Em uma recente ocasião o rei holandês Willem Alexander falou sobre “o reconhecimento do sofrimento infligido às pessoas durante a era colonial”. Ele disse: “Pelas coisas desumanas que foram feitas naquela época nas vidas de homens, mulheres e crianças, ninguém é culpado agora”, mas pediu a todos que “enfrentassem honestamente nosso ado compartilhado e reconhecessem o crime contra a humanidade que a escravidão foi”.
Coincidentemente, no Boxing Day (feriado em 26 de dezembro) eu estava folheando o livro Nederlanders in Brazilië – 1624-1654 (no Brasil lançado como Tempo dos Flamengos), escrito pelo historiador brasileiro José Antônio Gonsalves de Mello em 1947 e cuja tradução para o holandês foi publicada em 2001. O subtítulo do livro é “A influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil“. Gonsalves de Mello estudou extensos arquivos da colônia holandesa, incluindo todas as “Atas Diárias do Conselho do Brasil” de 1635-1654. Ele até aprendeu holandês para isso.
A costa norte do Brasil, ao redor do Equador, exatamente onde o litoral se curva para baixo, foi uma colônia holandesa por cerca de 25 anos. A região era então e ainda é chamada de Pernambuco. No litoral os portugueses fundaram os povoados de Recife e Olinda a partir de 1534 e começaram a cultivar cana-de-açúcar ali. Recife é hoje a capital do estado brasileiro de Pernambuco e tem mais de 1,5 milhão de habitantes. Olinda, próximo a capital, era muito maior por volta de 1630, mas hoje tem quase 400.000 habitantes.
Edição holandesa do livro Tempo dos Flamengos, de João Antônio Gonsalves de Mello– Fonte – https://ernstleeftink.com/.
Em 1630, os Países Baixos conquistaram esses lugares de Portugal e estabeleceram uma colônia lá com Mauritsstad (ou Cidade Maurícia, construída em frente à ilha do Recife) sob a liderança de Johan Maurits van Nassau, que foi governador-geral do Brasil Holandês de 1636 a 1654. Em 1654, os portugueses recuperaram todo o Brasil.
O livro de Gonsalves de Mello (1916-2002) também é interessante por isso, pois dois dos cinco capítulos são intitulados: “3 – A relação dos holandeses com os negros e a escravidão” e “4 – Holandeses, índios e catequese”. Os dois primeiros capítulos tratam de “1 – Os holandeses e a vida na cidade”, “2 – Os holandeses e a vida no campo” e o último capítulo de “5 – Os holandeses em suas relações com os portugueses católicos e os judeus mosaicos”.
Johan Maurits van Nassau, governador-geral do Brasil Holandês durante vários anos – Fonte – https://ernstleeftink.com/
Ele contém lições interessantes sobre nosso ado de escravidão e apartheid. Gostaria de compartilhar um pouco disso.
O Tratamento dos Escravos da África
As plantações de cana-de-açúcar iniciadas pelos portugueses em 1534 não poderiam ter sido estabelecidas sem trabalho escravo. Os primeiros escravos vindos da África já chegaram lá naquela época.
Ao desembarcarem no norte do Brasil em 1630, ainda havia reservas sobre o tráfico de escravos, em parte por causa “da religião praticada nos Países Baixos”. Um dos fundadores da Companhia das Índias Ocidentais em 1621, o empresário Willem Usselincx, que havia fugido de Antuérpia, também rejeitou a escravidão por questões práticas, porque é melhor trabalhar com seu próprio povo do que com escravos relutantes “um homem deste país fará mais trabalho do que três negros que custam muito dinheiro”.
Quando os holandeses conquistaram a colônia portuguesa no Brasil, havia cerca de 500 escravos lá. “A partir daí, os negros serviram como soldados no exército ao lado dos holandeses. (…) Muitos receberam e livre como recompensa por seus serviços leais como guias ou soldados”. Nas “Atas Diárias” de 1637, consta o seguinte: “Esses negros que nos vieram de seus senhores, alguns deles serviram por 4, 5, 6, até 7 anos e nos trataram fielmente (…). Se entregássemos esses negros de volta às mãos de seus senhores amargurados, seríamos bravamente ingratos”. Às vezes, viúvas e filhos de antigos escravos até recebiam benefícios do governo.
Mas, escreve Gonsalves de Mello, “em 1638 a escravidão dos negros não era mais restringida”. Os holandeses não se sentiam mais sobrecarregados, porque “para atender às necessidades de pessoal da indústria açucareira” e havia poucos colonos da Holanda, eles tiveram que “iniciar a importação de escravos africanos”.
A partir de 1641, quando os holandeses começaram a importar escravos não apenas de Gana, mas também de Angola, milhares foram transportados em condições terríveis. “As taxas de mortalidade entre 20% e 30% entre a tripulação de escravos eram bastante normais”. Eles eram comprados por uma média de 50 florins e vendidos novamente no Novo Mundo “por um preço médio de 200 a 300 florins cada.” Os produtores de cana-de-açúcar cobravam o preço de duas caixas de açúcar por negro.
Olinda na época dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – John Ogilby’s atlas America Being the Latest, and Most Accurate Description of the New World, London, 1671, p. 504
Muitos escravos africanos já haviam fugido para as selvas sob o domínio português e estabelecido ali “aldeias de negros do mato”, “o que representava um grande perigo para o campo e perturbava a estabilidade da colônia”. O governo holandês em Recife, então, contratou caçadores de escravos brasileiros que eram bem pagos por cada guerrilheiro que conseguiam capturar.
Ao mesmo tempo, disse Gonsalves de Mello, “os holandeses tratavam seus escravos negros de forma inegavelmente humana”. Pois “muitos holandeses demonstraram sincera amizade por alguns membros de sua comitiva de escravos e apreço por seus serviços leais e dedicação ao trabalho diário. Por exemplo, uma senhora holandesa recusou-se a viajar para a Holanda com seu filho sem a companhia de sua experiente babá negra”. Um membro da Suprema Corte cujo escravo ficou incapacitado por um triste acidente, escreveu aos seus clientes na Holanda sobre “minha extraordinária tristeza porque meu pequeno negro Jacques Guillardt perdeu as duas pernas”.
Há também exemplos de escravos e suas famílias recebendo e livre de seus donos ou do governo, às vezes até para se casar com uma escrava como soldada. Mas, acrescenta Gonsalves de Mello, esse também era o costume entre os proprietários de escravos portugueses e judeus, e eles tinham mais feriados religiosos do que os holandeses, que só davam folga aos seus escravos aos domingos.
Recife no tempo dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – Rerum in Brasilia et alibi gestarum by Caspar Barlaeus.
Uma observação notável de Gonsalves de Mello é a seguinte: os holandeses no Brasil lutavam por uma sociedade baseada no apartheid. “Na nossa opinião, esse é um dos aspectos mais antipáticos da colonização holandesa: essa separação quase preventiva entre a classe dominante e a classe dominada”.
Nas décadas de 1930 e 1940, alguns brasileiros relembravam com certa nostalgia aquele “período holandês“, mas “aqueles que ainda hoje lamentam a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro provavelmente não refletiram o suficiente sobre esse aspecto. As modernas colônias holandesas são um exemplo do que poderíamos esperar delas: a exploração e a dominação de um proletariado de cor por uma minoria branca”, em contraste com o que os portugueses nos deixaram: uma nação de brancos confraternizando com negros e índios”.
A Interação Com os Índios da Região
Isso também aparece em seu quarto capítulo, sobre a relação entre os holandeses e os indianos. Antes de os Países Baixos conquistarem Recife e Olinda dos portugueses em 1630, os indígenas dessa região já haviam sido treinados como intérpretes nos Países Baixos. Quando tomaram a região de Pernambuco, os holandeses prometeram que os índios teriam permissão para manter sua liberdade e “não teriam que sofrer nenhuma subjugação”. Os holandeses têm procurado continuamente estabelecer amizades com os índios.
Visão européia sobre os indígenas brasileiros no século XVII. Ritual de canibalismo visto pelo alemão Hans Staden, o barbudo nu a direita na imagem. Vejam como ele se coloca horrorizado diante da cena – Fonte – Wikipedia.com.
Os índios Tupis viviam em aldeias ao longo da costa e os índios Tapuia viviam como um “povo de moradores da floresta“. Os tupis tinham direito ao autogoverno e os tapuias eram completamente independentes. Esse direito à liberdade e, portanto, a proibição da escravidão foi mantida todos esses anos. “Nenhum índio deve ser mantido em cativeiro ou forçado a trabalhar contra sua vontade”. Na prática, a exploração, o abuso e o pagamento insuficiente ocorreram, “mas Johan Maurits, em particular, fez o máximo para erradicar tais abusos”.
Os holandeses também investiram muita energia no cultivo dos índios tupis. Foi introduzido um método completo de ensino e catecismo. Houve até pregadores missionários, como David van Dorsenlaer, que também pregaram em tupi.
E, inversamente, “muitos indianos se tornaram fervorosos seguidores da fé reformada, na verdade, quase completamente teólogos calvinistas com as Escrituras em punho”, entre eles Antônio Paraupaba. Ele chegou à Holanda em 1625, aos 30 anos, retornou ao Brasil de 1630 a 1654, onde se opôs à escravidão de índios e negros, e retornou à Holanda em 1654 com sua esposa e filhos. Ele morreu lá em 1656.
Muitas décadas após a expulsão dos holandeses do Brasil, assim o francês Jean Baptiste Debret viu o castigo a um cativo – Fonte – Wikipedia.com
No entanto, os holandeses mantinham tanta distância dos índios quanto dos escravos negros. Por mais cordial que tenha sido a amizade mútua, nunca ocorreu aos holandeses que pudessem estabelecer um relacionamento mais próximo com os indígenas do que uma simples aliança militar. Por exemplo, eles não cogitavam tomar mulheres indígenas como concubinas ou esposas legais. Havia até uma “proibição severa daqui de que ninguém se misturasse com os brasileiros”.
Gonsalves de Mello indica que esta foi uma das razões pelas quais os portugueses acabaram por reconquistar o Recife e seus arredores. A moral calvinista era claramente diferente da moral católica: não havia mistura com pessoas de outras religiões e havia estrita adesão aos princípios bíblicos. Em outras palavras: “Os holandeses não tinham a flexibilidade necessária para (…) conviver com imperfeições e aceitar condições que não seriam toleradas na metrópole. Os portugueses lidaram com tais problemas com muito mais inteligência.” A mesma Igreja Católica “conseguiu lidar com tais impurezas”.
Autor – Hermes Leôneo Menna Barreto Laranja Gonçalves*
Fonte – Revista BELLUM
Resumo: Este artigo versa sobre a Batalha do Monte das Tabocas, travada entre milícias portuguesas, compostas por elementos nascidos nos domínios portugueses e locais, e tropas regulares holandesas, da Companhia das Índias Ocidentais (WIC), em 3 de agosto de 1645, no interior de Pernambuco, no Brasil. O texto começa com um breve resumo da evolução do conflito, situado no Nordeste da então possessão portuguesa do Brasil, e destacando, inclusive, o caráter local, e peculiar, da resistência apresentada pelos portugueses, e nativos, aos agressores estrangeiros. Tais invasores, antigos parceiros comerciais dos portugueses, em face da absorção pela Espanha, seus inimigos, de Portugal, em 1580, decidiram pela ocupação das principais zonas produtoras de açúcar no Brasil, o que foi efetivado a partir de 1630. A seguir, já após a Restauração de Portugal, ocorrida 1640, a narrativa a a tratar das providências portuguesas, mesmo que de forma clandestina, haja vista a paz aparente entre Portugal e Holanda, para recuperar os territórios ocupados pelos holandeses. Dentre elas, está o apoio velado, em homens e armas, à sublevação, sobretudo de Pernambuco, contra os invasores estrangeiros. A partir daí o texto discorre sobre os eventos ocorridos logo após a eclosão da revolta ostensiva contra os holandeses, em meados de junho de 1645, culminando com a batalha, vencida de forma inesperada, pelos patriotas apoiados nas alturas do chamado Monte das Tabocas. Longe de despreparados militarmente, as milícias de Tabocas, adestradas pelo militar português Antônio Dias Cardoso, haviam se preparados por meses para apresentar valor militar suficiente para enfrentar as bem adestradas tropas holandesas. Finalizando, o artigo a então a tratar das consequências imediatas do combate nas Tabocas, destacando que foi o começo de uma longa série de vitórias das milícias locais, que, anos depois, já com apoio aberto da Coroa portuguesa, culminaram na rendição dos holandeses, na Campina do Taborda, então nos arredores do Recife, em Pernambuco.
De Formião, filósofo elegante, vereis como Anibal escarnecia, quando das artes bélicas, diante dele, com larga voz tratava e lia. A disciplina militar prestante não se aprende, Senhor, na fantasia, sonhando, imaginando ou estudando, senão vendo, tratando e pelejando (Os Lusíadas, Canto X, estrofe 153)
Conforme descrito na estrofe de Camões que abre este artigo, o ideal seria sempre buscar o conhecimento militar por meio da coleta oportuna de ensinamentos práticos no campo de batalha. Em tempo de paz, na (grata) impossibilidade de realizar essa tarefa com as duras experiências bélicas reais, entre outras possibilidades, os pesquisadores na área militar não devem esquecer-se de outro campo fecundo de ensinamentos doutrinários: a história militar.
Neste ponto, é sempre bom destacar que grandes chefes militares, como Napoleão Bonaparte, sempre instigavam seus principais oficiais a ler, e reler, os grandes clássicos militares em busca da exata noção dos princípios imutáveis da guerra.
Luís de Camões – Fonte – httpswww.cnc.pt450-anos-da-publicacao-de-os-lusiadas
Assim sendo, um dos conflitos militares de grande valor para o estudo da Arte da Guerra, em um ambiente operacional dentro do Brasil, vêm sendo as chamadas “Guerra Brasílicas”, ocorridas entre 1624 e 1654. Nesse longo conflito, dentre outras, as batalhas dos Guararapes (abril de 1648 e fevereiro de 1649) vêm sendo destacadas por historiadores militares, brasileiros e portugueses, por sua grande importância para a vitória da Restauração de Portugal (1640-1668), após a conturbada União Ibérica (1580-1640).
Contudo, tais vitórias não foram concretizadas nem rápida nem facilmente, tendo demandado uma longa preparação por parte dos patriotas portugueses empenhados, pelo menos, desde 1645, na libertação do Nordeste do Brasil do jugo holandês.
O longo conflito entre as Províncias Unidas dos Países Baixos (Holanda), representadas pela Companhia das Índias Ocidentais, e Portugal, em terras brasileiras, uma verdadeira “Guerra dos 30 anos no Brasil”, teve suas origens remotas quando os portugueses, após o desastre militar ocorrido em Alcácer-Quibir (1578), acabaram caindo sob o jugo espanhol. A Espanha, após a União Ibérica, e então sob a dinastia dos Habsburgos, tornou-se um verdadeiro império global, com inimigos diversos, dentre eles a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos (1581-1795), entidade política hoje conhecida como Países Baixos, ou, mais simplesmente, a Holanda.
Filipe II de Espanha, Filipe I de Portugal em 1570 – Fonte -Philip_II_by_Alonso_Sánchez_Coello
Esta, em face da sua antiga inimizade com a Espanha, acabou por iniciar hostilidades com Portugal, agora submetida à Coroa de Espanha. Nessa lógica, em termos práticos, os portugueses, e seus vastos territórios ultramarinos, em especial o Brasil, ficaram proibidos de comerciar com os holandeses, antigos aliados e parceiros comerciais de longa data, o que lhes acarretou enormes prejuízos.
Dentre o vasto leque de parcerias comerciais frustradas pela união das coroas espanhola e portuguesa, destacou-se a da comercialização do açúcar de cana produzido por engenhos por todo o Brasil, com destaque para os da sua região Nordeste. Estes, por terem sido originalmente financiados pelo capital holandês, foram um exemplo do arranjo econômico mutuamente satisfatório que havia entre Portugal e Holanda – até 1594, ano em que os holandeses começam a cobiçar abertamente as riquezas do Brasil – em especial o açúcar e o pau-brasil (Simonsen, 2005).
Mapa ilustrado das antigas refeituras holandesas de Pernambuco e Itamaracá, durante a ocupação holandesa do Nordeste do Brasil (1630-1654). Ano de 1662. Fonte: Atlas of Mutual Heritage.
Não obstante, os holandeses, ao se verem privados dos lucros que tradicionalmente obtinham com sua antiga parceria açucareira, e às turras com os novos senhores de Portugal, planejaram uma série de ações hostis contra a zona açucareira do Brasil: inicialmente, sem sucesso, na Bahia e, com algum lapso, invadindo um setor, até então, menos defendido, a Capitania de Pernambuco (Daróz, 2010). Cabe mencionar que as ações hostis levadas a cabo, foram realizadas por um braço comercial das Províncias Unidas, chamado Companhia das Índias Ocidentais (WIC), criada na esteira de um empreendimento similar (a Companhia das Índias Orientais), que foi usado, com sucesso por comerciantes holandeses para incursões militares contra territórios hispano-portugueses no Oriente (Ilhas Molucas, Java e outras antigas possessões ibéricas).
É interessante também notar que, desde a primeira incursão holandesa (1624-1625), o ataque à praça-forte de Salvador, já haviam ocorrido menções a uma forte resistência aos invasores por meio de uso de táticas de fustigação (ataques inesperados, desgastantes e mortíferos) pelos habitantes locais (Varnhagen, 1872). Tal estado de coisas privou aos invasores a possibilidade de firmarem o domínio sobre a Zona do Recôncavo, ou seja, as áreas de produção de alimentos para a subsistência no entorno da então cidade-fortaleza e capital do Brasil seiscentista.
Enfraquecidos pela resistência montada pelos habitantes locais, as forças holandesas mantiveram posição enquanto puderam ser reabastecidos por via marítima, o que permaneceu inalterado, até que uma forte armada de naus portuguesas, espanholas e napolitanas, a comando de D. Fadrique de Toledo, proveniente da Europa, nos primeiros meses de 1625, iniciou um bloqueio total a Salvador, forçando os holandeses à rendição (Ibid.).
Bandeira da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ou Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais (em neerlandês: West-Indische Compagnie ou WIC)- Fonte – Wikipédia.
Apesar dessa derrota inicial, os holandeses não desistiram, e, financiados com recursos obtidos por meio de incursões corsárias contra os transportes de prata espanhóis na região do Caribe, logo voltaram a atacar. Em 1630, mais experimentada, e em maior número, a WIC tentou nova incursão, desta feita na já referida Capitania de Pernambuco. Para tal ofensiva, organizaram uma força militar com 54 navios de guerra, e entre 6.200 e 7.200 militares, com os quais desembarcaram, sem muita resistência inicial, na praia do Pau Amarelo (situada a cerca de 16 quilômetros ao norte de Olinda). Rapidamente, ocuparam Olinda e, posteriormente, o porto do Recife, mais ao sul (Freire, 1675 e Jesus, 1679).
Mais importante, sem perda de tempo, e, sem dúvida, tentando evitar o ime surgido na ocupação de Salvador, as forças holandesas ampliaram a sua área de ocupação para o interior, buscando: dominar a região dos engenhos de açúcar (a chamada Zona da Mata) e garantir fontes de abastecimento alimentar para suas posições litorâneas.
Apesar do sucesso inicial avassalador, a resistência ibérica se fez notar por meio de diversas ações do mestre de campo general (tenente-general) de Pernambuco, Mathias de Albuquerque, com destaque para o incêndio dos depósitos de açúcar do Recife. Além disso, conseguiu manter vívida a reação local ao invasor, sobretudo por meio das chamadas “companhias de emboscada” ou “companhias de assalto” (Barroso, 2019, p. 16).
Olinda na época dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – John Ogilby’s atlas America Being the Latest, and Most Accurate Description of the New World, London, 1671, p. 504
Como visto acima, essas pequenas unidades de guerra irregular tiveram sua origem imediata na defesa popular apresentada anteriormente em Salvador, sendo novamente ativadas por Mathias de Albuquerque no famoso Arraial Velho do Bom Jesus – cujas fundações estão hoje situadas nos arredores do Recife – e que mantém em suspenso a vitória completa dos holandeses (Vianna, 1948).
Tais companhias de emboscadas, durante cerca de cinco anos, em que pese suas limitações de efetivos e de meios, conseguiram manter o invasor em constante sobressalto, impedindo seu livre trânsito pelas estradas, atacando patrulhas, destacamentos e comboios inimigos, impedindo assim a pacificação do território (Freire, 1675).
Esses grupamentos de milicianos locais e portugueses, reforçados por indígenas e negros escravos (libertos ou não), utilizaram ao máximo táticas de guerrilhas ancestrais do Velho Mundo, mescladas com táticas de uso corrente pelos indígenas brasileiros. Aliaram, ainda, um elevado conhecimento do terreno, e do clima tropical, para maximizar o efeito de suas ações de interdição e atrito contra o invasor.
Recife no tempo dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – Rerum in Brasilia et alibi gestarum by Caspar Barlaeus
Mesmo assim, sem apoio da metrópole, e sitiado por forças holandesas superiores, o Arraial Velho, cercado, rendeu-se em 1635, tendo Mathias de Albuquerque escapado com parte significativa dos habitantes originais de Pernambuco (cerca de 7.000 pessoas) para a Capitania Real da Bahia. No caminho, cercaram e ocuparam o forte de Porto Calvo, tendo então capturado, julgado e executado Domingos Fernandes Calabar, responsável pela traição que gerou a derrocada portuguesa naquele ano.
Deste momento em diante, até 1645, os holandeses conseguiram um arranjo político e militar que lhes permitiu obter vários anos de estabilidade na região (governo de Maurício de Nassau). Com isso, inclusive e gradualmente, ampliaram seu controle territorial sobre a região nordeste brasileira, culminando com uma nova incursão a Salvador (1638) e a breve ocupação do Maranhão (1641 a 1643).
No ano de 1645, contudo, já com o domínio holandês politicamente bastante desgastado, um grupo de patriotas nascidos dentro e fora do antigo Estado do Brasil, em plena Guerra de Restauração entre Portugal e Espanha (travada entre 1640 e 1668), decidiram reacender a luta contra os invasores holandeses no nordeste brasileiro. Essa luta, acesa desde 1624, pelo menos, haveria de se arrastar por quase mais uma década, tendo demonstrado o elevado valor militar dos combatentes portugueses, nascidos, ou não, em Portugal.
Antônio Dias Cardoso, Cavaleiro da Ordem de Cristo,foi um dos principais líderes contra os holandeses, em detalhe do quadro de Victor Meirelles – Fonte – Wikipédia.
Contudo, mesmo com a Restauração de Portugal, efetivada em 1640, o Reino liberto tentou aos poucos retomar a autonomia que perdera por 60 anos. Na realidade, de imediato, não teve condições políticas, nem, especialmente, financeiras, de lutar abertamente por suas territorialidades perdidas enquanto sob jugo espanhol.
Mesmo assim, de forma velada, as autoridades portuguesas em Salvador buscaram manter vivo o espírito de resistência pernambucano, o que fizeram por meio do envio clandestino de recursos, suprimentos e homens de armas, como, por exemplo, um destacado militar chamado Antônio Dias Cardoso.
Segundo assentamentos existentes, o mestre de campo Antônio Dias Cardoso, Cavaleiro da Ordem de Cristo, teria nascido no Porto, por volta da virada do século XVII, filho de pais com origem fora da nobreza, tendo vindo jovem para o Brasil para tentar a sorte nas lides castrenses (Bento, 2013). Por relato de cartas-patentes de 1648 e 1656, existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (situado em Lisboa), temos que esse renomado militar português teria servido no Brasil, de forma contínua e sempre de armas na mão desde 1624.
Carta-patente de promoção a mestre de campo concedida por El Rei de Portugal em 4 de maio de 1656. Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Ao longo desse longo período, foi sendo sucessivamente promovido a alferes, ajudante, capitão, sargento mor e, finalmente, mestre de campo, sempre por meritórios serviços na guerra contra os holandeses. Nesse documento, há referências a seus destacados serviços, provavelmente, sob o comando de Matias de Albuquerque, “em varios asaltos, emboscadas e recontros que se lhe ofereçerão junto da villa de Olimda nas fortificações do Reçife e outras estançias adonde proçedeo com vallor conhecido” (sic) (Lisboa, 1648), e depois, sob João Fernandes Vieira e Francisco Barreto, quando “procedendo nellas (pelejas e batalhas) cô valor conhecido signalandosse nas mais das ditas ocasioens recebendo nellas feridas de que sua vida correo grande perigo e na aclamação da liberdade daquelas Capitanias […] que demais trabalhou” (Lisboa, 1656).
Por essa destacada folha de serviços, ainda servindo no Brasil, em dezembro de 1644, ou começo de 1645, foi designado pelo Governador do Brasil, então sediado em Salvador, para se infiltrar na Capitania de Pernambuco, “acompanhado por 60 homens escolhidos”, a fim de prover apoio militar, ainda que de forma velada, aos patriotas que então começavam a querer se insurgir contra o domínio holandês (Netscher, 1942, p. 223).
A partir dessa histórica infiltração, Antônio Dias Cardoso e seus homens começaram a instruir, nas matas que cercavam alguns engenhos na Zona da Mata pernambucana, o que pode ser considerado como o núcleo militar dos patriotas em armas para a libertação de Pernambuco e das demais capitanias subjugadas pelo invasor estrangeiro. Em paralelo, em meados de 1645, a paz relativa nas áreas ocupadas pelos holandeses, rapidamente caminhou para o conflito militar aberto.
João Fernandes Vieira – Fonte – Wikipédia.
O ponto inicial dessa conflagração começou justamente quando as forças patriotas, comandadas por João Fernandes Vieira (natural da ilha da Madeira) e pelo já referido sargento mor Antônio Dias Cardoso, conseguiram atrair um considerável contingente holandês para um combate nos termos desejados pelas forças locais. Tal atração se deu justamente pela constatação dos holandeses acerca da presença de uma força insurgente significativa, nos arredores do Recife, o que levou a uma ofensiva militar.
Em 3 de agosto de 1645, uma força holandesa com cerca de 1.500 holandeses e indígenas tapuias, comandados pelo coronel Hendrik van Haus, avançou sobre posições dos chamados “rebeldes” na região hoje conhecida por Monte das Tabocas, sendo surpreendidos pelo terreno (que desconheciam) e pelo número, ímpeto e audácia das milícias patriotas que realizaram seguidas emboscadas desmoralizantes sobre suas tropas (Jesus, 1679).
Esquema gráfico mostrando movimentos militares holandeses e as posições portuguesas anteriores ao confronto de 3 de agosto de 1645. Fonte: Google Earth, com esquemas esboçados pelo autor.
Segundo o historiador brasileiro, coronel Claudio Rosty, em Tabocas, dos cerca de 1.200 patriotas em presença, somente cerca de 200 teriam armamento de fogo, estando os demais “armados” de forma improvisada (flechas, piques com pontas tostadas, terçados e mesmo pedras) (Rosty, 2002). Por outro lado, aparentemente, os cerca de 700 holandeses, e mais outros tantos indígenas aliados, estavam muito mais bem armados e equipados, do que os patriotas, muito embora Nestscher alegue que essa tropa era a última unidade móvel, fora das fortificações, e carecesse de pagamentos e o mínimo suprimento bélico (inclusive munições) (Netscher, 1942).
Conforme o frei Rafael de Jesus, na época da batalha o Monte das Tabocas, situado a cerca de 40 quilômetros do centro do Recife, tinha uma configuração vegetal que lhe deu o nome: cheio de tabocas, ou seja, renques de bambu grossos, em linhas sucessivas, com agens limitadas para o prosseguimento rumo ao topo (Jesus, 1679). A primeira linha de tabocas então distaria cerca de 1.000 metros do curso do rio Tapacurá, após uma campina, e, segundo Santiago, acompanharia a trilha em aclive para o alto do monte (Santiago, 1984).
Vista recente do Rio Tapacurá, a montante do local de travessia holandês, onde hoje existe um pequeno açude. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão.
ado este primeiro tabocal, depois de um descampado de menor extensão, haveria um segundo renque que ascendia quase ao topo do monte. Por sinal, o cimo, à época estava com densa cobertura de árvores e, em sua orla, mais um renque dos já citados tabocais (Jesus, 1679).
No caminho para a presa, que julgavam certa, os holandeses avançaram meio que temerariamente, tendo, ao cruzar o rio caudaloso, provavelmente diminuído consideravelmente (por ação da umidade) sua pretensa superioridade de fogos. Além disso, com fardas e apetrechos molhados, o solo úmido e barrento (pesado), deve ter atritado bastante a necessária coesão das linhas batavas.
Tanto Santiago como Jesus apontaram que os patriotas fizeram uma emboscada inicial na transposição do curso d´água, o que só tornou mais instintiva a reação dos holandeses ao que se mostrou ser uma isca para as emboscadas principais que transcorreram mais adiante (Santiago, 1984).
Primeiras emboscadas da Batalha do Monte das Tabocas. Ilustração de Alcebíades Miranda Júnior. Fonte: História do Exército Brasileiro, Estado-Maior do Exército Brasileiro, 1ª edição, 1972.
Com isso, após o rio, e depois de um provável dificultoso avanço pela campina barrenta, quase na primeira linha de tabocas, os atacantes foram acometidos por sucessivas emboscadas, de variados pontos (provavelmente por uma mescla de fogos, flechas e mesmo pedras). Tendo então reduzida a capacidade de fogos, após uma provável pausa para reajuste de seus dispositivos, os homens de Van Haus avançaram pelas poucas agens disponíveis na primeira linha de tabocais, rumo ao segundo descampado, já diante de aclive considerável.
Esquema da Batalha do dia 3 de agosto de 1645, no Monte das Tabocas, onde se destaca: o avanço holandês (vermelho), as emboscadas portuguesas e o contra-ataque de João Fernades Vieira (azul). No canto superior direito, detalhe com a visão do monte a partir do leste. Fonte: Google Earth, com esquemas esboçados pelo autor.
A partir daí, os holandeses sofreram novas emboscadas de desarticulação, persistindo na subida monte acima, com suas linhas bastante desarticuladas, quando então foram contra-atacados pelos defensores, provenientes do alto do monte. Estes se lançaram num decidido combate corpo-a-corpo com a tropa holandesa, já desequilibrada, que acabou por recuar.
É narrado que o destemido coronel Van Haus repetiu por mais três vezes o assalto inicial. Na quarta, e última, tentativa, já no lusco-fusco (e tendo sido o tempo inteiro fustigado por novas emboscadas), mesmo assim, quase tomou o cume. Contudo, nessa altura, a tropa estrangeira, com o moral abalado por insucessos contínuos ao longo da jornada, se desmoralizou, e começou a abandonar o campo de batalha, cruzando de volta o rio para longe dos resolutos defensores (Daróz, 2016).
Quando a noite caiu, os defensores mantiveram, e melhoraram, suas posições no campo de batalha, se preparando para os eventuais novos ataques que poderiam vir no dia seguinte. Nesse ponto, João Fernandes Vieira, mandou patrulhas percorrerem os arredores de onde transcorrera o centro da batalha, tendo os portugueses “achado 50 olandeses, que davão guarda a mais de quatrocentos feridos, que desmayados pella falta de sangue, & pello trabalho da marcha, não poderão ar avante na conserva dos seus” (Jesus, 1679, p. 305-306).
Com o raiar do dia e com a confirmação do abandono do campo pelos holandeses, ficou patente a vitória dos locais (Ibid.), com o que, com o sucesso confirmado, os patriotas, senhores do campo de batalha, capturaram grandes quantidades de mosquetes, arcabuzes, espadas, outros armamentos e, sobretudo, pólvoras e munições (Daróz, 2016).
A partir deste e de outros reveses inesperados (com destaque para o combate da Casa Forte de Rita Gomes), e até as batalhas dos Guararapes, os holandeses praticamente deixaram de atuar no interior do Nordeste brasileiro, tendo ficado s a algumas cidades e fortes litorâneos, com destaque para as localidades de Olinda, Recife e Itamaracá.
Após as batalhas dos Guararapes, entre 1649 e 1654, as forças patriotas sitiaram o centro de gravidade político holandês na região, ou seja, o binômio Olinda-Recife, sufocando essas de serem reabastecidas de víveres e outros insumos, salvo pelo mar.
Desse modo, surgiu um ime, pois graças à hegemonia naval holandesa no mesmo período e sem artilharia de sítio (pesada), não havia como as forças patriotas, sem armamentos e equipamentos adequados, investirem essas cidades fortificadas. Segundo Castro (2022), isso perdurou até que uma frota portuguesa conseguiu cortar as comunicações holandesas, levando à rendição do esquema defensivo montado pela Companhia das Índias Ocidentais, na Campina do Taborda, em 1654.
Vista aérea recente, de norte para sul, do cume do Monte das Tabocas. Fonte: Imagem aérea de Djalma Andrade.
Voltando ao Monte das Tabocas, no que tange às inovações táticas apresentadas pelos patriotas no episódio, pode-se dizer que elas surgiram tanto das circunstâncias (exército de patriotas sem recursos) quanto da natureza do ambiente operacional (clima quente, úmido e coberto de florestas, campinas e zonas alagadiças) que os envolvia. Além disso, aquele núcleo inicial de combatentes aproveitou o melhor conhecimento geográfico e a maior resistência de seus integrantes a um clima tropical do que seu inimigo europeu, apesar do apoio prestado por índios tapuias e potiguaras ao holandês.
Vista aérea do Monte das Tabocas, com a seta indicando a direção do ataque principal holandês, sobre a várzea do Rio Tapacurá, em 3 de agosto de 1645. Fonte: Imagem aérea de Djalma Andrade.
Enquanto os holandeses, mais por hábito do que por adestramento, combatiam, quase que atavicamente emassados no seu típico batalhão seiscentista, os luso-brasileiros, até por conta da carência de armamentos de ponta, foram forçados a combater em ordem aberta. Era observação comum pelos holandeses que a tática patriota era romper os “quadrados” holandeses e, a partir daí, partir para a luta corpo-a-corpo na qual a tropa local tinha grande vantagem, até mesmo pelo pouco equipamento em face das agruras do clima (Rosty, 2002).
Outra observação holandesa reveladora é que a artilharia holandesa quase sempre era inútil nas refregas, em menor ou maior escala (tornado-se assim um estorvo), haja visto que as peças visavam molestar linhas de soldados em ordem cerrada, coisa que raramente viam os patriotas perfazer em campo aberto (Netscher, 1942).
Mais uma vez é razoável presumir que tal superioridade organizacional, em que pese a penúria dos patriotas, possa ter prestado um desserviço ao invasor, ao menos naquele momento. Senão vejamos: segundo Jesus (1679), o tempo na época da batalha estava muito instável e chuvoso, com o que o caudal do rio Tapacurá, normalmente vadeável, estava bastante forte e elevado. Segundo consta, a tropa holandesa provinha da vila de São Lourenço, distante pelo menos 20 quilômetros à nordeste do Monte das Tabocas, tendo avançado, decididamente, para esmagar os patriotas, cujas posições estimavam estar no chamado Engenho do Covas. Não os encontrando ali, foram atraídos para a nova posição, distante cerca de 15 km mais adiante (Jesus, 1679).
Vista recente da várzea entre o Rio Tapacurá e o sopé do Monte das Tabocas, palco principal dos combates de 03 de agosto de 1645. Fonte: Foto de Jones Pinheiro
Dos variados relatos dessa batalha, podemos destacar alguns princípios da guerra ali utilizados que, com ligeiras variações, também estarão presentes, igualmente, nas 1ª e 2ª batalhas dos Guararapes, como por exemplo: surpresa, ofensiva, segurança e unidade de comando. Além disso, os patriotas empregaram um judicioso uso do terreno (para forçar o combate), agressividade nas ações ofensivas, amplo emprego de operações de inteligência e psicológicas, exploração das agruras do clima local, sem esquecer a notável ação de comando e capacidade de liderança evidenciadas pelos comandantes, em todos os níveis (Rosty, 2002).
Em face do acima exposto, de forma bem resumida, cabendo até maiores aprofundamentos, é lícito dizer que foi no Monte das Tabocas o ponto de partida para o processo que culminou nas chamadas batalhas dos Guararapes (já no contexto do comando militar vitorioso de Francisco Barreto de Menezes, o Conde do Rio Grande).
É certo que a formação dessa força militar efetiva, cujo cerne surgiu no Monte das Tabocas, baseou-se em um longo processo de aclimatação local de uma estratégia tão antiga como a guerra: a aproximação indireta. Esta, como bem é sabido da história militar, quase sempre foi o padrão histórico de resposta a agressores externos com grande capacidade militar frente a defensores menos preparados.
Vista da capela de Nossa Senhora de Nazaré, erguida nos anos 1960, conforme desejo nunca realizado de João Fernandes Vieira, líder da Insurreição Pernambucana (1645-1654). Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão.
Logo, nos Guararapes consolidou-se uma doutrina autóctone, que traduziu para a geografia o clima e a personalidade dos locais, os grandes avanços doutrinários da chamada Guerra dos 30 Anos, na Europa. Por outro lado, podemos dizer que nas Tabocas, por sua vez, é que teria surgido o primeiro esboço dessa futura reação militar.
É que, como vimos, foi lá que o grande artífice do chamado “Exército Libertador”, o mestre de campo Antônio Dias Cardoso, testemunhou suas tropas improvisadas aplicarem, vitoriosamente, as técnicas de emboscada, guerrilha e “de matar”, que treinaram por meses, sob toda a sorte de dificuldades, homiziados contra a repressão holandesa nas chamadas matas do “pau brasil” (Bento, 2018).
Nessas verdadeiras oficinas doutrinárias naturais, Dias Cardoso trouxe para o aprendizado inicial das táticas, técnicas e procedimentos necessários para a vitória: capatazes, ferreiros, mascates, comerciantes, escravos libertos, índios, além de um bom número de milicianos portugueses.
Tal núcleo de insurgentes, aliás, que foi fundamental para a vitória no Monte das Tabocas, é considerado, igualmente, hoje em dia, pelos historiadores militares brasileiros, como “a célula mater do Exército Brasileiro, no solo hoje defendido pelo moderno Comando Militar do Nordeste” (Bento, 2013).
Hoje, ados quase quatro séculos daquelas históricas jornadas militares, o Exército Brasileiro, além de outros vultos históricos daquele período, vem buscando homenagear o heroísmo, a coragem, a abnegação e o conhecimento profissional, demonstrados pelo mestre de campo Antônio Dias Cardoso. Isto vem sendo executado por modos diversos, mas inclusive pela atribuição do nome, e da memória, desse personagem histórico como patrono do 1º Batalhão de Forças Especiais – “Batalhão Antônio Dias Cardoso” –, atualmente sediado em Goiânia, capital do estado brasileiro de Goiás.
BIBLIOGRAFIA
BARROSO, Gustavo. História Militar do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2019.
BENTO, Cláudio Moreira. As Batalhas dos Guararapes: Descrição e Análise Militar, 3ª edição. Barra Mansa: Gráfica e Editora Irmãos Drumond, 2018.
BENTO, Cláudio Moreira. Brasil – Pensadores Militares Terrestres (1631-1990), 1ª edição. Barra Mansa: Gráfica Drummond, 2019.
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Fortificações e defesa do litoral e das fronteiras terrestres. In TEIXEIRA. Francisco Carlos (Org) et al. Dicionário de História Militar do Brasil (1822-2022), v. 2, 2022.
DARÓZ, Carlos. A Guerra do Açúcar: as invasões holandesas no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2016.
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitania: Historia da Guerra Brasilica. Lisboa: Officina de Joaom Galram. 1675. 600p. Disponível em https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4715. o em 10 jun. 2023.
JESUS, Frei Rafael de Jesus. Castrioto Lusitano: entrepresa e restauracao de Pernambuco & Capitanías confinantes…acontecidos pello discurso de vinte quatro anos, e tirados de noticias, relações e memorias certas. Lisboa: Impressão de Antonio Craesbeck, 1679.
LISBOA. ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO. António Dias Cardoso: Alvará de Lembrança de Offício. Livro 19. Folha 329f. Chancelaria Real Rei Dom João IV. Novembro de 1648.
LISBOA. ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO. António Dias Cardoso: Carta de Mestre de Campo em Pernambuco. Livro 23. Folha 112f. Chancelaria Real Rei Dom João IV. Maio de 1656.
NETSCHER, P.M. Os holandeses no Brasil: notícia histórica dos Países-Baixos e do Brasil no século XVII. Tradução de Mario Sette. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942.
PAIS, Amelia Pinto (Org). Os Lusíadas de Luís de Camões. Porto: Areal Editores, 2017. Edição Escolar.
ROSTY, Claudio Skora. Invasões Holandesas (Insurreição Pernambucana): a Batalha do Monte das Tabocas. O início do fim. Brasília: EGGCF, 2002.
SANTIAGO, Diogo Lopes. História da guerra de Pernambuco e feitos memoráveis do Mestre de Campo João Fernandes Vieira (1654). Recife: Fundarpe, 1984.
VARNHAGEN. Francisco Adolpho. Historia das lutas com os hollandezes no Brazil: desde 1624 a 1654. Lisboa: Typographia de Castro Irmão. 1872. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/518737. o em 06 jun. 2023.
VIANNA, Helio. Estudos de História Colonial. São Paulo: Companhia Editora Nacional,1948.
*Hermes Leôneo Menna Barreto Laranja Gonçalves é coronel de Engenharia do Exército Brasileiro. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras, cursou a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, onde concluiu o Curso de Comando e Estado-Maior, e, em paralelo, o Mestrado Acadêmico em Ciências Militares, este pelo Instituto Meira Mattos. Atuou como Oficial de Ligação para Assuntos Culturais e Doutrinários junto ao Exército Português entre julho de 2022 e junho de 2024. Atualmente exerce o cargo de chefe do Gabinete da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército.
Jayme da Nóbrega Santa Rosa – ACARI – FUNDAÇÃO HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO, Editora Pongetti, Rio de Janeiro, 1974, Capítulo VI, Páginas 38 a 44.
Um dos novos donos de fazenda no Acari era o Sargento-mor[1] Manuel Esteves de Andrade, que se transportou da Paraíba. Foi residir na sua fazenda do Saco. Chegou solteiro, como tantos outros.
Frequentemente mandava chamar, para residir com ele no Seridó, sua mãe, que era baiana, muito católica, e temerosa não o acompanhara. Esta respondia que, enquanto não houvesse nas proximidades da fazenda uma igreja para o culto, não poderia atender ao chamado.
Então, o filho deliberou construir uma capela. Para isso, encaminhou, em 1736, a dom José Fialho, bispo de Pernambuco, em Olinda, uma petição, com a necessária justificativa. Eis o traslado da petição e provisa (respeitada a ortografia):
Sobre esse antigo templo religiosos, Luís da Câmara Cascudo escreveu o seguinte texto em uma ACTA DIURNA de 1943 – “Quando saí, descendo a escadinha e alcancei a praça, luminosa, no dia tropical, saudei a capelinha silenciosa. Ali começara o Seridó”.Foto – Rostand Medeiros.
“Illustrissimo senhor. Dis o Sargento Mor Manuel Esteves de Andrade morador no districto do curato de Piancó que elle pertende erigir hua capella com a invocação de N. S. da Guia, no lugar xamado Acari districto do dito curato, para o fim de sua alma e dos mais moradores circunvisinhos, por ficarem distantes de sua Matris oito dias de viagem, para cujo fim tem junto muita pedra, lhe fez a escritura do patrimonio que apresenta em meia legoa de terra que rende todos os annos de arendamento – deis mil reis, os quais aplica p.ª os paramentos, reparação, fabrica da dita capela por tanto pide a vossa Illustrissima lhe faça mercê atendendo ao muito serviço de Deos que se seguirá coma ereção desta capela conceder-lhe licença para apuder erigir, estando de todo acabada, e ornada com, os paramentos necessarios o seu Reverendo Parocho a possa benzer e nella celebrarem-se os divinos officios, e já os moradores daquelle lugar alcansarão licença que apresentão para apuderem erigir por ter sido vossa Illustrissima informado do Reverendo Parocho ser util, em numerario, e receberá mercê. Para provisão para se erigir a capella na forma do estilo. Olinda onse de Novembro de mil sete centos, e trinta, e sete estava a firma do Illustrissimo Senhor Bispo. Dom José Fialho por mercê de Deos, e da Sancta e Apostolica Bispo de Pernambuco, e do concelho de sua Magestade, que Deos o goarde e d.ª pela presente concedemos licença ao Sargento Mor Manoel Esteves de Andrade, para que possa erigir a capela de N. S. da Guia no lugar xamado Acari do curato de Piancó erecta na forma da nossa constituição dada em Olinda sub nosso signal, e sello aos dose dias do mês de Novembro de mil sete centos trinta, e sete, eu Miguel Alvares Lima escrivão da Camera Episcopal o escrevi estava a firma do Illustrissimo Senhor Bispo sello valla sem sello ex causa seis mil tresentos, e vinte. Monteiro Registada a folhas cento, e setenta, e nove no Livro trese do Registro Olinda dose de Novembro de mil sete centos trinta, e sete”… etc. etc.[2]
Fonte – httpsblogger.googlecontent.com
Como se vê, o bispo de Pernambuco despachou desta forma:
“pela presente concedemos licença ao Sargento Mor Manoel Esteves de Andrade, para que possa erigir a capela de N. S. da Guia no lugar xamado Acari do curato de Piancó erecta na forma da nossa constituição”.
Construída a capela numa pequena esplanada em nível superior ao povoado, com a frente para o norte e a parte posterior para o casario pobre, voltou o Sargento-mor à presença da autoridade eclesiástica para solicitar o documento que autorizasse a bênção do templo e a realização dos ofícios religiosos.
“Diz o Sargento Mor Manoel Esteves de Andrade morador no certão do Acari freguesia do Piancó donde elle Sup. tem erecto hua capela invocação N. S. da Guia com provisão de vossa Illustrissima, para effeito de se benser por estar acabada, e ter os paramentos necessários So lhe falta provisão pide a vossa Illustrissima seja servido mandar provisão para se benser a dita capela estando na. forma da constituição pelo seu Reverendo Parocho, ou sacerdote de sua licença pelos longes do dito lugar e se puder diser nella missa, e os mais divinos officios, e receberá mercê”.
Fonte – Livro “Cartas dos Sertões do Seridó”, de Paulo Bezerra, pág.83.
Atendeu o bispo em 14 de abril de 1738 com o despacho:
“e provisão para se benser a capela na forma que se pede tendo ela os requisitos necessarios”.
Tudo legalizado, logo começou a funcionar o templo.
Cuidou o Sargento-mor de levantar ao lado esquerdo da capela, separada por um beco para trânsito de cavaleiros e pessoas a pé, uma casa de alvenaria com boas acomodações destinada a residência do pároco e sacristão, bem como a hospedagem de padres e visitadores em missão eclesiástica.
Esta casa — que se pode considerar a primeira residência da nova povoação do Acari — era acaçapada e suficientemente larga. Resistiu até 1908. Por essa época, na parte antes destinada à residência do sacristão, morava uma figura popular da cidade, a Joana Nunes, de meia idade, gorda, baixa, sempre de chapéu de massa[3] à cabeça. Morava também Paula, que fora protegida do padre Tomás (falecido em 1893), com sua filha Lourença.,.
Foi demolida a casa para em seu lugar se construir o então moderno Grupo Escolar Tomás de Araújo, prédio -atualmente ocupado pela Prefeitura Municipal.
Fonte – Livro “Cartas dos Sertões do Seridó”, de Paulo Bezerra, pág.83.
Acentua que não é fácil distinguir quais, entre tantos, eram os vigários e os substitutos, tal a ocorrência deles. Depois de organizar uma lista de padres no século XVIII, conclui: “além desses vigários, curas e capelães, os arquivos paroquiais do Seridó registram os nomes de muitos outros sacerdotes que por aqui apareciam, batizando, casando e sepultando, devidamente autorizados”.
Havia muitos padres no Seridó do ado para atender aos serviços religiosos da capela do Acari. Dom José Adelino Dantas, nascido no município de Acari e que foi bispo de Caicó, paciente investigador de documentos. em. cartórios e irmandades, diz em seu. livro “Homens e Fatos do Seridó Antigo” que na vanguarda de batedores de sertões apareceram muitos reverendos. Inúmeros requereram datas de terra, outros se tornaram. grandes proprietários de terras e prósperos fazendeiros.
Da abundância de padres nos sertões — homens dotados de instrução superior — resultou que se difundissem as letras e aparecessem tantos homens cultos em relação ao meio e à época.
Segundo o primo Sérgio Enilton da Silva, historiador e grande pesquisador da História de Acari, esta é uma das casas existentes na propriedade Saco dos Pereiras. Ainda segundo Sérgio, aparentemente essa casa poderia ser a morada de um vaqueiro conhecido como Manuel Vermelho – Fonte – Facebook
Outras casas — poucas, bem verdade — foram-se construindo em seguida à residência dos padres na direção do poente, bem como no alinhamento da capela no rumo da nascente. Essas construções que surgiam aqui e acolá eram de tijolo e telha, amplas, de duas águas, compostas em geral de sala de frente, quartos sem janela, sala de refeições perto da cozinha, despensa, e um quintal nos fundos, com quartos para serviçais e secreta ou comua[4], cercado por muro alto. Mobiliário: na sala da frente, sofá e cadeiras; na sala de refeições, mesa e bancos; nos quartos, arcas, baús e redes de dormir; na dispensa, jirau.
De propriedade dos fazendeiros mais prósperos essas casas não serviam de habitação normal; abriam-se nos dias de missa, de feira, de festas religiosas ou de casamento na família. Representavam uma espécie de luxo, uma demonstração discreta de vitalidade econômica.
Por haver erguido a capela e tomado as medidas complementares, considera-se como fundador do Acari o Sargento-mor Manuel Esteves de Andrade. Os documentos escritos e a tradição oral só se ocupam dele em relação à capela. Não se contam histórias de sua vida de fazendeiro, não se fala de sua atuação nos assuntos regionais.
Não se sabe se ele voltou à Paraíba ou se foi para algum outro ponto do litoral, ou para algum lugar no sertão, ou ainda se permaneceu tão isolado no Saco que somente as pessoas a ele mais chegadas lhe conheciam a vida particular. De outra parte, não se tem conhecimento se sua mãe veio para o Acari, ou se veio e voltou logo.
Fonte – httpsblogger.googlecontent.com
Com o fim de obter mais algumas informações a respeito do Fundador, que tenham veracidade, resolveu o autor empreender uma pesquisa de campo no próprio lugar onde ele viveu há mais de 230 anos, o Saco dos Pereiras. Para isso, saiu do Acari às 6 horas de 4 de outubro de 1972, em automóvel, na companhia de Edmundo Gomes da Silva, bom conhecedor de pessoas e fatos do Seridó antigo, descendente do Capitão-mor Francisco Gomes da Silva, e na companhia do “Brigadeiro”, primo e dono do carro, jovem descendente do Capitão-mor Galvão, para entrevistar moradores da localidade.
Da análise das informações preliminares, foram escolhidas quatro pessoas para ser entrevistadas. Os dados colhidos, devidamente criticados, permitem as seguintes conclusões:
Manuel Esteves de Andrade pretendia inicialmente erguer a capela no Saco dos Pereiras, numa pequena área plana, a uns 200-250 metros da sede da velha, Fazenda do Saco, onde morou José Sancho[5], no pátio da qual tanto gado se derrubou, e onde hoje reside Júlio Gomes de Araújo. No exíguo planalto encontra-se a casinha de Orestes Pereira, pai de Francisca Elita. Nesse sítio viveram os Nunes, oleiros e louceiros que abasteceram o Acari e várias casas de fazendas com telhas, ladrilhos, jarras, potes, alguidares, as, etc. Muito antes de se tornarem famosas as peças do artesanato de Caruaru, já os Nunes faziam bonecos de barro e muitas outras figurinhas, como bois, cavalos, vaqueiros. Em virtude da pouca capacidade do riacho do Saco para suprir água a uma futura povoação, Manuel Esteves desistiu do plano inicial e FER o aglomerado junto ao poço dos acaris.
Manuel Esteves de Andrade não deixou descendentes. Mas seus parentes, que com ele viveram no Saco, deixaram. Uma pessoa da família do Fundador muito conhecida foi Chiquinha Viúva, que faleceu por volta de 1947, com mais de 90 anos de idade. Era mãe de Sebastião da Viúva, famoso vaqueiro de José Sancho. Francisca, Elita, moça bastante morena, muito simples, moradora no lugar, é bisneta de Chiquinha. Cuida de Agostinho Pereira, que se transferiu do Brejo do Cruz com o pai, Sebastião Cassiano Pereira, em 1899, e conheceu de perto Chiquinha, a qual era comadre, isto é, parteira.
Manuel Esteves de Andrade, depois de erigir no Acari a capela e a residência destinada aos padres, levantou a sua casa da rua, no ponto, a noroeste do templo, onde depois Félix Pereira de Araújo (Félix Maranganha) construiu a sua própria. Era pequena à casa do Fundador e junto dela havia um curral de vacas. Esta informação reveste-se de lógica. Em primeiro lugar, as casas tinham então reduzidas dimensões. Em segundo, se Manuel Esteves construiu capela, casa de padres e doou terras para o patrimônio paroquial, de certo frequentaria o Acari para assistir aos ofícios religiosos, necessitando de um pouso para estacionar e de um curral para prender seu animal de sela. Se o curral era de vacas, de duas uma: ou na casa moravam pessoas de sua escolha, talvez parentes, que precisariam de leite; ou o fazendeiro levaria vacas quando tivesse que ar dias no povoado. Foram valiosas e esclarecidas as informações de Júlio Gomes de Araújo, filho de Pacífico Gomes da Silva (Cicio Gomes) e neto de Manuel Gomes da Silva, que foi chefe local do Partido Conservador no Segundo Reinado. Esclarecedoras se mostraram também as notícias dadas por Joaquim Silvério Dantas. E aqui acaba a pesquisa de campo.
Na cidade do Acari mora um membro da família de Manuel Esteves de Andrade. Trata-se de Neônio Manuel dos Santos, agente fiscal da Prefeitura Municipal. Ele descende de Chicão, sobrinho do Fundador..
Foto – Rostand Medeiros.
Chicão (Francisco Pereira da Silva) foi pai de Manuel Pereira da Cruz, que no Saco requereu data de terra; deste proveio Sebastiana, que casou com João Manuel da Silva; do casal nasceu Manuel José Maria; do casamento deste procede Antônio Manuel dos Santos; este marinheiro (corado, de olhos azuis) casou com moça da família Nunes, morena, e foram os genitores de Neônio.
Por coincidência, Neônio trabalha hoje no local preciso em que seu parente longínquo construiu a primeira casa do novo Acari, que se afastou discretamente dos casebres da beira do rio.
NOTAS ORIGINAIS DESSE CAPÍTULO
[1]Sargento-mor. Posto equivalente ao de Major, atual mente. Era em parte honorífico.
[2]Petições e provisões. De acordo com registro no “Livro do Tombo”, sob guarda da Irmandade de Nossa Senhora da Guia, em Acari, para o qual se aram petições e provisões que se achavam lançadas no “Livro velho”.
[3]Chapéu de massa. O mesmo que chapéu de feltro, isto é, de estofo de lã ou de pelos devidamente processado.
[4]Secreta ou comua. Expressões que correspondem a privada, latrina.
[5] José Sancho. Figura singular de fazendeiro. De temperamento crítico, irônico. Organizado, de espírito criador, providenciava o lugar certo para ferramentas, utensílios e gêneros alimentícios. Alto, magro, corado, rosto raspado, conversador mordaz, não frequentava a sociedade local; seu mundo era o Saco dos Pereiras. Ali morou desde que casou: primeiramente na antiga sede da Fazenda; depois na casa das Pinturas, com porão, bem ampla, das melhores de todo o Seridó, feita a capricho, com muitos cômodos, inclusive uma Sala dos Vaqueiros e um Salão de Fazer Queijo com grandes giraus para armazenamento. A Fazenda do Saco veio-lhe às mãos procedente do Padre Modesto, antigo proprietário. i José Sancho era filho de Félix, dos Garrotes, e irmão de Francisco Raimundo, Joaquim da Virgem e Félix Maranganha. Cortava e cosia seus próprios ternos de brim encorpado, seguindo moldes de perneira e gibão de couro. Possuía um burro de sela muito grande, habilidoso, que subia escada e entrava de casa a dentro, com mancha branca na testa, ao qual chamava Dr. Estrela, para zombar da mania de doutores.
Próximo à Cidade de Riachuelo, no Alto da Serra Azul, Existe um Antigo Marco Topográfico, Aparentemente o Último do Seu Tipo Ainda Existente no seu Ponto Original, Que Foi Colocado Pelo Exército Brasileiro Durante a Segunda Guerra Mundial e Foi Utilizado Como Instrumento Para a Defesa do Nosso Litoral.
Nos últimos meses de 2018, através das indicações existentes em um livro sobre a vida e a obra do escritor e pesquisador potiguar Oswaldo Lamartine, junto com os dados encontrados em um documento originalmente produzido em 1944 pela US Navy (Marinha dos Estados Unidos), me desloquei ao município de Riachuelo, no Agreste Potiguar, para pesquisar sobre um acidente com uma aeronave de combate.
Rostand Medeiros, José Lourenço e Aírton Freitas, Secretário de istração de Riachuelo e grande batalhador pela história de sua comunidade. Foto realizada em 2018 quando realizamos a pesquisa do desastre do Catalina em 1944 – Foto: José Correia Torres Neto.
Nesta cidade, distante 80 quilômetros de Natal, encontrei uma interessante história sobre a queda de um hidroavião bimotor Consolidated PBY-5A Catalina no dia 10 de maio de 1944. Encontrei também testemunhas extremamente interessadas em ajudar, tendo conseguido acumular muitas informações e elementos ligados a esse episódio.
Livro Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte.
Os resultados da nossa pesquisa foram extremamente promissores, gerando inclusive um dos capítulos do meu livro Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte (2019), além de um interessante contato com a Embaixada dos Estados Unidos, conforme os leitores podem saber mais ando os links abaixo…
Durante esses trabalhos conheci o professor Airton Freitas de Macedo, que na época era Secretário de istração da Prefeitura Municipal de Riachuelo e muito ajudou em nossas pesquisas e nos desdobramentos que ocorreram junto ao pessoal da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e do consulado desse país sediado em Recife.
Registro quando ocorreu a visita dos membros do Consulado dos Estados Unidos de Recife a cidade de Riachuelo em maio de 2019. Da esquerda para a direita vemos os Srs. Stuart Alan Beechler e Daniel A. Stewart , do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife, seguido de Rostand Medeiros , escrito e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e o Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria. Foto: Charles Franklin de Freitas Gois.
Em nossas visitas e entrevistas, Ailton me falou sobre a existência de uma espécie de “marco” que havia sido colocado próximo a Riachuelo, no alto de uma elevação chamada Serra Azul, às margens da BR-304, a mesma estrada que liga Natal a Mossoró. Ailton me informou que a colocação desse marco ocorreu na época da Segunda Guerra e foram militares do Exército Brasileiro os responsáveis pela colocação. Apesar de ter sido convidado por Airton para visitar esse marco, essa visita não pôde ser concretizada naquela época.
Na hora que eu soube dessa informação, acreditei que essa verdadeira relíquia tinha ligação com um marco topográfico colocado pelo Exército no alto do Morro do Navio, ou Morro Vermelho, perto da localidade de Pium, município de Nísia Floresta, próximo ao litoral potiguar e a cerca de 25 quilômetros de distância do centro de Natal.
O autor desse texto e o falecido jornalista Luiz Gonzaga Cortez, realizando medições no marco do Morro do Navio em 2013.
Eu estive neste local em 2013 e vi esse marco de concreto junto com o falecido jornalista Luiz Gonzaga Cortez. Na sequência escrevi em nosso blog TOK DE HISTÓRIA um texto sobre essa visita e sobre o vandalismo que esse objeto sofria na época [1].
Esse marco no Morro do Navio possuía um orifício na ponta, tinha em torno de 1,50 m, sendo 40 centímetros só na base. Em uma de suas laterais encontramos as inscrições “1942”, “S.G.H.E.” e “45”. Na época eu acreditei que esse marco estava relacionado a alguma missão militar realizada na década de 1940, provavelmente destinado a utilização na área de levantamento cartográfico do Serviço Geográfico do Exército (SGEx).
O marco do Morro do Navio totalmente desenterrado.
Em 2013 eu busquei ajuda com um amigo historiador sobre a possível origem desse marco do Morro do Navio e, segundo ele, a hipótese mais correta era que este material estava ligado a missão de um grupo de cartógrafos/topógrafos militares, que realizaram o levantamento do litoral nordestino, mediante a necessidade de operações de guerra que iriam se desenvolver em nossa região. Para cumprir tal missão foi organizado o Destacamento Especial do Nordeste (DEN), chefiado pelo então Tenente-coronel Djalma Poly Coelho, contando com um número superior a trinta oficiais engenheiros e sargentos topógrafos.
Apesar do desejo em ajudar, essas eram as informações básicas que esse amigo historiador me ou sobre esse marco.
PARA DETALHES SOBRE A HISTÓRIA DO MARCO DO MORRO DO NAVIO, EM PIUM, MUNICÍPIO DE NÍSIA FLORESTA, CLIQUE NO LINK ABAIXO.
Em setembro de 2022 eu recebi um e-mail do Capitão Othon Amorim Barbosa, então Chefe da Seção de Comunicação Social do 3º Centro de Geoinformação (3º CGEO), também conhecido como “Centro de Geoinformação General Poly Coelho”, sediado em Olinda, Pernambuco.
Serra Azul, no município de Riachuelo.
Logo mantivemos um proveitoso contato telefônico, onde o Capitão Othon me relatou ter encontrado na internet o nosso texto sobre o marco do Morro do Navio. Ele então me transmitiu alguns detalhes interessantes sobre a história do 3° CGEO e do trabalho do Tenente-coronel Djalma Poly Coelho no início da década de 1940 no Nordeste brasileiro. Em meio ao nosso interessante diálogo, lhe relatei sobre a existência de um marco no município de Riachuelo, que poderia ter relação com a história do trabalho do Serviço Geográfico do Exército em nossa região.
Detalhe da Serra Azul.
A nossa conversa então tomou outro rumo, onde o Capitão Othon se mostrou interessado em enviar um militar do 3° CGEO até a região para visitar a Serra Azul e fotografar o marco ali existente.
Logo entrei em contato com o amigo Ailton Freitas em Riachuelo, que se colocou à inteira disposição para a realização dessa visita e prometeu ajudar no que fosse possível.
ando na sede da propriedade a caminho do alto da serra.
Em um sábado, 8 de outubro de 2022, eu segui para Riachuelo com o Subtenente Severino Alves Neto, um profissional de alto gabarito, pessoa de primeiríssima qualidade, que me transmitiu muitas e interessantes informações sobre o trabalho da atual Diretoria de Serviço Geográfico do Exército (DSG), sucessora do Serviço Geográfico do Exército. De forma muito tranquila o Subtenente Alves Neto delineou a atuação das unidades militares vinculadas a essa diretoria e a atuação desse ramo do Exército Brasileiro em todo território nacional.
Trilha para o alto da serra no meio da mata.
Confesso que nada sabia da atuação da DSG, da importância prática do seu atual trabalho para os diversos níveis da máquina estatal, do nível de desenvolvimento das atividades cartográficas do Exército Brasileiro e outros temas. A troca de informações proporcionada pelo Subtenente Alves Neto foi tão interessante, que o tempo para percorrer os 80 quilômetros de trajeto entre Natal e Riachuelo me pareceu ter ado muito rápido.
O Professor Airton fotografando um abrigo soba rocha existente na Serra Azul.
Nessa cidade que sempre me traz boas energias, estivemos na casa do amigo Ailton, que nos apresentou os irmãos Ariel e Urias Teixeira da Silva, que nos ajudaram na empreitada e nos conduziram através das trilhas da Serra Azul. Após um cafezinho, seguimos todos para esse local, distante cerca de dois quilômetros de Riachuelo.
Trecho após o abrigo natural.
Uma Relíquia da Segunda Guerra no Agreste Potiguar
O o a Serra Azul é feito por uma propriedade às margens da BR-304, onde fomos muito bem recebidos pelas pessoas que moram por lá. Depois iniciamos a trilha, que logo chegou ao setor mais próximo da elevação propriamente dita. Então iniciamos o caminho por uma área com boa preservação natural e a trilha seguia para o alto, onde teríamos que chegar ao topo desta serra com cerca de 300 metros de altitude.
Da esquerda para direita Urias, Rostand, Ariel e Alves Neto.
Apesar de em alguns trechos a mata ser relativamente densa, ela pode ser realizada de maneira tranquila, sem maiores percalços. No caminho os guias Ariel e Urias não deixavam escapar nenhum detalhe sobre a trilha e a natureza ao redor. Realmente eles são dois guias natos, muito bem preparados e extremamente dispostos a ajudar.
No meio do caminho tivemos de contornar um grande bloco esférico de granito, que de tão grande forma na sua base um interessante abrigo natural, que percebemos serem utilizados por pequenos animais.
Visual na subida da serra.
Belezas da Serra Azul.
Em alguns momentos a trilha é feita basicamente sobre o granito, onde a vegetação é naturalmente ausente, mas o visual da região se torna então muito interessante. Na verdade, essa trilha bem poderia ser utilizada como um atrativo turístico da cidade de Riachuelo e da Região do Agreste Potiguar.
No final da trilha chegamos ao alto da serra e encontramos o marco.
Grupo reunido junto ao marco topográfico.
Ele se encontra rachado e, segundo fomos informados, por pessoas que acreditavam que no seu interior haveria algum tipo de “tesouro”, o que nunca existiu.
Nesse marco encontramos uma marca triangular, que apontava em direção leste, a mesma de Natal e do litoral do Rio Grande do Norte. Essa marca é um ponto trigonométrico.
Marca triangular onde provavelmente havia uma placa de bronze com marcações topográficas.
Segundo o Subtenente Alves Neto esse triângulo no marco da Serra Azul poderia conter uma placa de bronze, com várias marcações para serem utilizadas naquela época pelos topógrafos do Serviço Geográfico do Exército.
O interessante, conforme é possível ver na imagem abaixo, esse triângulo é reproduzido dentro de uma marcação semicircular que significa uma elevação, com o número “254” ao lado, indicativo de sua referência de nível. Esse sinal é reproduzido no mapa em escala de 1:100.000, Folha SB25–V–C–IVMI–977, confeccionado pela DSG em 1983. Infelizmente essa possível placa de bronze foi perdida.
No detalhe a localização da Serra Azul no mapa em escala de 1:100.000 que mostra uma parte do município de Riachuelo.
Na lateral, tal como no marco do Morro do Navio de Pium, encontramos a sigla “S.G.H.E.” e o número “40.
Segundo o amigo Ariel Teixeira da Silva, na época da colocação desse objeto no alto da Serra Azul, ficou na memória dos moradores da pequena Riachuelo, então um arruado com poucas casas, que os homens que implantaram esse marco seriam “alemães”, por muitos deles serem brancos, altos e loiros. Mas a maioria dos membros do Exército que realizaram essa atividade no Nordeste eram oriundos do Rio Grande do Sul e muitos eram descendentes de italianos e alemães.
As letras “S.G.H.E.” e o número “40”.
Concluímos então a visita realizando inúmeras fotos desse marco histórico.
ATENÇÃO – Para quem desejar percorrer a trilha que leva ao marco histórico do Exército Brasileiro no alto da Serra Azul, em Riachuelo, liguem para o amigo Urias Teixeira da Silva, no telefone celular e WhatsApp número – 84 99612 3048.
Reconhecimento
Nos dias posteriores a nossa visita, fiquei sabendo que os resultados obtidos em campo foram positivamente apreciados pelo Tenente-coronel Rodrigo Wanderley de Cerqueira, comandante do 3° CGEO, bem como pelo General de Brigada Marcis Gualberto Mendonça Junior, Diretor do Serviço Geográfico do Exército (DSG), cuja sede fica em Brasília.
Entrada do 3° CGHEO, em Olinda, Pernambuco.
Então todos os civis que participaram dessa atividade na zona rural de Riachuelo foram convidados para se fazerem presentes na sede do 3° CGEO em Olinda, no dia 17 de outubro de 2022, para comemorar o Dia do Topógrafo e recebemos diplomas e uma lembrança dessa atividade junto a essa unidade militar.
Nesse dia, uma segunda-feira, me fiz presente e representei meus amigos de Riachuelo. Na ocasião visitei o Centro de Memória do 3° CGEO e participei da cerimônia militar alusiva ao Dia do Topógrafo.
O autor deste texto ao lado do Tenente-coronel Rodrigo Cerqueira, comandante do 3° CGEO.
O Tenente-coronel Rodrigo Cerqueira, o Major Daniel da Costa e Silva, subcomandante da unidade, além dos oficiais e subalternos foram extremamente atenciosos e me receberam de maneira muito digna nessa unidade militar.
Formatura pela cerimônia do Dia do Topógrafo.
Durante a cerimônia recebi das mãos do comandante do 3° CGEO meu diploma e uma lembrança contendo o brasão da unidade e a esfinge do General de Brigada Djalma Poly Coelho. Na ocasião me foram entregues os diplomas dos amigos Airton Freitas de Macedo, Ariel e Urias Teixeira da Silva.
Materiais que foram entregues pelos militares do 3° CGEO aos civis que participaram da visita ao marco topográfico da Serra Azul.
Foi um momento muito positivo, onde conheci muitos topógrafos dessa unidade que atualmente se encontram na reserva e com eles soube das difíceis missões topográficas realizadas em tempos ados pelo interior do Nordeste.
Me vi entre militares que têm uma formação técnica extremamente apurada, um senso de satisfação na realização de suas missões que muito me impressionou, um enorme respeito pelos membros veteranos da unidade e acima de tudo percebi que esses homens e mulheres do 3° CGEO possuem a certeza que todo o trabalho que realizam tem uma enorme utilidade para a sociedade brasileira. Embora essa mesma sociedade desconheça os resultados dos seus relevantes trabalhos.
Entrega dos diplomas.
Essas pessoas trazem no desenvolvimento de suas atividades uma tradição que começou no final do século XIX, onde a missão principal dos militares que iniciaram os trabalhos cartográficos no Exército Brasileiro era criar mapas para uma imensa nação que quase não tinha mapas.
O Exército e a Cartografia
Em 2 de junho de 1890 saiu na primeira página do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, a notícia que três dias antes havia sido criado pelo Exército Brasileiro um “serviço geographico”. Essa atividade seria exercida por militares com especialização em engenharia, oriundos da tradicional Escola Polythecnica do Rio [2]. Já os membros que fariam parte desse serviço e não tinham essa formação, realizaram cursos junto aos cientistas do Observatório Nacional, também no Rio, com foco em atividades de levantamento geográfico [3].
Texto de criação do “serviço geographico”no Exército em 1890.
As razões para a criação desse tipo de atividade no Exército Brasileiro, seis meses após a Proclamação da República, ava por uma ideia de modernização da força terrestre brasileira e encerrar uma situação onde o conhecimento geográfico do território nacional era muito limitado. Havia muitos erros nos mapas disponíveis, que geravam incertezas sobre as localizações de limites de fronteiras com outros países e nos próprios estados brasileiros, além do traçado dos rios e até a localização de capitais e cidades [4].
Naquele período entre a década de 1890 e a virada do novo século, ocorreram no Brasil várias crises internas, onde algumas delas se tornaram lutas sangrentas, que atrasaram o desenvolvimento do país. Na arma terrestre não foi diferente, tendo o seu “serviço geographico” só começado a desenvolver projetos de maior vulto nos primeiros anos do século XX [5].
Mapa da Baía da Guanabara, Rio de Janeiro.
Em 1903 foi elaborado pelo Estado-Maior do Exército o “Projeto Carta Geral do Brasil”, através de uma comissão específica, que tinha então o objetivo de elaborar o maior mapeamento possível do país. Contudo, lendo um amplo texto existente em um relatório com as atividades do Ministério da Guerra de 1908, esse trabalho basicamente se concentrou na implantação da rede geodésica e no mapeamento do estado do Rio Grande do Sul, principalmente a região de fronteira com o Uruguai e a Argentina [6].
As razões para esse incremento na elaboração de mapas nesse setor do país, era tanto a demarcação definitiva da fronteira com essas duas nações, como elaborar estratégias militares visando a nossa defesa para o caso de algum ataque vindo principalmente da Argentina, que dentro dos processos estratégicos brasileiros da época era considerado o nosso potencial e principal inimigo.
Autoridades civis e militares na Fortaleza do Morro da Conceição.
A partir da metade do ano de 1917 essa área especializada do Exército Brasileiro ou a ser denominado Serviço Geográfico Militar, tendo sua sede na antiga fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, um bastião defensivo construído pelos portugueses em 1718 no Morro da Conceição, Rio de Janeiro [7]. Segundo notícia de um periódico carioca, em 3 de agosto de 1917 o General Bento Manuel Ribeiro Carneiro Monteiro, então Chefe do Estado Maior do Exército, reuniu um grupo de deputados e jornalistas para visitar as dependências daquela instituição na fortaleza [8].
General Bento Ribeiro apresenta o serviço Geográfico a políticos e a imprensa carioca.
Em 14 de outubro de 1920 desembarcou no Rio de Janeiro a hoje quase desconhecida Missão Cartográfica Imperial Militar Austríaca, tendo à frente o General e Barão Arthur Herr Von Hübl, do Imperial Instituto Geográfico Militar de Viena. Os austríacos introduziram no país o levantamento topográfico à prancheta, os métodos estereofotogramétricos de emprego de fotografias terrestres e aéreas e a impressão offset, além de ajudarem na criação da Escola de Engenheiros Geográficos Militares [9].
Em 1923, percebendo que as dependências da Fortaleza do Morro da Conceição não comportavam a apliação do Serviço Geográfico Militar, o Exército adquiriu o Palácio da Conceição (foto abaixo), que fica nos fundos da antiga fortaleza. Esse local serviu de sede do bispado até 1915, quando este foi transferido para o Palácio Arquiepiscopal São Joaquim, no bairro da Glória [10].
Antigo Palácio da Conceição.
O Serviço Geográfico Militar e a Comissão da Carta Geral continuaram ao longo dos anos atuando de forma independente, com o primeiro executando mapeamentos em áreas no Rio de Janeiro e o segundo continuando a realização de levantamentos no Rio Grande do Sul. A partir de 1932 o Serviço a a denominar-se Serviço Geográfico do Exército (SGE), e a então Comissão da Carta Geral dá origem à Primeira Divisão de Levantamento, tendo sua sede em Porto Alegre e sua criação se deu através do decreto nº 21.883, de 29 de setembro de 1932 [11].
Símbolo do serviço Geográfico.
O Serviço Evolui
No ano seguinte foram designados para a Divisão de Levantamento dois aviões Bellanca CH-300 Special Pacemaker (Foto abaixo).
A antiga Aviação Militar do Exército Brasileiro havia adquirido treze exemplares dessa aeronave, que eram construídos nos Estados Unidos, sendo monoplanos utilitários típicos da década de 1930. Possuíam asa alta, trem de pouso fixo, capacidade para seis pessoas, sendo movidos por um motor Wright J-6s de 300 H.P. e foi uma aeronave que se tornou conhecida por sua resistência e grande autonomia de voo, que superava as cinco horas [12].
Avião utilizado pelo Serviço Geográfico.
Em 27 de setembro de 1933 os Bellanca decolaram do Rio para Porto Alegre pilotados pelo Capitão Clóvis Travassos e o Tenente Burgmann [13]. Com a ideia de apoiar as atividades dessas aeronaves em terras gaúchas, o então governador Flores da Cunha mandou construir um hangar na cidade de Cruz Alta, liberando para os militares 400 caixas de gasolina, 48 de óleo e até dinheiro para diárias de manutenção das equipes, sendo o fato noticiado em todo país [14].
Devido a importância e especialidade de suas missões, o Serviço Geográfico do Exército conseguia até mesmo superar certas diferenças internas no Exército, criadas em decorrência das lutas políticas ocorridas no Brasil na década de 1930. Um exemplo disso ocorreu com o Tenente-coronel Jaguaribe Gomes de Mattos, que se encontrava exilado na Europa por ter participado da Revolução Constitucionalista de 1932 ao lado dos paulistas. Mesmo assim esse oficial recebeu permissão do Ministério da Guerra para a atuar pelo Exército, com os seus devidos vencimentos, acompanhando a impressão dos mapas da região do Mato Grosso junto ao Exército Francês a [15].
Informativo sobre o serviço Geográfico.
Em 1937 o Serviço Geográfico do Exército se viu diante da missão de encerrar as várias pendências em relação à demarcação das fronteiras estaduais. A situação chegou a tal ponto que a Constituição Brasileira outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro daquele ano tinha um artigo específico para tratar do assunto, com a designação do Serviço Geográfico do Exército nessa função, conforme podemos ler abaixo [16].
Art. 184 – Os Estados continuarão na posse dos territórios em que atualmente exercem a sua jurisdição, vedadas entre eles quaisquer reivindicações territoriais.
§ 1º – Ficam extintas, ainda que em andamento ou pendentes de sentença no Supremo Tribunal Federal ou em Juízo Arbitral, as questões de limites entre Estados.
§ 2º – O Serviço Geográfico do Exército procederá às diligências de reconhecimento e descrição dos limites até aqui sujeitos a dúvida ou litígios, e fará as necessárias demarcações[17].
Para se ter uma ideia da quantidade de pendências dos limites estaduais no Brasil até o final da década de 1930, veja abaixo esse resumo publicado na Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (páginas 33 e 34, edição de 1937).
Pela relação é possível compreender como a questão dos limites estaduais no Brasil foi complicada no ado.
Pelo final da década de 1930, ou início da de 1940, o Exército mudou a denominação do Serviço Geográfico do Exército, pra “Serviço Geográfico e Histórico do Exército”, daí surge a sigla “S.G.H.E.” que vi nos marcos do Morro do Navio e da Serra Azul. Agora a razão dessa alteração, a portaria informando a mudança e quando deixou de existir eu realmente não descobri.
Logo surgiram no horizonte nuvens negras vindas da Europa, onde começaram a se acumular notícias que mostravam que uma nova conflagração mundial era somente uma questão de tempo.
Topografando no Nordeste
Cerimônia na sede do Serviço Geográfico do Exército.
O Exército Brasileiro então começou a se preocupar com a defesa do chamado “Saliente Nordestino”, a parte da América do Sul mais próxima da África, com uma distância de 2.900 quilômetros entre os dois continentes, cujos pontos estratégicos em cada lado eram Natal, no Rio Grande do Norte, e Dakar, na antiga África Ocidental sa e atualmente capital do Senegal [18].
Um problema para a defesa do litoral dessa região era a quase total inexistência de mapas que ajudassem os comandantes a realizar suas ações militares no caso de uma invasão estrangeira. Foi então criado o Destacamento Especial do Nordeste do Serviço Geográfico do Exército e a chefia ficou a cargo do então Tenente-coronel Djalma Poly Coelho, que assumiu o posto em maio de 1941 [19].
Poly Coelho assumindo o comando do destacamento Especial do Nordeste.
Nascido em Curitiba, Paraná, em 17 de outubro de 1892, era filho do primeiro sargento José Manuel da Silva Coelho, lotado no 17º Batalhão de Infantaria, e da dona de casa Amália Poly Coelho. O jovem estudou no Colégio Militar do Rio de Janeiro na primeira década do século XX, ingressando depois na antiga Escola de Guerra do Realengo [20]. Em 1914 alcançou a patente de Aspirante, formou-se engenheiro geógrafo militar e encerrou sua carreira em 1952, no posto de General de Divisão [21].
Pelos jornais antigos existentes na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, descobri que em agosto de 1941 houve uma grande quantidade de publicações relativas a transferências de militares para Recife. Eram homens de diversas patentes, de várias partes do Brasil, alguns deles com ordens para servir no Destacamento Especial do Nordeste.
Pessoal do Destacamento Especial do Nordeste, tendo à esquerda o Tenente-coronel Poly Coelho – Fonte – 3° CGEO.
A missão era o levantamento aerofotogramétrico das regiões próximas à costa dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco e ao longo de três anos e meio esse Destacamento Especial trabalhou bastante.
Sabemos também que foram realizados levantamentos topográficos no Arquipélago de Fernando de Noronha e nas regiões salineiras do Rio Grande do Norte e do Ceará. Já em 1942 oficiais do Exército Brasileiro começaram a utilizar os primeiros mapas que o Destacamento Especial do Nordeste havia concluído.
Descobri que em janeiro de 1942 a área onde se aquartelou o pessoal do Serviço Geográfico do Exército em Recife, sofreu uma aparente ação de sabotagem.
Notícia da possível sabotagem em jornal do Rio de Janeiro.
A área onde os militares ficaram era no chamado Campo do Jiquiá, onde o Serviço Geográfico tinha uma grande instalação com pessoal, veículos e material de trabalho. O Jiquiá se tornou famoso por receber 65 vezes o pouso do grande dirigível Graf Zeppelin, da empresa alemã Luftschiffbau Zeppelinm G.M.B.H. Ocorre que na manhã de 12 de janeiro o capinzal existente na área pegou fogo repentinamente e houve preocupação com o avanço das chamas, mas os bombeiros recifenses apareceram no local e controlaram o fogo. O problema era que vizinho as instalações do Serviço Geográfico estava o depósito da companhia de navegação alemã Hermann Stoltz & Cia, uma empresa envolvida até o pescoço com espionagem nazista em vários locais do Nordeste e no sul do país. Seus gestores tinham o a informações privilegiadas sobre a navegação na costa brasileira e foram acusados de rear essas informações para Berlin, além de financiar uma grande rede de espionagem mantida por alemães e que utilizava brasileiros aliciados. Se o incêndio foi realmente uma sabotagem isso não ficou provado, mas as suspeitas das autoridades brasileiras em relação a Hermann Stoltz eram muito fortes, sendo episódio noticiado em todo país [22].
Mara que mostra as áreas topografadas pelo Destacamento Especial do Nordeste.
Naqueles anos o trabalho do Destacamento Especial do Nordeste contou com o apoio da recém criada Força Aérea Brasileira (FAB), que forneceu aeronaves que realizarem milhares de fotografias aéreas. Estas eram produzidas com as aeronaves percorrendo faixas específicas do terreno, na altitude de 3.500 metros, com um recobrimento longitudinal respectivamente de 66 e 30 por cento e cobrindo uma área de 40.000 quilômetros quadrados [23].
Poly Coelho e o Presidente Getúlio Vargas.
Em relação a presença de membros do Destacamento Especial do Nordeste o Rio Grande do Norte, apenas descobri que no final de março de 1942 chegou no município de Goianinha o Capitão João de Mello Moraes e sua equipe, sendo esse militar apontado como o responsável pelo levantamento geográfico no Rio Grande do Norte [24].
Mesmo sabendo a importância do trabalho do Destacamento Especial, para mim não foi nenhuma surpresa o fato de encontrar poucas referências sobre as atividades desse grupo de militares pelo Nordeste do Brasil. Enfim, o país estava em guerra e nesses momentos de extrema tensão o foco principal dos órgãos de imprensa se voltaram para as unidades de combate e seus feitos, sobrando muito pouco espaço para comentar algo sobre a realização das unidades técnicas e de apoio. Talvez por isso não encontrei referências sobre a colocação do marco da Serra Azul e da atuação do Destacamento Especial do Nordeste na região de Riachuelo.
Depois da Guerra
O General Poly Coelho apresentando trabalhos do Serviço Geográfico do Exército ao Presidente Gaspar Dutra.
Com o fim da guerra o agora General Poly Coelho ou a dirigir o Serviço Geográfico do Exército, onde ficou no cargo de 1946 até 1951.
Durante sua gestão, mais precisamente em 1947, foi criada uma comissão de estudos para determinar a melhor localização de uma nova capital brasileira a ser implantada no interior do país. A ideia do Rio de Janeiro deixar de ser a Capital Federal visou promover de maneira clara a ocupação de uma vasta região despovoada e praticamente sem desenvolvimento no Brasil e evitar possíveis ações futuras de nações estrangeiras pelo nosso rico território.
Apresentação dos trabalhos em 1953.
Essa comissão foi presidida por Poly Coelho e ao final do seu trabalho esse grupo ratificou as análises e o relatório final da pesquisa liderada pelo belga Louis Ferdinand Cruls, que em 1892 comandou duas expedições exploradoras no Planalto Central do Brasil, cujo objetivo foi descobrir um local adequado para abrigar uma nova capital do país, sendo esse trabalho o marco gerador da definitiva questão da mudança da capital.
Resultados apresentados as autoridades.
A frente do Serviço Geográfico do Exército o General Poly Coelho criou o Quadro de Topógrafos do Serviço Geográfico do Exército e o Curso de Topografia para Oficiais das Armas na Escola Técnica do Exército, hoje Instituto Militar de Engenharia – IME.
O General Djalma Poly Coelho faleceu no Rio de Janeiro em 18 de outubro de 1954.
O General Poly Coelho hasteando o pavilhão nacional na Fortaleza da Conceição.
NOTAS…………………………………………………………………………………………….
[1] O escritor e jornalista potiguar Luiz Gonzaga Cortez Gomes de Melo, morreu aos 70 anos, na madrugada de segunda-feira, 19/08/2019, em Natal. Trabalhou no Diário de Natal e na Tribuna do Norte, onde foi editor de Polícia na década de 1980. Atuou também como diretor de redação do semanário “Dois Pontos” e venceu dois prêmios em 1988, ao escrever sobre o Integralismo no Rio Grande do Norte e o Movimento Estudantil no Estado.
[2] A antiga Escola Polythecnica é a atual Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fundada em 1792, é a sétima escola de engenharia mais antiga do mundo e a mais antiga das Américas, assim sendo, a primeira instituição de ensino superior do Brasil.
[3] O Observatório Nacional é uma instituição científica localizada na cidade do Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro, no Brasil. O Observatório foi criado em 1827, sendo uma das instituições científicas mais antigas do país. A sua finalidade inicial foi a de orientar os estudos geográficos do território brasileiro e o ensino da navegação, por isso sua relação estreita com o exército na criação do “serviço geographico”.
[4] Ver Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, segunda-feira, 2 de junho de 1890, p. 1.
[5] Ver Diário da Tarde, Curitiba, sábado, 31 de maio de 1980, p. 4.
[6] Ver Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, Ministro de Estado da Guerra, em junho de 1908, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, págs. 34 a 45, 1908.
[10] Ver Última Hora, Rio de Janeiro, terça-feira, 9 de dezembro de 1958, pág. 14. Sobre o Palácio da Conceição vale comentar que o primeiro prelado que nele residiu foi o terceiro bispo do Rio de Janeiro, D. Francisco de São Jerônimo, que chegou ao Rio de Janeiro no ano de 1702. Quando de sua morte, em 1721, com fama de Santo, teve o seu corpo sepultado no interior da Capela do Palácio. Mais sobre o local ver https://www.ipatrimonio.org/rio-de-janeiro-palacio-episcopal/#!/map=38329&loc=-22.89964011290089,-43.18269073963165,17
[11] Ver A Noite, Rio de Janeiro, quarta-feira, 6 de setembro de 1933, pág. 3.
[12] Sobre essa aeronave ver C. Pereira Netto, Francisco. Aviação Militar Brasileira 1916-1984. Editora Revista de Aeronáutica, 1984, pág. 126.
[13] Ver A Nação, Rio de Janeiro, quarta-feira, 27 de setembro de 1933, pág. 3.
[14] Ver Diário de Pernambuco, Recife, quinta-feira, 9 de novembro de 1933, pág. 1.
[15] Ver O Paiz, Rio de Janeiro, quinta-feira, 26 de julho de 1934, p. 4.
[16] A Constituição de 1937 é a quarta do Brasil e a terceira da república, de conteúdo pretensamente democrático, foi implantada no mesmo dia em que foi decretado o período ditatorial no Brasil, que ficou conhecido como Estado Novo. Era uma carta política eminentemente outorgada, mantenedora das condições de poder do presidente Getúlio Vargas. A Constituição de 1937, que recebeu o apelido de “Polaca” por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era extremamente centralizadora e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados.
[22] Ver os jornais O Radical, Rio de Janeiro, quarta-feira, 14 de janeiro de 19425, pág. 6 e O Estado, Florianópolis, quinta-feira, 22 de janeiro de 1942, pág. 3.
[23] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, sexta-feira, 23 de março de 1945, págs. 1 e 2.
[24] Ver A Noite, Rio de Janeiro, terça-feira, 31 de março de 1942, pág. 5.
Dionísia Gonçalves Pinto (Nísia Floresta).. [Papary {hoje Nísia Floresta} RN, 12.10.1810 – Rouen, França, 24.4.1885]. Com o pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta, foi educadora, “viajante ilustrada”, “nacionalista”, “pré-feminista”, escritora, abolicionista, ativista dos direitos humanos, indianista e republicana. Mostrou uma preocupação filosófica com o cotidiano brasileiro da época em que viveu e se dedicou a propor uma reforma na educação das meninas no Brasil. Preocupou-se, principalmente, com a educação e o papel das mulheres em nossa sociedade, acreditando que o progresso de uma sociedade dependia da educação que era oferecida às meninas. Para Nísia Floresta, as meninas deveriam estudar porque a mulher exerce uma influência real sobre o destino de seu marido e sobre os destinos das nações e as meninas deveriam ser educadas para terem o reconhecimento da sociedade.
Nísia Floresta escreveu sobre os direitos das mulheres e viabilizou o o à educação de algumas meninas, lutando para que elas valorizassem os estudos. Foi uma educadora que encarou a educação das meninas como uma missão, além de ter discutido a questão indígena de forma singular, valorizando o papel das mulheres, e de ter provocado as autoridades da época ao questionar sobre o poder e a supremacia dos homens brancos. Suas críticas atingiam também mulheres que deixavam os seus filhos e filhas nos braços das amas de leite. Ensinava os valores necessários a uma educadora e afirmava que as mulheres poderiam ocupar os cargos públicos. Defendia a ideia de uma nação civilizada que só chegaria a esse patamar se as mulheres fossem educadas e particiem do contexto social.
Nísia Floresta desafiou uma cultura onde as mulheres não eram valorizadas. Superou diversos opositores, fundou colégios para meninas – como o Colégio Augusto – cobrando, assim, o o das mulheres ao campo do saber.
Nísia Floresta Brasileira Augusta Selo Correios (1954)
Foi cuidadosa e metódica, conseguindo levar a sua mensagem à sociedade da época em jornais lidos pela elite e pelas autoridades. Seu colégio teve existência curta e gerou polêmicas que a impediram de tornar possível muito daquilo que escrevia. O que encontramos em suas obras é um material riquíssimo para os estudos de gênero, pois denunciam o preconceito dos homens em relação às mulheres tal como ocorria no século XIX.
Nísia Floresta, apesar das condições desfavoráveis à mulher, escreveu cerca de quinze títulos ao longo dos seus 74 anos, dentre poemas, romances, novelas e ensaios, sendo alguns reeditados mais de uma vez. Suas obras foram publicadas em diferentes idiomas e muitas dessas foram publicados pela imprensa.
Nísia Floresta, jovem
Nos lugares por onde andou (Recife, Olinda, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Lisboa, Coimbra, Londres, Roma, Florença, Nápoles, Paris, Cannes, Alemanha, Bélgica, Suíça, Sicília, Inglaterra, Grécia, Rouen, entre outros), Nísia Floresta escreveu sobre a condição e a vida das mulheres, sobre a educação para meninas e sobre o que via nesses países, denunciando uma sociedade que legitima as desigualdades, lutando por essa causa em uma época em que as mulheres não eram reconhecidas.
Nísia desejou que todas as mulheres fossem cidadãs. Para isso, elas deveriam estudar e a sociedade teria que ser trabalhada para respeitá-la e inseri-la em todos os setores sociais, sem deixar de lado o seu papel de filha, irmã e mãe.
Sofreu influência do positivismo: o pensamento de que educar a mulher é contribuir para a dignidade da família e do mundo traz impregnado o ideário positivista. Impregnada das contradições de seu tempo, educar a mulher significava contribuir para a dignificação da família, da nação e do mundo. A mulher, para Nísia, servia como “o modelo da família” e deveria conservar a dignidade, através da “educação religiosamente cristã” que ela defendeu. A educação “religiosamente moral” iria ajudar as meninas a não se “desviarem”. Fazia apelos aos pais, buscando uma melhor educação para as mulheres.
Escreveu também sobre o Colégio Augusto, sobre o entendimento que tinha a respeito do que deveria ser a mulher e sobre o que o governo estava fazendo em favor do ensino primário das meninas (capítulo XXXVI do Opúsculo Humanitário). Analisou, ainda, o quadro demonstrativo do Estado da Instrução Primária e Secundária das Províncias do Império e Município da Corte, no ano de 1852. Baseando-se nele, afirmou que o número de alunos que frequentavam as aulas era reduzido para a população da época e apontou o seu olhar para o número de meninas: “a estatística dos alunos que frequentaram todas as aulas públicas monta a 55.5000, número tão limitado para a nossa população, e que neste número apenas 8.443 alunas se compreendem” (Nísia Floresta, 1989, p. 81).
Denunciou o atraso que se encontrava a instrução feminina e nem mesmo as falas presidenciais escaparam ao seu senso crítico. Para ela, as causas que atrapalhavam os progressos na educação eram a falta de interesse e a negligência, por parte do governo da época, o descaso das autoridades que não pensavam nos métodos, não elaboravam as leis e tampouco criavam mais escolas para meninas, ou seja, não se preocupavam com a educação delas.
Além disso, “os encarregados do ensino” eram inaptos e os pais, em muitos casos, não falavam sobre tais problemas. Nísia pesquisou sobre a educação da mulher brasileira. Desejava que a educação da mulher fosse preocupação das autoridades (governo) e do povo brasileiro. Denunciou as casas de instruções que eram dirigidas por pessoas que chegavam de outros países com interesses comerciais, transformando-as em negócio, com raras exceções.
Além disso, fez a crítica ao comércio de escolas, feita por estrangeiros. Criticou os impressos de propagandas da época, que mostravam novidades e ostentação nos colégios que “faziam pretensiosas promessas, contando com a credulidade do público, que era solícito em acolher sem verificar antes” (Floresta, 1989, p. 78).
Muitos desses eram comerciantes e artesãos e, para ela, não deveriam ser preceptores da mocidade brasileira. Mesmo apreciando os talentos dos estrangeiros, no que diz respeito à educação, percebia que eram poucos aqueles que poderiam instruir o povo brasileiro e utilizar o próprio conhecimento, ou seja, oferecer instrução e trabalho.
Nísia Floresta escreveu quinze livros, publicados no Brasil e em países da Europa. As obras originais vem assinado com diferentes pseudônimos: Nísia Floresta, Uma brasileira, Telesilla, F. Augusta Brasileira, N. F. Augusta, ou simplesmente B.A eram alguns dos pseudônimos de Dionísia Gonçalves Pinto.
“Quanto mais ignorante é um povo tanto mais fácil é a um governo absoluto exercer sobre ele o seu poder. É partindo desses princípios, tão contrário à marcha progressista da civilização, que a maior parte dos homens se opõe a que se facilite à mulher os meios de cultivar o seu espírito.” – Nísia Floresta, em “Opúsculo humanitário”. (1853).. [introdução e notas de Peggy Sharpe-Valadares; posfácio de Constância Lima Duarte]. São Paulo: Cortez Editora, 1989. p. 60.
Igreja do Salvador do Mundo, segundo registro fotográfico de Leonardo Dantas Silva (2015).
Texto & Fotos de LEONARDO DANTAS SILVA.
Quando de sua chegada a Pernambuco, Duarte Coelho Pereira[1] trazia consigo o alvará régio de criação da paróquia do Salvador do Mundo, datado de 5 de outubro de 1534, que veio a ser instalada na vila por ele fundada “resultando na matriz mais ampla e bem provida da Colônia”. [2]
Doada a Duarte Coelho Pereira pelo Rei D. João III, em carta datada de Évora, 10 de março de 1534, a capitania de Pernambuco compreendia “sessenta léguas de terra na costa do Brasil, as quais começarão no Rio de São Francisco, que é do Cabo Santo Agostinho para o Sul, e acabarão no rio que cerca em redondo toda a ilha de Itamaracá, ao qual rio ora novamente ponho o nome de Rio Santa Cruz, e mando que assim se nomeie e chame daqui por diante a isto com tal declaração que ficará com o dito Duarte Coelho a terra da banda Sul, e o dito rio onde Cristóvão Jaques fez a primeira casa de minha feitoria…” [3]
De posse da carta de doação da Capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira começou a reunir “a gente nobre e limpa”, de que fala Oliveira Lima, necessária ao início da colonização.
Não poderia descuidar-se da assistência religiosa de sua gente, tendo para isso escolhido o padre Mestre Pedro da Figueira, que veio a ser o primeiro vigário da paróquia do Salvador, datando o seu primeiro ordenado de 3 junho de 1534, na razão de 15$000 ao ano, tendo sido pago o primeiro trimestre, 3$750, em setembro do mesmo ano.[4]
Partindo de Portugal em outubro de 1534, Duarte Coelho Pereira veio aportar na Praia dos Marcos, junto à antiga feitoria de Cristóvão Jaques, no Canal de Santa Cruz, em 9 de março do ano seguinte, onde se abrigou nos primeiros meses juntamente com sua mulher e as muitas famílias que trouxe consigo.
Seguindo para o Sul, o donatário foi à procura de um local onde pudesse construir a sede de sua capitania, a fim de iniciar a colonização das terras que veio a denominar de Nova Lusitânia.
Foi Duarte Coelho Pereira, no dizer de Francis A. Dutra (The Americas, vol. XXIX, nº 4, Washington 1973), “o começo de uma dinastia”. Seu tino istrativo, ao conceder favores e incentivos especiais aos primeiros colonizadores, serviu de lição às gerações que o sucederam.
Fundou ele a matriz do Salvador de Olinda, tendo para isso trazido de Portugal o primeiro vigário, Padre Mestre Pedro da Figueira, auxiliado por quatro capelães, devidamente examinados pelo Deão da Capela Real, D. Diogo Ortiz de Vilhegas, bispo de São Tomé, por se achar vacante o bispado do Funchal, a cuja jurisdição pertenciam. No alvará régio de criação da Paróquia do Salvador consta o ordenado do vigário, 15$000 (quinze mil réis) ao ano e duas peças de escravos, estando estipulado para cada um dos quatro capelães a quantia de 8$000 (oito mil réis) e uma peça de escravos, devendo os vencimentos contarem a partir de Lisboa, logo que aceitasse o convite do donatário. Informa o padre Arlindo Rubert não constar nos documentos os nomes dos primeiros capelães e nem sempre eram necessariamente sacerdotes, já que consta haver entre eles clérigos de ordens menores e diáconos, embora genericamente chamados de padres, inclusive nas cartas jesuíticas.
Do primeiro vigário de Olinda não temos outras notícias nem sabemos até quando dirigiu a freguesia. Terá sido sucedido, talvez antes de 1550, pelo Padre Pedro Manso.[5]
Foram esses os difíceis tempos de lutas contra os índios e contra seus apresadores, contra os contrabandistas de pau-brasil, contra os que ameaçavam a estabilidade social da colônia, em favor da criação de uma reserva ecológica da cobiçada madeira de tingir (pau-brasil) e dos privilégios e liberdades concedidos por El Rei, quando da outorga da carta de doação da capitania.
Assim, Duarte Coelho fundou a Vila de Olinda, antes mesmo da dos Santos Cosme e Damião, originária de uma propriedade do vianês Afonso Gonçalves, conforme este faz menção em carta dirigida a El Rei em 1548, segundo revelação feita por José Antônio Gonsalves de Mello. [6]
Procurou o donatário dar o sustentáculo econômico a sua capitania, encarregando o seu cunhado, Jerônimo de Albuquerque, da fundação do primeiro engenho de açúcar e distribuindo sesmarias com outros colonos dispostos a implantar a agroindústria do açúcar na Várzea do Capibaribe.
Os frutos de sua istração não se fizeram tardar: em 1585, segundo relato do Padre Fernão Cardim, a produção dos 66 engenhos de açúcar de Pernambuco era estimada em 200 mil arrobas, sendo o porto do Recife visitado anualmente por 45 navios, com algumas famílias da capitania ostentando uma vida de fausto superior à de Lisboa.
Para Gabriel Soares de Sousa, Pernambuco era, em 1587, a mais adiantada das capitanias, quer no cultivo das terras, quer na polidez dos costumes e conforto da vida (Tratado Descritivo do Brasil).
A matriz do Salvador de Olinda veio a ser a igreja mais importante da América Portuguesa, depois da Sé da Bahia, durante todo o século XVI e início do século XVII. Matriz colegiada era dirigida por um pároco, auxiliado por um coadjutor e quatro capelães, que recitavam o ofício divino e celebravam missa solene em comum.
O pároco era, no dizer de Arlindo Rubert, uma espécie de vigário Geral da Capitania, com especiais faculdades outorgadas pelo Bispo da Bahia. Em “A Igreja no Brasil” (Santa Maria 1981).
Destruída pelos holandeses em novembro de 1631, a matriz do Salvador do Mundo veio a ser reconstruída, tendo os trabalhos sido parcialmente concluídos em 1669, quando a 6 de outubro foi rezada a primeira missa pelo vigário Manuel Ferreira Nunes.
As obras de restauração continuaram até 1676, ano em que foi elevada a catedral do Bispado de Pernambuco, nela instalado em 21 de maio daquele ano; seguindo-se, no ano seguinte, a posse do primeiro bispo, D. Estevão Brioso de Figueiredo.
As obras da Sé de Olinda têm continuidade nos anos que se seguiram, tomando grande impulso quando da istração do bispo D. Frei Luís de Santa Teresa (1739-1753) e no episcopado de D. Francisco Xavier Aranha (1753-1771), quando foi concluída a restauração do seu interior.
[1] Muito embora assinasse em suas cartas tão-somente Duarte Coelho, seu nome completo era Duarte Coelho Pereira, como se depreende das declarações do seu filho Jorge de Albuquerque Coelho: “por alma do meu pai, Duarte Coelho Pereira, primeiro Governador que foi desta Capitania . . .’’ Livro de Tombo do Mosteiro de São Bento de Olinda; Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, vol. XLI (Recife 1948), p. 26. Ainda o mesmo Jorge de Albuquerque Coelho: . . . “Faço saber que Duarte Coelho Pereira, meu Senhor e Pai, que Deus tem, ao tempo que foi povoar e conquistar a dita Capitania. . .’’ . Provisão datada de Lisboa, 2 de setembro de 1594, transcrita por José Antônio Gonsalves de Mello. In: Cartas de Duarte Coelho a El Rei. Recife: 1967. p. 21.
[2] Arlindo Rubert citando a carta do padre Antônio Pires, datada de 2 de agosto de 1551, “fué cosa para dar murchas gracias al Señor, ver este Domingo pasado una iglesia muy grande lhena de esclavos que venian a la doctrina, que serian cerca de mil”. In A Igreja no Brasil, v. 1. Santa Maria: 1981. p. 59
[3] COSTA, Francisco Augusto Pereira da. Anais pernambucanos 1493-1850. Edição fac-similar. Recife: FUNDARPE; Diretoria de Assuntos Culturais; 1983. v. 1 p. 161 (Coleção Pernambucana, 2ª fase, v. 2).
[4] Quem pela primeira vez revelou tal documento foi Methódio Maranhão, Duarte Coelho e a Colonização de Pernambuco (Recife: 1935, p. 73), citando pesquisa do seu filho, Gil Maranhão, responsável pela revelação.
[5] RUBERT, Arlindo. op. cit. p. 59-60.
[6] MELLO, José Antônio Gonsalves de; ALBUQUERQUE, Cleonir Xavier de. Cartas de Duarte Coelho a El Rei. Prefácio de Leonardo Dantas Silva. 2. ed. Recife: FJN; Ed. Massangana, 1997. 138 p. (Descobrimentos, n.º 7).
Extensão do domínio holandês no Nordeste do Brasil
Os holandeses do norte vinham em rebelião aberta contra a Coroa espanhola desde 1568, mas foi em 1602 e 1621 que eles levaram a guerra ao campo do inimigo. E foram eles, também chamados neerlandeses ou batavos, os primeiros europeus a arrancarem do controle dos conquistadores ibéricos um grande naco de terra no que hoje chamamos de América do Sul. Isso ocorreu no Brasil.
Para realizar estas conquistas os holandeses utilizaram uma empresa. A organização da Companhia das Índias Ocidentais, o empreendimento comercial conquistador holandês, é muitas vezes atribuída por historiadores ibéricos às maquinações de capitalistas judeus que fugiram (ou foram expulsos) de Espanha e Portugal, mas essa visão é insustentável. O investimento judaico no início de ações da Companhia (nominalmente capitalizada em sete milhões de florins) foi relativamente insignificante. Mas o verdadeiro impulso veio de exilados calvinistas holandeses, sendo estes particularmente proeminentes na formação da Companhia e nas listas de seus acionistas. Para os calvinistas o sentimento contra os espanhóis e portugueses era muito forte, onde a luta era considerada uma verdadeira guerra santa contra os católicos.
Prédio em Amsterdã, Holanda, sede histórica da Companhia das Índias Ocidentais, ou West-Indische Compagnie – WIC
Ao longo de sua história os holandeses reclamam que os ingleses apenas seguiram o rastro de suas conquistas; e, embora esta alegação não possa ser sempre justificada, não há dúvida de que foram os holandeses que aram o peso esmagador do monopólio colonial católico ibérico, que parecia tão maciçamente intacto em 1600.
As duas coroas ibéricas estavam unidas desde 1580 (a chamada união dinástica) e as Américas se tornaram um grande alvo para os holandeses, que decidiram iniciar suas operações militares atacando o Brasil, ao invés de México ou Peru. Pensavam os estrategistas batavos que os portugueses seriam vítimas mais fáceis e o governo de Madrid não reagiria de forma tão violenta a perda de terras portuguesas.
Uma vez estabelecidos no Brasil, os holandeses teriam uma base americana para operações contra os tesouros das frotas espanholas que traziam incalculáveis tesouros do Novo Mundo. Além de istrarem o crescente comércio de açúcar na sua origem e, eventualmente no futuro, marcharem por terra para as minas de prata de Potosi (Bolívia), grande manancial de riqueza da Espanha no Novo Mundo.
O Primeiro ataque
O golpe inicial da Companhia das Índias Ocidentais foi um sucesso espetacular e São Salvador, Bahia, caiu em maio de 1624.
Barco holandês
Foi alegado pelo célebre Lope de Vega, em seu “El Brasil Restituído”, que esta vitória holandesa ocorreu devido à traição dos judeus “cristão-novo”, ou cidadãos cripto judeu, que vislumbravam com os batavos a liberdade religiosa do culto judaico em terra de conquistadores católicos. A verdade foi que a derrota aconteceu pela covardia dos defensores de Salvador e a pela audácia do vice-almirante holandês Pieter Pietersen Heyn.
Mais ou menos ao mesmo tempo, na costa oposta da América do Sul, outra frota holandesa tentou dominar Callao, no Peru. Esta audaciosa tentativa falhou, mas os assentamentos espanhóis na costa do Pacífico foram jogados em um estado de tremenda confusão e alarme.
Contrariando as expectativas holandesas, a perda da Bahia despertou para uma ação decisiva o lento governo em Madri. Provavelmente porque eles reconheceram que o objetivo final holandesa não era o açúcar do Brasil, mas a prata andina.
Fonte – peregrinacultural.wordpress.com
Com uma velocidade e rigor excepcionais para o padrão istrativo ibérico, uma armada combinada portuguesa e espanhola foi mobilizada. Na verdade aquela era a maior frota que já tinha cruzado a linha do Equador em direção ao Brasil desde seu descobrimento em 1500. 52 navios, 14.000 homens e 1.185 armas de fogo surgiram fora de Salvador na véspera da Páscoa de 1625. Em 1 de maio a guarnição holandesa, que não era composta de idiotas, entregou-se a Dom Fadrique de Toledo Osorio, Capitão Geral da Armada. Logo uma frota chegou da Holanda e rapidinho se retirou, sem se aventurar a um contragolpe contra a grande esquadra combinada ibérica.
Enquanto os holandeses eram pela primeira expulsos do Brasil, os esforços deles para capturar um dos mercados de escravos portugueses na costa oeste da África também falhou desastrosamente e por negligência dos seus comandantes. Um cronista holandês escreveu que “no verdadeiro estilo militar, cada um jogou a culpa no outro”.
Se os protestantes holandeses venceram o primeiro round, os seus adversários católicos haviam decididamente vencido a segunda fase e a Companhia das Índias Ocidentais estava quase falida. Mas os calvinistas das Terras Baixas do Mar do Norte eram homens teimosos. Eles não desanimavam com golpes pesados e logo recomeçaram a afiar suas espadas.
Piet Hein – Fonte – en.wikipedia.org
Em pouco tempo o brilhante almirante Pieter Pietersen Heyn varreu os barcos de transporte ibéricos na costa brasileira entre 1626-1627. Em setembro de 1628 conquistou toda a frota de prata espanhola na Baía de Matanzas, Cuba, um feito sem paralelo.
Com o tesouro derivados destes e de outros ataques navais, a Companhia das Índias Ocidentais pagou todas as suas dívidas, declarou um dividendo de 50 por cento e em 1630 equipou outra expedição poderosa contra o Brasil (65 navios e 8.000 homens). Desta vez seu objetivo não era a Bahia, mas Olinda e Recife, na província de Pernambuco, a região produtora de açúcar mais rica do mundo e a parte mais próspera do Império Colonial Português.
O Doce Nordeste
O açúcar havia sido introduzido no Brasil a partir da Madeira e de São Tomé em 1530, mas foi no século XVII que se tornou “o século do açúcar”, devido ao grande aumento da procura por este produto na Europa, onde constantemente se tornou uma necessidade, em vez de um luxo.
A plantação de açúcar tipicamente brasileira era centrada no engenho, ou moinho para moer a cana-de-açúcar não refinado. Os principais centros de produção foram os distritos férteis conhecidos em torno de Olinda e Recife, em Pernambuco, e do Recôncavo, nos arredores de Salvador. Os plantadores de açúcar, ou senhores de engenho, geralmente viviam em suas propriedades e vinha para a cidade apenas para festas, ou para fiscalizar o transporte de suas colheitas. Com o aumento da produção cada vez mais os lusos importavam escravos negros africanos para o Brasil.
Engenho e tropas holandesas
Isso deu a sociedade brasileira colonial um selo marcadamente rural, em contraste com a da América contemporânea espanhola, onde os líderes da sociedade preferiam morar nas cidades do vice-reino do México e de Lima (Peru), ou no grande centro de mineração de Potosí.
Frei Manoel Calado escreveu um relato da luta Luso-Holandesa pelo nordeste do Brasil. Comenta que por volta de 1630 a produção de açúcar em Pernambuco havia chegado a um ponto em que os pilotos e mestres das grandes frotas de naus mercantes, que diariamente entravam e saíam do porto de Recife, competiam entre si em entreter os plantadores locais, a fim de conseguirem obter o transporte do doce produto.
Os seletos vinhos e víveres europeus foram importados de Portugal e dos Açores, enquanto sedas asiáticas e têxteis de qualidade eram tão abundantes nas lojas de Olinda como nas de Lisboa. O padrão de vida era excessivamente alto e qualquer chefe de família cuja tabela de serviço não era tabelada em prata maciça era considerado como miseravelmente pobre.
Olinda e ações navais holandesas
Pyrard de Laval, um marinheiro francês muito viajado, que visitou a colônia portuguesa em 1610, observou que “em nenhum país que eu tenho visto a prata é tão comum como nesta terra do Brasil. Você nunca vê pouco dinheiro por aqui”.
Mesmo que Olinda não se comparasse em tamanho ou em riqueza com a Cidade do México, Lima, ou Potosí, a doce riqueza que vinha do interior da província tornou a região um prêmio que valia a pena conquistar. A descrição de Manoel Calado desta região como o “espelho de um paraíso terrestre” não era mera hipérbole.
Vitória e Dominação
As ordens para os comandantes da força expedicionária holandesa de 1630 previam não só a captura de Olinda, mas, posteriormente o Rio de Janeiro (ou, alternativamente Salvador) e até mesmo de Buenos Ayres. Este programa revelou-se demasiado ambicioso.
As tropas invasoras não eram apenas compostas de holandeses, havia muitos mercenários de outras localidades na Europa, com líderes militares como excelente polonês Crestofle d’Artischau Arciszewski e o alemão Sigismund von Schoppe. Combateram em solo pernambucano muitos alemães, ses e escandinavos formando talvez os maiores contingentes no serviço militar da Companhia. Havia até mesmo um bom número de ingleses – tantos que um capelão inglês protestante chamado Samuel Batchelor ficou alguns anos em Recife.
Apesar de Olinda e Recife terem sido tomadas sem muitas dificuldades, a resistência portuguesa no interior foi forte e teimosa. Para acabar este problema foi trazido um grande combatente, que se mostrou igualmente um grande .
Nassau – Fonte – pt.wikipedia.org
A partir de janeiro 1637, até maio de 1644, a conquista holandesa no Brasil foi governada pelo príncipe Johan Maurits van Nassau-Siegen (ou simplesmente Mauricio de Nassau). Pouco depois de sua chegada, ele infligiu uma grave derrota ao napolitano Giovanni Vincenzo di San Felice, o Conde de Bagnolo, que comandou as forças portuguesas, espanholas em Porto Calvo (Alagoas) e as levou-o ao sul do Rio São Francisco.
Os defensores do Brasil foram desmoralizados por esta derrota, e Frei Manoel Calado, sem grande iração pelos “senhores barrigudos”, como ele frequentemente chamava os líderes militares da resistência contra os batavos. O Frei maliciosamente relata como muitos deles fugiram para o sul.
Se Mauricio de Nassau seguisse o processo de avanço militar em direção sul, provavelmente ele teria tomado novamente Salvador para os holandeses. Mas o líder conquistador não percebeu toda a extensão de seu sucesso e quando um ano depois ele atacou a capital colonial, descobriu que aquele objetivo “não era o tipo de gato para ser tomada sem luvas”. Foi repelido com grandes perdas.
Este reverso foi mais do que compensado pela derrota, em janeiro de 1639, de uma grande armada português-espanhola que o governo Ibérico tinha finalmente conseguido mobilizar, após anos de esforços abortivos, para a recuperação de Pernambuco.
Com a captura de São Jorge da Mina, na Guiné (o mais antigo assentamento europeu na África Ocidental) e de Luanda, em Angola, os holandeses conseguiram o controle total do tráfico de escravos do Oeste Africano.
Engenho de açucar
Até o final de 1641, Mauricio de Nassau governou uma área no Brasil cujo litoral possuía mais de mil quilômetros.
Um Príncipe que Amava o Brasil
Mauricio de Nassau não era apenas um general capaz, mas um de primeira classe e um governante que estava, em muitos aspectos, muito à frente de seu tempo.
No dia em que ele desembarcou em Recife ele se apaixonou pelo Brasil e não poupou esforços, dinheiro e energia para melhorar a colônia. No momento da sua chegada Recife tinha uma população com cerca de três mil almas e a superlotação foi terrível. Casas custavam a partir de 5.000 a 14.000 florins, enquanto a remuneração mensal dos empregados comuns da Companhia era de cerca de 60 florins.
Mapa de Recife
Ele melhorou e ampliou a cidade existente com novas (e pavimentadas) ruas, estradas e pontes. Ele construiu uma nova cidade chamada Mauritia (ou Mauritstadt) em uma ilha adjacente.
Nassau tinha trazido da Holanda uma comitiva cuidadosamente selecionada de quarenta e seis acadêmicos, artistas, cientistas, artesãos e naturalistas, os quais tiveram suas próprias funções e tarefas especiais.
Assim Pintores como Frans Post e Albert Eckhout (este último possivelmente um aluno de Rembrandt) pintaram vários aspectos da vida e da cultura local. Franciscus Plante estudou a antropologia social ameríndia, flora e fauna exóticas. O astrônomo saxão Georg Marcgraff fez observações celestes no Brasil e em Angola. Os trabalhos de cartografia de Cornelis Golijath, junto com Johannes Vingboons, contribuíram para consolidar o conhecimento das costas brasileiras naquela época. Já Caspar Barlaeus escreveu um relato da atuação de Mauricio de Nassau no Brasil, que foi denominado “História dos Feitos Recentemente Praticados Durante Oito Anos no Brasil e Noutras Partes sob o Governo de Wesel, Tenente-General de Cavalaria das Províncias-Unidas sob o Príncipe de Orange” e publicado em 1647. Este livro contém grande número de mapas e ilustrações da região.
Nenhuma equipe de trabalho científico e artística dirigida por homens brancos nos trópicos foi novamente vista com tamanha capacidade e magnitude até as grandes expedições do capitão inglês James Cook e seus sucessores.
Não era de irar que seus compatriotas o apelidassem de “Maurits, de Braziliaan” (Mauricio, o brasileiro).
Idade do Ouro
Nassau entendeu perfeitamente a importância de conciliar os plantadores de cana com a dominação holandesa e seus esforços conseguiram um considerável grau de sucesso neste item. Mesmo sendo um protestante convicto, numa época em que os calvinistas e católicos consideravam-se uns aos outros como inevitavelmente condenados ao fogo do inferno, Nassau deliberadamente tolerou os clérigos católicos locais, apesar da oposição dos ministros calvinistas coloniais.
Em um esforço para evitar os males da monocultura do açúcar, ele promoveu o cultivo de outras culturas, além de reduzir a tributação. Ajudou os plantadores a reconstruírem seus engenhos arruinados pela guerra e a comprar escravos em Angola. Até 1641 nada menos do que 120, de 160 engenhos de açúcar destruídos voltaram a funcionar. A produção total de açúcar durante o seu mandato foi estimado em 218.220 caixas, no valor de 28 milhões de florins.
Nassau observou que o segredo de governar Pernambuco foi lembrar aos comerciantes holandeses a importância objetiva do seu dinheiro e dos seus bens para as suas vidas. Enquanto aos portugueses ele buscava tratá-los com cortesia e polidez excessiva e não com justiça rigorosa e imparcial.
Dança dos Tapuias, índios aliados dos holandeses. Quadro de Albert Eckhout
Os fazendeiros portugueses, segundo ele, eram em sua maioria “muito pobres e muito orgulhosos”. Nassau substituiu os vereadores portugueses pelos magistrados e subdividiu as capitanias em distritos, locais onde as câmaras neerlandesas se fixariam posteriormente. Durante o governo de Nassau a paz entre luso-brasileiros e os neerlandeses se estabeleceu no Brasil e este período ficou conhecido como “Idade do Ouro”.
Mudanças Importantes
Nesse meio tempo, em dezembro de 1640, um complô aristocrático liquidou 60 anos de domínio espanhol sobre Portugal. A revolta bem sucedida foi rapidamente seguida pela adesão de todas as colónias portuguesas (com exceção solitária de Ceuta, até hoje uma das últimas possessões espanholas). Em Junho de 1641 Portugal e a Holanda celebram um tratado de trégua de dez anos quanto às respectivas colônias. No Brasil esta trégua foi vista de forma negativa por ambos os lados.
Dom João IV se tornou o primeiro monarca português da Casa de Bragança e isso apresentou os holandeses com um delicado problema diplomático. Por um lado saudaram o enfraquecimento de seu inimigo tradicional espanhol (com quem os batavos só fizeram a paz em 1648), mas por outro lado eles estavam relutantes em parar seus ataques rentáveis na desintegração do Império Colonial Português.
Antes da trégua de dez anos entrar em vigor os neerlandeses tiveram o cuidado de dominar tanto território ultramarino Português quanto fosse possível. Maurício de Nassau por recomendação dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais mandou ocupar Sergipe e o Maranhão.
Naturalmente esta atitude foi vista de forma muito amarga pelos portugueses, que ao se livrarem jugo espanhol esperavam poder até voltar a dominar parte do que eles tinham perdido no nordeste do Brasil, ou por negociação mediante compra, ou por troca.
Nisso outros problemas foram prejudicando os holandeses no Brasil.
Membro de um grupo de reencenação histórica, com uniforme típico holandês do século XVII.
Devido a fortes enchentes, a safra de açúcar entre 1641 e 1642 foi baixa. A escravaria foi atacada por uma praga de “bexigas” (varíola) vinda de Angola. A queda dos preços do açúcar refletiu-se no valor do preço dos imóveis em Recife, que se reduziu em 1/3. A receita fiscal da Companhia caiu na mesma proporção. Em quatro anos, o tráfego marítimo com a metrópole se reduziu de 56 para 14 embarcações anuais.
Após sete anos, mesmo tendo desenvolvido uma política conciliadora e tolerante, Nassau não conseguiu impedir contradições insolúveis. Divergências entre sua forma de governar e os lucros esperados pela Companhia levaram-no a deixar o cargo e retornar à Holanda e ele partiu em 23 de maio de 1644. A saída de nassau foi lamentada por toda a colônia e marcou o início do declínio da Holanda Brasil.
Logo os novos dirigentes holandeses que sucederam Nassau, sem considerar o testamento político realizado anteriormente pelo príncipe, aram a cobrar a liquidação das dívidas aos produtores de cana inadimplentes. Senhores de engenho e lavradores de cana deviam à Companhia 5,7 milhões de florins e começou a existir a ideia que somente expulsando os batavos é que “se livrariam das dívidas”. Em meio à crise social e econômica, a animosidade mútua entre rígidos calvinistas e católicos fanáticos aumentou rapidamente.
A Rebelião
Consta que em 15 de maio de 1645 (para outros foi em 23 de maio) dezoito líderes insurretos, liderados por João Fernandes Vieira, se reuniram no Engenho de São João, onde am um compromisso para lutar contra o domínio holandês. Afirma-se que neste documento foi escrito pela primeira vez o vocábulo pátria em terras brasileiras.
Retrato anônimo de João Fernandes Vieira, século XVII, Museu do Estado de Pernambuco.
O líder João Fernandes Vieira era ex-sócio dos holandeses no tempo de Nassau e o segundo maior devedor da Companhia quando assumiu a liderança dos insurretos. Uma das primeiras medidas de João Fernandes foi decretar nulas as dívidas que os rebeldes tinham com os holandeses. Houve grande adesão da “nobreza da terra”, entusiasmada com esta “proclamação heroica”.
A rebelião explodiu em 13 de junho de 1645, dia de Santo Antônio de Lisboa. Uma Guerra de Reconquista, ou Guerra de Restauração, que sangrou basicamente Pernambuco por nove anos.
Teoricamente as chances holandesas de eventualmente esmagar a rebelião continuavam excelentes. Estes possuíam o domínio indiscutível do mar, uma vez que os insurgentes não tinha um barco maior do que uma canoa à sua disposição. Mas embora os holandeses pudessem aliviar Recife, ou mesmo bloquear Salvador, eles não fizeram maiores esforços para afastar e dominar os insurgentes.
Embora os insurgentes pedissem auxílio ao rei D. João IV, o monarca português não podia dar ao luxo de antagonizar os holandeses, ajudando abertamente seus súditos no Brasil. Em público ele abandonou a colônia, enquanto secretamente enviava homens e suprimentos por meio da Bahia.
As mal armadas caravelas portuguesas, que levaram estes reforços periódicos, foram frequentemente interceptados pelos holandeses, cujos corsários também realizavam estragos contra os barcos que transportavam açúcar e se dirigiam para Portugal. 249 navios portugueses foram tomados entre 1647 e 1648. Se as perdas portuguesas continuassem neste ritmo a rebelião teria inevitavelmente em colapso, já que não havia uma indústria de armas no Brasil.
Vitória Luso-brasileira
O ponto decisivo da luta veio em abril de 1648, justamente quando as coisas pareciam ficar mais difíceis para os luso-brasileiros. Em março deste ano fortes reforços holandeses chegaram a Recife. Mas um grave problema existia no seio da tropa – os oficiais dos reforços recém-chegados tinham recebido um bônus considerável em dinheiro, ao o que os soldados não tinham recebido nada e os salários estavam em grande parte atrasados. Muitos dos homens que compunham as tropas batavas se recusaram a lutar no dia da batalha, gritando “deixar que aqueles que foram pagos vão a luta; não vamos lutar sem remuneração”.
As Batalhas dos Guararapes, episódios decisivos na Insurreição Pernambucana, são consideradas a origem do Exército Brasileiro. Quadro de Domingos Meireles – Fonte – pt.wikipedia.org
Foi quando em 19 de abril ocorreu a derrota holandesa nos Guararapes!
Os holandeses ainda nem tinham se recuperado deste revés quando veio a notícia da perda de Luanda, em Angola, recapturada em agosto por um esquadrão Português vindo do Rio de Janeiro.
O desastre de Guararapes se repetiu em fevereiro de 1649, em situações ainda pior, mostrando a disposição dos portugueses e dos brasileiros nativos em expulsar os hereges. A partir deste momento os holandeses ficaram praticamente confinados em Olinda e Recife.
Apesar destas derrotas em terra, o resultado da luta ainda estava em jogo. A força naval holandesa permaneceu esmagadoramente superior a de Portugal, mas a eclosão da guerra anglo-holandesa em 1652 (a chamada Primeira Guerra Anglo-Holandesa e travada inteiramente no mar) impediu um esforço realmente determinado de reconquistar Pernambuco. Esta guerra deu a D. João IV a chance de ajudar abertamente os combatentes luso-brasileiros em Pernambuco.
Uma frota partiu de Lisboa para o Brasil em Outubro de 1653 e recebeu ordens de não apenas bloquear Recife a partir do mar, mas de “invadir o local”. Foi uma oportunidade fugaz, mas muito valiosa para Dom João IV. Quando em dezembro a frota chegou diante de Recife e desembarcou homens para reforçar os insurgentes em terra, a guarnição e burgueses holandeses praticamente perderam a vontade de lutar.
Em 26 de janeiro de 1654 os termos da capitulação foram assinados em Recife e todos os outros fortes e lugares ainda em mãos dos holandeses ao longo da costa do nordeste brasileiro se renderam, com todas as honras de guerra, a Francisco Barreto, o comandante de campo português.
Era o fim da ocupação holandesa no Brasil.
Conclusão
O tratado de paz que Portugal concluiu em 1661 com a Holanda (sob forte pressão inglesa), fez os holandeses reconhecerem formalmente a perda de sua colônia sul-americana. Mas o desastre de 1654 marcou duramente este povo em todo o mundo.
Quando prisioneiros holandeses encarcerados pelos portugueses em Goa, na Índia, foram informados da derrota no Brasil, eles se recusaram a acreditar. Comentavam desesperados que “um dia o português pode levar Amsterdam, mas Recife nunca!”. Mas levaram!
Houvessem os holandeses continuado e ampliado a politica istrativa desenvolvida por Mauricio de Nassau, talvez o nordeste brasileiro jamais tivesse voltado a ser português e toda a história holandesa poderia ter cambiado drasticamente.
Mais tarde, gerações de holandeses consideravam que a verdadeira negligência em na perda territorial do nordeste do Brasil foi o fim da idade de ouro da expansão colonial holandesa, que tinha começado com a fundação da Batávia por Jan Pieterszoon Coen, na atual Indonésia, em 1619.
Estas duas cidades são extremamente importantes na minha vida. Quem me conhece pessoalmente sabe da iração que tenho por Pernambuco, seu povo e sua história, mas Recife e Olinda são especiais para mim.
Nada melhor do que trazer antigos postais e fotos destas duas maravilhosas cidades.
A ideia aqui não é fazer nenhuma postagem seguindo uma ordem cronológica rígida, ou utilizar esta iconografia para apontar algum fato específico, mas apenas homenagear estas cidades que escutam o baque solto do Maracatu.
Início do século XX, uma praça chamada Santos Dumont, onde os bancos sob as árvores frondosas eram mais importantes que o espaço dos automóveis. Não posso garantir que seja a atual Praça Santos Dumont na confluência das ruas Couto Magalhães com a Santos Dumont, perto do Estadio do Arruda.
A Praça da República. talvez hoje não seja tão movimentada como este cartão postal pintado a mão mostra, mas ainda mantém muito de sua beleza.
Faculdade de Direito de Recife, onde muita gente do Nordeste, muitos de Natal (entre estes Câmara Cascudo), buscavam o conhecimento.
A Estação Ferroviária Central de Pernambuco, ou apenas Estação Central do Recife, inaugurada em 1885 pela empresa inglesa Great Western, que na época tornou-se proprietária da E. F. Central de Pernambuco, que na época seguia para Jaboatão e depois foi sendo prolongada sucessivamente no sentido oeste do Estado.
Ponte Maurício de Nassau. Local extremamente histórico, esta ponte teve sua construção iniciada em 1640 pelo arquiteto Baltazar de Affonseca, por ordem do conde holandês Maurício de Nassau, feita em madeira, e inaugurada em 28 de fevereiro de 1644, sendo considerada a primeira ponte de grande porte do Brasil e a mais antiga da América Latina.
Uma rua no centro de Recife, em um tempo onde carro não existia. Essa não sei onde é.
Outra vista da Faculdade de Direito, antiga Escola de Direito.
Cais 22 de Novembro, antigo Cais do Ramos ou do Colégio. Se não me engano hoje é o Cais da Regeneração.
Casa de Banhos ficava no dique natural do Porto do Recife, onde atualmente se encontra o Parque das Esculturas de Francisco Brennand e o Farol do Recife. Foi construída em 1880 por Carlos José de Medeiros e no início do Século XX foi bastante frequentada pela sociedade recifense, que para ali se dirigia para tomar banho salgado em suas piscinas naturais. Era uma época onde o recato era muito intenso.
Olinda com sua bela paisagem, suas ladeiras, igrejas e seu casario.
Ponte Buarque de Macedo, sobre o Rio Capibaribe, no centro do Recife. Liga os bairros do Recife e Santo Antônio, tendo sido inicialmente construída em madeira no ano de 1845.
Rua do Sol.
Rua da Aurora.
O belo Seminário de Olinda.
Como todo local deste nosso belo e desigual país, o ado de Recife e Olinda não tinha apenas belezas, mas também locais onde a vida era bem difícil. Sem identificação deste local.
Início do século XX.
Recife e suas igrejas.
Edifícios dos banco River Plate e da Associação Comercial, no encontro das Avenidas Rio Branco e Marquês de Olinda.
Uma enchente do Capibaribe, na Madalena.
Carregamento de açúcar no porto do Recife.
A Ponte 7 de setembro.
O Porto de Recife.
Uma outra vista das docas de Recife, provavelmente entre a década de 1920 e 1930.
Rua Duque de Caxias.
Praça Arthur Oscar.
Jangada que não existe mais.
Jangada e seus jangadeiros, atração da cidade na década de 1950.
Escultura do Barão do Rio Branco, obra do francês Felix Charpeutier, colocada ali em 1917, em bronze com uma altura de 2,5 metros e inaugurada sob um pedestal em pedra de 4,20 m, esculpido por Corbiniano Vilaça, em 19 de agosto do mesmo ano. Dando a obra uma altura de 7 metros. Foto da década de 1930.
Praça da Independência.
O Grande Hotel de Recife. Parece que toda capital brasileira tinha o seu “Grande Hotel”. Sei que existe o daqui de Natal e existe (ou existia?) um em Belém.
Sei que esta casa em formato de um navio ficava em Boa Viagem.
Praia do Pina e seus postes para os bondes elétricos.
Praia de Boa Viagem na década de 1920.
O Banco do Recife
Avenida Alfredo Lisboa.
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Destacamos, neste trabalho, a Igreja mais antiga que se tem conhecimento, e que se encontra em pleno funcionamento: ela encontra-se no município de Igarassu no Pernambuco.
Após a vitória dos portugueses sobre os índios Caetés, nativos daquela região, no ano 1535, por ordem do Capitão Afonso Gonçalves, foi mandado erigir, no local da vitória, uma capela votiva consagrada aos Santos Cosme e Damião. Seu estilo é simples e tende para o maneirista.
Durante o período da invasão holandesa a Igreja de São Cosme e Damião foi depredada, mas reconstruída em 1654. Em 1950, ou por uma restauração que a deixou mais próxima das características iniciais. O monumento foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 25 de maio de 1951.
Igarassu (na língua Tupi: IGA = Canoa + AÇU = Grande), é considerado o primeiro núcleo de povoamento do país e fica a 30km do Recife, no litoral norte da Região Metropolitana, às margens da foz de um rio ao lado da ilha de Itamaracá.
Sendo praticamente um porto natural, o local foi muito requisitado pelos portugueses à época do descobrimento. Suas caravelas ficavam às margens da área onde posteriormente surgiu a vila, que, segundo a tradição, teria sido fundada em 27 de setembro de 1535.
Ao contrário do que muitos imaginam, foi em Igarassu, e não em Olinda, que os portugueses inicialmente se estabeleceram. A localidade de Sítio dos Marcos já contava em 1516 com um dos principais ancoradouros do litoral brasileiro.
Convém destacar que, desde o descobrimento oficial, em 21 de Abril de 1500, até a década de 1530 não houve uma colonização efetiva do território brasileiro. Essa colonização só ocorreu diante da ameaça de outros países europeus “roubarem” da coroa portuguesa o território recém-descoberto. Como é sabido por todos, Pernambuco tornou-se a base para a exploração do norte da colônia.
Aos Santos Cosme e Damião é atribuído o milagre ocorrido no ano 1685, quando as cidades de Recife, Olinda, Itamaracá e Goiana foram assoladas pela febre amarela e Igarassu escapou ilesa da praga.
Outro fato curioso: Igarassu tem um vereador perpétuo: Santo Antônio! O Santo recebe um salário mínimo por mês, que gentilmente é doado por “ele” à manutenção de um orfanato na cidade.
Todo dia 27 de setembro celebra-se o dia dos padroeiros de Igarassu em uma das mais antigas e tradicionais festas populares do País.
FOTOS – ROSTAND MEDEIROS
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Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Na metade da década e 1870, ainda nos tempos do Império do Brasil, a cidade de Natal era uma pequena capital de uma província verdadeiramente insignificante no cenário político e social brasileiro da época.
Antes que alguém fique chateado com esta minha colocação, para se ter uma ideia do que escrevo, segundo o resumo publicado nas páginas 37 e 39, do livro “População do Brazil”, publicado no Rio de Janeiro em 1922, pela “Directoria Geral de Estatistica”, do então “Ministério da Agricultura, Indústria e Commercio”, informa que em 1872, a população potiguar alcançava a cifra de 273.979 almas e a capital então era possuidora de uma população de 20.392 pessoas. Mas esta pequenez populacional não impedia que existissem na nossa cidade pessoas e grupos com ideias interessantes e diferenciadas do quadro geral reinante.
Espiritismo no Brasil
No Brasil, desde a década de 1840, que existiam grupos de pessoas que buscavam o entendimento relativo às questões do espiritismo, principalmente a possibilidade de comunicação com os espíritos através de médiuns. O movimento cresce e vinte anos depois grandes jornais do Rio de Janeiro debatiam em suas páginas aspectos desta Doutrina. Logo são criados centros espíritas na Bahia e Rio de Janeiro.
Em 1869, Luiz Olímpio Teles de Menezes publica o jornal “O Eco D’além Túmulo-Monitor do Espiritismo no Brasil”, considerado o primeiro jornal espirita do país. Em 1873, vinte anos após o lançamento do “Livro dos Espíritos”, ele é traduzido e publicado no país. De autoria do pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que adotou o pseudônimo de Allan Kardec, é o primeiro livro sobre a doutrina espirita e foi o primeiro de uma série de cinco livros editados pelo pedagogo sobre o mesmo tema.
Apenas dois anos depois do lançamento do “Livro dos Espíritos” no Brasil e quase nove anos antes da fundação da Federação Espírita Brasileira, pessoas em Natal decidem fundar um jornal exclusivamente dedicado a debater e propagar a doutrina espiírita na capital potiguar. Em uma quarta feira, 1 de setembro circulou “O Espirita”.
“Informativo Espiritista”
O informativo dizia-se “Informativo Espiritista”, sendo um jornal pequeno, com apenas quatro páginas e era editada em uma redação a Rua Santo Antônio, provavelmente na casa do seu diretor, Manoel Gomes da Silva. O pesquisador Manoel Rodrigues de Melo, em seu livro “Dicionário da Imprensa no Rio Grande do Norte 1909 – 1987”, página 139, comenta que Manoel Gomes da Silva era poeta e prosador. O jornal era impresso na “Typographia Liberal”, conforme está na capa e custavam um mil réis.
É composto de cinco artigos, alguns datados de agosto daquele ano, e um longo poema denominado “Virgem Santíssima”, de autoria de Manoel Gomes da Silva. Aparentemente a maioria dos artigos é de autoria do mesmo autor do poema anteriormente comentado. Em apenas um deles encontramos um autor assinando com o pseudônimo de “Sensus”.
Os artigos vão desde uma apresentação e saudação ao espiritismo, doutrinamento e uma severa crítica aos representantes da igreja católica. Este artigo em particular, intitulado “O Espiritismo e o Padre”, chama a atenção pela virulência das letras, que bem poderia ser um reflexo do clima reinante no Brasil da época.
Área da Santa Cruz da Bica no início do século XX, região próxima a redação de “O Espirita”. Foto Manoel Dantas.
É inegável que neste período a igreja católica predominava como força religiosa em Natal e em todo o Brasil imperial. Mas contestações e conflitos ocorriam desafiando este poderio e o mais importante foi sem dúvida a chamada Questão Religiosa.
Momento de Conflitos Religiosos
No ado as relações entre o Estado e o clero católico sempre foram muito próximos. A Constituição do ano de 1824 estabelecia expressamente que a religião oficial do Estado era o catolicismo e existia uma relação formal entre a Igreja e a Coroa, que atendia aos interesses de ambos. Chegava ao ponto dos membros do clero ter as mesmas vantagens e tratamentos dos funcionários públicos da época, recebendo seus salários através da Coroa.
No final da década de 1860 houve uma forte reação da direção da igreja católica contra instituições que defendiam a secularização e o anticlericalismo, como a Maçonaria, que possuía grande prestígio no Brasil, onde o Imperador Pedro II e vários clérigos da própria igreja católica eram maçons.
Não demorou muito para altos dirigentes da igreja católica atacarem os religiosos ligados à Maçonaria, ameaçando-os
omo um caricaturista viu o conflito entre a Coroa e a Igreja católica. Fonte-http://imagohistoria.blogspot.com
de desligamento de suas atividades religiosas e até de absolvição sacramental. O caso chegou a tal ponto de ruptura que os Bispos de Belém do Pará e de Olinda, respectivamente Dom Antônio de Macedo Costa e Dom Vital, foram processados, presos e condenados a quatro anos de prisão.
Como sempre ocorre entre as classes dirigentes no Brasil, foi conseguida uma acomodação entre o Império e a Santa Sé. Mesmo não estando relacionado diretamente ao fim do Império em 1889, este conflito de ideias criou sérias rupturas entre o Império do Brasil e a igreja católica.
Talvez o momento brasileiro da década de 1870 explique a acidez do artigo de “O Espirita”.
Independente desta questão a existência deste jornal aponta que mesmo Natal sendo uma capital com pouca expressividade no cenário brasileiro do final do século XIX, setores de parte de sua sociedade mostrava que possuíam um pensamento independente da maioria.