GUERRA EM NOME DE DEUS – A PRIMEIRA CRUZADA E O CERCO A JERUSALÉM

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

No século XI, a Europa foi profundamente penetrada pelo Cristianismo que desempenhava um papel central na vida das pessoas, influenciando as suas crenças, valores e cultura. O papado, particularmente sob o Papa Urbano II, consolidou a sua autoridade e procurou expandir a sua influência.

Já a Terra Santa, incluindo a cidade sagrada de Jerusalém, era um importante local de peregrinação para os cristãos. No entanto esses peregrinos enfrentaram muitos obstáculos e violência crescente por parte dos governadores muçulmanos da região. As histórias dos seus sofrimentos desencadearam um profundo sentimento de injustiça entre os cristãos na Europa.

De uma perspectiva cristã, as Cruzadas começaram em 1095, com um discurso apaixonado proferido pelo Papa Urbano II no Concílio de Clermont, apelando para o desenvolvimento de uma cruzada para salvar os cristãos do Oriente e libertar a Terra Santa das mãos dos muçulmanos. Este apelo teve um enorme impacto e mobilizou um grande número de crentes para apoiar a luta. Não demorou e senhores, cavaleiros e camponeses de toda a Europa começaram a responder ao apelo à cruzada.

E para aumentar o contingente de participantes, Urbano II ofereceu aos que seguissem na empreitada o perdão de todos os seus pecados. Uma promessa que, em uma época de ignorância e iniquidade, foi amplamente vista como uma oportunidade de salvação espiritual. Em meio a um enorme desconhecimento geral, a ideia de que o “fim do mundo” estava próximo também era um tema recorrente nessa época e alimentou o fervor religioso dos participantes. Os crentes também acreditavam que a libertação da Terra Santa poderia ser um prenúncio da segunda vinda de Cristo.

A Primeira Cruzada foi um empreendimento extraordinário, marcado por uma viagem perigosa por terras hostis e batalhas épicas. Com a sua complexa mistura de motivações religiosas, políticas e sociais, marcaria o início de uma série de eventos que mudariam para sempre a face do Oriente Médio e da Europa medieval.

Bárbaros e Vivendo em Chiqueiros

É claro que os muçulmanos nada sabiam sobre tal discurso. Também não havia uma palavra específica para definirem as “cruzadas”. Do ponto de vista deles, a agressão dos povos vindos do norte contra as terras muçulmanas começou muito antes, nomeadamente em 1061, quando um governante normando chamado Robert Guiscard começou a atacar a Sicília islâmica. O mais chocante para os islamitas foi que ele teve sucesso na sua empreitada, pois a ideia existente sobre os europeus era a pior possível.

Para os seguidores de Maomé o mundo que eles conheciam estava literalmente de “cabeça para baixo”. Em seus mapas o sul ficava no topo e o norte embaixo. Isto porque, segundo os maiores e mais respeitados cartógrafos muçulmanos, não havia nada de interessante mais ao norte. Ali ficavam os países dos cristãos, todos chamados de “francos” pelos islâmicos.

Esses países do norte eram conhecidos por serem úmidos e escuros, com uma cultura terrivelmente atrasada, onde todos, incluindo os reis, obedeciam a um senhor ditatorial chamado “il-baba”: o Papa. E para piorar a visão mulçumana, os viajantes que lá estiveram relataram que esses francos “só se lavavam duas vezes por ano”.

Então eles eram sujos e estúpidos, pensavam os mulçumanos, e não era de irar que os francos fossem propensos ao fanatismo religioso. Para o mundo islâmico a religião cristã parecia mais ridícula do que perigosa, sendo considerada intelectualmente pobre e onde dificilmente eles poderiam utilizar das escrituras cristãs quaisquer de suas regras para a vida quotidiana.

Os muçulmanos da Idade Média viviam, é claro, no melhor de todos os climas – onde as temperaturas eram moderadas e propício ao surgimento de uma civilização urbana e rica. Os francos, por outro lado, viviam lá no norte, numa área onde o sol pouco brilhava e o clima os condenou a permanecerem bárbaros e vivendo em chiqueiros.

Os francos pomposamente chamavam a concentração de algumas dezenas de milhares de pessoas de “cidades”, enquanto os muçulmanos viviam juntos há muito tempo em centros urbanos de centenas de milhares, com modernas infraestruturas e todos lavavam-se regularmente. Para os mulçumanos eles viviam no “Dar al-Islam”, ou seja, “o território islâmico”, o lar de uma civilização dinâmica, sustentada por uma população diversificada e uma economia robusta.

Em outras palavras, segundo Paul M. Cobb, historiador da Universidade da Pensilvânia especializado na história do mundo islâmico na Idade Média, “há mil anos no Cairo, Bagdá, ou em Córdoba, a visão da região onde viviam os francos era de uma área desagradável, cheia de lunáticos fedorentos e sobre a qual pouco se sabia”.

E esse desconhecimento faria com que os seguidores de Maomé pagassem um alto preço em sangue. Da pior maneira eles descobriram que esses francos, mesmo vivendo seu dia a dia com todos os defeitos possíveis e imagináveis, possuíam uma coragem desmedida, que os ajudavam a sobreviver em meio a uma natureza cruel e uma existência onde a belicosidade era algo permanente. Para tanto faziam uso de armas poderosas e bastante modernas para a época, além de táticas de combate desconhecidas no Islã.

A Conquista Sangrenta da Cidade Santa

Os cavaleiros e peregrinos cristãos partiram em 1096, onde as primeiras etapas da cruzada levaram-nos pela Europa Oriental. No caminho enfrentaram obstáculos como as montanhas dos Balcãs e rios caudalosos. Em Constantinopla foram recebidos pelo imperador bizantino Aleixo I Comneno.

Até chegar a Cidade Santa os cruzados realizaram numerosos cercos a fortalezas muçulmanas e participaram de batalhas ferozes. Um dos momentos mais famosos foi o Cerco de Antióquia, que começou em outubro de 1097, onde os Cruzados aram enorme sofrimento antes de finalmente tomarem essa cidade em junho do ano seguinte.

Demoraria mais um ano para finalmente, no início de junho de 1099, os cruzados chegarem ao seu destino final: Jerusalém. 

O problema foi que na chegada os suprimentos se tornaram escassos, o clima estava bem opressivo e os primeiros ataques falharam porque a cidade estava muito bem fortificada. Também se soube que um exército de socorro vindo do Egito estava a caminho. Para completar o quadro os defensores encheram de areia todos os poços de água que existiam em frente à cidade, mandaram cortar todas as árvores para dificultar o cerco e a água que os cruzados conseguiram de uma fonte distante era de má qualidade.

Liderados pelos ses Godfrey de Bouillon e Raymond de Toulouse, eles partiram para um esforço final. Os cruzados – cerca de 1.300 cavaleiros e 12.000 homens de infantaria, bem como numerosos peregrinos – perceberam que as muralhas da cidade não poderiam ser superadas sem máquinas de cerco. Mesmo assim os líderes do exército cruzado decidiram atacar a cidade em 13 de junho de 1099. Apesar da tenacidade dos francos e da captura temporária das fortificações do norte, o ataque falhou.

Depois de alguma busca, conseguiu-se madeira na distante Samaria, que foi trazida para construir torres de cerco, aríetes e catapultas. Depois de um cortejo ao redor da cidade para mostrar aos inimigos o seu poderio, o assalto dos cruzados foi organizado para ocorrer na noite de 14 de julho e assim ocorreu. A luta nas muralhas foi feroz e sangrenta e não demorou para uma torre superar os fossos exteriores. Ao meio-dia de 15 de julho, os cristãos tomaram um trecho da muralha norte e pouco depois a Cúpula da Rocha caiu.

A captura de Jerusalém foi um momento de triunfo para os Cruzados, mas também um momento de grande tristeza para os moradores da cidade. O medievalista britânico Steven Runciman escreveu que os francos, completamente alucinados depois de tanto sofrimento e privação, correram pelas ruas, casas e mesquitas como que possuídos por demônios. Ele se baseia em relatos de testemunhas oculares como este: “– Eles mataram todos os inimigos que puderam encontrar com o fio de suas espadas, independentemente de idade ou posição. E havia tantas pessoas mortas e tantas pilhas de cabeças decepadas espalhadas por toda parte, que por todos os caminhos ou agens só se encontravam cadáveres”.

Conquista de Jerusalém pelos Cruzados, por Émile Signol, no Palácio de Versalhes, Paris, França.

Cronistas cristãos e muçulmanos relatam que no massacre cruel da conquista de Jerusalém, além da população muçulmana e judaica que viviam na cidade, também foram vítimas os cristãos coptas e sírios. Segundo fontes muçulmanas, cerca de 70 mil muçulmanos, judeus e cristãos orientais foram mortos no banho de sangue. Os cronistas cruzados afirmaram que foram 10.000 vítimas. O historiador britânico Thomas S. Asbridge segue uma fonte judaica que fala de 3.000 mortes.

Os elevados números de testemunhos muçulmanos refletem, por um lado, o choque face ao sucesso inesperado da invasão estúpida e suja e por outro um alerta e incentivo para que no futuro eles não perdessem de vista a reconquista da cidade. A disputa sobre números, resume Asbridge, “– Não muda a matança sádica levada a cabo pelos Cruzados”.

Mesmo com as vestes, as mãos e as armas salpicadas de sangue, um serviço religioso de ação de graças foi organizado pelos vencedores na Igreja do Santo Sepulcro.

Depois que Raimund rejeitou a ideia de se tornar regente de Jerusalém, Gottfried assumiu o governo da Terra Santa como advocatus sancti sepulchri (“Protetor do Santo Sepulcro”) e regente do recém-estabelecido Reino de Jerusalém. Sob sua liderança, o exército do Califrado Fatímida foi derrotado na Batalha de Ascalão, em 12 de agosto de 1099. Isso encerrou a Primeira Cruzada.

Senhores de Jerusalém

Quando os autores islâmicos medievais pensavam em tais ataques observavam que os francos, mesmo sendo bárbaros e impuros, foram capazes de alcançar tais sucessos por conta da desunião interna dos próprios mulçumanos.

Na verdade, os residentes de “Dar al-Islam” não se davam muito bem. Na melhor das hipóteses, mulçumanos sunitas e xiitas viviam juntos numa espécie de guerra fria. Já os governantes Fatímidas no Egito e os seguidores do califa em Bagdá eram inimigos um do outro.

Para os estudiosos mulçumanos essa desunião fez com que os cruzados conseguissem conquistar quatro pequenos estados: o Reino de Jerusalém, o Condado de Edessa, os Principados de Antióquia e Trípoli. A unidade muçulmana chegou tarde demais!

Mas estados cruzados não eram cercados por muros e as relações entre os invasores vindos da Europa e os povos civilizados do Oriente não eram totalmente hostis. Houve fortes negociações nos mercados de Jerusalém e Acre. Os mercadores cristãos estavam interessados ​​nos seguintes produtos: pimenta, gengibre, açúcar do Vale do Rio Jordão, têxteis, marfim, ouro e porcelana. Os mercadores muçulmanos queriam em troca tecidos de lã, grãos, prata, madeira, ferro e escravos. Foi assim que o cheque (de sakh, carta de crédito) migrou para as línguas europeias. Da mesma forma a tarifa (de ta’arif, notificação). Já os muçulmanos aram a saber o que era um “sarjand” (um sargento) e quem era o “al-ray-dafrans” (que significa “le roi de ”).

Os francos permaneceram senhores de Jerusalém por 88 anos (1099-1187).

Uma Cidade, Muitos Conquistadores

Para o mercenário sírio Usama ibn Munqidh, os francos eram a prova viva de que os caminhos de Alá eram insondáveis – afinal, apesar da sua bestialidade, conseguiram alcançar vitórias brilhantes. Ele relatou que com o ar do tempo alguns europeus se aclimataram, ou seja, civilizaram-se, e procuraram a companhia dos muçulmanos. “São muito melhores do que aqueles que chegaram recentemente dos seus países, mas são uma exceção e não devem ser considerados representativos.”

Osama não conseguia encontrar muitas virtudes nos francos, além da coragem – que ele suspeitava provir de sua estupidez. Um dia alguns cruzados tentaram atacá-lo enquanto ele orava em direção a Meca. Esses idiotas nunca tinham visto nada assim! Felizmente, seus camaradas os impediram. Mas apesar do seu desdém fundamental, Osama encontrou alguns amigos entre os francos. Um deles, um Cavaleiro Templário, chegou a chamá-lo de “seu irmão” e se ofereceu para levar seu filho para a Europa “onde ele poderia aprender a razão e o cavalheirismo com os cavaleiros”, algo que, infelizmente, não aconteceu. Pois nos privou nos dias de hoje da leitura de um emocionante relatório de viagem e poderíamos saber que efeito teria a Europa medieval sobre um muçulmano instruído!

Mas voltando ao período das cruzadas – No final foi Nácer Saladim Iúçufe ibne Aiube, mais conhecido como Saladino, um chefe militar curdo muçulmano que se tornou sultão do Egito e da Síria, que liderou com eficácia a oposição islâmica aos cruzados europeus no Oriente Médio.

Paul M. Cobb chama Saladino de favorito de “historiadores, ditadores e outros criadores de mitos”. Isto é absolutamente verdade – para a retrospecção islâmica, Saladino aparece como o libertador do Oriente Médio.

A verdade é que quando ele entrou vitoriosamente em Jerusalém em 2 de outubro de 1187 – uma sexta-feira – e limpou a mesquita de Al-Aqsa e a Cúpula da Rocha dos símbolos cristãos, ele já havia travado uma guerra contra os inimigos islâmicos durante 33 meses (especialmente os Fatímidas no Egito, a quem ele destronou e substituiu pelo seu próprio clã). A luta contra os “francos impuros” foi na verdade apenas um pós-escrito, uma reflexão tardia.

Também é verdade que Saladino, como vencedor, era capaz de magnanimidades. Ele deixou a Igreja do Santo Sepulcro, que segundo a crença cristã era o local onde Jesus foi sepultado, de pé, embora houvesse vozes instando-o a destruir este eterno objeto de discórdia.

Se Saladino foi quem recapturou Jerusalém para o mundo islâmico em 1187, ela foi novamente perdida para os cristãos 42 anos depois, na Sexta Cruzada, no ano de 1229 e quem recebeu a cidade nas suas mãos foi Frederico II da Alemanha. Dez anos depois os cristãos perderam Jerusalém mais uma vez. Quem a conquistou foi an-Nasir Da’ud, o emir de Kerak (hoje uma cidade na Jordânia). Quatro anos depois, em 1243, a cidade sagrada voltou novamente ao poder dos cristãos, mas por um período muito breve. No ano seguinte o Império Khwarezmiano, grupo muçulmano sunita de origem mameluca turca, tomou novamente a cidade para os seguidores de Maomé.

Jerusalém então permaneceu islâmica por longos 673 anos, até o dia 11 de dezembro de 1917, quando o general britânico Edmund Henry Hynman Allenby, 1º Visconde Allenby, entrou a pé com suas tropas na Cidade Santa. Isso ocorreu após os britânicos vencerem os turcos otomanos na Campanha da Palestina, durante a Primeira Guerra Mundial.

30 anos depois, em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou um plano que dividia a Palestina em dois estados: um judeu e um árabe. Cada estado seria composto por três grandes secções, ligadas por encruzilhadas extraterritoriais, mais um enclave árabe em Jaffa. A Jerusalém expandida cairia sob controle internacional como um Corpus Separatum.

Mas após a Guerra Árabe-Israelense de 1948, Jerusalém foi dividida. A metade ocidental da Cidade Nova tornou-se parte do recém-formado estado de Israel, enquanto a metade oriental, juntamente com a Cidade Velha, foi ocupada por tropas da Jordânia.

Essa situação durou até a mítica Jerusalém ter sido totalmente capturada pelas Forças de Defesa de Israel em 7 de junho de 1967, durante a Guerra dos Seis Dias. Desde então já são 57 anos de domínio judeu em Jerusalém.

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UM POUCO DA HISTÓRIA E DO SIMBOLISMO DA FESTA DE NATAL

O Natal é um feriado cristão que nasceu para celebrar o nascimento de Jesus Cristo, que aconteceu em Belém, na Judéia (hoje Palestina), entre 2006 e 2013 anos atrás.

Todos os anos, no dia 25 de dezembro em todo o mundo, o nascimento do Menino Jesus é celebrado com uma evocativa Missa da Meia-Noite, preparando o presépio, enfeitando a árvore de Natal, trocando presentes, cantando canções, preparando doces e comidas especiais para serem consumidas em família e repetindo cerimônias e ritos diferentes para cada país da terra.

25 de dezembro é uma data simbólica que está ligada ao solstício de inverno e a um festival pagão romano introduzido pelo Imperador Aureliano em 274 DC: o “Natal do Convite”, que não era outro senão o “Sol Invictus”, divindade solar de Emesa, ou o “dia do novo sol”.

Na Itália, o Natal está ligado à preparação do presépio, que se constrói em muitas casas, em todas as igrejas, praças e lugares públicos. A tradição remonta ao primeiro presépio vivo de São Francisco de Assis que em 1223, em Greccio, quis reviver o nascimento de Jesus na véspera de Natal em um ambiente natural. As primeiras estatuetas, algumas das quais estão preservadas em Santa Maria Maggiore, em Roma, sendo esculpidos em madeira por Arnolfo di Cambio em 1280.

Já os cristãos ortodoxos celebram o Natal em 6 de janeiro.

Além do presépio e do São Nicolau (e das adaptações do santo que foram feitas em todas as partes do mundo e ao longo do tempo), não há símbolo mais representativo da árvore para as festas de Natal.

A história da árvore de Natal (ou árvores de Natal, já que são utilizadas diferentes espécies) segue de perto a história da mesma Natividade e a necessidade do Cristianismo de construir sua própria simbologia, assimilando as tradições e símbolos das religiões pré-pagãs, existentes por toda parte Europa (sincretismo). 

Tradições e símbolos a serem eclipsados. Como aqueles relacionados ao culto de Saturno, deus da agricultura, ou ao de Mitras. Ambos, em épocas diferentes, celebrados na mesma época do ano, no solstício de inverno. Este é um dos motivos pelos quais se decidiu, apenas no século IV, celebrar o nascimento de Cristo no dia 25 de dezembro, ainda que na época não fosse costume celebrar-se o aniversário de nascimento de alguém. Então, que metáfora melhor do que uma árvore, que germina, cria raízes, cresce, ramifica e gera sementes para se reproduzir? 

E nada melhor do que uma árvore “perene”, capaz de transmitir a mensagem de renovação e imortalidade?

Presenças e sinais nas origens de nossas árvores de Natal podem ser encontrados nas mais antigas culturas pagãs. Os romanos decoraram suas casas com ramos de pinheiro e outras sempre-vivas nos Kalends de janeiro. 

Entre os celtas, sacerdotes e sacerdotisas druidas (do duir gaélico, ou seja, carvalho) usados ​​para decorar suas árvores perenes, abetos e pinheiros vermelhos, para as celebrações do dia mais curto do ano. 

Entre os vikings do extremo norte da Europa, onde o sol “desaparecia” durante semanas em pleno inverno, na semana anterior e posterior ao dia da noite mais longa, eram celebradas solenidades para desejar o retorno do sol e da vida. O abeto, tão difundido nessas latitudes, era considerado capaz de expressar poderes mágicos, pois, ao contrário das bétulas e da sorveira-brava e das poucas outras árvores decíduas capazes de resistir à rigidez boreal, não perdia as folhas nas geadas do inverno.

Os abetos foram cortados e trazidos para casa, enfeitados com frutas, lembrando-nos a fertilidade que a primavera iria devolver às árvores. E quando os primeiros missionários chegaram às regiões escandinavas, o uso da árvore de Natal também começou a se espalhar como um símbolo cristão. No início da Idade Média, as primeiras árvores de Natal eram chamadas de “árvores do Paraíso” e eram decoradas com maçãs (clara alusão ao pecado original) e hóstias (fragmentos do corpo de Cristo sacrificados para pagar pelo pecado original). Com o tempo, os anfitriões foram substituídos por velas, nozes, castanhas, doces e biscoitos, como símbolos da redenção de Cristo.

Uma lenda diz que São Bonifácio de Crediton, uma vila inglesa em Devon, que veio para a Alemanha em 716 para pregar às tribos germânicas pagãs e convertê-las ao cristianismo, encontrou um grupo de pagãos dispostos a sacrificar um menino enquanto adoravam um carvalho. No ímpeto e para interromper o sacrifício, São Bonifácio atirou-se com um machado contra o carvalho e quando o derrubou, para seu espanto, viu um magnífico pinheiro surgir do toco do carvalho. São Bonifácio leu este acontecimento como um sinal da fé cristã e desde então os seus seguidores começaram a decorar aquela árvore com velas, para que o Santo pudesse pregar aos pagãos ainda à noite.

A primeira utilização, documentada por textos, da árvore como símbolo do Natal e do Ano Novo remonta ao século XVI. A Irmandade dos Blackheads, uma associação de comerciantes locais solteiros e armadores, deu vida em 1510 ao ritual de colocar uma árvore no centro da praça principal de Riga (Letônia) e, em seguida, atear fogo na véspera de Ano Novo. Na praça, entre a igreja de San Pietro e o prédio da Confraria, existe hoje uma placa comemorativa da primeira árvore de Natal e Ano Novo ( www.firstchristmastree.com ).

O historiador Balthasar Russow em 1584 descreveu a tradição de um abeto decorado na praça onde os jovens “vêm com uma multidão de meninas e mulheres, cantam, dançam e depois colocam fogo no pinheiro”.

Talvez essa lenda explique porque em tempos mais recentes é creditado a Alemanha como sendo a pátria da árvore de Natal.

Os alemães desenvolveram uma versão própria: um pinheiro para ser instalado dentro de casa e decorado com velas e presentes, o Tannenbaum. A tradição se consolidou no século XIX quando a família real britânica, de descendência alemã, fez a primeira árvore de Natal, dando início a uma tradição que se tornaria global.

Igualmente no final do século XIX na Itália foi introduzido o costume de decorar árvores de Natal. Com o tempo, fitas e velas foram adicionadas às guirlandas, até o século XIX, quando alguns artesãos suíços e alemães criaram decorações de vidro soprado.Em todos os países do mundo, pratos tradicionais são oferecidos na ceia de Natal ou no almoço de Natal.

Na Itália a tradição da ceia de Natal é muito viva, à base de enguia ou outro tipo de peixe, linguiça de porco ou zampone com lentilha ou peru recheado com castanhas.

Na Alemanha, a tradição natalícia começa a partir de 11 de novembro, vai até 6 de dezembro, quando São Nicolau traz para as crianças chocolates, casas feitas com pão apimentado e outras iguarias para terminar na véspera de Natal com pratos de porco gigantescos, saladas de macarrão, linguiças brancas e outros especialidades regionais.

Após a Missa da Meia-noite, os ses sentam-se em torno de mesas ricamente dispostas chamadas “le reveillon”. O cardápio, que varia de acordo com a região, é composto por pato, macarrão feito com farinha de trigo sarraceno e creme de leite, peru com castanhas, enquanto para os parisienses, ostras e foie gras.

Sugestiva é a ceia de Natal na Rússiaque se comemora no dia 6 de janeiro, onde não se come carne, mas Kutya, uma espécie de sopa de trigo e mel, símbolo de esperança e felicidade. O kutya é comido no mesmo prato colocado no centro da mesa e representa a unidade da família.

Mesmo na Polônia, apenas alimentos magros são consumidos: peixes ou vegetais. Gorduras como manteiga ou óleo não são usadas para fazer sobremesas.

A véspera de Natal é chamada de “Festa da Estrela”, e a tradição diz que a ceia de Natal começa apenas quando a primeira estrela aparece no céu.

A véspera de Natal na Dinamarca é ada com a família, decorando a árvore com bolas e bandeiras dinamarquesas e preparando o tradicional almoço que inclui ganso assado com repolho e batata preta.

Nos dias atuais me parece que muitos procuram de todas as maneiras erradicar e esquecer o Natal e sua simbologia.

Pessoalmente eu creio que, mesmo agora, qualquer religião ou coisa inventada pela mente ou mão humana é imperfeita.

Mas creio que não podemos esquecer a nossa história, mostrar-nos hipócritas ou surdos para o que foi, o que fomos e talvez, no fundo, ainda sejamos. 

Talvez melhor seja você conceder um dia para estar perto de quem se gosta!

Reserve um momento para colocar sua vida em perspectiva, colocando suas prioridades em ordem. Encontre tempo para pensar nos outros, sejam eles amigos ou familiares. Sendo forçado a fazer uma pausa, emergindo à força do frenesi do mundo consumista. 

Encontrar descanso de uma vida de labuta e sacrifício. Encontrar pessoas distantes ou simplesmente poder parar e respirar fundo. Esses são alguns dos temas seculares que dão sentido ao Natal, indo além dos rituais e costumes religiosos, muitos dos quais se originaram bem antes do cristianismo.

Nesta louca dança dos séculos, deve-se ter em mente que, como dizia o grande Lavoisier, “tudo se transforma, mas nada se destrói”.

Feliz Natal a todos!!!

A HISTÓRIA DE UMA FAMÍLIA DE JUDEUS QUE FUGIU DAS PERSEGUIÇÕES EM SUA TERRA E VIERAM PARA A CIDADE DE NATAL PARA VIVER EM PAZ

E A ESTRANHA SITUAÇÃO DOS NATALENSES NO SÉCULO XXI, QUE BUSCAM AS SUAS ANTIGAS RAÍZES JUDAICAS PARA FUGIR DA ATUAL E CRESCENTE VIOLÊNCIA EM SUA TERRA

Rostand Medeiros – IHGRN

Nos últimos anos no Rio Grande do Norte é notório que várias pessoas buscam ardentemente nas histórias dos seus anteados uma pretensa ligação com a fé judaica.

Isso é bem interessante para quem vive no Rio Grande do Norte.

Pois esse é um Estado onde é perceptível que a sua classe dirigente (de todas as orientações ideológicas) pouco se importa com os temas ligados à nossa cultura e a nossa própria história. São dirigentes que pouco sabem e pouco utilizam como ferramentas positivas para o crescimento da cidadania potiguar as nossas interessantes e ricas manifestações culturais, ou dos fatos ligados ao nosso ado. Dito isso, é inegável que essas buscas individuais por uma pretensa “Raiz judaica” chamam a minha atenção.

Percebi que esse movimento de potiguares em busca da “Estrela de Davi” se tornou tão intenso, que ao publicar algumas postagens relacionadas com esse tema no “TOK DE HISTÓRIA”, todas tiveram muita procura e intensa visibilidade.

A Estrela de Davi na mais antiga cópia completa sobrevivente do texto massorético, o Códice de Leningrado, datado de 1008 – Fonte – https://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/788679/jewish/Star-of-David-The-Mystical-Significance.htm

Busca Da Fé?

Tal como o autor desse texto, cujos anteados imigraram do Velho Mundo para viver em solo potiguar no início do século XVIII, muitas das pessoas que buscam suas “Raízes judaicas” possuem histórias semelhantes em relação aos seus anteados.

Soldados romanos carregando os despojos das guerras judaicas – Fonte – http://www.bible-history.com/archaeology/rome/arch-titus-menorah-1.html.

Mesmo que já tenha se ado quase três séculos que essas pessoas aqui chegaram para povoar as terras potiguares, mesmo que não exista nenhuma ligação com terra de onde esses antigos vieram, mesmo tendo avós, bisavós e tataravós que nasceram em nosso sertão e debaixo do credo cristão, nos dias atuais muitos insistem e persistem arduamente nessa busca por essa “Estrela Perdida”.

Levado unicamente pela curiosidade, sempre que me encontro com aqueles que desejam se ligar (ou já se ligaram) ao judaísmo através das histórias dos seus anteados, eu não perco a oportunidade de questionar a razão desse esforço e dessa busca.

Nos diálogos que tive percebi que alguns realmente acreditam nessa antiga ligação religiosa, que levam o tema a sério, estudam e pesquisam bastante os fatos. São pessoas que possuem informes orais que, segundo eles, provam essa ligação de maneira concreta e afirmam que seus anteados realizavam em datas determinadas certos atos e ações que apontam para essa ligação com a fé judaica. Em meio a certos critérios, percebi que eles possuem pura e simplesmente a fé nessas teses. E sobre fé eu nada comento, apenas respeito!

Imagem meramente ilustrativa – Fonte – https://www.cidadania4u.com.br/aporte-europeu-saiba-tudo-sobre-ele/

Mas outros com quem dialoguei, vários inseridos nos setores sociais mais privilegiados da sociedade potiguar, essa busca pouco tem relação com a vontade de realmente se ligar a uma religiosidade praticada pelos antigos. Observei que para essas pessoas, a pretensa descoberta dessas ligações antigas se resume unicamente em conseguir determinados mecanismos que lhes facilitem a conquista de um aporte estrangeiro para imigrar para outro país.

Pude notar que para esses que buscam suas “Raízes judaicas” como forma de facilitar sua saída do Brasil, várias são as razões pessoais para realizar esse tipo de projeto. Entretanto houve uma unanimidade nesses diálogos – A existência da violência urbana em Natal como principal motivador dessa mudança.

Ouvi repetidamente que “Natal está muito violenta”, que tem “Muito medo de viver em Natal”, ou medo de “Criar filhos em um lugar tão violento” e um até me disse que “Valia a pena até virar judeu para ir embora”.

E é verdade. Faz tempo que a capital potiguar deixou de ser o lugar idílico, calmo e tranquilo que conheci na minha juventude.

Protesto na Praia de Ponta Negra, em Natal, em 2017. O belo cartão postal da capital potiguar virou um “cemitério” em protesto por número de homicídios no Rio Grande do Norte naquele ano – Fonte – Reprodução/Inter TV Cabugi – https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/06/05/rio-grande-do-norte-tem-a-maior-taxa-de-homicidios-de-jovens-do-brasil-diz-atlas-da-violencia.ghtml

A nossa violência urbana, igualmente comum em outras grandes cidades brasileiras, por aqui avançou (e avança) de forma contundente e intensa. Muitas são as razões para esse fenômeno, sendo claro que as fortes desigualdades econômicas e sociais amplificadas nas últimas décadas, muito contribuíram para essa terrível mudança. Mas foi (e ainda é) algo tão forte, tão avassalador, que mudou totalmente nossos hábitos de convivência e de agir no dia a dia. E não posso esquecer que nas nossas periferias continuam a ser assoladas por uma matança incrível e cotidiana, onde os maiores atingidos são principalmente os jovens pobres e negros.

Pastores judeus da Bessarábia – Fonte – https://www.jewishgen.org/yizkor/pinkas_romania/rom2_00279.html

Foi quando percebi que essa situação contemporânea envolvendo potiguares, possui uma certa relação com os judeus membros das famílias Mandel, Schor, Ribenboim, Genes, Weinstein e Axelband, que devido a violência contra a fé judaica na Bessarábia, deixaram a sua terra na primeira metade do Século XX para encontrar na cidade de Natal aquilo que muitos atualmente sentem que perderam – Paz e tranquilidade para viver e crescer.   

Uma Região Intensa e Complicada

Possuindo uma área de 45.630 km², pouco menor que o estado do Espírito Santo, a Bessarábia fica localizada na Europa Oriental e na atualidade dois terços dessa região se encontram na República da Moldávia e uma pequena parte na República da Ucrânia. Mas no início do século XIX sua área era um principado vassalo aos turcos otomanos, que ou ao Império Russo através de negociações.

Em 1856, após a Guerra da Criméia, a Bessarábia fez parte de uma Moldávia independente, causando a perda do Império Russo o ao rio Danúbio, situação a qual não se conformaram. Através de negociações e ameaças, a região voltou para o domínio dos Czares em 1878. Mas em 1917, em meio a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, a Bessarábia ou a fazer parte do então Reino da Romênia, cujas tropas invadiram a região em troca da agem livre das tropas alemãs para a Ucrânia. O governa da recém criada União Soviética não se conformou com a situação e ou a considerar essa área como sua, além de se colocava politicamente favorável a retomá-la, a força se necessário. 

Até esse período, pelas idas e vindas em sua história, dá para perceber que a Bessarábia viu muita coisa acontecer, principalmente o sangue da sua gente derramado em várias guerras. E os judeus que lá viviam estavam sempre propensos a sofrerem com essa volatilidade política, mesmo vivendo nessa região ha séculos.

Os Judeus se estabeleceram na Bessarábia no século XV, formando comunidades mais ou menos numerosas. Com o tempo começaram a participar ativamente do comércio local, tornando-se conhecidos pela fabricação de bebidas alcoólicas. Um censo realizado em 1900 apontou que viviam na Bessarábia 1.935.000 pessoas, sendo 219.000 judeus. Eles dividiam esse espaço com romenos, russos, ucranianos, búlgaros, povos de origem turcas e minorias de origem grega e alemã. Provavelmente nesse período ali viviam os membros das famílias Mendel, Schor, Ribenboim, Genes, Weinstein e Axelband.

Segundo um conjunto de fichas que classificaram os estrangeiros residentes em Natal, produzidas pelo Departamento de Segurança Pública em 1937 e atualmente guardada no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte, descobri que dezesseis judeus, dessas seis famílias comentadas, vieram da Bessarábia e desembarcaram no Brasil entre 1912 e 1935. A maioria dessas pessoas inicialmente desembarcou em outras capitais brasileiras, para depois seguirem em momentos distintos para Natal. Eram homens e mulheres com idades variando de 61 a 19 anos, vindos das cidades de Secureni e Ataki, localizadas a nordeste da Bessarábia e distantes apenas 28 quilômetros uma da outra.

Historicamente os judeus que viviam na região de Secureni, onde consegui melhores informações, viviam do pequeno comércio, plantavam tabaco e beterraba, derrubavam e vendiam madeira, tinham moinhos de farinha e negociavam com cavalos, ovelhas, frutas e vegetais. Entre eles também haviam carpinteiros, sapateiros, peleteiros, serralheiros e outros profissionais.

Se no início do século XX essas duas cidades faziam parte da Romênia, atualmente Secureni, hoje chamada Sokyryany, fica no Condado de Chernivsti, na Ucrânia, ao lado da fronteira da República da Moldávia, onde a poucos quilômetros se encontra a antiga Ataki, atual Otaci.

Perseguições

Na primeira metade do século XIX, os judeus que viviam na Bessarábia não estavam sujeitos a perseguições dos russos. Mas em 1835, quando essa região estava gradualmente começando a perder sua autonomia e as ações de maior fortalecimento da população russa se multiplicaram, as leis antijudaicas começaram a ser aplicadas na Bessarábia, com a criação de vários decretos que tornaram a vida deles bastante complicada.

Judeus começaram a ser segregados nas grandes cidades, proibidos de estudar, impedidos de possuir propriedades e ainda exilados e isolados em pequenas aldeias espalhadas pela Europa Oriental.

As sociedades europeias da época possuíam um grande número de judeus integrados, participando até mesmo das esferas políticas, militares, econômicas e intelectuais. Apesar disso existiam fortes correntes antissemitas, de raízes religiosas ou não, na opinião pública europeia da época. Entre os cristãos europeus mais devotos, os judeus eram considerados como os “Algozes de Jesus” e outro tipo de preconceito bastante forte era o de ordem econômica. Diante desse quadro, não demorou para à situação dos judeus na Bessarábia piorar.

Macabro resultado do Primeiro Progrom de Chisinau em 1903.

Em 6 a 7 de abril de 1903, na cidade de Chisinau, atual capital da Moldávia, durante o Pessach, a Páscoa judaica, habitantes locais foram incentivados por autoridades do Império Russo para organizarem um “pogrom”, ou seja, uma série de ataques massivos, espontâneos contra os judeus, caracterizado por assassinatos, espancamentos, assédio, destruição de casas, de negócios, templos religiosos e outros ataques violentos. 

O chamado Primeiro Pogrom de Chisinau deixou 49 judeus assassinados, entre estas várias crianças. Cerca de 500 pessoas ficaram feridas, 1.500 casas e lojas judias foram parcialmente ou totalmente destruídas e 2.000 famílias judias ficaram desabrigadas.

Este pogrom abalou a população judia do Império Czarista e marcou uma virada na opinião pública judaica e mundial. Isso foi seguido por um novo aumento nas ondas de emigração de judeus da Europa Oriental para os Estados Unidos e para à Palestina.

O Presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt chama a atenção do Czar da Rússia Nicolau II para o massacre de Chisinau.

Uma das consequências desse ataque foi a vinda de 267 judeus da Bessarábia, distribuídos em 37 famílias, para formar uma colônia agrícola no Brasil, que ficou conhecida como Colônia Philippson. Eles chegaram em 18 de outubro de 1904 para ocupar uma área de 4.472 hectares, na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. 

Mas não demorou e os judeus da Bessarábia levaram uma segunda dose de violência. Entre 19 e 20 de outubro, novamente em Chisinau, ocorreu um segundo progrom, com 19 mortos. Dessa vez o número de vítimas foi menor porque os judeus resistiram em algumas áreas e chegaram a matar alguns atacantes. Já na área das cidades de Secureni e Ataki não ocorreram ataques dos russos, mas o medo ou a ser a tônica do dia a dia desses judeus, que poucos anos depois começariam a imigrar para Natal.

Monumento na Moldávia em honra aos que morreram nos progroms realizados na Bessarábia.

Logo a região da Bessarábia, conforme comentamos anteriormente, ou a ser dirigida por autoridades do atualmente extinto Reino da Romênia. Isso criou a ideia que as perseguições diminuiriam, mas não foi assim que aconteceu.

Os judeus que viviam na cidade de Secureni tinham relações estáveis ​​com seus vizinhos, mas sofriam com a atitude dos agentes do governo. No final de 1921, na véspera do Yom Kippur, judeus andando nas ruas foram presos, muitos homens, mulheres e crianças foram retirados à força de suas casas e levados para um campo fora da aldeia, onde foram vigiados por guardas armados e montados em cavalos. Depois da meia-noite, em meio a muito frio, o Chefe da Polícia, outros policiais e um médico indicado pelo governo vieram ao campo. Queriam prender dois refugiados que haviam cruzado um rio das proximidades e seriam espiões russos. Ameaçaram que no caso de não encontrar os dois homens, eles deportariam todos da aldeia. Os soldados abusaram dos judeus, mas como não encontraram os dois elementos desistiram da ação e todos voltaram para casa.

Parece que com essa perseguição (e talvez outras mais), associado a notícia da mudança de judeus da Bessarábia para o Brasil, tornou atrativa a ideia de alguns judeus das cidades de Secureni e Ataki mudarem para o nosso país. Pois a maioria dos judeus que vieram dessa região para viver em Natal, partem da Bessarábia na primeira metade da década de 1920.

Chegada ao Novo Mundo

Ao tentarmos cruzar informações disponíveis na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, com os dados que possuímos sobre os membros das famílias Mendel, Schor, Ribenboim, Genes, Weinstein e Axelband, são poucas as informações conseguidas. Mas foi possível traçar o caminho de uma dessas famílias através do tempo e perceber, mesmo limitadamente, como se desenvolveu sua mudança para Natal e sua vida posterior.

RMS Andes – Fonte – http://www.naval-history.net

No dia 21 de junho de 1926, ao meio dia, o vapor inglês RMS Andes, da Royal Mail Steam Packet Company, conhecida no Brasil como Mala Real Inglesa, lançou âncora em frente ao farol da barra do porto de Recife. Havia zarpado 15 dias antes do porto de Southampton (Inglaterra), com escalas em Cherbourg (França), Vigo (Espanha) e Lisboa (Portugal).

Em Recife desembarcaram 22 ageiros, entre eles o jovem casal Samuel e Bertha Axelband, ele com 24 e ela com 19 anos de idade e sem filhos. Mas os tramites burocráticos do casal na alfandega só foram resolvidos um dia depois, uma terça-feira. A razão provável foi um grande bafafá ocorrido na repartição, inclusive noticiado nos jornais, em decorrência da prisão do comerciante judeu Alexander Gurewitz. Este pretendia embarcar no mesmo RMS Andes para o Rio de Janeiro, mas teve a sua partida sustada por dois oficiais de justiça e policiais, que cumpriram um mandato expedido pelo juiz Adolpho Cyriaco, a pedido da Sra. Sophia Goldel, também judia e sua credora. (Diário de Pernambuco, 22/06/1926, págs. 2 e 4).

Certamente na capital pernambucana o casal recebeu apoio da comunidade judaica, que era relativamente numerosa e atuante. Mas, por alguma razão, eles não permaneceram em Recife. Provavelmente Samuel deve ter trabalhado como mascate, profissão que abria contatos e horizontes e era a atividade muito comum entre os judeus desembarcados Brasil vindos da Europa Oriental.

Uma situação normal para todos estrangeiros e imigrantes no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial – Todos seus deslocamentos em aeronaves eram monitorados pelo DOPS. Isso ocorria independentemente de raça, origem, credo, etc. O interessante é que esse material normalmente traz boas informações de pessoas que são alvo de pesquisas históricas.

Talvez como fruto de suas andanças, vamos ter notícias dos Axelband sete anos depois de desembarcarem em Recife. Uma nota afirma que Samuel Axelband era um comerciante em São Luís, no Maranhão, e divulgava o aniversário do seu filho Aron (O Imparcial, 07/03/1933, pág. 2). Mas seja lá o tipo de comércio que Samuel tinha nessa cidade, aparentemente ele não durou muito, pois quatro anos depois seu nome consta no prestigiado Almanak Laemmert (Ed. 1937, pág. 1.376) como sendo proprietário da alfaiataria “A Carioca”, na Rua Simplício Mendes, no Centro de Teresina, Piauí, uma rua com várias alfaiatarias. Nesse negócio Samuel aparentemente tinha uma sociedade com uma pessoa de sobrenome “Luz”, mas não obtive maiores informações.

É provável que essa informação não seja totalmente correta. Não no sentido que Samuel Axelband e sua família viveram em Teresina, mas na data. Pois é conhecido que os nomes listados no Almanak Laemmert perduravam por anos nas novas edições desse almanaque, gerando informações equivocadas. Até porque a família Axelband já vivia em Natal em janeiro de 1938.

Imigrante de Sucesso

O Censo demográfico de 1940 apontou Natal com 109 judeus e, segundo Câmara Cascudo (Ver o livro História da Cidade do Natal, 1999, IHGRN, pág. 389) sua sinagoga havia sido fundada em 12 de janeiro de 1919, um domingo, quando a pandemia de Gripe Espanhola se encaminhava para seu final. É provável que a existência dessa comunidade judaica e o fato de prováveis parentes de sua esposa, cujo sobrenome de solteira era Mandel, já viverem e comerciarem em Natal, tenha influenciado Samuel Axelband a viver nessa parte do Brasil.

Não sabemos como seu deu a chegada dessa família em Natal, qual negócio Samuel montou primeiramente e nem como se deu sua relação com a comunidade judaica e com a população local. Mas sabemos que quem se destacou em sua família na cidade por essa época, foi a sua filha Riva Axelband, que começou a chamar atenção do maestro Waldemar de Almeida como exímia pianista e logo a jovem realizava apresentações para a sociedade local. Como na 19ª audição do “Curso Waldemar de Almeida”, ocorrida em 31 de janeiro de 1938 no Teatro Carlos Gomes, atual Teatro Alberto Maranhão. No seu piano marca Albert Schmölz, Riva tocou a “Mazurca” opus 24 n. 1, do polonês Frederic Chopin e nos anos seguintes outros recitais se repetiriam.

Temos a informação que Samuel Axelband fundou, em data desconhecida, uma loja chamada “Casa Glória”, especializada em artigos masculinos, no bairro da Ribeira, na Rua Dr. Barata, número 205. Ao lado da sua loja havia o comércio de um outro judeu, era a “J. Mandel & Cia”, um parente de sua esposa.

Bairro da Ribeira, em Natal, na época da Segunda Guerra.

Provavelmente Samuel percebeu claramente a grande possibilidade de negócios que ocorreria com a Segunda Guerra Mundial e a presença de tropas americanas na capital potiguar em Natal. Logo seu negócio prosperou enormemente, ao ponto de fundar na Rua Chile, número 240, em frente a atual Capitania dos Portos, uma movelaria chamada “Progresso”.

Segundo o livro Natal, Uma comunidade singular, Egon e Frieda Wolff (Pág. 53, Rio de Janeiro, 1984), 30 dias após a morte de Franklin Delano Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos, houve na sede do Centro Israelita de Natal (CEN), no centro da cidade a cerimônia dos trinta dias de falecimento, que na fé judaica se denomina Shloshim. O ato foi realizado pelo Rabino Baum e contou com a presença de militares americanos judeus. Também estiveram presentes vários judeus que moravam em Natal, entre eles Samuel Axelband. 

Após o fim da guerra, como fizeram quase todos os judeus que viviam em Natal, os Axelband partiram da cidade nordestina que lhes deu tranquilidade para viver, mas que depois da Segunda Guerra e da partida das tropas estrangeiras, tinha pouco em termos econômicos a oferecer. Samuel foi viver em Recife, onde manteve uma representação de relógios.

Não sabemos quando sua existência findou nesse plano existencial e nem o que ocorreu com a sua família, mas sua trajetória e sua história no Brasil, especialmente em Natal, apontam para uma história de sucesso de um imigrante judeu da Europa Oriental que, mesmo recebendo apoios de pessoas da mesma religião, claramente mostra como essas pessoas desse grupo minoritário podiam viver tranquilos em Natal e no Rio Grande do Norte na primeira metade do século XX, sem o perigo dos progoms e das perseguições religiosas.

Cada um tem o direito acreditar na religião que quiser. Isso é uma situação de foto íntimo. Mas não deixa de ser um tanto irônico que em Natal, na segunda década do século XXI, na era do “futuro”, vários de seus cidadãos que não nasceram judeus, se voltem para suas pretensas “Raízes judaicas” para migrar de uma violência que anualmente crescer no número de assassinatos.

JHJHJHKJKH

Livros – História da Cidade do Natal, Câmara Cascudo, 1999, IHGRN, pág. 389.

Natal, Uma comunidade singular, Egon e Frieda Wolff, 1984.

Internet – https://kehilalinks.jewishgen.org/philippson/index.html

https://www.apusm.com.br/2014/09/fazenda-phillipson-os-114-anos-da-imigracao-judaica-em-santa-maria/

https://www.jewishgen.org/yizkor/pinkas_romania/rom2_00382.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Bessarabia

https://ro.wikipedia.org/wiki/Istoria_evreilor_din_Republica_Moldova

NO TOK DE HISTÓRIA PODEM SER ENCONTRADOS ESSES TEXTOS SOBRE ASSUNTOS LIGADOS A JUDEUS.

PARA NUNCA SER ESQUECIDO – AUSCHWITZ: IMAGENS DE ONTEM E DE HOJE

O MITO SOBRE A ORIGEM DE SOBRENOMES DE JUDEUS CONVERTIDOS

OS CRIPTO JUDEUS NO BRASIL

JUDEUS EM NATAL – A SAGA DOS PALATNIK

A HISTÓRIA DOS JUDEUS NO BRASIL

JUDEUS SEM SABER

LEI PODE DAR CIDADANIA A BRASILEIROS DESCENDENTES DE JUDEUS

DIÁSPORA: DESCUBRA COMO OS JUDEUS SE ESPALHARAM PELO MUNDO

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A EXPULSÃO DOS JUDEUS DE PORTUGAL

A HISTÓRIA DE JERUSALÉM, CIDADE SAGRADA QUE NUNCA ENCONTROU A PAZ

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Jerusalém – Fonte – https://www.tes.com/lessons/jjBt6G2c39_e_g/human-geography-of-muslim-world-ch-16-17

POR THIAGO TANJI

FONTE – http://revistagalileu.globo.com/blogs/maquina-do-tempo/noticia/2017/12/historia-de-jerusalem-cidade-sagrada-que-nunca-encontrou-paz.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=post]

Uma das cidades mais antigas da humanidade, Jerusalém deveria ser um símbolo da tolerância e da busca pela paz — cristãos, muçulmanos e judeus consideram o local sagrado por abrigar símbolos que são pilares dessas religiões.

A realidade geopolítica, entretanto, revela o quanto ainda precisamos avançar para conquistar patamares mínimos de respeito e tolerância às diferenças: nesta quarta-feira (06 de novembro), o presidente norte-americano Donald Trump sinalizará a intenção de transferir a embaixada dos Estados Unidos para a cidade de Jerusalém. O que parece mero ritual burocrático esconde intenções capazes de trazer ainda mais instabilidade para a região.

Na prática, transferir a embaixada da Tel Aviv para Jerusalém seria uma confirmação de que o Estados Unidos reconhecem a cidade como capital de Israel, o que é contestado pelos povos palestinos e demais países muçulmanos do Oriente Médio. Analistas de diferentes correntes políticas são unânimes em afirmar que esse ato seria uma provocação capaz de arrastar a região para um novo período de guerra. 

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PINTURA RETRATA A CONQUISTA DE JERUSALÉM PELOS CAVALEIROS CRUZADOS (FOTO: REPRODUÇÃO)

Não seria a primeira vez que as diferenças dividem Jerusalém. Por sinal, nos últimos milênios foram raros os momentos em que a cidade alcançou a mensagem de paz e concórdia pregada pelas três maiores religiões monoteístas do planeta. Mais do que uma curiosidade, conhecer a história de Jerusalém nos ajuda a entender por que precisamos realizar uma análise atenta da realidade e fugir dos estereótipos de “mocinhos” e “vilões”. Durante séculos, afinal, as principais vítimas dessa guerra fratricida são pessoas inocentes de distintas origens e religiões. 

Do Reino de Israel à Diáspora

Com registros históricos de quase 5 mil anos, a cidade de Jerusalém tornou-se símbolo dos povos reunidos ao redor da religião judaica. De acordo com os livros sagrados do Torá (textos pilares da tradição judaica) e do Antigo Testamento da Bíblia (que também compartilha escrituras presentes na Torá), Davi fez da cidade a capital do Reino de Israel e Judá após uma conquista militar e reinou até 970 a.C 

Após um período de estabilidade, com a construção de um Templo Sagrado pelo rei Mesopotâmia (filho de Davi), Jerusalém foi invadida pelo Império Assírio em 722 a.C e parte do povo judeu foi tomado como escravo nas cidades da região da Mesopotâmia — que atualmente compreende parte do Iraque. Com as derrotas militares assírias e o fortalecimento do Império Persa, os judeus voltaram à terra e reconstruíram o Templo de Salomão, que havia sido destruído durante o ataque das tropas do Império Assírio. 

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MURO DAS LAMENTAÇÕES, QUE CORRESPONDE ÀS RUÍNAS DO SEGUNDO TEMPLO DE SALOMÃO (FOTO: WIKIMEDIA COMMONS)

Um novo período de relativa paz seria encerrado no século 4 a.C com as conquistas militares de Alexandre, o Grande, que tomaram Jerusalém como parte do Império Macedônico. Revoltas populares buscavam maior autonomia da região, que jamais reconquistaria sua completa autonomia: no século I a.C, os romanos aram a istrar a região, colocando no poder um monarca alinhado com os interesses dos dominadores. É nessa época que dá-se início à narrativa do Novo Testamento: na região da Judeia controlada pelos romanos, nasce um judeu chamado Jesus que reúne seguidores e torna-se um mestre que inspiraria uma nova religião. 

Enquanto os seguidores de Jesus buscam espalhar seus ensinamentos nas décadas que seguem as narrativas bíblicas, uma nova guerra afeta a região: no ano 66 d.C, setores da população judaica lideram uma rebelião contra a dominação do Império Romano. A revolta é reprimida com violência pelos imperadores Vespasiano e Tito, resultando na destruição do Templo de Salomão — da construção, restou apenas o Muro das Lamentações, que é um dos símbolos sagrados para os judeus. 

A destruição de parte de Jerusalém culminou com uma política liderada pelo Império Romano de expulsar sistematicamente os judeus que viviam na região, em um período conhecido como Diáspora. Os imperadores trataram de sufocar a cultura judaica e as manifestações religiosas, mudando o nome de Jerusalém para Élia Capitolina. Apesar de outros períodos de revoltas judaicas durante o século 2 d.C, Roma exerceu sua hegemonia sobre a região. 

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PINTURA SOBRE A DESTRUIÇÃO DE JERUSALÉM PELAS TROPAS ROMANAS (FOTO: REPRODUÇÃO)

Tempos de Cruzadas

No século 4 d.C, o Império Romano foi convertido ao cristianismo, o que também influenciou definitivamente a cidade de Jerusalém. Após a divisão do império entre a istração ocidental e oriental (que ficou conhecido como Império Bizantino), a istração local tratou de reforçar os símbolos que representavam os episódios sagrados para os cristãos. Em 335, foi construída a Igreja do Santo Sepulcro, que corresponderia ao local onde Jesus teria sido crucificado, enterrado e depois ressuscitado. 

No século 7, um novo movimento religioso forneceria novos ingredientes culturais e políticos para a região. Influenciado pela tradição monoteísta judaico-cristã (Abraão, Moisés e Jesus são considerados profetas), o islamismo ganhou adeptos no Oriente Médio de maneira vertiginosa. Liderados pelo profeta Mohammed (chamado popularmente como Maomé na cultura ocidental), os ensinamentos uniram diferentes povos que viviam na região. 

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Cerco de Jerusalém em 1099 – Fonte – https://www.thoughtco.com/crusades-siege-of-jerusalem-1099-2360709

Com o fortalecimento político e a organização istrativa de grupos unidos ao redor do Islã, houve uma expansão territorial por porções da Ásia, norte da África e até na Europa (com a conquista de territórios que atualmente correspondem a Portugal e Espanha). 

Em 638, líderes muçulmanos conquistaram a cidade de Jerusalém e territórios que faziam parte do Império Bizantino. Após a vitória militar, foram promulgadas leis que autorizavam os judeus a regressarem à cidade após os séculos da Diáspora, além de assegurar segurança religiosa aos cristãos que viviam na cidade. Por conta da influência judaico-cristã, Jerusalém foi considerada uma das três cidades mais sagradas do islamismo, sendo construído o santuário do Domo da Rocha, que até hoje marca a arquitetura local com sua grande cúpula dourada. 

Durante séculos, houve relativa estabilidade na região. Uma iniciativa liderada por nobres europeus e autoridades cristãs, no entanto, levaria Jerusalém para um novo período de guerras: em 1095, o Papa Urbano II fez uma convocação para que o território conhecido como Terra Santa voltasse ao domínio cristão.

Com a absoluta hegemonia ideológica e cultural na Europa, a Igreja Católica rapidamente conseguiu adeptos para dar início à campanha militar que ficou conhecida como as Cruzadas. Em 1099, Jerusalém foi conquistado pelas tropas cristãs, que promoveram um banho de sangue na cidade: muçulmanos e judeus foram massacrados e expulsos de suas terras. 

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PINTURA SOBRE O MOMENTO EM QUE AS TROPAS CRISTÃS SE RENDERAM A SALADINO (FOTO: REPRODUÇÃO)

Décadas depois, a cidade retomou novamente às posses muçulmanas, com a campanha liderada pelo comandante militar Saladino — de acordo com os registros históricos, os judeus também foram autorizados a retornar para a cidade. 

Imperialismo britânico e guerra

Nos séculos seguintes, reinos originários da região da Turquia dominariam a região. Em 1517, o Império Otomano controlaria Jerusalém, durante um processo de expansão — em 1453, o sultão Mehmed II daria fim ao Império Bizantino e colocaria parte dos territórios asiáticos sob influência muçulmana.  

A história de disputas ao redor do território só retornaria à cena após 500 anos: durante a expansão colonial dos países europeus em territórios da África e da Ásia e os episódios que culminaram com a Primeira Guerra Mundial, o Império Britânico tomou Jerusalém do Império Otomano em 1917. O território, conhecido como Palestina, ficaria sob istração política do Reino Unido — populações árabes (de religião muçulmana) e judeus conviviam no território.

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Ingleses em Jerusalém – Fonte – https://www.haaretz.com/jewish/this-day-in-jewish-history/.-1.630999

A relação entre os dois povos começou a escalar em tensão à medida em que grupos judaicos iniciavam um movimento político que ficou conhecido como sionismo: em um cenário de antissemitismo histórico na Europa (que culminaria com a política deliberada de extermínio durante o regime nazista na década de 1940), membros da comunidade judaica defendiam o retorno das populações historicamente dispersas após a Diáspora para as cidades que faziam parte do antigo reino de Israel. 

Em busca de independência, grupos judaicos organizaram movimentos de resistência contra os britânicos, além de buscarem expulsar os árabes que viviam na região. Em 1946, um ataque terrorista com bombas destruiu parte do Hotel King David, localizado na cidade de Jerusalém, e matou 91 pessoas. Os autores? Uma organização paramilitar de inspiração sionista chamada Irgun, que desejava atingir funcionários do Reino Unido que istravam a Palestina. 

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os britânicos ensaiavam entregar as suas antigas possessões coloniais e promover autonomia da região. Recém-criada em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) propunha um plano de partilha da Palestina, com a criação de um Estado judeu e um árabe — as cidades de Jerusalém e Belém ficariam sob controle internacional. Apesar de nações árabes mostrarem-se contrárias à proposta, a maioria dos países presentes na conferência concordaram com a partilha. 

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MILÍCIAS PARAMILITARES JUDAICAS (FOTO: REPRODUÇÃO)

A diplomacia não deu resultados, entretanto: em 1948, quando o mandato britânico se encerraria sobre a região palestina, israelenses e palestinos iniciaram uma guerra pelo controle do território. Em 14 de maio, David Ben-Gurion declarou a independência do Estado de Israel, não reconhecendo a soberania das cidades que deveriam fazer parte do futuro Estado árabe. Apesar das intervenções militares de nações aliadas dos muçulmanos, Israel conseguiu defender-se e avançar em conquistas militares pela região. 

A cidade de Jerusalém foi dividida entre a istração judaica e o governo árabe da Jordânia — Israel considerava a porção oeste da cidade como capital do país. Após uma nova escalada de tensões na década de 1960, que resultou em uma nova guerra entre Israel e os países árabes, as tropas judaicas também anexaram a porção leste de Jerusalém. 

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Fonte – http://edition.cnn.com/2017/12/06/politics/american-evangelicals-jerusalem/index.html

Desde então, tratados de paz tentam costurar um acordo que garanta a soberania de Israel, mas também promovam a independência dos territórios palestinos (a maior parte dessas regiões está ocupada pelos israelenses). No entanto, a falta de diálogo e os episódios de movimentos paramilitares muçulmanos, que realizaram atentados terroristas pela região durante as últimas décadas, não fornecem um vislumbre sequer para uma solução a curto prazo. 

Após acompanhar todo esse relato, é possível entender o quão desastrosa será a medida de Donald Trump ao reconhecer Jerusalém como a capital de Israel. Tantas lições da História e parece que não aprendemos nada… 

JESUS ANTES DE CRISTO

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Jesus – Fonte – http://2.bp.blogspot.com/

Pesquisadores vão além da Bíblia e procuram pelo Jesus histórico – e o que não é mencionado no livro sagrado

Rodrigo Cavalcante

Fonte – http://tokdehistoria-br.informativoparaibano.com/noticias/religiao/jesus-antes-cristo-434985.phtml#.WF_PMPkrLIW

Cristo está em toda parte: nas obras mais importantes da história da arte, nos roteiros de Hollywood, nos letreiros luminosos de novas igrejas, nas canções evangélicas em rádios gospel, nos best-sellers de autoajuda, nos canais de televisão a cabo, nos adesivos de carro, nos presépios de Natal. Onde você estiver, do interior da floresta amazônica às montanhas geladas do Tibete, sempre será possível deparar com o símbolo de uma cruz, pena de morte comum no Império Romano à qual um homem foi condenado há quase 2 mil anos. Para mais de 2 bilhões de pessoas esse homem era o próprio messias (“Cristo”, do grego, o ungido) que ressuscitara para redimir a humanidade.

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Nascimento de Jesus – Obra de Lorenzo Costa (1460 – 5 de Março de 1535) foi um pintor italiano do Renascimento. Nasceu em Ferrara, mas se mudou para Bolonha quando tinha 20 anos. Neste quadro, chama atenção os detalhes da cidade ao fundo, a pose do bebê deitado sobre o braço – Fonte – http://khristianos.blogspot.com.br/2015/12/a-natividade-por-pintores-famosos.html

Embora o mundo inteiro (inclusive os não cristãos) esteja familiarizado com a imagem de Cristo, até a bem pouco tempo os pesquisadores eram céticos quanto à possibilidade de descobrir detalhes sobre a vida do judeu Yesua (Jesus, em hebraico), o homem de carne e osso que inspirou o cristianismo. “Isso está começando a mudar”, diz o historiador André Chevitarese, professor de História Antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos especialistas no Brasil sobre o “Jesus histórico” – o estudo da figura de Jesus na história sem os constrangimentos da teologia ou da fé no relato dos evangelhos. Embora tragam detalhes do que teria sido a vida de Jesus, os evangelhos são considerados uma obra de reverência e não um documento histórico. Chevitarese e outros pesquisadores acreditam que, apesar de não existirem indícios materiais diretos sobre o homem Jesus, arqueólogos e historiadores podem ao menos reconstituir um quadro surpreendente sobre o que teria sido a vida de um líder religioso judeu naquele tempo, respondendo questões intrigantes sobre o ambiente e o cotidiano na Palestina onde ele vivera por volta do século I.

Nazaré, entre 6 e 4 a.C.

Uma aldeia agrícola com menos de 500 habitantes, cuja paisagem é pontuada por casas pobres de chão de terra batida, teto de estrados de madeira cobertos com palha, muros de pedras coladas com uma argamassa de barro, lama ou até de uma mistura de esterco para proteger os moradores da variação da temperatura no local. Segundo os arqueólogos, essa é a cidade de Nazaré na época em que Jesus nasceu, provavelmente entre os anos 6 e 4 a.C., no fim do reinado de Herodes. Isso mesmo: segundo os historiadores, Jesus deve ter nascido alguns anos antes do ano 1 do calendário cristão. “As pessoas naquele tempo não contavam a agem do tempo como hoje, por meio da indicação do ano”, explica o historiador da Unicamp Pedro Paulo Funari. “O cabeçalho dos documentos oficiais da época trazia apenas como indicação do tempo o nome do regente do período, o que leva os pesquisadores a crer que Jesus teria nascido anos antes do que foi convencionado.”

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Imagem do século 13 de Jesus sendo apresentado aos rabinos | Crédito: Duccio di Buonis – Fonte – http://tokdehistoria-br.informativoparaibano.com/noticias/religiao/jesus-antes-cristo-434985.phtml#.WF_PMPkrLIW

Se você também está se perguntando por que os historiadores buscam evidências do nascimento de Jesus na cidade de Nazaré – e não em Belém, cidade natal de Jesus, de acordo com os evangelhos de Mateus e Lucas –, é bom saber que, para a maioria dos pesquisadores, a referência a Belém não a de uma alegoria da Bíblia. Na época, essa alegoria teria sido escrita para ligar Jesus ao rei Davi, que teria nascido em Belém e era considerado um dos messias do povo judeu. Ou seja: a alcunha “Jesus de Nazaré” ou “nazareno” não teria derivado apenas do fato de sua família ser oriunda de lá, como costuma ser justificado.

Mesmo que os historiadores estejam certos ao afirmarem que o nascimento em Belém seja apenas uma alegoria bíblica, o entorno de uma casa pobre na cidade de Nazaré daquele tempo não deve ter sido muito diferente do de um estábulo improvisado como manjedoura. Como a residência de qualquer camponês pobre da região, as moradias eram ladeadas por animais usados na agricultura ou para a alimentação de subsistência. A dieta de um morador local era frugal: além do pão de cada dia (no formato conhecido no Brasil hoje como pão árabe), era possível contar com azeitonas (e seu óleo, o azeite, usado também para iluminar as casas), lentilhas, feijão e alguns incrementos como nozes, frutas, queijo e iogurte.

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O que seria a alimentação típica no tempo de Jesus – Fonte – http://dailylifeinthetimeofjesus.weebly.com/daily-life-at-the-time-of-jesus.html

De acordo com os arqueólogos, o consumo de carne vermelha era raro, reservado apenas para datas especiais. O peixe era o animal consumido com mais frequência pela população, seco sob o sol, para durar. A maioria dos esqueletos encontrados na região mostra deficiência de ferro e proteínas. Essa parca alimentação é coerente com relatos como o da multiplicação dos pães, no Evangelho de Mateus, no qual os discípulos, preocupados com a fome de uma multidão que seguia Jesus, mostram ao mestre cinco pães e dois peixes, todo o alimento de que dispunham.

Se alguém presenciasse o nascimento de Jesus, provavelmente iria deparar com um bebê de feições bem diferentes da criança de pele clara que costuma aparecer nas representações dos presépios. Baseados no estudo de crânios de judeus da época, pesquisadores dizem que a aparência de Jesus seria mais próxima da de um árabe (de cabelos negros e pele morena) que da dos modelos louros dos quadros renascentistas. Seu nome, Jesus, uma abreviação do nome do herói bíblico Josué, era bastante comum em sua época. Ainda na infância, deve ter brincado com pequenos animais de madeira entalhada ou se divertido com rudimentares jogos de tabuleiro incrustados em pedras. Quanto à família de Jesus, os pesquisadores não acreditam que ele tenha sido filho único. Afinal, era comum que famílias de camponeses tivessem mais de um filho para ajudarem na subsistência da família. Isso poderia explicar o fato de os próprios evangelhos falarem em irmãos de Jesus, como Tiago, José, Simão e Judas. “As igrejas Ortodoxa e Católica preferiram entender que o termo grego adelphos, que significa irmão, queria dizer algo próximo de discípulo, primo”, diz Chevitarese.

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Vestuário no tempo de Jesus – VESTUÁRIO – No primeiro século a roupa era muito mais simples do que é hoje. A maioria das roupas eram feitas de lã, embora o linho também fosse usado (feito de linho cultivado na área de Jericó ou importado do Egito). Tanto os homens como as mulheres usavam normalmente uma túnica e um manto. A lei judaica exigia que o manto tivesse bordas unidas aos seus quatro cantos. Cada borda era para incluir um cordão azul e foi concebido como uma forma de ajudar as pessoas a se lembrar de manter a Lei de Deus. Para ocasiões especiais uma longa roupa conhecida como ‘estola’ era usada. Eram usados geralmente sandálias de couro (ou talvez de madeira) – Fonte – http://dailylifeinthetimeofjesus.weebly.com/daily-life-at-the-time-of-jesus.html

Assim como outros jovens da Galileia, é provável que ele não tenha tido uma educação formal ou mesmo a chance de aprender a ler e escrever, privilégio de poucos nobres. Ainda assim, nada o impediria de conhecer profundamente os textos religiosos de sua época transmitidos oralmente por gerações.

Política, religião e sexo

Desde aquele tempo, a região em que Jesus vivia já era, digamos, um tanto explosiva. O confronto não se dava, é claro, entre judeus e muçulmanos (o profeta Maomé só iria receber sua revelação mais de cinco séculos depois). A disputa envolvia grupos judaicos e os interesses de Roma, cujo império era o equivalente, na época, ao que os Estados Unidos são hoje. E, assim como grupos religiosos do Oriente Médio resistem atualmente à ocidentalização dos seus costumes, diversos grupos judaicos da época se opunham à influência romana sobre suas tradições. Na verdade, fazia séculos que os judeus lutavam contra o domínio de povos estrangeiros.

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Ocupações no tempo de Cristo – Os principais trabalhos masculinos eram ser fazendeiros, artesãos, ou pescadores. As mulheres aprendiam a cozinhar e os deveres domésticos. Elas também memorizavam as escrituras, mas era proibido para elas ler ou escrever. Os mais afortunados teriam aprendido um ofício de seu pai – como ocorreu com o próprio Jesus. Muitos dos que não tinham um emprego estável seriam trabalhadores ocasionais, cujo salário diário dependia do capricho daqueles que contratavam um grupo de trabalhadores todas as manhãs. Alguns indivíduos tinham uma vida de mendicância ou mesmo de escravidão – Fonte – http://dailylifeinthetimeofjesus.weebly.com/daily-life-at-the-time-of-jesus.html

Antes de os romanos chegarem, no ano 63 a.C., eles haviam sido subjugados por assírios, babilônios, persas, macedônios, selêucidas e ptolomeus. Os judeus sonhavam com a ascensão de um monarca forte como fora o rei Davi, que por volta do século 10 a.C. inaugurara um tempo de relativa estabilidade. Não à toa, Davi ficaria lembrado como o messias (ungido por Javé) e, assim como ele, outros messias eram aguardados para libertar o povo judeu (veja quadro na pág. 33).

A resistência aos romanos se dava de maneiras variadas. A primeira delas, e mais feroz, era identificada como simples banditismo. Nessa categoria estavam bandos de criminosos formados por camponeses miseráveis que atacavam comerciantes, membros da elite romana ou qualquer desavisado que viajasse levando uma carga valiosa.

Além do banditismo, havia a resistência inspirada pela religião, principalmente a dos chamados movimentos apocalípticos. De acordo com os seguidores desses movimentos, Israel estava prestes a ser libertado por uma intervenção direta de Deus que traria prosperidade, justiça e paz à região. A questão era saber como se preparar para esse dia.

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Mosaico do século XII, existente na Catedral de Cefalù, na Sicília, Itália – Fonte – http://www.teslasociety.com/hagiasophia.htm

Alguns grupos, como os zelotes, acreditavam que o melhor a fazer era se armar e partir para a guerra contra os romanos na crença de que Deus apareceria para lutar ao lado dos hebreus. Para outros grupos, como os essênios, a violência era desnecessária e o melhor mesmo a fazer era se retirar para viver em comunidades monásticas distantes das impurezas dos grandes centros. E Jesus, de que lado estava?

É quase certo que Jesus tenha tido contato com ao menos um líder apocalíptico de sua época, que preparava seus seguidores por meio de um ritual de imersão nas águas do rio Jordão. Se você apostou em João Batista, acertou.

O curioso é que, para a maioria dos pesquisadores, incluindo aí o padre católico John P. Meier, autor da série sobre o Jesus histórico chamada Um Judeu Marginal, o movimento apocalíptico de João Batista deve ter sido mais popular, em seu tempo, do que a própria pregação de Jesus. Os historiadores acreditam que é bem provável que Jesus, de fato, tenha sido batizado por João Batista nas margens do rio Jordão, e que o encontro deve ter moldado sua missão religiosa dali em diante.

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Representação moderna dos soldados romanos – Fonte – http://www.instonebrewer.com/visualSermons/Jesus%2BChildren/_Sermon.htm

Apesar de não haver nenhuma restrição para que um líder religioso judeu tivesse relações com mulheres em seu tempo, ninguém sabe ainda se entre as práticas espirituais de Jesus estaria o celibato. Da mesma forma, afirmar que ele teve relações com Maria Madalena, como no enredo de livros como O Código Da Vinci, também não aria de uma grande especulação.

Uma morte marginal

O pesquisador Richard Horsley, professor de Ciências da Religião da Universidade de Massachusetts, em Boston, é categórico: a morte de Jesus na cruz em seu tempo foi muito menos perturbadora para o Império Romano do que se costuma imaginar. Horsley e outros pesquisadores desapontam os cristãos que imaginam a crucificação como um evento que causara, em seu tempo, uma comoção generalizada, como naquela cena do filme O Manto Sagrado em que nuvens negras escurecem Jerusalém e o mundo parece prestes a acabar. Apesar de ter sido uma tragédia para seus seguidores e familiares, a morte do judeu Yesua deve ter ado praticamente despercebida para quem vivia, por exemplo, no Império Romano. Ou seja: se existisse uma rede de televisão como a CNN, naquele tempo, é bem possível que a morte de Jesus sequer fosse noticiada. E, caso fosse, dificilmente algum estrangeiro entenderia bem qual a diferença da mensagem dele em meio a tantas correntes do judaísmo do período – assim como poucas pessoas no Ocidente compreendem as diferenças entre as diversas correntes dentro do Islã ou do budismo.

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Fonte – http://allchristiannews.com/wp-content/s/2016/03/Jesus-Crucifixion.jpg

Os pesquisadores sabem, no entanto, que Jesus não deve ter escolhido por acaso uma festa como a Páscoa para fazer sua pregação em Jerusalém. A data costumava reunir milhares de pessoas para a comemoração da libertação do povo hebreu do Egito. No período que antecedia a festa, o ar tornava-se carregado de uma forte energia política. Era quando os judeus pobres sonhavam com o dia em que conseguiriam ser libertados dos romanos.

Para a elite judaica que vivia em Jerusalém, contudo, as manifestações anti-Roma não eram nada bem-vindas. Afinal, como ela se beneficiava da arrecadação de impostos da população de baixa renda, boa parte dela tinha mais a perder que a ganhar com revoltas populares que desafiassem os dirigentes romanos, cujos estilos de vida eram copiados por meio da construção de suntuosas vilas (espécie de chácaras luxuosas) nas cercanias de Jerusalém.

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Fonte – https://pradoshmitter.files.wordpress.com/2009/12/the_crucifixion_tintoretto_1565.jpg

A própria opulência do Templo do Monte de Jerusalém, reconstruído por Herodes, o Grande, parecia uma evidência de que a aliança entre os romanos e os judeus seria eterna. A construção era impressionante até mesmo para os padrões romanos, o que fazia de Jerusalém um importante centro regional em sua época.

Em meio às festas religiosas, o comércio da cidade florescia cada vez mais. Vendia-se de tudo por lá, incluindo animais para serem sacrificados no templo. Os mais ricos podiam comprar um cordeiro para ser sacrificado e quem tivesse menos dinheiro conseguia comprar uma pomba no mercado logo em frente. A cura de todos os problemas do corpo e da alma (na época, as doenças eram relacionadas à impureza do espírito) ava pela mediação dos rituais dos sacerdotes do templo.

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Representação da crucificação de Cristo através do pintor italiano Giotto di Bondone (1266 – 1337) – Fonte – http://art-now-and-then.blogspot.com.br/2014/05/art-and-jesus-crucifixion.html

Não é difícil imaginar a afronta que devia ser para esses líderes religiosos ouvir que um judeu rude da Galileia curava e livrava as pessoas de seus pecados com um simples toque, sem a necessidade dos sacerdotes. A maioria dos pesquisadores concorda que atos subversivos como esses seriam suficientes para levar alguém à crucificação.

Quase tudo o que os pesquisadores conhecem sobre a crucificação deve-se à descoberta, em 1968, do único esqueleto encontrado de um homem crucificado em Giv’at há-Mivtar, no nordeste de Jerusalém. Após uma análise dos ossos, eles concluíram que os calcanhares do condenado foram pregados na base vertical da cruz, enquanto os braços haviam sido apenas amarrados na travessa. A raridade da descoberta deve-se a um motivo perturbador: a pena da crucificação previa a extinção do cadáver do condenado, já que o corpo do crucificado deveria ser exposto aos abutres e aos cães comedores de carniça. A idéia era evitar que o túmulo do condenado pudesse servir de ponto de peregrinação de manifestantes. De qualquer forma, a descoberta desse único esqueleto preservado prova que, em alguns casos, o corpo poderia ser reivindicado pelos parentes do morto, o que talvez tenha acontecido com Jesus.

O que aconteceu após sua morte?

Para os pesquisadores, a vida do Jesus histórico encerra-se com a crucificação. “A ressurreição é uma questão de fé, não de história”, diz Richard Horsley.

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A ressurreição de Cristo na visão do italiano Piero della sca (1415 — 1492) – Fonte – http://www.jesus-story.net/painting_resurrection.htm

Tudo o que os historiadores sabem é que, apesar de pequeno, o grupo de seguidores de Jesus logo conseguiria atrair adeptos de diversas partes do mundo. E foi um dos novos convertidos, um ex-soldado que havia perseguido cristãos e ganhara o nome de Paulo, que se tornaria uma das pedras fundamentais para a transformação de Jesus em um símbolo de fé para todo o mundo. Com sua formação cosmopolita, Paulo lutou para que os seguidores de Jesus trilhassem um caminho independente do judaísmo, sem necessidade de obrigar os convertidos a seguirem regras alimentares rígidas ou, no caso dos homens, ser obrigados a fazer a circuncisão. A influência de Paulo na nova fé é tão grande que há quem diga que a mensagem de Jesus jamais chegaria aonde chegou caso ele não houvesse trabalhado com tanto afinco para sua difusão.

Mesmo para quem não acredita em milagres, não há como negar que Paulo e os outros seguidores de Jesus conseguiram uma proeza e tanto: apenas três séculos após sua morte, transformaram a crença de uns poucos judeus da Palestina do século I na religião oficial do Império Romano. Por essa época, a vida do judeu Yesua já havia sido encoberta pela poderosa simbologia do Cristo: assim como os judeus sacrificavam cordeiros para Javé, o Cristo se tornaria símbolo do cordeiro enviado por Deus para tirar os pecados do mundo. Desde então, a história de boa parte do mundo está dividida entre antes e depois de sua existência.


SAIBA MAIS –

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Fonte – http://www.crystalinks.com/isis.html

Nossa Senhora de Ísis

De onde pode ter se originado uma das mais belas imagens cristãs

Se você acha que conhece a imagem acima, é bom dar uma olhada com um pouco mais de atenção. À primeira vista, ela parece, de fato, representar a Nossa Senhora embalando o menino Jesus. Mas não é. A imagem da estátua é uma representação da deusa egípcia Ísis oferecendo o peito a seu filho Hórus. Apesar de não haver como provar que as imagens de Nossa Senhora tenham sido inspiradas diretamente em representações como essa, os pesquisadores sabem que o cristianismo sofreu, em seus primórdios, a influência de diversos cultos que faziam parte dos mundos egípcio e greco-romano. “Desde seu início, o cristianismo tinha uma diversidade assombrosa”, diz o professor de Teologia Gabriele Cornelli, da Universidade de Brasília. Na região do Egito, por exemplo, prevalecera o chamado cristianismo gnóstico, cujos textos revelam um Jesus bem mais parecido com um monge oriental. Alguns historiadores acreditam até que alguns cristãos gnósticos possam ter sido influenciados por missionários budistas vindos da Índia.

O luxo que vem de Roma – Diferentemente de Jesus, nobres judeus viviam muito bem, obrigado

Para a elite judaica que vivia na Palestina do século I, levar uma vida com requinte e elegância era sinônimo de viver como os romanos. Escavações arqueológicas em Jerusalém e outras cidades indicam uma clara influência da arquitetura e da decoração de Roma no interior das mansões. Para criar uma atmosfera palaciana, era comum, no interior das casas, a reprodução de afrescos e desenhos decorativos com motivos florais e geométricos. Em ambientes maiores, as colunas no estilo romano eram indispensáveis, assim como o uso de mármore para o acabamento dos detalhes – quem não podia pagar pelo mármore usava uma tinta de cor parecida para manter a aura palaciana. Fontes, vasos vitrificados e pisos de mosaico colorido também faziam parte do sonho de consumo dos novos ricos de Jerusalém, que costumavam receber os amigos influentes recostados confortavelmente no triclinium, espécie de divã usado na hora das refeições. Resquícios da importação de vinhos e outros ingredientes nobres da cozinha mediterrânea, como o garum, um molho especial de peixe típico da cidade de Pompéia, também foram encontrados no interior das mansões. Algumas delas deviam ter uma vista privilegiada para o Templo de Jerusalém, de onde os nobres podiam assistir confortavelmente à movimentação dos peregrinos ou mesmo à condenação à morte de rebeldes judeus.

JUDEUS EM NATAL – A SAGA DOS PALATNIK

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Um Grupo de Judeus Que Começou Sua Vitoriosa Trajetória Empresarial Trabalhando Junto aos Mais Pobres de Natal 

Autor – Rostand Medeiros

A foto e o texto acima mostram o lugar onde os destinos istrativos de Natal, capital do Rio Grande do Norte, são traçados e executados desde 1922. Oficialmente conhecido como Palácio Felipe Camarão é um marco na cidade, mas o que importa mesmo nessa nota de jornal é um pequeno detalhe no final do texto. Ali ficamos sabendo que os móveis construídos na época da inauguração desta marcante edificação, que não sei se ainda estão por lá, foram executados pela firma “Tobias Palatnik & Irmãos”.

Os proprietários desta empresa, com um sobrenome tão diferenciado dos tradicionais nomes familiares de origem portuguesa existentes em Natal, eram os membros de uma família de judeus ucranianos, que em poucos anos foram considerados os membros mais proeminentes da comunidade judaica em Natal.

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3 de janeiro de 1947

Nada mal para estes imigrantes que haviam chegado apenas dez anos antes ao Brasil e tinham começado suas atividades na capital potiguar vendendo seus produtos diretamente nas casas dos moradores da pequena urbe. Trabalharam sem diferenciar classe nem cor, atendendo inclusive os mais humildes.

Em Busca de Novos Espaços

Segundo a historiadora Luciana Souza de Oliveira, através de sua monografia de mestrado em História “A fala dos os: imigração e construção de espaços judaicos na cidade do Natal (1919-1968)”, a história dos judeus na capital potiguar começa a ser contada no ano de 1911, com a chegada ao Brasil de Tobias Palatnik e seus irmãos Adolfo, Jacob e José (este último com apenas 16 anos) e um tio Beinish (Braz) Palatnik. Eles deixaram para trás a fria região da Podólia, no sudoeste da Ucrânia e seguiram esperançosos para recomeçar a vida no grande país tropical.

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Judeus expulsos dos seus lares na Europa Oriental – Fonte – https://en.wikipedia.org

Para a historiadora este processo migratório dos judeus vai muito além de uma mera necessidade econômica. A questão judaica na Europa durante o século XIX até a primeira metade do século XX foi marcada por pressão e opressão, onde o espírito antissemita se manifestou nas esferas política, econômica e social, atingindo grande parte da população que hostilizava e culpava os judeus por toda sorte de mazelas. Deixar a Europa no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX representava para eles antes de tudo uma questão de sobrevivência.

Em calientes terras tupiniquins o Rio de Janeiro foi a primeira parada de Tobias Palatnik e seus parentes. Mas foi por um período curto e logo aqueles judeus seguiram para Salvador. Mas também a capital baiana não foi o melhor dos destinos e eles partiram para o norte, em direção à cidade do Recife, onde os Palatnik começaram a fazer sua clientela, em grande parte composta por operários.

Luciana Souza de Oliveira aponta que na cidade conhecida como “Veneza Brasileira” eles aprenderam que, além do comércio realizado de porta a porta, mesmo falando o português ainda de forma rudimentar, eles podiam comprar no atacado e com exclusividade. Neste período a cambraia bordada foi seu principal produto.

Recife certamente ajudou os irmãos Palatnik a assegurar alguns lucros, mas a concorrência comercial na cidade era um problema complicado, que contava naquele período com 80 judeus atuando como prestamistas. Segundo a autora estes judeus que já atuavam em Recife eram em sua maioria rapazes solteiros, provenientes da Bessarábia (região histórica da Europa Oriental, cujo território se encontra principalmente na atual Moldávia), Polônia e a Ucrânia, que batalhavam duro para poder concretizar um objetivo comum – o desejo de conseguir meios para poder se estabelecer na Palestina com os demais familiares que deixaram na Europa Oriental. 

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Tobias Palatnik – Fonte –

Foi então que Tobias Palatnik, o mais velho dos quatros irmãos, resolveu transferir-se para Natal objetivando fugir daquela concorrência.

Vencendo Onde os Outros nem Percebiam que Existiam Consumidores

Para a autora do texto a escolha de pegar o trem e seguir em direção a Natal foi a melhor decisão que Tobias tomou quando chegou ao Brasil. Nessa época Natal ainda era uma pequena capital com população inferior a 25.000 habitantes, com apenas 27 famílias formada por estrangeiros, três linhas de bondes elétricos, uma catedral, um cinema mudo e que estava começando a ar por intensas transformações. A cidade estava aos poucos desabrochando e vivenciando o início da modernidade tão desejada pela elite local.

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Navios no Rio Potengi, em Natal

Mas se por um lado a elite natalense se deleitava com os avanços e belezas da “Belle Époque”, uma grande parcela da sua população – os mais pobres – eram tratados de maneira verdadeiramente invisível.

Aqueles ucranianos, que sabiam bem o que significavam as violentas exclusões dos pogroms contra judeus na Europa Oriental, certamente perceberam que também havia exclusão em Natal. Mas esta era extremamente sutil, realizada de maneira covarde, praticada sem violência física contra uma massa morena, mas carregada de extrema hipocrisia. A exclusão em Natal diferenciava os seres humanos principalmente pela cor e condição socioeconômica.

Acredito que Tobias Palatnik percebeu de maneira muito correta que aquelas pessoas excluídas, mesmo com uma condição financeira mais limitada, apontavam para a possibilidade de um mercado consumidor extremamente promissor em Natal. Já a maioria dos seus concorrentes, membros de uma elite branca e racista, que praticavam intensos atos de exclusões sociais contra aquelas pessoas consideradas ralé, jamais iriam ate eles, bater nas portas dos seus “mocambos” para vender alguma coisa.

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Os conhecidos Mocambos, as moradias dos mais pobres de Natal

Tobias Palatnik se deparou com um espaço que estava pronto para ser explorado. Percebeu que a venda a prestação tinha futuro na cidade e que a oportunidade comercial era bem melhor que em Recife. Logo avisou aos seus irmãos e estes seguiram para o novo destino e começaram um novo investimento.

Percebi lendo o texto da historiadora Luciana Souza de Oliveira e os jornais de época, que para os Palatnik a diferenciação dos natalenses abonados com os “negos”, como os mais ricos da cidade pejorativamente chamavam os mais pobres (que nem precisavam ser claramente afrodescendentes para assim serem classificados), era algo que nada lhes importava.

O que importava mesmo era negociar, chegar até o cliente, atender o desejo das pessoas, independente de onde eles moravam, ou da cor da sua pele…

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As Rocas, área de atuação dos Palatnik em Natal

Logo na primeira investida Tobias Palatnik pôde observar que só nas Rocas, a região dos pescadores, onde viviam os mais pobres da cidade, ele poderia conquistar facilmente mais de 200 clientes. Outra coisa que certamente o judeu percebeu foi que aquelas pessoas, não obstante suas limitadas condições financeiras, possuíam um acentuado sentido de honra em relação a quitação de suas dívidas financeiras, onde poucos se davam ao papel de caloteiros.

Era tudo que um prestamista desejava!

Assim os produtos foram sendo oferecidos de porta em porta e logo se estabeleceram fortes laços econômicos. Mensalmente os irmãos avam nas casas dos clientes, oferecendo novas mercadorias e estes pagavam as parcelas dos produtos que haviam sido anteriormente vendidos. Esse tipo de procedimento tornava a relação entre comerciante e cliente mais estreita, fazendo com que os anseios de consumo da sociedade local, mesmo dos mais humildes, fossem supridos de maneira pessoal. Segundo Luciana Souza de Oliveira os irmãos Palatnik foram os primeiros que trouxeram para a cidade essa nova maneira de comercializar.

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Natal no início do século XX

Com arrojo e garra, aliado ao desejo de trabalhar e de prosperar em Natal, Tobias e seus irmãos alcançaram seus objetivos iniciais em menos de seis meses, quando conseguiram conquistar cerca de mil clientes.

Boa Relação Com os Natalenses, Mas Mantendo as Tradições

A prosperidade econômica veio logo, rápida mesmo.

A historiadora Luciana Souza de Oliveira aponta que 1915 os Palatnik puderam adquirir uma fazenda com uma usina de açúcar, álcool e aguardente. Mas o forte daqueles judeus era o comércio e foi com ele que a família Palatnik escreveu uma história de prosperidade na cidade.

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Familia Palatnik – Em pé, a partir da esquerda: Adolfo Palatnik, Jacob Palatnik, Braz Palatnik, Tobias Palatnik, José Palatnik, Tobias Prinzak, Moisés Kaller e Horácio Palatnik. Sentadas: Cipora Palatnik, Dora Palatnik (com Chimonit Palatnik no colo), Rivca Palatnik, Olga Palatnik (com Ester Palatnik no colo), Sônia Palatnik, Dora Kaller e Augusta Palatnik – Fonte – LUCIANA SOUZA DE OLIVEIRA, A FALA DOS OS: IMIGRAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL, (1919-1968), NATAL, 2009, UFRN.

Com a estruturação e o crescimento econômico daqueles judeus em Natal, esses jovens tiveram a oportunidade de ir à Palestina algumas vezes visitar seus parentes. Foi nessas poucas visitas que os jovens Palatnik constituíram suas famílias com as moças que residiam na chamada “Terra Santa”.

Mesmo construindo as suas vidas em Natal, mesmo aqui sendo a cidade que esses judeus escolheram para desenvolverem suas famílias, a cidade não poderia lhes oferecer alguns elementos responsáveis pela continuidade de sua identidade.

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O escritor Luís da Câmara Cascudo participou da festa do Yom Kippur junto aos judeus de Natal e descreveu a visita em um interessante artigo – Fonte – Jornal ” A República” 12/11/1933

Faltavam-lhes garotas que professasse a mesma fé e que tivesse os mesmos conceitos e valores para manter uma identidade judaica em seus lares. Vale ressaltar que aqueles jovens judeus conseguiram se relacionar muito bem com as pessoas em Natal, mesmo criando essa delimitação de não envolvimento de caráter íntimo e pessoal com aqueles que eram diferentes a sua cultura.

Ocorreram então várias uniões a partir de 1920. Com esses casamentos, muitos outros familiares, entre eles primos, irmãos, pais, tios e outros membros, decidiram deixar seus países e foram atraídos para a capital potiguar.

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Jose e Sonia Palatnik – Fonte – LUCIANA SOUZA DE OLIVEIRA, A FALA DOS OS: IMIGRAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL, (1919-1968), NATAL, 2009, UFRN.

Essas ramificações e parentescos foram os elementos principais para que a família Palatnik se destacasse, tornando-se os membros proeminentes para o estabelecimento de uma comunidade judaica na cidade, pois o número de pessoas que gravitavam em torno deles crescia com o ar dos anos.

Preocupações Com Coisas da Vida e da Morte

Segundo informa o site judaismohumanista.ning.com, em 1925 foi fundado na capital potiguar o Centro Israelita, que funcionava também como uma sinagoga.

Ainda na década de 1920 os judeus natalenses foram os primeiros a construir um jardim de infância, que até aquele período não havia sido estabelecido na cidade de Natal. Esta escola para crianças começou a funcionar, junto a um programa de educação judaica complementar e uma de suas professoras foi a Sra. Sara Branitzak, que teria vindo da Palestina e, segundo a historiadora Luciana Souza de Oliveira, chegou em 1927, mas ela ou pouco tempo neste trabalho.

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Jardim de Infância Palatnik – A partir da esquerda, em pé: Eliachiv Palatnik, Sofia Kaller, Ester Palatnik, David Fassberg, Ester Palatnik (filha de Elias) e Moisés Palatnik. Sentados: Aron Horovitz, Aminadav Palatnik, professora Sarah Branitzky, Sarita Volfzon, Raquel Horovitz, Nechama Kaller e Simon Masur. Na frente: (?), Nechama Palatnik, Achadam Masur e Genita Volfzon – Fonte – LUCIANA SOUZA DE OLIVEIRA, A FALA DOS OS: IMIGRAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL, (1919-1968), NATAL, 2009, UFRN.

Muitas crianças judias que nasceram em Natal participavam não apenas da vida judaica, também se relacionavam com as outras crianças da cidade sem, no entanto, esquecer que mesmo sendo Potiguares, eram acima de tudo judeus, guardando e seguindo as tradições que eram ensinadas pelos seus pais. Uma destas crianças foi Uma das crianças judias nascidas em Natal, mais precisamente em 19 de fevereiro de 1928, foi Abrahan Palatnik.[1]

Ainda segundo o site judaismohumanista.ning.com, um censo oficial da cidade de Natal em 1940 registrou um total de 54.836 habitantes e 109 eram judeus.

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Túmulo de Rosinha Palatnik no Cemitério Público do Alecrim – Foto do autor.

Com o natural crescimento da comunidade local, que ou a contar com mais de trinta famílias de judeus, logo não eram apenas os aspectos ligados a vida terrena que preocupavam esta comunidade, as questões de morte também se tornou uma preocupação.

Em 10 de janeiro de 1931, através de contatos entre os líderes da comunidade e a Prefeitura de Natal, cujo prefeito a época era o Sr. Gentil Ferreira de Souza, foi doada uma quadra murada no Cemitério Público do Alecrim para que os membros da comunidade judaica fossem enterrados mediante seus rituais tradicionais. Igualmente foi fundada uma sociedade funerária chamada Chevra Kadisha.

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Rosinha Palatnik

Até hoje existe este espaço exclusivo no Cemitério do Alecrim e entre os vários judeus natalenses enterrados está a lápide de Rosinha Palatnik. Ela faleceu no dia 7 de agosto de 1936, com apenas 20 anos de idade, depois de uma permanência no hospital de um mês e quinze dias em razão de uma apendicite. Rosinha era carioca, nascida Rosinha Tendler, filha de Boris e Anna Tendler e era casada com Horácio Palatnik (ver jornal “A República”, edição de domingo, 9 de agosto de 1936).

Crescimento dos Negócios

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O trabalho dos Palatnik prosperou ao longo dos anos e foi se diversificando.

De prestamistas eles abriram uma fábrica e uma loja de móveis chamada Casa Sion, sendo localizada a rua Dr. Barata, número 6, no bairro da Ribeira, uma das principais artérias comerciais da cidade na época.

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Braz Palatnik

Já Braz Palatnik surge com uma casa comercial na década de 1920, que inclusive era batizada com o seu nome e ficava localizada igualmente na rua Dr. Barata, nos números 204 e 205 e ali parece que ele vendia de tudo um pouco. Anúncios no jornal “A República”, o principal da cidade, mostra uma propaganda onde se oferecia guarda-chuvas, cobertas para camas, calçados para homens, tolhas, tecidos de cambraia e muitas outras coisas. Tempos depois esta loja mudou para a rua Ulisses Caldas, na esquina com a rua Felipe Camarão, no Centro da cidade, muito próximo, ou mesmo vizinho, ao Centro Israelita.

Em 1931 os irmãos Tobias e Braz Palatnik estão com uma fábrica de mosaicos na rua Extremoz e uma loja destes produtos na rua Dr. Barata, mas no número 190. Tinham também uma serraria na rua Ulisses Caldas e mantinham a Casa Sion para vender os móveis por eles fabricados.

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5 de fevereiro de 1937

Em 1936 o antigo e marcante cinema Polytheama, referência da sétima arte na história da cidade e localizado na Praça Augusto Severo, 252, se torna a Casa Palatnik. Como em outros comércios destes judeus a diversificação e a variedade de produtos é a tônica da casa comercial. Ali se vendia desde camas de ferro, ando por móveis de vime e junco e até mesmo pedras para túmulos.

Conforme os Palatnik vão prosperando, eles vão participando de atividades junto à sociedade natalense. José Palatnik, por exemplo, se torna conselheiro da Associação Comercial de Natal e do conselho fiscal do Banco Industrial Norte-rio-grandense S.A.

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25 de janeiro de 1939

Além da diversificação de negócios, pesquisando nos jornais antigos fica patente como os Palatnik investiram forte na aquisição de imóveis por toda a área de Natal. Nessa época era normal que os documentos emitidos pela prefeitura da cidade nas negociações ligadas a imóveis, com exceção de valores, fossem divulgados nos jornais locais. Neste aspecto, principalmente no início da década de 1940, os Palatnik estão sempre presentes com pagamentos de impostos referente a muitas aquisições e venda de imóveis. Provavelmente perceberam que, mesmo de forma lenta, a cidade se expandia e a compra de imóveis era outra nova oportunidade de negócios a ser trabalhada.

A Jerusalém do Brasil

O jornal Tribuna do Norte, na sua edição de 22 de novembro de 2013, informa que os irmãos Palatnik investiram na construção civil em Natal. Eles foram pioneiros na construção de conjuntos habitacionais: as primeiras casas da Ponta do Morcego (numa delas veraneava o governador Juvenal Lamartine) e a famosa Vila Palatnik, pegando a avenida Deodoro, rua Ulisses Caldas (em frente ao Colégio da Conceição) e rua coronel Cascudo.

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Região da Ponta do Morcego, em Natal

Durante a Segunda Guerra Mundial o Rio Grande do Norte sediou uma das maiores bases de aviação dos Aliados no hemisfério ocidental, a famosa Parnamirim Field. Este fato, ocorrido antes mesmo da declaração formal de guerra do Brasil contra os países do Eixo, proporcionou a chegada de muitos militares estadunidenses a Natal. Logo alguns soldados judeus servindo as forças armadas dos Estados Unidos começaram a participar e animar a vida comunitária dos judeus em Natal.

Em agosto de 1942 era o próprio Brasil que entrava na Segunda Guerra Mundial. Em Natal e a população foi chamada para participar do esforço de guerra, com ações da defesa iva. A tradicional comunidade sírio-libanesa de Natal, tendo a frente Neif Habib Chalita e Kalil Abi Faraj, participou deste processo junto com outras colônias de estrangeiros que viviam na cidade, entre estas os judeus. Nestas atividades eles eram liderados por José Palatnik e Leon Volfzon. Não sabemos em que grau ocorreu a participação destas comunidades no processo de defesa iva de Natal, nem como foi a interação de sírio-libaneses e judeus neste objetivo, mas tudo leva a crer que transcorreu sem maiores alterações em razão da inexistência de notícias apontando problemas.

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Participação da tradicional comunidade sírio-libanesa de Natal no processo de defesa iva da cidade durante a Segunda Guerra Mundial, juntamente com a comunidade judaica.

Com a chegada dos estadunidenses houve um aporte financeiro muito intenso na capital potiguar. Consequentemente a cidade se encheu de forasteiros em busca dos preciosos dólares e este aumento populacional trouxe consequências para Natal. Entre estes figuram o aumento da carestia e a falta de moradias e esse ultimo fato motivou os Palatnik a abrir um novo negócio – Uma loja de material de construção para abastecer um mercado que construía novas casa.

Mas a pequena e calma cidade, que crescia a olhos vistos, já não atraia os judeus como no ado.

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Vila Palatnik

Após a Segunda Guerra Mundial tem início a migração dos judeus natalenses para outros centros urbanos como Rio de Janeiro e Recife, mas alguns seguiram para o recém-criado Estado de Israel. Assim, com o número de judeus extremamente reduzidos em Natal, as atividades do Centro Israelita foram encerradas em novembro de 1968.

Segundo a historiadora Luciana Souza de Oliveira a história da presença dos judeus em Natal foi algo expressivo. Eles foram os responsáveis por construir na capital Potiguar uma das comunidades judaicas mais atuantes do Brasil, que chegou a ser conhecida na Palestina como a Jerusalém do Brasil.

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Irmãos Palatnik

As famílias judias que se estabeleceram na cidade mudariam não apenas a história dos judeus em Natal, mas o próprio espaço urbano e cultural. Foi na capital potiguar que eles tiveram a oportunidade de (re)construir as suas vidas oferecendo a cidade o que eles tinham de melhor: o trabalho e suas mercadorias. Em contrapartida a cidade os recebeu consumindo os seus produtos importados e dando a eles uma condição de vida digna na qual puderam oferecer a suas famílias o suprimento de suas necessidades.

A imigração deste grupo de judeus para Natal representou mais que um simples evento, foi a importante inserção de um povo, de uma cultura, uma religião, uma economia, organização espacial e social, bem como a (re)construção do “seu lugar” na capital Potiguar.

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REFERÊNCIAS

CASCUDO, Luís da Câmara. Yom Kippur em Natal. Jornal A República, Natal, n. 881, p.7, 12 nov. 1933.

OKSMAN. Sérgio (dir.). Irmãos de Navio: Histórias da Imigração Judaica no Brasil. São Paulo: Documenta Filmes, 1996. DVD (60 min), son., color.

ROZENCHAN, Nacy. Os judeus de Natal: Uma comunidade segundo o registro de seu fundador. Revista Herança Judaica, n. 106, abr. 2000. São Paulo: B´nai B´rith 2000.

SCHEINDLIN, R. História ilustrada do povo judeu. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

WOLFF, Egon; WOLFF, Frieda. Natal, uma comunidade singular. Rio de Janeiro: Cemitério Comunal Israelita, 1984.


NOTA

[1] Abrahan Palatnik é filho de Tobias e Olga Palatnik e com apenas quatro anos de idade imigrou de natal para a região onde, atualmente, se localiza o Estado de Israel. Entre 1942 e 1945, frequenta a Escola Técnica Montefiori, em Tel Aviv, e se especializa em motores a explosão. Só retorna ao Brasil, para o Rio de Janeiro, em 1948. Por volta de 1949, inicia estudos no campo da luz e do movimento, que resultam no Aparelho Cinecromático, exposto em 1951 na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, onde recebe menção honrosa do júri internacional. Desenvolve a partir de 1964 os Objetos Cinéticos, um desdobramento dos cinecromáticos, mostrando o mecanismo interno de funcionamento e suprimindo a projeção de luz. O rigor matemático é uma constante em sua obra, atuando como importante recurso de ordenação do espaço. É considerado internacionalmente um dos pioneiros da arte cinética. Abraham Palatnik é consagrado pioneiro, o primeiro que explorou as conquistas tecnológicas na criação de vanguarda brasileira, tornando as máquinas aptas a gerarem obras de arte. Ver – https://www.escritoriodearte.com/artista/abraham-palatnik/

CONHEÇA A HISTÓRIA DE EDGAR FEUCHTWANGER, O VIZINHO JUDEU DE HITLER

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Edgar Feuchtwanger, um judeu nascido em 8 de setembro de 1924, cresceu em um bairro rico de Munique, Alemanha, sendo filho de Erna Rosina e Ludwig Feuchtwanger, um advogado, palestrante e autor. Mas o que diferencia a história de Edgar, de tantos jovens judeus daquela época, foi ele ter sido um vizinho próximo de Adolf Hitler por nove anos.

Ele viveu ao lado perigo que pairava sobre sua vida e sua família durante o início da década de 1930, perto da residência privada de Adolf Hitler, na Grillparzer Strasse.

A primeira vez que havia visto o futuro genocida, em 1932 – um ano antes de Hitler ser nomeado Chanceler – ele havia saído para ear com sua babá, quando o viu de forma involuntária. Segundo ele, Hitler teria ado, olhado diretamente para seu rosto, mas sem esboçar qualquer emoção. 

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Em recente entrevista à jornalista Christiane Amanpour, da rede CNN, ele contou que costumava sentir que algo ruim iria acontecer. “Eu o conhecia muito bem, mesmo com apenas 8 anos de idade, sabia que seria uma coisa muito ruim para nós”, lembrou.

Em 2012 Feuchtwanger foi co-autor de um livro com o jornalista francês Bertil Scali descrevendo suas experiências de infância com Hitler. Intitulado “Hitler, mon voisin – Loja juif d’un enfant” (Meu Vizinho Hitler – Memórias de uma criança judia), contou que se Hitler soubesse quem ele era, hoje não estaria vivo. Ele não se referia apenas a sua condição de judeu, mas a família que pertencia. Edgar ela sobrinho de Lion Feuchtwanger, um escritor de renome que havia se tornado um “inimigo pessoal” de Hitler.

Segundo ele, Hitler teria mudado para o mesmo bairro em 1929, quando sua carreira política estava em ascensão e moraram lado a lado por nove anos. Apesar de Feuchtwanger, assim como outros, começar a perceber as profundas mudanças que aconteciam no país, ninguém imaginou o que viria a seguir. E embora ela não tenha se juntado à Juventude Hitlerista, não pôde escapar do ensino de ideologia nazista durante sua agem pela escola. Seus professores “eram 150% nazistas” e foi pedido que ele fizesse tudo o lhe mandassem. “Por isso eu não podia escapar da propaganda exposta nos currículos escolares”. Até hoje ele guarda alguns cadernos em que a suástica pode ser vista claramente diagramada.

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Kristallnacht – Fonte – katana17.wordpress.com

Mas em uma noite, tudo mudou para sua família. Em 9 de novembro de 1939, ocorreu o que ficou conhecido como A Noite dos Cristais (Kristallnacht). Nessa data histórica para a Alemanha, foram executados ataques contra a população judaica orquestrada pelo governo central. As ações nazistas incluíram detenções de 30.000 judeus na Áustria e na Alemanha, a mortes de 91 destes e o saque generalizado de lojas de propriedade de judeus e sinagogas. No outro dia após a Kristallnacht o pai de Edgar foi levado pela Gestapo para o campo de concentração, em Dachau. Seis semanas mais tarde ele foi libertado, mas sua vida a partir daí seria alterada para sempre.

Assim como milhares de judeus, eles decidiram deixar a Alemanha. A maioria que ficou não tinha as mesmas vantagens econômicas que os Feuchtwangers, embora eventualmente o estado tivesse confiscado sua riqueza.

A família então escolheu viver na Inglaterra para começar uma nova vida, acreditando que esse era o propósito dos nazistas: expulsar todos os judeus da Alemanha. “Afinal de contas, coisas como Auschwitz ainda não existiam. Não pensávamos que eles alcançariam esse extremo”, disse.

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O pai de Edgar Feuchtwanger.

A família conseguiu obter vistos de entrada para a Grã-Bretanha e em fevereiro de 1939 Edgar embarcou em um trem com destino a Londres. Seu pai acompanhou o jovem garoto até à fronteira holandesa e, em seguida, retornou à Alemanha para terminar arranjos para ele e sua esposa seguir para o novo destino.

Outros membros da família do jovem vizinho de Hitler foram atingidos diretamente pelos nazistas. Dos irmãos de seu pai um deles foi morto num campo de concentração e três irmãs tiveram que se dispersar pelo mundo afora – Duas irmãs foram morar na Palestina após a ascensão do Partido Nazista e uma se estabeleceu em Nova York, Estados Unidos.

Vivendo em Londres até o presente momento, ele nunca mais retornou para sua terra natal. No Reino Unido, ele se tornou um respeitado professor universitário de História e hoje afirma ter um excelente relacionamento com seus atuais vizinhos.

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FONTE – jornalciencia.com/conheca-a-historia-de-edgar-feuchtwanger-o-vizinho-judeu-de-hitler

A DESTRUIÇÃO DE MONUMENTOS HISTÓRICOS NA GUERRA CIVIL DA SÍRIA

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Como vem ocorrendo de forma quase que corriqueira, que nem sequer damos muita atenção aqui no Brasil, a trágica guerra civil na Síria continua sem resolução à vista e o número de mortos do conflito continua a subir. Sem dúvida que a perda de vidas humanas, a maior parte de civis, é algo verdadeiramente terrível neste conflito, que dia após dia está esfacelando um dos mais antigos povos do planeta.

Mas esta não é a única consequência desastrosa deste conflito – o patrimônio histórico e arquitetônico da Síria está sendo feito gradativamente em pedaços.

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A UNESCO verdadeiramente implorou para que ambos os lados da contenda respeitassem e protegessem os artefatos históricos sírios, verdadeiros tesouros da humanidade. Porém, dada a disposição do ditador Bashar al-Assad para matar impiedosamente dezenas de milhares de seus próprios cidadãos, é improvável que ele vá mostrar algum respeito por monumentos históricos de seu país.

Sem jamais esquecer e menosprezar a cataclísmica perda de vidas humanas, trago aos leitores do nosso Tok de História as terríveis fotos de cinco dos mais importantes monumentos históricos e arquitetônicos sírios, que foram danificados ou destruídos nesta sangrenta guerra civil:

1-Mesquita Umayyad

Localizado na antiga cidade de Aleppo, a Mesquita Umayyad é um monumento sírio qualificado pela UNESCO como Patrimônio Mundial.

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É também uma das mesquitas mais antigas e importantes do mundo. Tanto as forças do Regime  de Assad, quanto a sua oposição têm lutado pelo controle do prédio, absolutamente destruindo-o neste processo. O minarete que tinha quase 1.000 anos, foi finalmente derrubado no início deste ano.

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Em uma entrevista ao jornal britânico Daily Mail, Helga Seeden, professora de arqueologia na Universidade Americana de Beirute, colocou essa perda no seguinte contexto: “Isto é como explodir o Taj Mahal, ou destruir a Acrópole em Atenas. Esta mesquita é um santuário de vida… Isso é um desastre. Em termos de patrimônio, este é o pior caso de destruição que já vi na Síria. Estou horrorizada”.

2-Mercado Al-Madina

Localizado  no coração da cidade de Allepo, com as suas ruas estreitas e longas, o mercado Al-Madina é o maior mercado histórico coberto do mundo, com uma extensão aproximada de 13 quilômetros.

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Até pouco tempo era um importante centro de comércio de bens de luxo importados, como a seda crua do Irã, especiarias e corantes da India e muitos outros produtos. Al-Madina também é o lar de produtos locais, tais como produtos agrícolas, sabão e a maioria de suas lojas remontam ao século 14.

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Listado como Patrimônio Mundial da UNESCO desde 1986, foi amplamente queimado e grande parte destruído durante luta que começou em setembro de 2012.

3-Mesquita Al-Omari 

Esta mesquita, fundada no início do século VIII, tal como Umayyad, uma das mais antigas mesquitas do mundo.

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Durante os primeiros dias da guerra, ele serviu como um hospital de campanha e santuário para os oposicionistas.

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Em 2013, seu minarete foi destruído. Ambos os lados acusam o outro de ser responsável pela sua destruição.

4-Krak des Chevaliers

Uma dos seis locais listados como Patrimônio Mundial da UNESCO na Síria, o Krak des Chevaliers era um dos castelos medievais mais bem preservados do mundo. Combatentes da oposição lutam para manter o domínio sobre esta estratégica e importante fortaleza há mais de dois anos.

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Designado pelos muçulmanos como “qalajat al-Husn“, localiza-se na a 65 km a oeste da cidade de Homs, perto da fronteira com o Líbano. A expressão “Krak”, ou “Karak”, designa um tipo de fortificação erguida no Séc. XII e XIII pelos Cruzados, nas regiões das atuais Síria e Palestina. Tinham o objetivo de assegurar a defesa dos chamados “Reinos Latinos do Oriente”. Os principais Kraks eram este na Síria, que defendia o limite Nordeste do Condado de Trípoli, o Krak de Montreal, em al-Chawbak, defendendo o limite Sudeste do Reino de Jerusalém, e o Krak de Moab, em al-Karak, também no Reino de Jerusalém.

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O Krak des Chevaliers, ou Krak dos Cavaleiros, foi erguido sobre um esporão rochoso do deserto sírio. Mas isso não impediu o devastador bombardeio aéreo e de artilharia das forças do regime, com ápice no dia 21 de outubro de 2013. E essa devastação não tem fim à vista.

5-Palmyra

Esta é uma antiga cidade na Síria central, localizada num oásis a cerca de 210 km a nordeste de Damasco, capital deste antigo país.

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A localização estratégica da cidade, aproximadamente a meio caminho de distância que entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Eufrates, tornou-a num ponto de agem obrigatório para muitas das caravanas que seguiam aí a sua rota comercial.

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Como as forças de oposição lutam contra o exército sírio em torno deste antigo oásis no deserto, as ruínas deslumbrantes tem sido abaladas por disparos de canhões, morteiros e foguetes.

De nossa parte rezamos pelo fim deste conflito.

E tem gente que ainda acha que uma das soluções para melhorar o Brasil seria uma guerra civil devastadora. Meu Deus, perdoai estas pessoas pois não sabem o que falam!

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Fontes – http://www.policymic.com/articles/71193/5-historical-monuments-have-been-destroyed-forever-during-syria-s-civil-war

http://pt.wikipedia.org/

NO RIO GRANDE DO NORTE SE MATA MAIS QUE NA GUERRA ENTRE ISRAELENSES E PALESTINOS

ESTAMOS NO MEIO DA GUERRA CIVIL POTIGUAR?

SOMENTE EM 2012, 975 PESSOAS FORAM ASSASSINADAS NO RIO GRANDE DO NORTE. NO CONFLITO ENTRE ISRAELENSES E PALESTINOS, ENTRE 2010 E 2012, MORRERAM 478 PESSOAS. E SÃO ELES QUE ESTÃO EM GUERRA?

Na manhã da última sexta feira (17/5), estive na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte. Ali acompanhei a audiência pública intitulada “Copa Legal – O Rio Grande do Norte no Combate a Exploração Sexual”. Tive a oportunidade de presenciar os representantes do Estado, Município e especialistas que atuam na área de defesa discutir o aumento dos casos de violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Debateram possíveis soluções para estas questões, diante da proximidade da Copa do Mundo de 2014 e da expectativa de serem recebidos muitos visitantes na nossa região.

Audiência Pública na Assembleia legislativa do Rio Grande do Norte. Imagem meramente ilustrativa, não corresponde ao texto.
Audiência Pública na Assembleia legislativa do Rio Grande do Norte. Imagem meramente ilustrativa, não corresponde ao texto.

A mesa do evento estava Márcia Maia (Deputada Estadual), Julia Arruda (Vereadora), Correia Junior (Delegado e Diretor de Polícia Civil da Grande Natal – DPGRAN), Leonardo Nagashima, (Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente – CAOP Infância e Juventude), Antônio Murilo (Padre e Presidente do Conselho Estadual da Criança e Adolescente – CONSEC), Ilzamar Silva Pereira (Secretária Municipal de Trabalho e Assistência Social –SEMTAS) e Marcos Dionísio (Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos).

Marcos Dionísio, Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos - Fonte - http://www.cartapotiguar.com.br/2012/12/11/propaganda-na-audiencia-sobre-seguranca-publica/
Marcos Dionísio, Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos – Fonte – http://www.cartapotiguar.com.br/2012/12/11/propaganda-na-audiencia-sobre-seguranca-publica/

E foi este último quem me lembrou em sua fala de uma estatística realmente complicada para o Rio Grande do Norte, ao comentar que em terras potiguares foram registrados 975 assassinatos no ano de 2012. Marcos Dionísio informou que até 10 de maio último já foram contabilizados no Rio Grande do Norte um total de 530 homicídios em 2013. O Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos acredita que este ano a conta deve fechar entre 1.300 a 1.500 homicídios.

Cruzando Informações

Estes números estarrecedores não são novidade. É até mesmo notícia velha. Mas confesso que ficaram na minha cabeça após o final da audiência pública. Ao chegar a minha casa comecei a fazer uma pesquisa na internet, relacionando os 975 assassinatos em 2012 com guerras e conflitos a nível mundial.

Bombardeio israelense em Gaza, em novembro de 2012 - Fonte - http://www.sbs.com.au/
Bombardeio israelense em Gaza, em novembro de 2012 – Fonte – http://www.sbs.com.au/

Descobri que o número de pessoas assassinadas no Rio Grande do Norte no ano ado, foi maior do que o número de mortos palestinos e israelenses nos últimos três anos.

Segundo o site http://www.ifamericansknew.org/stats/deaths.html http://www.ifamericansknew.org, entre 2010 e 2012, morreram em confrontos na região 478 pessoas, sendo 454 palestinos, e 24 israelenses.

Segundo a matéria existente neste site, os dados foram fornecidos pelo B’Tselem, o Centro Israelense para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados (Ver – http://www.btselem.org/), com a última atualização em 30 de abril de 2013. Os números citados incluem civis e combatentes mortos, a maioria na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Mas as estatísticas não incluem o número considerável de palestinos que morreram como resultado da incapacidade de socorro às vitimas devido ao fechamento da fronteira de Gaza, bloqueios em estradas israelenses, toques de recolher, etc.

Tropas israelenses - Fonte - news.nationalpost.com
Tropas israelenses – Fonte – news.nationalpost.com

Entretanto não podemos esquecer que as raízes do conflito Palestino/Israelense vêm desde 1947, após a criação do Estado de Israel. De lá, para cá, a sangria nesta parte do mundo sempre esteve presente na mídia, se prolongando em meio a um mar de dor, ódio e sangue, sem perspectiva de solução em curto prazo.

Já a nossa Guerra Civil Potiguar é coisa recente. É uma carnificina com tendência cada vez maior ao crescimento. Dados apontam que entre 2000 e 2010, o aumento da taxa de homicídios em terras potiguares foi de 154%, enquanto que o aumento populacional foi de apenas 14%.

Essa é a nossa guerra de todos os dias - Fonte - http://tokdehistoria-br.informativoparaibano.com/
Essa é a nossa guerra de todos os dias – Fonte – http://tokdehistoria-br.informativoparaibano.com/

Segundo a mancha criminal feita no mapa do Rio Grande do Norte pela Subcoordenadoria de Estatística, os maiores índices de homicídios estão registrados em 1º lugar em Natal, 2º Região Metropolitana, 3º em Mossoró, 4º na região de Pau dos Ferros e o 5º lugar ficou ocupado pela região do Seridó. Outro dado aponta que 92,3% das vítimas têm entre 20 e 30 anos de idade e já tiveram algum envolvimento com atividade ilícita, as mais comuns são, tráfico de drogas e assalto.

Somos Campeões de Violência

De maneira geral isso não é nenhuma grande novidade. Segundo cálculos do “Mapa da Violência 2012”, produzido pelo Instituto Sangari e divulgado em dezembro último, entre 1980 e 2010, o Brasil contabilizou 1,09 milhão de homicídios, com uma média anual de mortes violentas superior à de diversos conflitos armados internacionais. Para muito nosso país vive uma Guerra Civil não declarada.

Todos os dias nossos meios de comunicação repetem a violência nossa de todos os dias - Fonte - sgtpmglenio.blogspot.com
Todos os dias nossos meios de comunicação repetem a violência nossa de todos os dias – Fonte – sgtpmglenio.blogspot.com

Calculando a média anual de homicídios do país em 30 anos, Julio Jacobo Waisefisz, pesquisador do Sangari, chegou ao número de 36,3 mil mortos no ano – o que, em números absolutos, é superior à média anual de conflitos como o da Chechênia (25 mil), entre 1994 e 1996, e da guerra civil de Angola (1975-2002), com 20,3 mil mortos ao ano. A média também é superior as 13 mil mortes por ano registradas na Guerra do Iraque desde 2003 (a partir de números dos sites iCasualties.org e Iraq Body Count, que calculam as mortes civis e militares do conflito).

Agora uma coisa é você falar de pesquisas que abranjam todo o Brasil. E o Brasil é gigantesco. Outra coisa é uma estatística que aponta especificamente para a violência no Rio Grande do Norte, mostrando que além de sermos um lugar pequeno e pobre, aqui se torna cada vez mais sangrento.

Vale Mais a Pena Viver na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, ou em Natal?

Recentemente publiquei neste nosso espaço um artigo do amigo Flávio Rezende (Ver – https://tokdehistoria.wordpress.com/2013/05/07/um-planeta-em-evolucao-apesar-da-constante-exposicao-midiatica-da-violencia/), onde este respeitado jornalista aponta que o tema violência ocupa cerca de 30%, ou até mais, no conjunto do tempo televisivo ou do espaço nas páginas dos jornais. Flávio não nega em seu trabalho a realidade do momento vivido por todos, mas busca através de dados apontar que a violência atualmente existente não é tão grande como se propaga. Em sua opinião ocorre um desproporcional espaço concedido aos fatos negativos pela imprensa em geral. Consequentemente isto generaliza o medo.

Os policiais potiguares também são vítimas diretas desta nossa guerra - Fonte - http://blogitaunews.blogspot.com.br/2012/11/assalto-em-sao-tome-termina-com.html
Os policiais potiguares também são vítimas diretas desta nossa guerra. Policial morto em confronta na cidade de São Tomé-RN – Fonte – http://blogitaunews.blogspot.com.br/2012/11/assalto-em-sao-tome-termina-com.html

Concordo em grande parte com o que Flávio escreveu, tanto que publiquei seu artigo em meu blog. Mas confesso que viver e criar a minha filha em um lugar onde 975 pessoas foram assassinadas em 2012, me dá medo.

E não adianta dizer preconceituosamente que a nossa violência é exclusividade da Zona Norte de Natal, da Grande Natal, das periferias mais distantes, ou até da Região Oeste do estado. Recentemente o luxuoso bairro de Petrópolis, com suas clínicas conceituadas e butiques de grife, sofreu na mão de assaltantes. Logo alguém de família dita “tradicional”, de sobrenome com uma difícil pronúncia, vai levar um balaço e se juntar a legião de Joãos, Marias, Pedros, Josés que enchem as covas de paupérrimos e distantes cemitérios.

Fonte - http://www.cledsonmedeiros.com/
Fonte – http://www.cledsonmedeiros.com/

Nós potiguares sempre gostamos propagar que nossa terra é um “lugar tranquilo”, onde a “violência é limitada” e a nossa qualidade de vida é “ótima”. Agora só resta apenas perguntar se vale mais a pena viver na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, ou em Natal?

Fontes complementares – http://comentecomigo.blogspot.com.br/2013/03/numero-de-homicidios-no-rn-sobe-4176-em.html

http://www.potiguarnoticitokdehistoria-br.informativoparaibano.com.br/noticias/24471/marcia-maia-sugere-criacao-de-selo-e-cartilhas-para-combate-a-exploracao

http://www.tokdehistoria-br.informativoparaibano.com/noticia.php?id_secao=10&id_noticia=201879

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