“Fala-se muito, conversa-se muita, faz-se até algum farol, mas realmente nada existe.”
O que está escrito acima foi publicado no extinto jornal natalense “O POTI”, na edição de terça-feira, 26 de abril de 1955, há quase 70 anos. Abaixo trago esse texto na íntegra.
“Se o Rio Grande do Norte fosse um Estado que realmente cultuasse as datas que lhe são preciosas, o próximo dia 12 de maio seria um dia de reverência, pois lembra um dos fatos mais significativos da metade do século XX – A primeira travessia do Atlântico Sul por avião. Que foi realizada na noite de 12 de maio de 1930 por Jean Mermoz, pilotando um pequeno hidroavião Laté 28, sendo acompanhado nessa travessia por Jean Dabry e Leopold Gimié.
Os que não têm a memória muito falha e que estão hoje com mais de 45 anos de idade ainda devem recordar-se dessas figuras simpáticas de pioneiros e heróis a atravessar as ruas de Natal, convivendo conosco e construindo, o que foi durante vários anos a famosa “Linha” do Atlântico Sul, feita pelos aviões da antiga Latécoère. O voo foi feito em vinte horas, sendo batido um recorde para a época e o seu êxito determinou o estabelecimento definitivo das linhas transcontinentais para a América do Sul.
Não existe em Natal, até hoje, uma rua com o nome de Jean Mermoz e dentro de mais algum tempo, nada haverá para rememorar entre nós, acontecimento tão significativo. Somos, porém, assim mesmo. Temos um Arquivo Público criado no papel, que nada arquiva até agora. Não temos uma só biblioteca que se preze, e se os jornais não mantiverem as suas coleções, nada ficará no futuro para as gerações vindouras.
No período da guerra aqui viveram mais de 15.000 americanos durante quase cinco anos e só no cemitério do Alecrim, foram sepultados quase 200 soldados e oficiais tombados no cumprimento do dever. O que é que existe hoje para assinalar esses acontecimentos históricos? Falou-se durante algum tempo, que no cemitério seria erguido um monumento simbólico com os nomes de todos os que foram aqui sepultados. Tudo ficou no esquecimento, e como os jornais eram impedidos pela censura de divulgar esses acontecimentos devido aos tempos de guerra, nada existirá que lembre isso no futuro.
O saudoso presidente Roosevelt aqui se encontrou com o presidente do Brasil em uma entrevista histórica. Existe algum marco, algum símbolo, alguma lápide que relembre esse acontecimento, ao menos no local em que houve o encontro histórico? Nada, absolutamente, nada.
A participação de Natal durante a guerra, que foi das mais significativas, será no futuro um acontecimento para o qual não existem dados históricos e nem documentos comprobatórios. É que aqui não existe funcionando um órgão que realmente cuide dessas coisas. Fala-se muito, conversa-se muita, faz-se até algum farol, mas realmente nada existe.
O governo de Mussolini mandou para aqui, como presente uma coluna romana para assinalar a agem de Ítalo Balbo em Natal e a travessia de Ferrarin e Del Prete. Se não houvessem feito isso, nada hoje lembraria esse acontecimento.
Os americanos tiveram uma participação muito mais ativa em nossa vida e deles só resta a lembrança nas obras que deixaram.”
A área da Rampa durante a Segunda Guerra Mundial
Mas então, o que mudou em nossa cidade em relação ao que está descrito em 1955?
Acho que o fato de existir hoje em dia ruas como as Sachet, Mermoz, Maryse Batie e até um colégio chamado Jean Mermoz e outro Winston Churchill são situações interessantes, positivas, que merecem os elogios de quem deu as ideias e as criou. Mas que na prática, na ideia de se criar uma verdadeira memória, é muito pouco!
Essas histórias estão ficando em um ado cada vez mais distante, pois abrangem um período que vai de 1922 (A chegada do “Libélula de Aço, a primeira aeronave a sobrevoar o Rio Grande do Norte) até 1947 (quando os últimos americanos partiram de Natal), o que facilmente ajudará no seu total esquecimento.
E para os poucos que querem estudar e registrar algo sobre esses momentos históricos, as fontes estão cada vez mais limitadas. De forma natural, quase todos aqueles que testemunharam esses interessantes episódios já partiram. Some a isso o fato das coleções dos jornais que o texto de 1955 comenta, estão interditados, quase sem o e eu não sei o porquê….
Pátio da Rampa e seus hidroaviões
Mas o texto publicado em “O POTI” de 1955, mostrava que já naquela época a situação era complicada. Imaginem agora!
E é importante que se registre que a preservação dessa memória histórica deveria ser pautada pela democratização dessas informações, se não fica como está hoje em dia – Restrita a uma bolha bem elitizada, formada de pessoas que pouco ou nada leram sobre esses temas, mas que se arvoram de “grandes conhecedores”, de “doutores da história”. No final das contas essa gente tem é muita conversa fiada.
Até mesmo alguns políticos, que tem nos meios mais elitizados de Natal grande parte de suas bases eleitorais, andaram criando momentos públicos para “debaterem a sério” o que fazer com esse patrimônio, com essa informação histórica. Na prática esses tais momentos renderem absolutamente nada!
E, em minha opinião, o que temos hoje para mostrar ou é subutilizado, ou é limitado para o que foi destinado. E esse patrimônio, essa informação, poderia gerar muitos dividendos para o turismo histórico de Natal, pois os fatos ligados a história da aviação clássica e da II Guerra em nossa cidade são únicos na América do Sul. Mas quem se importa de verdade com isso?
Espero e gostaria sinceramente que essa situação mudasse. Mas não tenho mais esperanças.
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A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial – Fonte – NARA.
Rostand
Medeiros – Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte –
IHGRN
Na tarde da última quinta-feira, 14 de março de 2019,
ocorreu no prédio anexo da Procuradoria do Ministério Público Federal do Rio
Grande do Norte-MPF-RN, através da ação do seu Núcleo de Cidadania e Ambiental,
uma importante e interessante audiência extrajudicial com o objetivo de tratar
de assuntos pertinentes ao resgate, preservação e valorização do patrimônio
histórico existente em Natal e Parnamirim ligados ao período da Segunda Guerra
Mundial.
O Dr. Victor Manoel Mariz, Procurador Federal.
Essa reunião foi provocada pela positiva iniciativa do
amigo Ricardo da Silva Tersuliano, do Instituto dos Amigos do Patrimônio
Histórico e Artístico Cultural e da Cidadania-IAPHACC, que em 29 de agosto do
ano ado deu entrada no MPF-RN com um ofício solicitando a realização de uma
audiência para debater temas ligados ao período da Segunda Guerra Mundial.
Nesse documento, entre outras coisas, Ricardo sugeriu a criação de um
inventário do patrimônio histórico utilizado pelas forças militares
estrangeiras e brasileiras que se encontravam sediadas no Rio Grande do Norte durante
o conflito, a criação de uma possível rota histórico-turística abrangendo essas
edificações, além do tombamento e preservação desse patrimônio.
Em 15 de fevereiro de 2019 recebi um ofício do MPF-RN convidando-me
para participar dessa reunião, fato que me trouxe muita satisfação.
Da esquerda para direita Ricardo Tersuliano do IAPHACC, Leonardo Dantas da Fundação Rampa, o autor desse texto e João Hélio do SEBRAE.
Estiveram presentes o vereador Felipe Alves,
representando a Câmara de Vereadores de Natal, João Hélio Cavalcanti, Diretor
do Serviço de Apoio da Micro e Pequena Empresa do Rio Grande do Norte-SEBRAE,
Leonardo Dantas e Augusto Maranhão como representantes da Fundação Rampa,
Maximiniano Braga representando a Secretaria Municipal de Turismo, Hélio de
Oliveira da Fundação Cultural Capitania das Artes-FUNCARTE, Márcio Alekssander
como representante do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no
Rio Grande do Norte-IPHAN/RN, os comandantes Henrique Afonso e João Leal Neto
representando o 3º Distrito Naval da Marinha do Brasil, o coronel Tito Tavares
como representante da 7ª Brigada de Infantaria Motorizada do Exército
Brasileiro, o major Cidney Paiva Ribeiro, a 2º tenente Rosa Célia Gonçalves e a
professora Grazielly dos Anjos Fontes representando a ALA-10 da Força Aérea
Brasileira, a Procuradora Estadual Majore Madruga representando a Procuradoria
Geral do Estado, além de Sérgio W. B. Paiva e Harryson Magalhães como
representantes da Fundação José Augusto.
Participantes.
A audiência foi presidida pelo Procurador Federal Victor
Manoel Mariz, que me pareceu uma autoridade do judiciário bastante centrado no
desenvolvimento do seu trabalho, além de interessado e preocupado com as
questões envolvendo o patrimônio histórico potiguar. Fato esse bastante
alvissareiro em uma terra onde eu tenho a impressão que tudo ligado a questões
sobre a sua própria história é tratado de forma irresponsável, desleixada e
secundária por muitas de suas autoridades.
Inicialmente o Dr. Victor Mariz ressaltou que o MPF-RN não pode interferir de maneira abrangente na execução de políticas públicas, mas informou que esse órgão tem a incumbência constitucional de fomentar o debate e instar o Poder Público a adotar medidas voltadas a conferir proteção aos valores históricos e culturais.
Na sequência o Procurador Federal apontou duas questões que para ele estavam bastante claras: a enorme importância histórica da região de Natal e Parnamirim em relação a história da Segunda Guerra Mundial e o descaso do Poder Público no tocante a valorização e ao resgate da memória desses fatos. Finalizou seus apontamentos iniciais comentando que o objetivo daquela reunião era provocar a ação dos atores interessados nesse tema, que permitisse promover o resgate desse patrimônio histórico, bem como sua valorização.
Depois ocorreram várias manifestações dos presentes, das
quais separei as que eu considero as mais relevantes, além da minha própria
manifestação perante o Procurador Federal.
Ricardo Tersuliano, do IAPHACC, comentou que o motivo
que levou a sua instituição a provocar o MPF-RN foi a percepção que Natal e
Parnamirim estão perdendo de maneira célere as suas respectivas identidades
históricas em relação à importância que tiveram durante o período da Segunda
Guerra. Para ele não existe até o presente momento ações concretas destinadas
ao resgate e a preservação desse importante patrimônio histórico.
Já a Procuradora do Estado Majore Madruga comentou que tem visualizado a subutilização do patrimônio histórico do Estado do Rio Grande do Norte, notadamente no âmbito das atividades turísticas. Acrescentou que é preciso conhecer quais das edificações que foram importantes para a época, saber o estado que se encontram e adotar as medidas necessárias para evitar possíveis demolições.
Procuradora do Estado Majore Madruga e o Dr. Victor.
Os representantes da Fundação Rampa Leonardo Dantas e
Augusto Maranhão informaram que essa entidade vem desde 2008 realizando estudos
sobre a Segunda Guerra e promovendo ações como o resgate do eio de Jeep
realizado por Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt por Natal e ocorrido em
janeiro de 1943. Esse resgate é realizado através de uma interessante encenação
histórica pelas ruas da cidade.
Tripulação de um avião da marinha norte americana do tipo PB4Y-1 LIBERATOR, do esquadrão VPB-107, com base em Natal, Rio Grande do Norte, que patrulhava e caçava submarinos na costa brasileira.
Já João Hélio Cavalcanti, Diretor do Serviço de Apoio da
Micro e Pequena Empresa do Rio Grande do Norte-SEBRAE-RN, informou que esta
entidade está trabalhando há quatro anos na elaboração de um projeto que tem
como tema a importância de Natal no cenário histórico da Segunda Guerra e visa
a criação de uma rota turística, onde tanto a Governadora do Estado quanto o
Prefeito de Natal tem conhecimento desse projeto.
Como escritor, pesquisador e sócio efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte-IHGRN, eu tive a oportunidade de
compartilhar minhas experiências com estudos e pesquisas sobre a Segunda Guerra
Mundial no meu estado.
Aproveitei a ocasião para ressaltar o positivo trabalho
realizado na cidade de Mossoró em relação ao resgate da memória histórica da
resistência cívica, efetuada pela sua população em 1927 contra o ataque do bando
de cangaceiros de Lampião. Apontei a importância das ações em prol desse projeto
e da existência do conhecido Memorial da
Resistência como um local que ajudou e vem ajudando a população mossoroense
a ampliar a percepção relativa a esse episódio e, consequentemente, valorizar a
história da sua cidade.
´Memorial da Resistência, um exemplo de como Mossoró preserva a memória do ataque de Lampião d um exemplo para Natal e Parnamirim.
Como muitos dos presentes afirmaram nessa reunião, eu
também endossei que pouco tem sido feito para resgatar e preservar a memória da
Segunda Guerra em Natal e Parnamirim, um momento histórico tão intenso e
importante dessas duas cidades. Mas na minha fala igualmente eu fiz questão de
enaltecer que é primordial a criação de um memorial da Segunda Guerra Mundial
em Natal. Como vários comentaram nessa reunião, igualmente apontei que
certamente o melhor local para existir esse espaço é o prédio histórico da
Rampa, com a sua utilização sendo istrada pela Fundação Rampa.
Não tenho dúvidas que a existência desse espaço será de
suma importância para ampliar o conhecimento e a própria valorização sobre esse
tema que, mesmo de forma limitada, é referenciado por uma grande parcela da
população potiguar.
Inclusive informei situações e problemas pela não existência
de um local de memória especializado no período da Segunda Guerra no Rio Grande
do Norte e a minha atuação profissional junto ao turismo potiguar. Citei como exemplo
que durante o período de grande fluxo de turistas estrangeiros ao Rio Grande do
Norte, ocorrido entre o final da década de 1990 e início da década seguinte,
quando então desenvolvia atividades laborais como Guia de turismo cadastrado
pela EMBRATUR e atendia visitantes oriundos da Península Ibérica, após relatar com
detalhes as histórias relativas a Segunda Guerra na nossa região, em algumas ocasiões
fui cobrado a apresentar os locais históricos citados, ou algum museu que
mostrasse com detalhes o período. Essas situações me causaram constrangimento
junto a esses turistas, por ter pouco a apresentar e a inexistência de um museu
especializado para a realização de visitas.
Ainda durante a minha fala trouxe para o Dr. Victor
Mariz a informação que em junho de 2015 o Dr. João Batista Machado, então
Promotor de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, na época titular da 41ª
Promotoria de Justiça da Comarca de Natal, me solicitou a elaboração de um
relatório preliminar sobre os locais utilizados pelas forças militares
norte-americanas que se encontravam estacionados em Natal durante a Segunda
Guerra Mundial. Como resultado desse relatório o Dr. João Batista decidiu
organizar uma visita a esses locais, o que efetivamente ocorreu no dia 20 de
junho de 2015. Participaram dessa visitação membros do Ministério Público
Estadual, do IAPHACC, outras entidades e convidados.
Convite da 41ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal para a realização das visitas aqui comentadas.
Quando da elaboração do documento apresentado ao
Ministério Público Estadual encontrei na bibliografia e fontes existentes a
referência de 32 locais utilizados em Natal. Mas como o relatório focava nos
pontos utilizados pelos norte-americanos eu listei e detalhei então 17
edificações, as quais foram efetivamente visitadas em 20 de junho de 2015. Quanto
aos outros 15 locais os mesmo não foram visitados por não terem sido inseridos
no relatório, em razão de possuírem utilizações históricas diversas da focada
no objetivo solicitado.
Comprovante da entrega do relatório de 2015.
Por determinação do Dr. Victor Mariz, como uma das
deliberações finais dessa reunião, coube a mim e ao amigo Leonardo Dantas ampliar
o relatório que entreguei ao Ministério Público Estadual em 2015, coletando
todas as informações disponíveis sobre as 32 edificações consideradas
interessantes para a época histórica pesquisada. Isso não impede que outros
locais sejam apontados como importantes para aquele período histórico e sejam
acrescentados a esse novo relatório. Igualmente foi solicitado a outros
representantes das entidades presentes na reunião o cumprimento de outras
deliberações.
“Sobrevoo-Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, meu quinto e mais novo livro, que faz parte da “Coleção A Participação do RN na Segunda Guerra Mundial”, material que contou com o apoio do SEBRAE-RN para sua elaboração, através do Edital Economia Criativa 2018. Esse livros será lançado no dia 2 de abril de 2019, na sede do SEBRAE de Natal, junto com os livros dos amigos Leonardo Dantas e José Correia Torres Neto.
Acredito que essa reunião foi extremamente positiva, bem como positiva é a ideia do MPF-RN de provocar a ação dos atores interessados nesse tema. Talvez os desdobramentos desse momento possam promover o resgate desse patrimônio histórico, bem como sua valorização. Fico na torcida para que tudo funcione corretamente.
No nariz de um PBSY-1 LIBERATOR, em meio a uma pintura de mulher, conhecida como “pin-up art”, o nome da cidade potiguar de Macaíba, escrito na forma antiga.
Entretanto não tenho muitas ilusões sobre uma possível
atuação de maior relevância do Poder Público nesse caso. Apesar desse tema ser
de alta relevância para a história e memória potiguar, devido a continuada omissão
desse mesmo Poder Público, creio que eu tenho direito a não ter ilusões.