futuramente para a guerra.

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O LTJG John Fitzgerald Kennedy, nascido em 29 de maio de 1917, em Brookline, Massachusetts, era filho do empresário, filantropo e político Joseph Patrick “Joe” Kennedy e da socialite Rose Elizabeth Fitzgerald Kennedy.

Na marinha ele começou em outubro de 1941, como alferes em uma mesa de escritório da Inteligência Naval, mas nove meses depois foi designado para a cidade de Chicago, onde cursou a Escola de Treinamento dos Oficiais da Reserva Naval. Na sequência entrou voluntariamente no centro de treinamento de lanchas torpedeiras, as famosas lanchas PT, ou PT Boat, e recebeu a patente de tenente (LTJG).

John Kennedy iria comandar uma lancha muito veloz que tinha 24 metros de comprimento, com peso de 56 toneladas, fortes cascos de madeira de duas camadas de 1 polegada (2,5 cm) de tábuas de mogno, impulsionada por três potentes motores Packard de 12 cilindros e 1.500 cavalos de potência (1.100 kW) por cada eixo de hélice, que alcançava a velocidade máxima projetada de 41 nós (76 km / h) e abastecidos com gasolina da aviação de alta octanagem.

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Lancha de patrulha americana, similar a utilizada por Kennedy na Segunda Guerra Mundial.

Estes barcos poderiam acomodar uma tripulação de três oficiais e doze a quatorze marinheiros, sendo equipada com metralhadoras e canhões de 20 m.m. Mas seu armamento principal eram quatro tubos para lançamento de torpedos de 21 polegadas (53 cm), contendo cada um deles 175 kg de explosivos. Este armamento, associado às altas velocidades, dava aos pequenos barcos condições de conseguirem alguma capacidade de enfrentamento contra grandes navios blindados. Pelo menos teoricamente! 

Davi Contra Golias 

Mas não era um combate nada fácil o que John Kennedy foi se meter. Para ter uma chance de atingir seu alvo as lanchas PT teriam que se aproximar a menos de duas milhas (3,2 km) contra seu alvo para conseguir um bom disparo.

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Disparo de torpedos de uma PT boat.

O problema é que a essa distância o veloz barquinho facilmente ficava ao alcance das armas inimigas e o navio adversário poderia manobrar para evitar ser atingido. Para melhora a capacidade de ataque das lanchas PT (e consequentemente a sobrevivência de sua tripulação) elas geralmente atacavam a noite e depois fugiam encobertos pela escuridão e pela ação de granadas de fumaça. Eufemisticamente os barcos PT eram apelidados de “mosquitos”, porque eram pequenos barcos rápidos que “zumbiam” em torno de barcos muito maiores tentando atacá-los.

Enfim aquilo não era nenhum encouraçado, ou porta aviões, mas John Kennedy poderia comentar com os filhos que um dia comandou um barco da US Navy durante a Segunda Guerra Mundial.

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Kennedy no timão de sua lancha PT-109.

Kennedy completou seu treinamento em dezembro de 1942 e foi primeiramente designado para a região do Canal do Panamá, onde poderia ter tranquilamente permanecido realizando patrulhas na região, sem maiores problemas ligados a entrar em combate contra inimigos. Mas ele logo pediu para ser transferido para onde a ação acontecia de verdade – Ilhas Salomão, no Pacífico Sul.

Cobertas de farta e verdejante vegetação, cercada de areias brancas e translúcidas águas azuis, esta parte do mundo possui ilhas que povoam os idílicos sonhos de paz e tranquilidade nos mares do sul do Oceano Pacífico. Mas naqueles dias estranhos os sonhos deram lugar a pesadelos e o colorido da região foi tingido de vermelho dos mortos.

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Militares americanos descansando em uma praia no Pacífico Sul durante a Segunda Guerra.

Depois do fim da grande e sangrenta campanha da ilha de Guadalcanal, os americanos continuavam conquistando ilha após ilha da região das Salomão, expulsando e matando quantos japoneses pudessem. Foi no meio deste turbilhão que John Kennedy chegou a região em 14 de abril de 1943, onde se incorporou a um esquadrão de lanchas torpedeiras na ilha de Tulagi e assumiu o comando da PT-109. 

O Desastre na Tokyo Express 

Em meio a muitas missões de patrulha, um ataque de dezoito bombardeiros japoneses atingiu a base de Tulagi em 1 de agosto e destruiu duas lanchas PT. Os americanos partiram para dar o troco enviando quinze PTs, entre elas a 109, para uma área na ponta sul da Ilha de Kolombangara. Relatórios da inteligência informavam sobre a presença de cinco destróieres japoneses (designados contratorpedeiros na Marinha do Brasil) que ariam na área naquela noite.

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A PT-109 original utilizada por John Kennedy, quando foi transportada para o Pacífico Sul.

Os americanos atacariam o que ficou conhecido como o conhecido como “Tokyo Express”, que eram os comboios de abastecimento da marinha japonesa para soldados que combatiam o avanço das forças dos Estados Unidos nas ilhas mais ao sul e que percorriam a região com certa regularidade.

Foram avistados três destróieres agindo como transportes, com um quarto servindo de escolta e eles foram atacados. Mas tudo foi um desastre para os americanos naquela noite. Cerca de 30 torpedos foram disparados pelas PTs, mas nenhum acertou qualquer barco inimigo. Muitos dos torpedos explodiram prematuramente, ou correram na profundidade errada. Os japoneses revidaram, mas também não atingiram nenhuma das lanchas americanas.

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O destróier japonês Amagiri.

O certo é que a PT-109 e outras duas lanchas torpedeiras receberam ordens de continuar patrulhando a área caso os navios inimigos retornassem. Por volta de duas da manhã de 2 de agosto de 1943, em uma noite sem lua, o barco de Kennedy estava em marcha lenta para evitar a detecção de seu rastro por algum avião de patrulha japonês, quando uma forma surgiu da escuridão a 300 metros do arco de estibordo da PT 109. O jovem tenente e sua tripulação primeiro acreditaram que era outro barco PT. Quando se tornou aparente que era um dos destróieres japoneses (que depois souberam ser o Amagiri), Kennedy tentou girar para estibordo, mas não tiveram tempo sequer de acelerar algum dos três motores da lancha. A PT-109 foi atropelada e cortada no meio pelo navio inimigo entre as Ilhas de Kolombangara e Ghizo. 

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Lutando Pela Vida 

Da PT-109 ficou flutuando apenas o casco dianteiro, em meio a um mar de chamas. Os marinheiros Andrew Jackson Kirksey e Harold W. Marney foram mortos e dois outros membros da tripulação ficaram gravemente feridos. Para completar o quadro tétrico, os dois outros barcos PT atacaram o Amagiri, mas sem obter sucesso e retornaram à base sem verificar a situação dos sobreviventes da PT-109. Alegaram que devido ao tamanho da explosão acreditaram que não havia sobreviventes. 

Mas havia. Os onze membros da PT-109 se apegaram a proa do barco que vagava lentamente para o sul. 

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A região onde ocorreu os fatos envolvendo Kennedy e seus homens.

Todos os homens estavam exaustos e alguns ficaram feridos. Vários haviam ficado enjoados com os vapores de combustível. Não havia nenhum sinal de outros barcos ou navios na área e os homens tinham medo de disparar a sua arma de fogo por medo de atrair a atenção dos japoneses que estavam nas ilhas das redondezas.

No outro dia, por volta das duas da tarde, ficou evidente que o resto de casco estava tomando água e logo afundaria, os homens decidiram nadar para terra. Como havia acampamentos japoneses em todas as grandes ilhas próximas, eles escolheram seguir para uma pequena ilha deserta a sudoeste de Kolombangara chamada de Pudim de ameixa, mas que os náufragos chamaram de “Ilha de Pássaros” por causa do guano que cobria os arbustos.  Kennedy, que estava na equipe de natação da Universidade de Harvard, usou uma correia de colete de salvação apertada entre os dentes para rebocar seu companheiro Patrick McMahon, que estava gravemente queimado. Levou quatro horas para chegarem ao seu destino, a 5,6 km de distância e por sorte não foram atacados por tubarões. Ao chegarem Kennedy estava exausto e teve que ser ajudado até a praia pelo homem que ele tinha rebocado. Ele desmoronou e esperou pelo da tripulação. Mas a natação de Kennedy não tinha acabado.

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Representação artística mostrando John Kennedy rebocando seu comandado Patrick McMahon usando a correia do colete de salvação apertada entre os dentes.

A ilhota tinha apenas 100 metros de diâmetro, sem comida ou água e a tripulação teve de se esconder na vegetação quando perceberam a agem de barcaças japonesas. Kennedy nadou então em busca de ajuda e comida para uma ilha nas proximidades chamada Olasana, em uma viagem de ida e volta onde percorreu cerca de quatro quilômetros. Vendo que o local tinha coqueiros e possivelmente água potável ele organizou a ida de sua tripulação para este destino.

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Foto atual da antiga ilha Pudim de ameixa, agora denominada Ilha Kennedy.

A explosão de 2 de agosto foi observada por um marinheiro australiano, o subtenente Arthur Reginald Evans, que dirigia um posto secreto de observação no alto do vulcão Mount Veve, em Kolombangara, onde mais de 10 mil soldados japoneses estavam aquartelados na parte sudeste. Evans despachou os melanésios Biuku Gasa e Eroni Kumana em uma canoa para procurar possíveis sobreviventes. Eles poderiam evitar a detecção por parte dos navios e aeronaves japoneses, pois provavelmente seriam tomados por pescadores nativos.

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O subtenente australiano Arthur Reginald Evans, que do seu posto secreto de observação viu a destruição da PT-109.

A ilha de Olasana provou ser desapontadora. Os cocos eram mais abundantes, mas tinham um efeito doentio em alguns dos homens e eles não encontraram água fresca. Além disso, estavam muito nervosos com as patrulhas japonesas na região e exploraram apenas um pequeno canto desta ilha.  Choveu naquela noite e eles se amontoaram juntos para produzirem calor ouvindo o vento e as ondas trovejando no recife de coral. Suas roupas estavam molhadas por causa da natação e da chuva e alguns de seus ferimentos estavam ficando infectados.

Kennedy decidiu então tentar chegar e explorar a ilha Naru no dia seguinte junto com o tripulante George Ross. Kennedy e Ross chegaram a praia pouco depois do meio-dia de 5 de agosto. 

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Foto atual de satélite que mostram as ilhas Olasana (esquerda) e Naru. Locais praticamente intocados.

Salvamento Por Homens de Outro Tempo 

Temendo patrulhas inimigas os dois homens realizaram cuidadosamente uma exploração do local, mas só encontraram de útil o naufrágio de um pequeno navio japonês nos recifes de coral. Eles avistaram na praia uma pequena caixa com rótulos japoneses e quando o abriram ficaram encantados ao descobrir que continha doces em forma de gotas de lágrima. Ainda melhor, um pouco mais adiante na ilha descobriram uma lata de água e uma canoa escondida nos arbustos.

Depois de se refrescarem Kennedy e Ross estavam andando de volta para a praia quando viram dois homens no naufrágio japonês. Os homens, claramente nativos, se assustaram e se correram do naufrágio para uma canoa, apesar dos gritos de Kennedy informando que eram amigos. 

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Anos depois de salvarem Kennedy, os nativos Biuku Gasa e Eroni Kumana reproduzem para jornalistas como se deu o salvamento dos americanos. Ao fundo a ilha de Kolombangara.

Kennedy decidiu levar a canoa de volta para Olasana com os doces e a água para os outros homens. Chegando a Olasana o comandante da naufragada PT-109 descobriu que os dois homens melanésios que ele e Ross haviam visto em Naru tinham entrado em contato com o resto da tripulação. Eram Biuku Gasa e Eroni Kumana.

Gasa e Kumana eram homens de outro tempo, de uma realidade bem distinta, que do seu jeito ajudavam aqueles modernos combatentes. Em 2002 Kumana contou que a primeira coisa que os sobreviventes pediram foi cigarros e ele lhes entregou, mas faltavam os fósforos. Kumana então surpreendeu e encantou os homens brancos fazendo um fogo esfregando dois pedaços de madeira.

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O coco original, com a mensagem escrita a faca por Kennedy, preservado nos Estados Unidos.

Kennedy não sabia como enviar uma mensagem, mas Gasa subiu em uma palmeira e derrubou um coco. Ele retirou a casca dura e em seguida entregou a Kennedy e mostrou-lhe como escrever sobre a casca mais fina com sua faca. O comandante da PT-109 ficou tão espantado que ele tomou a cabeça do nativo melanésio em suas mãos e deu-lhe um beijo amigável. Depois Gasa e Kumana partiram em busca de ajuda. Este pedaço de coco ficou guardado em um recipiente especial na mesa de trabalho do Presidente Kennedy durante o seu mandato e agora está em exposição permanente na biblioteca John F. Kennedy, em Boston, Massachusetts.

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Nativos da região das Ilhas Salomão reproduzem para jornalistas na década de 1960, o socorro aos americanos. Ao fundo a ilha Pudim de Leite.

Em 7 de agosto oito nativos apareceram na ilha Naru pouco depois de Kennedy e Ross acordarem. Eles trouxeram comida e instruções de Reginald Evans para Kennedy vir ao seu encontro. Eles se encontraram e combinaram de enviar uma mensagem a base aliada mais próxima na ilha de Rendova. 

A mensagem foi entregue com grande risco por Kumana e Gasa através de 65 quilômetros de águas hostis patrulhadas pelos japoneses.

Foi arranjado que três barcos PT seguiriam de Rendova a Naru com Kumana e Gaza a bordo. Depois de embarcarem Kennedy em um ponto pré-determinado (que disparou quatro tiros para o ar para que pudessem ouvi-lo e localizá-lo). Então os barcos PT aproximaram-se de Naru e depois seguiram para Olasana e resgatar os sobreviventes.

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O uso dos serviços dos nativos do Pacífico Sul por parte dos Aliados foi uma prática comum e positiva.

Kumana e Gaza fizeram a viagem de regresso para Rendova com os sobreviventes da PT-109, chegando no início da manhã de domingo, 8 de Agosto, para uma feliz recepção de todo o contingente. Mais tarde Kennedy e os outros sobreviventes tiveram que partir para uma base maior para ter seus ferimentos atendidos.

Antes de deixar Rendova o tenente John Kennedy chamou Kumana e Gasa de lado e deu-lhes uma medalha católica e um pedaço de fita do seu uniforme. E ele lhes disse que algum dia, depois da guerra, ele voltaria às Ilhas Salomão e os visitaria – ou ele os traria para os Estados Unidos para que pudessem visitá-lo. 

Vida Que Segue 

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John F. Kennedy e sua esposa Jackie desfilando na Broadway em carro aberto em Nova York.

Analisando os episódios envolvendo John Kennedy durante a Segunda Guerra é inegável que a sua atuação e de sua tripulação no momento do choque da Amagiri foi um tremendo desastre, onde pode ter existido certa displicência do comandante da PT-109 e da sua tripulação em meio a uma ação de combate. Mas os seguintes episódios de luta pela sobrevivência, da liderança do tenente Kennedy na busca de ajuda em uma área onde o que não faltavam eram inimigos, o estabelecimento do contato com os nativos, foram verdadeiramente épicos. E John Kennedy aproveitou com muito êxito deste momento histórico ao longo de sua carreira política.

Consta que nunca esqueceu seus antigos comandados e parceiros de infortúnio. Em 1946 Leonard J. Thom faleceu em consequência de um acidente automobilístico e Kennedy compareceu ao velório e foi um dos que pegaram na alça do caixão do amigo. Existem dados que apontam que ele como Presidente fez o que pode para ajudar seus antigos comandados, inclusive colocando alguns deles em cargos públicos.

Quando Kennedy se tornou presidente dezessete anos depois do afundamento da PT-109, ele procurou cumprir sua promessa junto a Kumana e Gasa, lhes enviando agens para eles voarem até Washington e participar de sua posse, onde os outros sobreviventes da PT 109 estariam lá também.

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Sobreviventes da PT-109 na posse de Kennedy em Washington.

Mas quando Kumana e Gasa chegaram ao aeroporto das ilhas Salomão eles foram afastados do avião por autoridades locais (na época a região das Salomão ainda era uma possessão Britânica). Existe a informação que as autoridades disseram que eles não eram sofisticados o suficiente para viajar para um evento tão importante – e outra pessoa representando a região seguiu para Washington.

Três anos mais tarde – em 1963 – JFK perdeu a vida em Dallas. Esse tiro foi ouvido em todo o mundo – especialmente nas Ilhas Salomão, onde a vida de John Kennedy tinha sido salva por Eroni Kumana e Biuku Gaza em 1943.

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A pequena ilha na foto é a antiga ilha Pudim de Ameixa, atual ilha Kennedy. A região é um verdadeiro paraíso.

Os destroços da PT-109 foram localizados em maio de 2002, quando uma expedição da National Geographic Society, liderada por Robert Ballard encontrou destroços que combinavam com a descrição e localização do barco de Kennedy Ambos os ilhéus das Ilhas Salomão estavam vivos em 2002 e foram visitados pela equipe da National Geographic Society. Cada um deles receberam pessoalmente presentes de Max Kennedy, um sobrinho de John Kennedy, que participava da expedição.

PT 109
Respeito e reconhecimento – Em 2002 Max Kennedy, sobrinho do antigo comandante da PT-109, esteve com Gasa e Kumana, os salvadores dos tripulantes da PT Boat.

Gasa morreu no final de agosto de 2005 e Kumana faleceu em 2 de agosto de 2014, exatamente 71 anos após a colisão do PT-109 com Amagiri, ele tinha 93 anos de idade. 

Fontes 

https://mholloway63.wordpress.com/2013/08/02/what-happened-on-august-1st-john-f-kennedy-and-pt-109/

https://br.pinterest.com/pin/450289662722928980/

http://www.bbc.co.uk/history/people/john_f_kennedy

https://www.jfklibrary.org/JFK/Life-of-John-F-Kennedy.aspx

https://familysearch.org

http://millercenter.org/president/biography/kennedy-life-before-the-presidency

http://www.historyplace.com/kennedy/president.htm

http://jfks.de/about-jfks/history/the-history-of-the-john-f-kennedy-school/

http://www.dailymail.co.uk/news/article-3262024/My-story-collision-getting-better-time-ve-got-Jew-n-r-John-F-Kennedy-revealed-father-exploited-PT-109-incident-make-son-hero-pave-road-White-House.html

https://www.gentlemansgazette.com/president-john-f-kennedy/