O BELO PREFÁCIO DE JOSÉ GAUDÊNCIO TORQUATO, NO LIVRO “JOÃO RUFINO-UM VISIONÁRIO DE FÉ”

Contar com o apoio do amigo Zé Gaudêncio Torquato no nosso livro “João Rufino-Um Visionário de Fé” não é um privilégio, mas uma honra.

Este orgulhoso micaelense é um competente arquiteto e trabalha nesta área na Caixa Econômica Federal em Natal. Mas eu acredito que Zé Gaudêncio gosta mesmo é de trabalhar com música, de ter nascido em São Miguel, de sua família e de mais outras coisas boas. Zé possui músicas maravilhosas, escreve letras e poesias desde muito tempo e algumas de suas obras eu tive o privilégio de ouvir. Elas me deixando realmente encantado.

Zé Gaudêncio Torquato lendo seu prefácio para a multidão de 15.000 pessoas presentes ao evento

Ele é um grande incentivador da grande “Banda Independente da Ribeira”, que desde 1999 está na luta pelo espaço na nossa muitas vezes combalida cultura potiguar.

Aqui apresento o seu prefácio.

Valeu micaelense arretado.

Um Cheiro de Café 

Nas aulas de catecismo do Grupo Escolar Padre Cosme, ministradas pela professora Branca de Castro, além dos ensinamentos básicos dos princípios da religião católica, as pregações centravam no sentido e aplicação dos dez mandamentos (amar ao próximo, não roubar, não matar, não desejar a mulher alheia, etc. Para os pequenos alunos, com suas mentes infantis, que tinham como divertimento no horário do recreio roubar cajus do sítio de Nucha Augusto, do outro lado da cerca e caçar ovos de arinhos, saqueando os ninhos nas copas das canafístulas, nada era pecado mesmo porque, menino, arinho, frutinhas do mato era tudo brincadeira no mundinho daquelas  inocentes crianças.

Somente encontrávamos um sentido para aquelas intermináveis repreensões da aguerrida mestra, quando toda manhã, ao sairmos de casa encontrávamos Seu João de joelhos, mãos postas, olhos semi cerrados fitando uma pequena imagem posta no nicho do frontão superior do prédio da torrefação Nossa Senhora de Fátima, a balbuciar o que imaginávamos serem orações debulhadas no terço diário, antes de escancarar as portas do seu estabelecimento comercial e oferecer “um cafezinho” às mulheres freguesas dos pacotezinhos de 200 gramas, distribuídos como em comunhão àquelas pobres Marias, Teresas, Dos Anjos, Antonias, Ritas, Das Dores, peregrinas matinais do santuário do Café Nossa Senhora de Fátima no centro da cidade quase acordada.

São Miguel sempre foi pródiga em cafés, pequenos estabelecimentos que alimentavam as conversas, os encontros, as notícias, as refeições e obviamente, serviam fumegantes xícaras de cafés ao sabor das palestras conduzidas por seus assíduos freqüentadores. O café de Maria Angélica defronte ao Estúdio e Hotel Municipal, o café de Bastião Preto próximo ao posto de gasolina de Gualter, o café de Chico Lero pertinho da Tarimba, o café de Creuza e Nêgo Rico ao lado do Mercado e o café de seu Dito que findou no próprio mercado e que era o mais madrugador da cidade, serviram todos para configurar e consolidar em São Miguel o gosto pelo convívio regado ao sabor das variedades que essa agradável bebida propicia.

Da esquerda para direita vemos Zé Gaudêncio, Seu João, Fagner e o autor

A nossa casa, no cento da cidade, na praça sete de setembro – Praça do Mercado – não tão longe de todos esses cafés, era bem próxima à torrefação Nossa Senhora de Fátima, o café de seu João Rufino, em sua evoluída versão  semi industrial. A esquina da torrefação era habitualmente local de encontro e parada obrigatória de tantos e quantos transeuntes que por ali transitavam em torno do mercado em dias de feira. Ponto garantido de Meu Tinhô, o engraxate “oficial” do lugar, sempre a polir não somente os sapatos da freguesia, como a escovar a poeira dos os mal dados por alguns e tentar limpar a sujeira de uns tantos outros.

Era dali daquela esquina que uma chaminé incensava as manhãs enevoadas de inverno e despejava o cheiro matinal do café torrado que impregnava o ar e a fumaça se encarregava de espalhar por toda a cidade.

Esse cheiro ficou pregado definitivamente em mim e carrego comigo como um bálsamo depositado nos recônditos das minhas melhores memórias e tanto que ao longo de todos esses anos, em todas as cidades que morei, quando os primeiros ruídos despertam os dias, quando fiapos de luzes clareiam as manhãs e quase nítida se esboça a vida entre as frestas da memória, um cheiro gostoso de café me toma e acende em mim a lembrança viva e quase palpável de São Miguel, da praça do mercado, do sino da igreja a repicar, dos burburinhos da rua, do barulho dos cilindros das padarias de Zé Augusto, Nonato e Zé Rocha a desdobrarem as massas para fabricação dos pães e bolachas comuns de cada dia e claro, do café Nossa Senhora de Fátima que da cozinha de casa minha mulher prepara toda manhã, sem perceber.

Obrigado Seu João pelo sabor do café de todos esses dias.

Seu João era especialista em tirar carro do prego. De quem quer que fosse ou viesse de qualquer canto do município, pois possuía uma rara aptidão nata  para por em funcionamento engrenagens, máquinas e motores os mais diversos, como se eles lhes obedecessem aos mais simples gestos de mãos, pequenos acenos, cadenciados afagos e ligeiros mas precisos toques aqui, apertos ali, ajustes acolá e pronto, o motor obedecia e danava-se a funcionar, movimentando-se num sincronismo explosivo de velas, pistões, polias, rodas, enfim, de engrenagens em revolução, numa batucada  exuberante das engrenagens mecânicas que as juntas e tampões patrocinavam. Esse era seu João que sempre sereno, punha a vida, sem sobressaltos da cidadezinha serrana, a tocar no ritmo de suas destrezas, desprendimento e habilidades.

Seu João é um homem singular, simpático, singelo e simples, mas de gestos largos e uma generosidade imensurável, sem medida mesmo. Sempre que nos encontramos, seja onde for, trocamos um afetuoso e apertado abraço, como aqueles que dava o meu avô em seus amigos diletos e compadres, e ele, aquele graveto de aroeira, aquele garrancho de goiabeira, esbelto mas firme, flexível mas inquebrável, após as brandas tapas nas costas, tentava levantar-me do chão e eu a ele suspendendo-o uns pouco centímetros, confesso sem tanto esforço, não por ele ser magro, muito menos por eu ser forte ou ter tanta força, mas, simplesmente por ele não ter peso nenhum na consciência e possuir uma alma leve, levíssima tenho certeza, daquelas que só os santos possuem e carregam sem o mínimo esforço.

Assim é seu João, uma das melhores essências de gente que habita esse velho mundo de Deus, um santo homem.

José Gaudêncio Torquato

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O PREFÁCIO DE RAIMUNDO FAGNER NO LIVRO “JOÃO RUFINO – UM VISIONÁRIO DE FÉ”

Hoje vou trazer a vocês o prefácio feito pelo cantor Raimundo Fagner em nosso livro “João Rufino, um visionário de fé”. Grande figura humana, extremamente ível e simpático, Fagner comentou principalmente sua relação com a cidade de São Miguel, no Rio Grande do Norte, seus amigos e de como conheceu João Rufino e seu trabalho.

No início da década de 1980, praticamente todo brasileiro conhecia e cantarolava as músicas do talentoso cearense Raimundo Fagner. Músicas como “Mucuripe”, “Canteiros”, “Ave Noturna” e tantas outras se tornaram grandes clássicos da MPB.

Este formidável intérprete, nascido em Fortaleza e registrado na cidade cearense de Orós com o nome de Raimundo Fagner Cândido Lopes, o mais jovem dos cinco filhos do Senhor José Fares e de Dona Francisca, é, antes de tudo, um homem extremamente simples, que um dia conheceu e gostou da pacata cidade de São Miguel, onde seu caminho cruzou com o de João Rufino e seus filhos.

João Rufino e Fagner

No mesmo período do sucesso inicial de Fagner, circulava em Natal uma história – quase uma “lenda urbana” – dizendo que ocasionalmente o famoso cantor estava na cidade potiguar de São Miguel, na fronteira com o Ceará. Falava-se que ele caminhava pela cidade de chinelos, bermuda, camiseta, jogando bilhar e conversando despreocupadamente com os amigos; que o cantor era bem tratado pela população micaelense, mas não havia assédio à estrela da MPB e nem ele, Fagner, fazia questão de se apresentar como tal. Era apenas um cearense de Orós, cidade que fica a cerca de setenta quilômetros de São Miguel, que vinha visitar os amigos potiguares e sentir o clima ameno da serra.

Essa história se propagou muito pela capital potiguar. Certamente ela foi alimentada pelo pouco conhecimento da população natalense em relação a São Miguel e pelos mais de quinhentos quilômetros de distância que separam as duas cidades.

Mas a história não era “lenda urbana”, era real.

Antes mesmo de alcançar a fama, Fagner estudava, em Fortaleza, com os filhos do comerciante micaelense Manuel Carvalho. Em uma determinada ocasião, os rapazes trouxeram o amigo para São Miguel. Daí o cantor criou pela cidade um “amor à primeira visita”.

Mesmo com suas músicas estourando nas rádios de todo o Brasil, Fagner continuou visitando frequentemente a cidade serrana, andando pelas calçadas, conversando com amigos, tocando violão e jogando sinuca.

Para conhecerem melhor esta história, leia o que o próprio cantor escreveu no seu prefácio.

MINHA HISTÓRIA COM SÃO MIGUEL

Perto da nossa casa morava uma família da cidade de São Miguel, no Rio Grande do Norte. Os três filhos desta residência eram Vicente, Adalberto e Nenéo (Manuel Carvalho Filho), todos meus amigos de bairro. Nenéo estudava comigo, na mesma sala de aula do Colégio da Piedade, e era também meu companheiro no time de futebol.

Nesta mesma época veio morar na casa de Seu Manoel Carvalho seu conterrâneo Clovis Fernandes, que já era conhecido como um craque. Logo entre nós se criou uma forte amizade movida à bola e não demorou muito para que eles me convidassem a conhecer sua terra natal.

Na cidade, o que primeiro me chamou a atenção foi a receptividade dos micaelenses. O clima serrano era muito frio, bem diferente do que eu estava acostumado no nosso sertão nordestino, sem contar com a liberdade de ir e vir que a comunidade proporcionava a um adolescente da minha época.

Além disso, se jogava muito futebol e logo me encaixei no time local. Já no primeiro jogo ganhamos de uma equipe da cidade de Alexandria e marquei presença com o gol da vitória, fazendo meu nome junto à rapaziada.

Tudo neste primeiro encontro foi muito marcante e se estabeleceu dentro mim uma relação muito próxima com as pessoas do lugar, principalmente com Seu Manuel Carvalho, a quem todos chamavam carinhosamente de Tinéo.

Raimundo Fagner em um evento em São Miguel. A sua direita se encontra o amigo Manuel Carvalho

Com o tempo a família dele foi deixando Fortaleza, mas minha amizade com o velho continuava a mesma e, em alguns momentos, eu procurei lhe ajudar com seus negócios em Fortaleza. amos a ter uma relação sincera de pai e filho.

Toda a oportunidade em que eu voltava à serra me hospedava em sua casa, na Praça Sete de Setembro. Recebia toda a atenção de sua esposa Cristina e das pessoas da família – Zefinha, Maria, Manoela e seu fiel escudeiro Juarez, que igualmente nos acolhia no Sítio do Riacho Fundo.

Os meus laços com a cidade vão se estreitando, tendo como referências, além da família de Tinéo e do amigo Clovis, as famílias de Zé Torquato, de Hesíquio Fernandes e tantos outros amigos que fui fazendo na região, desde a zona urbana até as pessoas nos sítios mais distantes.

Neste ambiente, onde ainda existia muita camaradagem e diversão, havia a preocupação de todos em relação ao desenvolvimento da cidade e seu entorno. Chamavam-me a atenção principalmente as condições das estradas para encarar a subida da serra, muito difícil na época das minhas primeiras visitas. Procurava me informar sobre como poderia ajudar, junto à comunidade, na busca de soluções para este e outros problemas.  

Ao longo do tempo, já como profissional da música e conhecido em Natal, nos contatos junto aos políticos locais, não perdia a oportunidade de solicitar um olhar mais generoso para São Miguel, causando surpresa em relação à minha ligação com a cidade serrana – tão distante e desconhecida dos habitantes da capital potiguar.

Essa preocupação junto à comunidade me proporcionou um dos momentos mais felizes que tive, ao receber o título de cidadão norte-rio-grandense das mãos do então governador José Agripino Maia, que me fez a entrega da honraria na cidade de Pau dos Ferros. A solenidade, que contou com uma grande presença de deputados, vereadores e lideranças políticas, só não ocorreu em São Miguel pelas dificuldades naturais de levar toda essa gente para cima da serra.

Minha relação com São Miguel foi crescendo ao ponto de levar vários amigos para conhecerem aquele lugar que me era familiar. Apesar das grandes dificuldades, devido aos inesquecíveis atoleiros na subida da serra que ligava São Miguel à cidade de Pereiro (CE), todos voltavam com a melhor impressão daquele povo. Coincidentemente, meu parceiro musical da época, o arquiteto Ricardo Bezerra, era casado com uma filha do micaelense Wilson Dias, o que facilitou a ida de novos amigos a São Miguel.

Outro fato de grande importância foi quando levei em duas oportunidades o então governador do Ceará, Ciro Gomes, para visitar a cidade. Nestas visitas solicitei, junto com a comunidade, que ele construísse a estrada ligando Pereiro a São Miguel, um grande sonho do povo da serra. Ciro cumpriu sua palavra, realizando esta grande obra, e a população micaelense retribuiu à altura. Na primeira campanha de Ciro à presidência da República, São Miguel foi o município onde ele teve o maior número de votos em termos proporcionais de todo o Brasil, o que lhe deixou muito feliz.

Em Fortaleza me criei no bairro de Fátima. Minha família frequentava a igreja de Nossa Senhora de Fátima e eu nasci no dia 13 de outubro, dia dedicado à santa. Em São Miguel, coincidentemente, eu tomava um café chamado Nossa Senhora de Fátima, de propriedade de Seu João Rufino, a quem via ar constantemente na rua, sempre uma pessoa querida e reverenciada pela sua simplicidade, religiosidade e alto astral.

A nossa convivência na cidade era muito harmoniosa, e o trabalho que Pedro, Paulo e Vicente – “os meninos de Seu João Rufino” – faziam com o café do pai já era uma referência de seriedade na comunidade. Desde jovens eles já despertavam respeito e confiança com o compromisso de tocar aquele negócio, que naquele momento já se chamava Café Santa Clara.   

Fagner, João Rufino e José Guadêncio Torquato na época da propraganda.

Certo dia, meu compadre Zé Gaudêncio me falou sobre a possibilidade de apoiar a entrada do Café Santa Clara no estado do Ceará através de um trabalho publicitário. Não tive dúvida alguma de que era o momento adequado de retribuir o carinho e a confiança que aqueles jovens depositavam em mim. Apesar de nunca ter veiculado minha imagem a qualquer tipo de produto, o convite não me parecia especificamente um negócio, mas sim um pedido familiar, e tudo foi feito espontaneamente. Surgiu daí uma relação fraterna de amizade e parceria que mantemos até hoje e se estende à nossa Fundação Raimundo Fagner.

O início destes trabalhos era o que faltava para que eu asse a conhecer com mais proximidade a extraordinária figura de Seu João, o nosso biografado.

O que você vai ler aqui neste livro incrível é uma história real, mas que bem poderia servir para o roteiro de um grande filme de sucesso. Se é que não será!

A vida deste ser humano sublime só nos renova a crença em Deus e na sabedoria do trabalho do homem. No caso de Seu João Rufino, devemos ressaltar a enorme capacidade de vencer com seu próprio esforço e dedicação em fazer o bem.

Se algo de excepcional aconteceu na minha vida sem que eu houvesse imaginado, está escrito neste livro, no capítulo que generosamente é dedicado a mim, me fazendo parte desta história que me enche de orgulho, tornando cada vez mais fortes os meus laços com a família Alves de Lima e a minha história com a cidade de São Miguel. 

 Raimundo Fagner

O autor, Fagner e a amiga Norlândia Souza. Esta jovem, juntamente com outros amigos, participaram da entrega de mais de 9.000, dos 10.000 exemplares impressos do livro “João Rufino-um visionário de fé”, na região de São Miguel. Fato este inédito em todo Rio Grande do Norte. 

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