O ADO DA ESCRAVIDÃO HOLANDESA NO NORDESTE DO BRASIL POR VOLTA DE 1630

COMO A HOLANDA LIDOU COM OS ESCRAVOS AFRICANOS E A POPULAÇÃO INDÍGENA NAQUELA ÉPOCA

ERNST LEEFTINK https://ernstleeftink.com/2022/12/27/het-slavernijverleden-van-nederland-in-het-noorden-van-brazilie-rond-1630/

Em uma recente ocasião o rei holandês Willem Alexander falou sobre “o reconhecimento do sofrimento infligido às pessoas durante a era colonial”. Ele disse: “Pelas coisas desumanas que foram feitas naquela época nas vidas de homens, mulheres e crianças, ninguém é culpado agora”, mas pediu a todos que “enfrentassem honestamente nosso ado compartilhado e reconhecessem o crime contra a humanidade que a escravidão foi”.

O Rei da Holanda Willem Alexander– Fonte – https://ernstleeftink.com/.

Coincidentemente, no Boxing Day (feriado em 26 de dezembro) eu estava folheando o livro Nederlanders in Brazilië – 1624-1654 (no Brasil lançado como Tempo dos Flamengos), escrito pelo historiador brasileiro José Antônio Gonsalves de Mello em 1947 e cuja tradução para o holandês foi publicada em 2001. O subtítulo do livro é “A influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil“. Gonsalves de Mello estudou extensos arquivos da colônia holandesa, incluindo todas as “Atas Diárias do Conselho do Brasil” de 1635-1654. Ele até aprendeu holandês para isso.

A costa norte do Brasil, ao redor do Equador, exatamente onde o litoral se curva para baixo, foi uma colônia holandesa por cerca de 25 anos. A região era então e ainda é chamada de Pernambuco. No litoral os portugueses fundaram os povoados de Recife e Olinda a partir de 1534 e começaram a cultivar cana-de-açúcar ali. Recife é hoje a capital do estado brasileiro de Pernambuco e tem mais de 1,5 milhão de habitantes. Olinda, próximo a capital, era muito maior por volta de 1630, mas hoje tem quase 400.000 habitantes.

Edição holandesa do livro Tempo dos Flamengos, de João Antônio Gonsalves de Mello– Fonte – https://ernstleeftink.com/.

Em 1630, os Países Baixos conquistaram esses lugares de Portugal e estabeleceram uma colônia lá com Mauritsstad (ou Cidade Maurícia, construída em frente à ilha do Recife) sob a liderança de Johan Maurits van Nassau, que foi governador-geral do Brasil Holandês de 1636 a 1654. Em 1654, os portugueses recuperaram todo o Brasil.

O livro de Gonsalves de Mello (1916-2002) também é interessante por isso, pois dois dos cinco capítulos são intitulados: “3 – A relação dos holandeses com os negros e a escravidão” e “4 – Holandeses, índios e catequese”. Os dois primeiros capítulos tratam de “1 – Os holandeses e a vida na cidade”, “2 – Os holandeses e a vida no campo” e o último capítulo de “5 – Os holandeses em suas relações com os portugueses católicos e os judeus mosaicos”.

Johan Maurits van Nassau, governador-geral do Brasil Holandês durante vários anos – Fonte – https://ernstleeftink.com/

Ele contém lições interessantes sobre nosso ado de escravidão e apartheid. Gostaria de compartilhar um pouco disso.

O Tratamento dos Escravos da África

As plantações de cana-de-açúcar iniciadas pelos portugueses em 1534 não poderiam ter sido estabelecidas sem trabalho escravo. Os primeiros escravos vindos da África já chegaram lá naquela época.

Ao desembarcarem no norte do Brasil em 1630, ainda havia reservas sobre o tráfico de escravos, em parte por causa “da religião praticada nos Países Baixos”. Um dos fundadores da Companhia das Índias Ocidentais em 1621, o empresário Willem Usselincx, que havia fugido de Antuérpia, também rejeitou a escravidão por questões práticas, porque é melhor trabalhar com seu próprio povo do que com escravos relutantes “um homem deste país fará mais trabalho do que três negros que custam muito dinheiro”.

Mapa de Recife em 1665 – Fonte – https://ernstleeftink.com/.

Quando os holandeses conquistaram a colônia portuguesa no Brasil, havia cerca de 500 escravos lá. “A partir daí, os negros serviram como soldados no exército ao lado dos holandeses. (…) Muitos receberam e livre como recompensa por seus serviços leais como guias ou soldados”. Nas “Atas Diárias” de 1637, consta o seguinte: “Esses negros que nos vieram de seus senhores, alguns deles serviram por 4, 5, 6, até 7 anos e nos trataram fielmente (…). Se entregássemos esses negros de volta às mãos de seus senhores amargurados, seríamos bravamente ingratos”.  Às vezes, viúvas e filhos de antigos escravos até recebiam benefícios do governo.

Mas, escreve Gonsalves de Mello, “em 1638 a escravidão dos negros não era mais restringida”. Os holandeses não se sentiam mais sobrecarregados, porque “para atender às necessidades de pessoal da indústria açucareira” e havia poucos colonos da Holanda, eles tiveram que “iniciar a importação de escravos africanos”.

A partir de 1641, quando os holandeses começaram a importar escravos não apenas de Gana, mas também de Angola, milhares foram transportados em condições terríveis. “As taxas de mortalidade entre 20% e 30% entre a tripulação de escravos eram bastante normais”. Eles eram comprados por uma média de 50 florins e vendidos novamente no Novo Mundo “por um preço médio de 200 a 300 florins cada.” Os produtores de cana-de-açúcar cobravam o preço de duas caixas de açúcar por negro.

Olinda na época dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – John Ogilby’s atlas America Being the Latest, and Most Accurate Description of the New World, London, 1671, p. 504

Muitos escravos africanos já haviam fugido para as selvas sob o domínio português e estabelecido ali “aldeias de negros do mato”, “o que representava um grande perigo para o campo e perturbava a estabilidade da colônia”. O governo holandês em Recife, então, contratou caçadores de escravos brasileiros que eram bem pagos por cada guerrilheiro que conseguiam capturar.

Ao mesmo tempo, disse Gonsalves de Mello, “os holandeses tratavam seus escravos negros de forma inegavelmente humana”. Pois “muitos holandeses demonstraram sincera amizade por alguns membros de sua comitiva de escravos e apreço por seus serviços leais e dedicação ao trabalho diário. Por exemplo, uma senhora holandesa recusou-se a viajar para a Holanda com seu filho sem a companhia de sua experiente babá negra”. Um membro da Suprema Corte cujo escravo ficou incapacitado por um triste acidente, escreveu aos seus clientes na Holanda sobre “minha extraordinária tristeza porque meu pequeno negro Jacques Guillardt perdeu as duas pernas”.

Há também exemplos de escravos e suas famílias recebendo e livre de seus donos ou do governo, às vezes até para se casar com uma escrava como soldada. Mas, acrescenta Gonsalves de Mello, esse também era o costume entre os proprietários de escravos portugueses e judeus, e eles tinham mais feriados religiosos do que os holandeses, que só davam folga aos seus escravos aos domingos.

Recife no tempo dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – Rerum in Brasilia et alibi gestarum by Caspar Barlaeus.

Uma observação notável de Gonsalves de Mello é a seguinte: os holandeses no Brasil lutavam por uma sociedade baseada no apartheid. “Na nossa opinião, esse é um dos aspectos mais antipáticos da colonização holandesa: essa separação quase preventiva entre a classe dominante e a classe dominada”.

Nas décadas de 1930 e 1940, alguns brasileiros relembravam com certa nostalgia aquele “período holandês“, mas “aqueles que ainda hoje lamentam a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro provavelmente não refletiram o suficiente sobre esse aspecto. As modernas colônias holandesas são um exemplo do que poderíamos esperar delas: a exploração e a dominação de um proletariado de cor por uma minoria branca”, em contraste com o que os portugueses nos deixaram: uma nação de brancos confraternizando com negros e índios”.

A Interação Com os Índios da Região

Isso também aparece em seu quarto capítulo, sobre a relação entre os holandeses e os indianos. Antes de os Países Baixos conquistarem Recife e Olinda dos portugueses em 1630, os indígenas dessa região já haviam sido treinados como intérpretes nos Países Baixos. Quando tomaram a região de Pernambuco, os holandeses prometeram que os índios teriam permissão para manter sua liberdade e “não teriam que sofrer nenhuma subjugação”. Os holandeses têm procurado continuamente estabelecer amizades com os índios.

Visão européia sobre os indígenas brasileiros no século XVII. Ritual de canibalismo visto pelo alemão Hans Staden, o barbudo nu a direita na imagem. Vejam como ele se coloca horrorizado diante da cena – Fonte – Wikipedia.com.

Os índios Tupis viviam em aldeias ao longo da costa e os índios Tapuia viviam como um “povo de moradores da floresta“. Os tupis tinham direito ao autogoverno e os tapuias eram completamente independentes. Esse direito à liberdade e, portanto, a proibição da escravidão foi mantida todos esses anos. “Nenhum índio deve ser mantido em cativeiro ou forçado a trabalhar contra sua vontade”. Na prática, a exploração, o abuso e o pagamento insuficiente ocorreram, “mas Johan Maurits, em particular, fez o máximo para erradicar tais abusos”.

Os holandeses também investiram muita energia no cultivo dos índios tupis. Foi introduzido um método completo de ensino e catecismo. Houve até pregadores missionários, como David van Dorsenlaer, que também pregaram em tupi.

E, inversamente, “muitos indianos se tornaram fervorosos seguidores da fé reformada, na verdade, quase completamente teólogos calvinistas com as Escrituras em punho”, entre eles Antônio Paraupaba. Ele chegou à Holanda em 1625, aos 30 anos, retornou ao Brasil de 1630 a 1654, onde se opôs à escravidão de índios e negros, e retornou à Holanda em 1654 com sua esposa e filhos. Ele morreu lá em 1656.

O ADO DA ESCRAVIDÃO HOLANDESA NO NORDESTE DO BRASIL POR VOLTA DE 1630 - COMO A HOLANDA LIDOU COM OS ESCRAVOS AFRICANOS E A POPULAÇÃO INDÍGENA NAQUELA ÉPOCA
Muitas décadas após a expulsão dos holandeses do Brasil, assim o francês Jean Baptiste Debret viu o castigo a um cativo – Fonte – Wikipedia.com

No entanto, os holandeses mantinham tanta distância dos índios quanto dos escravos negros. Por mais cordial que tenha sido a amizade mútua, nunca ocorreu aos holandeses que pudessem estabelecer um relacionamento mais próximo com os indígenas do que uma simples aliança militar. Por exemplo, eles não cogitavam tomar mulheres indígenas como concubinas ou esposas legais. Havia até uma “proibição severa daqui de que ninguém se misturasse com os brasileiros”.

Gonsalves de Mello indica que esta foi uma das razões pelas quais os portugueses acabaram por reconquistar o Recife e seus arredores. A moral calvinista era claramente diferente da moral católica: não havia mistura com pessoas de outras religiões e havia estrita adesão aos princípios bíblicos. Em outras palavras: “Os holandeses não tinham a flexibilidade necessária para (…) conviver com imperfeições e aceitar condições que não seriam toleradas na metrópole. Os portugueses lidaram com tais problemas com muito mais inteligência.” A mesma Igreja Católica “conseguiu lidar com tais impurezas”.

HISTÓRIA MILITAR DO RIO GRANDE DO NORTE – PARTE 2 – OS COMBATENTES

Felipe Nery de Brito Guerra – Publicada originalmente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1927, Volumes XXIII e XXIV, páginas 228 a 239.

* Informação do Blog Tok de História – Como comentado anteriormente, busquei atualizar o centenário texto do Desembargador Felipe Guerra, sem, contudo, alterá-lo. Foi necessário também dividi-lo em duas partes, uma dedicada as lutas e outra aos combatentes potiguares, que será a nossa próxima publicação.. 

Entre seus filhos que mais se distinguiram por feitos militares é preciso citar que nos dois primeiros séculos da conquista, os Potiguares ILHA GRANDE, JACAÚNA, e o maior de tolos eles, Dom Antônio Felipe Camarão, chefe dessa valorosa tribo que, já em 1603, havia fornecido 800 guerreiros para pacificar os Aimorés, que se revoltaram na Bahia, e para dar fim aos Quilombos, que infestavam a região do Itapecuru, na mesma Capitania.

Retrato anônimo de Felipe Camarão, do século XVII, no Museu do Estado de Pernambuco– Fonte – Wikipedia.

Inquestionavelmente na grande crise da luta holandesa, o mais sério e grave perigo que ameaçou a integridade do Brasil, na frase de Silvio Romero, foi Camarão um dos mais valorosos generais, e o completo conhecimento que tinha, do teatro da luta, pode-se bem avaliar quão decisivo foi o papel que desempenhou na campanha. Não é esta a ocasião de escrever a vida de Camarão, já proficientemente estudada pelo desembargador Luiz Fernandes.

Cabe, porém, citar ligeiramente alguns episódios.

Camarão recebera ordens para estabelecer guerrilhas contra os holandeses entre Goiana e Itamaracá. “O terror que incutia o seu nome era tal que o general holandês Arciszewski (Krzysztof Arciszewski) saiu de propósito do Recife com mil soldados para destruir esse punhado de valentes guerrilheiros e prender seu chefe”.

Krzysztof Arciszewski- Fonte – Wikipedia.

Sobre o resultado da empresa disse o próprio general holandês: “Há mais de quarenta anos que milito na Polônia, na Alemanha e em Flandres, ocupando sem interrupção postos honrosos; mas só o índio Camarão veio abater-me o orgulho”.

Logo depois, seguiu Camarão para Alagoas guiando, através de 70 léguas de território dominado pelo inimigo, milhares de pessoas até Porto Calvo, onde se achavam as forças do general em chefe de então. Sob o comando do conde da Torre, auxiliou eficazmente a defesa da Bahia, recebendo ordens dele para percorrer os sertões hostilizando os holandeses. Portou-se de tal forma nessa excursão que, referindo se a ele, o inimigo chamou-o Anjo do extermínio.

Juntou-se depois as forças de Luiz Barbalho, que haviam desembarcado em Touros, no Rio Grande do Norte, após a derrota sofrida pela esquadra do conde da Torre, guiando essas forças, com Vidal e Henrique Dias, por ínvios sertões em luta aberta contra os inimigos até a Bahia, onde chegaram “a tempo de poder livra-la de ser atacada e tomada pelas forças do almirante Lichthart (Jan Cornelisz Lichthart), já as suas portas“. Os holandeses haviam seguido de porto a coluna sem alcança-la, vingando-se cruelmente ao matar aqueles que, doentes ou estropiados, não podiam acompanhar a heroica retirada que assim caminhou cerca de quatrocentas léguas.

Quadro que mostra os fortes na foz do Rio Paraíba, capturados pelo almirante Lichthart em 1634 – Fonte – Wikipedia.

Regressando a Pernambuco ordenou Vital a Camarão que viesse prosseguir novas hostilidades no Rio Grande do Norte e vingar, nesta parte do Brasil, tantas crueldades não só dos selvagens, como dos próprios holandeses, que se bem que cristãos de nome, mais bárbaros se haviam mostrado que os índios.

Camarão cumpriu o seu mandato muito além do que se podia esperar; e conseguindo chamar a si um grande número de índios que estavam com o inimigo, chegou a dominar todo o sertão do norte até os confins do Ceará”. Assim se exprimiu o visconde de Porto Seguro, citado pelo desembargador Luiz Fernandes, que muito judiciosamente acrescenta: Acreditamos que esse fato reduzindo a força dos Tapuias, poderosos aliados dos holandeses, foi uma das causas determinantes do seu enfraquecimento e consequente perda das suas conquistas“.

Frota de guerra holandesa – Fonte – Wikipedia.

Esse homem superior ao cansaço, lutando da Bahia ao Ceará, esse general de gênio que soube aliar o esforço e a disciplina no cumprimento do dever à coragem do soldado, à estratégia do índio, gozando da férrea resistência do selvagem, pode ser colocado ao lado de Caxias, como um dos fatores da integridade nacional, sem desdouro para este general que ocupa o ponto culminante na história militar e política do Brasil.

Não houve uma só ação, diz Fernandes Pinheiro, em que se pleiteasse a causa da liberdade, em que os batavos não sentissem o peso do seu braço, empalidecendo ao ouvir seu nome aqueles mesmos que nas águas do Zuiderzee haviam submergido os brasões de Castela.

O indígena Antonio Felipe Camarão (ilustração de autor desconhecido/Domínio público) e, ao fundo, carta escrita por ele a Pedro Poti – Imagens: Arquivo de Eduardo Navarro.

Hoje, para bem se poder aquilatar o valor da intervenção de Camarão na guerra holandesa é suficiente refletir que, em uma época de arraigados preconceitos de raça, de nobreza e de religião, ele representante de selvagens, sobre os quais a qualidade de “humanos” havia sido objeto de controvérsias, recebia excepcionais distinções não só da parte dos que se achavam à frente da luta como também da parte da Côrte da Metrópole.

Assim, por carta regia de 1633 foi-lhe conferido brasão d’armas, 40$ de soldo e patente de Capitão-mor de todos os Índios do Brasil. Depois o rei da Espanha também lhe conferiu o Hábito de Cristo e o tratamento de Dom, e mais tarde foi recompensado cora a comenda lucrativa, na Ordem de Cristo dos Moinhos da Vila de Soure, em Portugal, com que eram galardoados os heróis lusitanos que se distinguiam por serviços em guerras na África, havendo excepção para Camarão, conforme diz o visconde de Porto Seguro: “Por faltarem serviços em África, ocorreram dúvidas e foi necessário dispensa da Cúria, de modo que a comenda só chegou a realizar-se a 3 de maio de 1641”.

De volta de suas excursões guerreiras, a junção de Camarão aos chefes da guerra era recebida como um desafogo. A sentinela, diz o historiador Southey, que teve a fortuna de anunciar a vinda de sete índios do regimento de Camarão, que traziam aviso da próxima chegada do seu comandante, deu Vieira dois escravos de alvissaras..

O indígena Antonio Felipe Camarão (ilustração de autor desconhecido/Domínio público) e, ao fundo, carta escrita por ele a Pedro Poti – Imagens: Arquivo de Eduardo Navarro.

O Brasil ainda está em dívida para com esse seu glorioso filho: falta-lhe um monumento digno, capaz de exteriorizar a gratidão nacional para com o mais genuíno representante da raça aborígene.

E Portugal? Os holandeses chegaram a dominar até Sergipe. A política portuguesa pensou seriamente — e manifestou em acordo — reconhecer o domínio holandês. Firmado essa dominação, teria a colonização portuguesa resistido a pressão holandesa do norte para o sul; a pressão espanhola ao sul; as ambições sas?

E se a bela língua de Camões se estende hoje a uma região cem vezes maior que Portugal, e é falada por uma população cinco vezes maior do que a do seu país de origem, deve a expulsão dos holandeses do Brasil, para qual o gênio de Dom Antônio Felipe Camarão teve preponderante e decisivo valor. Portugal acha-se assim também em dívida para com o grande Poti.

Dona Clara Camarão era mulher do índio potiguara Antônio Felipe Camarão (na gravura da direita), herói decisivo na guerra dosbrasileiros e portugueses contra o invasor holandês. Fonte – https://auniao.pb.gov.br/noticias/caderno_diversidade/clara-camarao

Dona Clara Camarão, legitima esposa de Felipe Camarão, tomou parte nas lutas e acompanhou seu marido nas horas de extremo perigo, batendo-se denodadamente ao seu lado. Da grande emigração de Mathias de Albuquerque, diz a história: “Nesta penosa emigração distinguiram-se pelos seus grandes feitos militares Felipe Camarão e sua mulher Clara Camarão”.

Na revolução do 1817, como já ficou dito, não foram os feitos guerreiros que imortalizaram a gloriosa tentativa. Assim diz o Capitão Alípio Bandeira no seu completo estudo histórico — O Brasil Heroico de 1817 — “o que constitui a gloria dos heróis de 1817 é o esforço valoroso com que trabalharam pela nossa autonomia política, são as reformas verdadeiramente liberais que eles tentaram implantar no governo que estabeleceram, são a lisura e o desprendimento, a lhaneza e a tolerância, em suma — a honesta fraternidade com que invariavelmente procederam”.

Depois de abafado o movimento, nenhuma revolução no Brasil fez tantos mártires quanto a de 1817. Segundo a citada obra do Capitão Alípio Bandeira, foram fuzilados quatro patriotas, enforcados nove, supliciados em horrorosas prisões por mais de três anos e meio cerca de trezentos, e por mais de um ano cerca de duzentos!

Do Rio Grande do Norte, além do nobre chefe André de Albuquerque, estúpida e barbaramente assassinado em Natal, além de Miguelinho, o puro e evangélico mártir, ambos riograndenses, fornece a história numerosa lista de patriotas martirizados nos cárceres, sendo talvez João Francisco Fernandes Pimenta, com o ardor de seus vinte anos, a encarnação mais forte e mais ativa do guerrilheiro e lutador que, nos sertões do Rio Grande do Norte, durante meses, zombou de forças legalistas que o perseguiam.

Bênção das bandeiras da Revolução de 1817, óleo sobre tela de Antônio Parreiras– Fonte – Wikipedia.

Estudando a história da revolução de 1817 no Rio Grande do Norte, fica-se certo de que se o governador de então, José Ignacio Borges, talvez inclinado aos ideais da revolução, tivesse os mesmos sentimentos ferozes e sanguinários daqueles que dirigiram a reação em Pernambuco e Bahia, muito mais elevado teria sido o número dos mártires riograndenses.

Considerando que grande número de pessoas de destaque daquele tempo, no sertão do Rio Grande do Norte, principalmente em Portalegre, Patu, Martins, Pau dos Ferros, Apodi e Campo Grande, estiveram implicados na revolução, em comunicação direta com os chefes do movimento em Recife, é de supor, com bons fundamentos, que duas causas concorreram para diminuir o número daqueles mártires riograndenses.

A primeira foi o espirito de benevolência, de camaradagem e amizade reinante entre os sertanejos do Rio Grande do Norte, naquela época principalmente, oriundos de pequeno número de famílias, já então ligados por entrelaçamentos e afinidades, formando quase que uma só família: não houve delações; o esforço de cada um e de todos foi salvar o amigo das garras tigrinas das Juntas Militares.

O Carmelita Miguel de Almeida e Castro, conhecido como Frei Miguelinho, era potiguar de Natal e teve participação ativa na revolta de 1817 em Pernambuco. O quadro mostra seu julgamento em Salvador, onde foi condenado a morte pelo fuzilamento e a pena cumprida no dia 12 de junho de 1817. É nome de cidade em Pernambuco e muito cultuado no Rio Grande do Norte– Fonte – Wikipedia.

A segunda causa deve ser procurada na coragem nobre e santa de Miguelinho, em seu elevado espirito.

Sabendo que no dia seguinte seria encarcerado, não se abateu, não se entregou a inúteis fraquezas; ou a noite queimando papeis e documentos capazes de comprometer a sorte de seus amigos. Ao entrar em casa disse Á sua irmã em lagrimas, as memoráveis palavras: “Mana, nada de choros; estás órfã. Tenho enchido os meus dias. Logo virão buscar me para a morte; entrego te à vontade de Deus, nele terás um pai que não morre mais aproveitemos a noite. Imita-me. Ajuda-me a salvar a vida de milhares de desgraçados”.

Miguelinho durante alguns anos fora professor no Seminário de Olinda. Muitos vigários do Rio Grande do Norte haviam sido seus discípulos e, naturalmente, continuavam amigos do mestre. O seminarista José Ferreira da Motta, de Portalegre, e que então cursava o seminário de Olinda, correspondeu-se diretamente com seu pai, capitão José Ferreira da Motta. Seguiu imediatamente, disfarçado em boiadeiro a entender-se com os chefes em Recife, o sargento Mór Manoel Fernandes Pimenta. Teve assim a revolução, que depois relacionou-se com os chefes do movimento em Natal, fortes ramificações pelo sertão. Não foram relativamente numerosos os sertanejos que padeceram nos cárceres. É de supor que a noite de vigília de Miguelinho, queimando papeis, o amargurado Horto da vítima votada ao sacrifício, tenha redimido muito sofrimento e evitado muita lagrima em seu torrão natal.

Quadro de um combate de forças de cavalaria, como os que ocorreram durante a Guerra do Paraguai – Fonte – Wikipedia.

Durante a guerra do Paraguai foram inúmeros os contingentes enviados do Rio Grande do Norte. Muitos de seus filhos lá cumpriram o seu dever, derramaram o sangue, perderam a vida. Entre os riograndenses, já mortos (em 1927), que ocuparam postos de destaque no Exército, acham-se:

– José Xavier Garcia de Almeida, engenheiro militar e brigadeiro José Correia Telles, natural do Assú, praça em 1856, fez toda a campanha do Paraguai a começar pela do Uruguai. Cavaleiro da Ordem de Aviz, recebeu a medalha argentina da comemoração da guerra. Fez parte da junta governativa de Alagoas em 1891, Coronel em 1894, foi reformado como general em 1897 e faleceu no mesmo ano.

Nota sobre José Pedro de Oliveira Galvão após a Guerra do Paraguai.

– José Pedro de Oliveira Galvão, praça em 1862. coronel efetivo em 1895. Fez a campanha do Paraguai. Senador pelo Rio Grande do Norte, por seis anos, faleceu em 1896.

Coronel Fonseca e Silva, anos após a Guerra do Paraguai– Fonte – Wikipedia.

– Francisco Victor da Fonseca e Silva, natural de São Gonçalo, praça em 1865, reformou-se com a graduação de general de divisão, vindo a falecer em 1905. Fez também a campanha do Paraguai. Como comandante da força policial da então Província do Rio de Janeiro foi um dos auxiliares da revolução de 15 de novembro de 1889. Foi deputado à Constituinte Republicana pelo Estado do Rio de Janeiro, e, ainda, deputado da primeira legislatura da Câmara Federal pelo mesmo Estado. Eleito, depois, deputado pelo Rio Grande do Norte, representou este Estado na quarta e quintas legislaturas.

– Antônio da Rocha Bezerra Cavalcante, fez com distinção, a campanha do Paraguai, falecendo no posto de general, reformado.

Foto de combatentes da Guerra do Paraguai. O terceiro sentado da esquerda para a direita, é o Coronel Joca Tavares e seus auxiliares imediatos, incluindo José Francisco Lacerda, mais conhecido como “Chico Diabo” (terceiro em pé, da esquerda para a direita), que matou o ditador paraguaio Solano Lopez. Imagem: Wikipedia, Domínio Público. In: Salles, Ricardo. Guerra do Paraguai: memórias & imagens. Rio de Janeiro: Edições Biblioteca Nacional, 2003. ISBN 85-333-0264-9 (p.180)

– Francisco de Paula Moreira. Fez a campanha do Paraguai. Tomou parte na organização republicana do Estado, como deputado à Constituinte. Faleceu no posto de Coronel, reformado.

Antônio Florêncio Pereira do Lago

– Antônio Florêncio Pereira do Lago. Foi um distintíssimo rio-grandense-do-norte que morreu no posto de coronel, reformado. Nascido em 1827, bacharelou se em ciências físicas e matemáticas e pertenceu ao corpo do Estado-Maior de primeira classe. Oficial da Ordem da Rosa, cavaleiro da Ordem de Cristo e da de São Bento de Aviz, foi condecorado, ainda, com a medalha da campanha do Uruguay em 1851 e com a da guerra do Paraguai. Exerceu com brilho comissões do Ministério da Guerra e do da Agricultura. Por ordem do Governo fundou a colônia do Alto Uruguai.

Escreveu várias obras e trabalhos oficiais, entre os quais “Relatório dos estudos da comissão exploradora dos rios Tocantins e Araguaia”. Ilustre e esquecido brasileiro que honra a sua pátria e é uma legitima glória de sua corporação. O visconde de Taunay traçou o retrato de sua personalidade: “Lago, isto é, a prudência, a força, a reflexão, o sentimento apurado de dever; Lago, a personificação do bom senso, mas, ao mesmo tempo, a tenacidade levada ao extremo da teima. Alto, gordo, então simples capitão, mas com proporções para ser general, tem ele fisionomia, franca e simpática. Possui inteligência, ilustração e, sobretudo, consciência. Reto e leal, é amigo as deveras, mas também inimigo decidido”.

No posto de capitão de engenheiros fez parte do Corpo de Exercito que seguiu para Mato Grosso, e que escreveu a heroica e dolorosa pagina que é a Retirada de Laguna. O visconde de Taunay escreveu que a expedição de Mato Grosso escapou de completo aniquilamento devido á energia e ao estoicismo de Pereira do Lago que, nos momentos mais cheios de angustia, perigo e desalento, conseguia com seu exemplo, sua calma e coragem, levantar o espirito de todos. “Oficial do maior valor moral, nunca foi apreciado na medida de seus méritos”, ainda repetia Taunay, em 1896, em seu livro “Viagens de Outrora”.

Pereira do Lago faleceu na idade de 65 anos, no posto de coronel, reformado, 1º de janeiro de 1892.

– Padre Amaro Theó Castor Brasil, que seguiu de Campo Grande (RN) com mais dois irmãos e dois parentes para o Paraguai, onde fizeram toda a campanha como Voluntários da Pátria, e voltaram como oficiais. Um deles, José Lucas Barbosa prestou depois valiosos serviços nas3 lutas e na organização do Acre, onde foi comandante da Guarda Nacional.

– Ulysses Olegário Lins Caldas e João Percival Luiz Caldas, eram irmãos, ambos do Assú, seguiram como Voluntários da Pátria para o Paraguai. O primeiro, ardente e destemido jovem de 18 anos, encetou seus os na campanha como herói, e assim continuou até cair fulminado por uma bala no coração, nas avançadas de Curuzu, em novembro de 1866. Galgando trincheiras inimigas, arrebatando canhões, morreu pouco depois de completar vinte anos e alcançara o posto de tenente e por distinção o Hábito de Cavalleiro da Imperial Ordem do Cruzeiro. A ordem do dia do Exército em campanha, de 4 de setembro de 1866, referindo-se ao assalto de Curuzu, citando o nome de alguns oficiais, diz: “…que quais leões, se lançaram sobre as baterias inimigas, chegando ao ponto de subir sobre sua artilharia, como fez este último oficial, com uma intrepidez que a todos surpreendeu”. Este último oficial, que “a todos surpreendeu com sua intrepidez” era, na citação, Ulysses Caldas.

O Barão de Porto Alegre liderando as tropas em Curuzu, pintura de Victor Meirelles– Fonte – Wikipedia.

– Alexandre Baraúna Mossoró. Filho da cidade de Mossoró, humílimo e obscuro herói, soldado da quinta companhia do terceiro batalhão de infantaria, fez a campanha do Uruguai. Tomou parte no assalto de Paissandu. Ferido, continuou a bater-se encarniçadamente. Novo ferimento lhe vasou uma vista; mandam-no retirar-se do combate e ele continua a bater-se. Terceiro ferimento inutiliza-lhe o braço direito. Empunha então a arma com a mão esquerda, pois “com o canhoto ainda pôde dar uma lição aos gringos“, conforme grita ao comandante; escala a trincheira e cai lutando ainda, do lado oposto, em meio dos inimigos, sendo então morto! O seu comandante cerca de veneração o cadáver do herói. Ao espirar, vêm-lhe à lembrança sua mãe e seu torrão natal: “minha mãe… viva o Mossoró!…” Indômito filho do povo não menos herói, mais infeliz, porém, do que o corneta Jesus ainda não teve a consagração condigna, nem mesmo da poesia, a imortalizar lhe o nome!

– Ponciano Souto, natural do Assú, Voluntário da Pátria que fez toda a campanha do Paraguai, voltando como capitão, e faleceu em 1882, em Bananal, São Paulo, como tabelião vitalício.

João Mafaldo, do Martins, alferes, morto no assalto à cidadela de Canudos.

Nota sobre o batalhão de potiguares na Guerra de Canudos, no Jornal “A República”, 10 de dezembro de 1897.

José da Penha, de Angicos, sincero republicano, escritor, polemista e tribuno, absorvido e sacrificado, infelizmente, pela politicagem que o vitimou no posto de capitão, a 19 de fevereiro de 1914, em Iguatu (Ceará).

Theophilo Guerra, jornalista, e cronista das secas. Quando cadete em Minas Geraes, levantou uma “questão militar,’ não se sujeitando, em serviço local, ao cominando de oficial de polícia. Submetido, então, a conselho de guerra, foi absolvido. Faleceu no posto de alferes..

São esses os traços gerais da história militar do Rio Grande do Norte, que poderia comportar largo desenvolvimento, mas não é possível em ligeira “introdução” nomear todos aqueles, numerosos, que no cumprimento do dever, souberam honrar a Pátria.

As figuras culminantes desta história são — Camarão, Pereira do Lago e o obscuro soldado Baraúna Mossoró. Sofredores, incansáveis, superiores ao desalento e aos revezes, tenazes na luta, devotados, estoicos, são bem tipos representativos desta população martirizada pelas secas, oferecendo sempre sobre humana e tenaz resistência a desapiedados golpes da natureza, sem abandonar o ingrato e querido solo, que, afinal, será conquistado.

FELIPE GUERRA.

Agosto—1920. (Socio effectivo)

GUERRA EM NOME DE DEUS – A PRIMEIRA CRUZADA E O CERCO A JERUSALÉM

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

No século XI, a Europa foi profundamente penetrada pelo Cristianismo que desempenhava um papel central na vida das pessoas, influenciando as suas crenças, valores e cultura. O papado, particularmente sob o Papa Urbano II, consolidou a sua autoridade e procurou expandir a sua influência.

Já a Terra Santa, incluindo a cidade sagrada de Jerusalém, era um importante local de peregrinação para os cristãos. No entanto esses peregrinos enfrentaram muitos obstáculos e violência crescente por parte dos governadores muçulmanos da região. As histórias dos seus sofrimentos desencadearam um profundo sentimento de injustiça entre os cristãos na Europa.

De uma perspectiva cristã, as Cruzadas começaram em 1095, com um discurso apaixonado proferido pelo Papa Urbano II no Concílio de Clermont, apelando para o desenvolvimento de uma cruzada para salvar os cristãos do Oriente e libertar a Terra Santa das mãos dos muçulmanos. Este apelo teve um enorme impacto e mobilizou um grande número de crentes para apoiar a luta. Não demorou e senhores, cavaleiros e camponeses de toda a Europa começaram a responder ao apelo à cruzada.

E para aumentar o contingente de participantes, Urbano II ofereceu aos que seguissem na empreitada o perdão de todos os seus pecados. Uma promessa que, em uma época de ignorância e iniquidade, foi amplamente vista como uma oportunidade de salvação espiritual. Em meio a um enorme desconhecimento geral, a ideia de que o “fim do mundo” estava próximo também era um tema recorrente nessa época e alimentou o fervor religioso dos participantes. Os crentes também acreditavam que a libertação da Terra Santa poderia ser um prenúncio da segunda vinda de Cristo.

A Primeira Cruzada foi um empreendimento extraordinário, marcado por uma viagem perigosa por terras hostis e batalhas épicas. Com a sua complexa mistura de motivações religiosas, políticas e sociais, marcaria o início de uma série de eventos que mudariam para sempre a face do Oriente Médio e da Europa medieval.

Bárbaros e Vivendo em Chiqueiros

É claro que os muçulmanos nada sabiam sobre tal discurso. Também não havia uma palavra específica para definirem as “cruzadas”. Do ponto de vista deles, a agressão dos povos vindos do norte contra as terras muçulmanas começou muito antes, nomeadamente em 1061, quando um governante normando chamado Robert Guiscard começou a atacar a Sicília islâmica. O mais chocante para os islamitas foi que ele teve sucesso na sua empreitada, pois a ideia existente sobre os europeus era a pior possível.

Para os seguidores de Maomé o mundo que eles conheciam estava literalmente de “cabeça para baixo”. Em seus mapas o sul ficava no topo e o norte embaixo. Isto porque, segundo os maiores e mais respeitados cartógrafos muçulmanos, não havia nada de interessante mais ao norte. Ali ficavam os países dos cristãos, todos chamados de “francos” pelos islâmicos.

Esses países do norte eram conhecidos por serem úmidos e escuros, com uma cultura terrivelmente atrasada, onde todos, incluindo os reis, obedeciam a um senhor ditatorial chamado “il-baba”: o Papa. E para piorar a visão mulçumana, os viajantes que lá estiveram relataram que esses francos “só se lavavam duas vezes por ano”.

Então eles eram sujos e estúpidos, pensavam os mulçumanos, e não era de irar que os francos fossem propensos ao fanatismo religioso. Para o mundo islâmico a religião cristã parecia mais ridícula do que perigosa, sendo considerada intelectualmente pobre e onde dificilmente eles poderiam utilizar das escrituras cristãs quaisquer de suas regras para a vida quotidiana.

Os muçulmanos da Idade Média viviam, é claro, no melhor de todos os climas – onde as temperaturas eram moderadas e propício ao surgimento de uma civilização urbana e rica. Os francos, por outro lado, viviam lá no norte, numa área onde o sol pouco brilhava e o clima os condenou a permanecerem bárbaros e vivendo em chiqueiros.

Os francos pomposamente chamavam a concentração de algumas dezenas de milhares de pessoas de “cidades”, enquanto os muçulmanos viviam juntos há muito tempo em centros urbanos de centenas de milhares, com modernas infraestruturas e todos lavavam-se regularmente. Para os mulçumanos eles viviam no “Dar al-Islam”, ou seja, “o território islâmico”, o lar de uma civilização dinâmica, sustentada por uma população diversificada e uma economia robusta.

Em outras palavras, segundo Paul M. Cobb, historiador da Universidade da Pensilvânia especializado na história do mundo islâmico na Idade Média, “há mil anos no Cairo, Bagdá, ou em Córdoba, a visão da região onde viviam os francos era de uma área desagradável, cheia de lunáticos fedorentos e sobre a qual pouco se sabia”.

E esse desconhecimento faria com que os seguidores de Maomé pagassem um alto preço em sangue. Da pior maneira eles descobriram que esses francos, mesmo vivendo seu dia a dia com todos os defeitos possíveis e imagináveis, possuíam uma coragem desmedida, que os ajudavam a sobreviver em meio a uma natureza cruel e uma existência onde a belicosidade era algo permanente. Para tanto faziam uso de armas poderosas e bastante modernas para a época, além de táticas de combate desconhecidas no Islã.

A Conquista Sangrenta da Cidade Santa

Os cavaleiros e peregrinos cristãos partiram em 1096, onde as primeiras etapas da cruzada levaram-nos pela Europa Oriental. No caminho enfrentaram obstáculos como as montanhas dos Balcãs e rios caudalosos. Em Constantinopla foram recebidos pelo imperador bizantino Aleixo I Comneno.

Até chegar a Cidade Santa os cruzados realizaram numerosos cercos a fortalezas muçulmanas e participaram de batalhas ferozes. Um dos momentos mais famosos foi o Cerco de Antióquia, que começou em outubro de 1097, onde os Cruzados aram enorme sofrimento antes de finalmente tomarem essa cidade em junho do ano seguinte.

Demoraria mais um ano para finalmente, no início de junho de 1099, os cruzados chegarem ao seu destino final: Jerusalém. 

O problema foi que na chegada os suprimentos se tornaram escassos, o clima estava bem opressivo e os primeiros ataques falharam porque a cidade estava muito bem fortificada. Também se soube que um exército de socorro vindo do Egito estava a caminho. Para completar o quadro os defensores encheram de areia todos os poços de água que existiam em frente à cidade, mandaram cortar todas as árvores para dificultar o cerco e a água que os cruzados conseguiram de uma fonte distante era de má qualidade.

Liderados pelos ses Godfrey de Bouillon e Raymond de Toulouse, eles partiram para um esforço final. Os cruzados – cerca de 1.300 cavaleiros e 12.000 homens de infantaria, bem como numerosos peregrinos – perceberam que as muralhas da cidade não poderiam ser superadas sem máquinas de cerco. Mesmo assim os líderes do exército cruzado decidiram atacar a cidade em 13 de junho de 1099. Apesar da tenacidade dos francos e da captura temporária das fortificações do norte, o ataque falhou.

Depois de alguma busca, conseguiu-se madeira na distante Samaria, que foi trazida para construir torres de cerco, aríetes e catapultas. Depois de um cortejo ao redor da cidade para mostrar aos inimigos o seu poderio, o assalto dos cruzados foi organizado para ocorrer na noite de 14 de julho e assim ocorreu. A luta nas muralhas foi feroz e sangrenta e não demorou para uma torre superar os fossos exteriores. Ao meio-dia de 15 de julho, os cristãos tomaram um trecho da muralha norte e pouco depois a Cúpula da Rocha caiu.

A captura de Jerusalém foi um momento de triunfo para os Cruzados, mas também um momento de grande tristeza para os moradores da cidade. O medievalista britânico Steven Runciman escreveu que os francos, completamente alucinados depois de tanto sofrimento e privação, correram pelas ruas, casas e mesquitas como que possuídos por demônios. Ele se baseia em relatos de testemunhas oculares como este: “– Eles mataram todos os inimigos que puderam encontrar com o fio de suas espadas, independentemente de idade ou posição. E havia tantas pessoas mortas e tantas pilhas de cabeças decepadas espalhadas por toda parte, que por todos os caminhos ou agens só se encontravam cadáveres”.

Conquista de Jerusalém pelos Cruzados, por Émile Signol, no Palácio de Versalhes, Paris, França.

Cronistas cristãos e muçulmanos relatam que no massacre cruel da conquista de Jerusalém, além da população muçulmana e judaica que viviam na cidade, também foram vítimas os cristãos coptas e sírios. Segundo fontes muçulmanas, cerca de 70 mil muçulmanos, judeus e cristãos orientais foram mortos no banho de sangue. Os cronistas cruzados afirmaram que foram 10.000 vítimas. O historiador britânico Thomas S. Asbridge segue uma fonte judaica que fala de 3.000 mortes.

Os elevados números de testemunhos muçulmanos refletem, por um lado, o choque face ao sucesso inesperado da invasão estúpida e suja e por outro um alerta e incentivo para que no futuro eles não perdessem de vista a reconquista da cidade. A disputa sobre números, resume Asbridge, “– Não muda a matança sádica levada a cabo pelos Cruzados”.

Mesmo com as vestes, as mãos e as armas salpicadas de sangue, um serviço religioso de ação de graças foi organizado pelos vencedores na Igreja do Santo Sepulcro.

Depois que Raimund rejeitou a ideia de se tornar regente de Jerusalém, Gottfried assumiu o governo da Terra Santa como advocatus sancti sepulchri (“Protetor do Santo Sepulcro”) e regente do recém-estabelecido Reino de Jerusalém. Sob sua liderança, o exército do Califrado Fatímida foi derrotado na Batalha de Ascalão, em 12 de agosto de 1099. Isso encerrou a Primeira Cruzada.

Senhores de Jerusalém

Quando os autores islâmicos medievais pensavam em tais ataques observavam que os francos, mesmo sendo bárbaros e impuros, foram capazes de alcançar tais sucessos por conta da desunião interna dos próprios mulçumanos.

Na verdade, os residentes de “Dar al-Islam” não se davam muito bem. Na melhor das hipóteses, mulçumanos sunitas e xiitas viviam juntos numa espécie de guerra fria. Já os governantes Fatímidas no Egito e os seguidores do califa em Bagdá eram inimigos um do outro.

Para os estudiosos mulçumanos essa desunião fez com que os cruzados conseguissem conquistar quatro pequenos estados: o Reino de Jerusalém, o Condado de Edessa, os Principados de Antióquia e Trípoli. A unidade muçulmana chegou tarde demais!

Mas estados cruzados não eram cercados por muros e as relações entre os invasores vindos da Europa e os povos civilizados do Oriente não eram totalmente hostis. Houve fortes negociações nos mercados de Jerusalém e Acre. Os mercadores cristãos estavam interessados ​​nos seguintes produtos: pimenta, gengibre, açúcar do Vale do Rio Jordão, têxteis, marfim, ouro e porcelana. Os mercadores muçulmanos queriam em troca tecidos de lã, grãos, prata, madeira, ferro e escravos. Foi assim que o cheque (de sakh, carta de crédito) migrou para as línguas europeias. Da mesma forma a tarifa (de ta’arif, notificação). Já os muçulmanos aram a saber o que era um “sarjand” (um sargento) e quem era o “al-ray-dafrans” (que significa “le roi de ”).

Os francos permaneceram senhores de Jerusalém por 88 anos (1099-1187).

Uma Cidade, Muitos Conquistadores

Para o mercenário sírio Usama ibn Munqidh, os francos eram a prova viva de que os caminhos de Alá eram insondáveis – afinal, apesar da sua bestialidade, conseguiram alcançar vitórias brilhantes. Ele relatou que com o ar do tempo alguns europeus se aclimataram, ou seja, civilizaram-se, e procuraram a companhia dos muçulmanos. “São muito melhores do que aqueles que chegaram recentemente dos seus países, mas são uma exceção e não devem ser considerados representativos.”

Osama não conseguia encontrar muitas virtudes nos francos, além da coragem – que ele suspeitava provir de sua estupidez. Um dia alguns cruzados tentaram atacá-lo enquanto ele orava em direção a Meca. Esses idiotas nunca tinham visto nada assim! Felizmente, seus camaradas os impediram. Mas apesar do seu desdém fundamental, Osama encontrou alguns amigos entre os francos. Um deles, um Cavaleiro Templário, chegou a chamá-lo de “seu irmão” e se ofereceu para levar seu filho para a Europa “onde ele poderia aprender a razão e o cavalheirismo com os cavaleiros”, algo que, infelizmente, não aconteceu. Pois nos privou nos dias de hoje da leitura de um emocionante relatório de viagem e poderíamos saber que efeito teria a Europa medieval sobre um muçulmano instruído!

Mas voltando ao período das cruzadas – No final foi Nácer Saladim Iúçufe ibne Aiube, mais conhecido como Saladino, um chefe militar curdo muçulmano que se tornou sultão do Egito e da Síria, que liderou com eficácia a oposição islâmica aos cruzados europeus no Oriente Médio.

Paul M. Cobb chama Saladino de favorito de “historiadores, ditadores e outros criadores de mitos”. Isto é absolutamente verdade – para a retrospecção islâmica, Saladino aparece como o libertador do Oriente Médio.

A verdade é que quando ele entrou vitoriosamente em Jerusalém em 2 de outubro de 1187 – uma sexta-feira – e limpou a mesquita de Al-Aqsa e a Cúpula da Rocha dos símbolos cristãos, ele já havia travado uma guerra contra os inimigos islâmicos durante 33 meses (especialmente os Fatímidas no Egito, a quem ele destronou e substituiu pelo seu próprio clã). A luta contra os “francos impuros” foi na verdade apenas um pós-escrito, uma reflexão tardia.

Também é verdade que Saladino, como vencedor, era capaz de magnanimidades. Ele deixou a Igreja do Santo Sepulcro, que segundo a crença cristã era o local onde Jesus foi sepultado, de pé, embora houvesse vozes instando-o a destruir este eterno objeto de discórdia.

Se Saladino foi quem recapturou Jerusalém para o mundo islâmico em 1187, ela foi novamente perdida para os cristãos 42 anos depois, na Sexta Cruzada, no ano de 1229 e quem recebeu a cidade nas suas mãos foi Frederico II da Alemanha. Dez anos depois os cristãos perderam Jerusalém mais uma vez. Quem a conquistou foi an-Nasir Da’ud, o emir de Kerak (hoje uma cidade na Jordânia). Quatro anos depois, em 1243, a cidade sagrada voltou novamente ao poder dos cristãos, mas por um período muito breve. No ano seguinte o Império Khwarezmiano, grupo muçulmano sunita de origem mameluca turca, tomou novamente a cidade para os seguidores de Maomé.

Jerusalém então permaneceu islâmica por longos 673 anos, até o dia 11 de dezembro de 1917, quando o general britânico Edmund Henry Hynman Allenby, 1º Visconde Allenby, entrou a pé com suas tropas na Cidade Santa. Isso ocorreu após os britânicos vencerem os turcos otomanos na Campanha da Palestina, durante a Primeira Guerra Mundial.

30 anos depois, em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou um plano que dividia a Palestina em dois estados: um judeu e um árabe. Cada estado seria composto por três grandes secções, ligadas por encruzilhadas extraterritoriais, mais um enclave árabe em Jaffa. A Jerusalém expandida cairia sob controle internacional como um Corpus Separatum.

Mas após a Guerra Árabe-Israelense de 1948, Jerusalém foi dividida. A metade ocidental da Cidade Nova tornou-se parte do recém-formado estado de Israel, enquanto a metade oriental, juntamente com a Cidade Velha, foi ocupada por tropas da Jordânia.

Essa situação durou até a mítica Jerusalém ter sido totalmente capturada pelas Forças de Defesa de Israel em 7 de junho de 1967, durante a Guerra dos Seis Dias. Desde então já são 57 anos de domínio judeu em Jerusalém.

“Nenhum conteúdo desse site, independente da página, pode ser usado, alterado ou compartilhado (além das permitidas por meio de botões sociais e pop-ups específicos) sem a  permissão do autor, estando sujeito à Lei de Direitos Autorais n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998”.

DITADOS POPULARES E SEUS SIGNIFICADOS – SEGUNDO CASCUDO

Luís da Câmara Cascudo

Muitas vezes usamos certas expressões, mas não temos ideia do que elas significam.

São ditados ou termos populares que através dos anos permaneceram sempre iguais, significando exemplos morais, filosóficos e religiosos.

Tanto os provérbios quanto os ditados populares constituem uma parte importante de cada cultura.

Historiadores e escritores sempre tentaram descobrir a origem dessa riqueza cultural, mas essa tarefa nunca foi nada fácil.

O grande escritor Luís da Câmara Cascudo já dizia que: “os ditados populares sempre estiveram presentes ao longo de toda a História da humanidade”. No Brasil isso não é nenhuma novidade. Muitas vezes ocorrem expressões tão estranhas e sem sentido, mas que são muito importantes para a nossa cultura popular.

Veja aqui algumas dessas expressões ou ditados populares:

Bicho-de-sete-cabeças

Tem origem na mitologia grega, mais precisamente na lenda da Hidra de Lerna, monstro de sete cabeças que, ao serem cortadas, renasciam. Matar este animal foi uma das doze proezas realizadas por Hércules. A expressão ficou popularmente conhecida, no entanto, por representar a atitude exagerada de alguém que, diante de uma dificuldade, coloca limites à realização da tarefa, até mesmo por falta de disposição para enfrentá-la.

Com o rei na barriga

A expressão provém do tempo da monarquia em que as rainhas, quando grávidas do soberano, avam a ser tratadas com deferência especial, pois iriam aumentar a prole real e, por vezes, dar herdeiros ao trono, mesmo quando bastardos. Em nossos dias refere-se a uma pessoa que dá muita importância a si mesma.

Ver (ou adivinhar) arinho verde (MAS PODE SER AZUL, AMARELO, VERMELHO, ROXO E POR AÍ VAI!)

Significa estar apaixonado. O arinho em questão é uma espécie de periquito verde. Conta uma lenda que alguns românticos rapazes do século ado adestravam o bichinho para que ele levasse no bico uma carta de amor para a namorada. Assim, o casal de apaixonados tinha grandes chances de burlar a vigilância de um paizão ranzinza.

Com a corda toda

Antigamente, os brinquedos que possuíam movimento eram acionados torcendo um mecanismo em forma de mola ou um elástico, que ao ser distendido, fazia o brinquedo se mexer. Ambos os mecanismos eram chamados de “corda”. Logo, quando se dava “corda” totalmente num brinquedo, ele movia-se de forma mais agitada e frenética. Daí a origem da expressão.

Favas contadas

De acordo com Câmara Cascudo, antigamente, votavam-se com as favas brancas e pretas, significando sim ou não. Cada votante colocava o voto, ou seja, a fava, na urna. Depois vinha a apuração pela contagem dos grãos, sendo que quem tivesse o maior número de favas brancas estaria eleito. Atualmente, significa coisa certa, negócio seguro.

Fazer ouvidos de mercador

Orlando Neves, autor do Dicionário das Origens das Frases Feitas, diz que a palavra mercador é uma corruptela de marcador, nome que se dava ao carrasco que marcava os ladrões com ferro em brasa, indiferente aos seus gritos de dor. No caso, fazer ouvidos de mercador é uma alusão a atitude desse algoz, sempre surdo às súplicas de suas vítimas.

Tapar o sol com a peneira

Peneira é um instrumento circular de madeira com o fundo em trama de metal, seda ou crina, por onde a a farinha ou outra substância moída. Qualquer tentativa de tapar o sol com a peneira é inglória, uma vez que o objecto é permeável à luz. A expressão teria nascido dessa constatação, significando atualmente um esforço mal sucedido para ocultar uma asneira ou negar uma evidência.

O pomo da discórdia

A lendária Guerra de Tróia começou numa festa dos deuses do Olimpo: Éris, a deusa da Discórdia, que naturalmente não tinha sido convidada, resolveu acabar com a alegria reinante e lançou por sobre o muro uma linda maçã, toda de ouro, com a inscrição “à mais bela”.

Como as três deusas mais poderosas: Hera, Afrodite e Atena disputavam o troféu, Zeus ou a espinhosa função de julgar para Páris, filho do rei de Tróia  O príncipe concedeu o título a Afrodite em troca do amor de Helena, casada com o rei de Esparta.

A rainha fugiu com Páris para Tróia, os gregos marcharam contra os troianos e a famosa maçã ou a ser conhecida como “o pomo da discórdia” – que hoje indica qualquer coisa que leve as pessoas a brigar entre si.

Afogar o ganso

No ado, os chineses costumavam satisfazer as suas necessidades sexuais com gansos. Pouco antes de ejacularem, os homens afundavam a cabeça da ave na água, para poderem sentir os espasmos anais da vítima. Daí a origem da expressão, que se refere a um homem que está precisando fazer sexo.

Ave de mau agouro

Diz-se de pessoa portadora de más notícias ou que, com a sua presença, anuncia desgraças. O conhecimento do futuro é uma das preocupações inerentes ao ser humano. Quase tudo servia para, de maneiras diversas, se tentar obter esse conhecimento. As aves eram um dos recursos que se utilizava. Na antiga Roma, a predição dos bons ou maus acontecimentos (Avis spicium, em Latim) era feita através da leitura do voo ou canto das aves. Os pássaros mais usado para isso eram a águia, a coruja, o corvo e a gralha. Ainda hoje perdura, popularmente, a conotação funesta com qualquer destas aves.

Santa do pau oco

Expressão que se refere à pessoa que se faz de boazinha, mas não é. Nos século XVIII e XIX os contrabandistas de ouro em pó, moedas e pedras preciosas utilizavam estátuas de santos ocas por dentro. O santo era “recheado” com preciosidades roubadas e enviado para Portugal.

Mais vale um pássaro na mão que dois voando

Significa que é melhor ter pouco que ambicionar muito e perder tudo. É tradição de antigos caçadores. Eles achavam melhor apanhar logo a ave que tinham atingido de raspão, antes que ela fugisse, do que tentar atirar nas que estavam voando e errar o alvo.

Apressado come cru

Quando não existia o forno microondas, era preciso muito tempo para a comida ficar pronta, ou então comê-la crua. Nessa época, a culinária japonesa ainda não estava na moda e comida crua era vista com maus olhos. Assim, a expressão ou a ser usada para significar afobamento, precipitação.

Chorar as pitangas

Pitangas são deliciosas frutinhas cultivadas e apreciadas em todo o país, especialmente nas regiões norte e nordeste do país. A palavra deriva de pyrang, que, em tupi-guarani, significa vermelho. Sendo assim, a provável relação da fruta com lágrimas, vem do fato de os olhos ficarem vermelhos, parecendo duas pitangas, quando se chora muito.

Farinha do mesmo saco

“Homines sunt ejusdem farinae” esta frase em latim (homens da mesma farinha) é a origem dessa expressão, utilizada para generalizar um comportamento reprovável. Como a farinha boa é posta em sacos diferentes da farinha ruim, faz-se essa comparação para insinuar que os bons andam com os bons enquanto os maus preferem os maus.

Aquela que matou o guarda

Tratava-se de uma mulher que trabalhava para Dom João VI e se chamava Canjebrina, que, como informam os dicionários, significa pinga, cachaça. Ela teria matado um dos principais guardas da corte do Rei. O fato não foi provado. Mas está no livro “Inconfidências da Real Família no Brasil”, de Alberto Campos de Moraes.

Sangria desatada

Diz-se de qualquer coisa que requer uma solução ou realização imediata. Esta expressão teve origem nas guerras, onde se verificava a necessidade de cuidados especiais com os soldados feridos. É que, se por qualquer motivo, se desprendesse a atadura posta sobre as feridas, o soldado morreria, por perder muito sangue.

Colocar panos quentes

Significa favorecer ou acobertar coisa errada feita por outro. Em termos terapêuticos, colocar panos quentes é uma receita, embora paliativa, prescrita pela medicina popular desde tempos remotos. Recomenda-se sobretudo nos estados febris, pois a temperatura muito elevada pode levar a convulsões e a problemas daí decorrentes. Nesses casos, compressas de panos encharcados com água quente são um santo remédio. A sudorese resultante faz baixar a febre.

Cor de burro quando foge

A frase original era “Corra do burro quando ele foge”. Tem sentido porque, o burro enraivecido, é muito perigoso. A tradição oral foi modificando a frase e “corra” acabou virando “cor”.

Pagar o pato

A expressão deriva de um antigo jogo praticado em Portugal. Amarrava-se um pato a um poste e o jogador (em um cavalo) deveria ar rapidamente e arrancá-lo de uma só vez do poste. Quem perdia era que pagava pelo animal sacrificado. Sendo assim, ou-se a empregar a expressão para representar situações onde se paga por algo sem ter qualquer benefício em troca.

De pequenino é que se torce o pepino

Os agricultores que cultivam os pepinos precisam de dar a melhor forma a estas plantas. Retiram uns “olhinhos” para que os pepinos se desenvolvam. Se não for feita esta pequena poda, os pepinos não crescem da melhor maneira porque criam uma rama sem valor e adquirem um gosto desagradável. Assim como é necessário dar a melhor forma aos pepinos, também é preciso moldar o caráter das crianças o mais cedo possível.

Salvo pelo gongo

O ditado tem origem na Inglaterra. Lá, antigamente, não havia espaço para enterrar todos os mortos. Então, os caixões eram abertos, os ossos tirados e encaminhados para o ossuário e o túmulo era utilizado para outro infeliz. Só que, às vezes, ao abrir os caixões, os coveiros percebiam que havia arranhões nas tampas, do lado de dentro, o que indicava que aquele morto, na verdade, tinha sido enterrado vivo (catalepsia – muito comum na época).

Assim, surgiu a idéia de, ao fechar os caixões, amarrar uma tira no pulso do defunto, tira essa que ava por um buraco no caixão e ficava amarrada num sino. Após o enterro, alguém ficava de plantão ao lado do túmulo durante uns dias. Se o indivíduo acordasse, o movimento do braço faria o sino tocar. Desse modo, ele seria salvo pelo gongo. Atualmente, a expressão significa escapar de se meter numa encrenca por uma fração de segundos.

Elefante branco

A expressão vem de um costume do antigo reino de Sião, situado na atual Tailândia, que consistia no gesto do rei de dar um elefante branco aos cortesões que caíam em desgraça. Sendo um animal sagrado, não podia ser posto a trabalhar. Como presente do próprio rei, não podia ser vendido. Matá-lo, então, nem pensar. Não podendo também ser recusado, restava ao infeliz agraciado alimentá-lo, acomodá-lo e criá-lo com luxo, sem nada obter de todos esses cuidados e despesas. Daí o ditado significar algo que se tem ou que se construiu, mas que não serva para nada.

Comer com os olhos

Soberanos da África Ocidental não consentiam testemunhas às suas refeições. Comiam sozinhos. Na Roma Antiga, uma cerimônia religiosa fúnebre consistia num banquete oferecido aos deuses em que ninguém tocava na comida. Apenas olhavam, “comendo com os olhos”. A propósito, o pesquisador Câmara Cascudo diz que certos olhares absorvem a substância vital dos alimentos. Hoje o ditado significa apreciar de longe, sem tocar.

Amigo da onça

Segundo estudiosos da língua portuguesa, este termo surgiu a partir de uma história curiosa. Conta-se que um caçador mentiroso, ao ser surpreendido, sem armas, por uma onça, deu um grito tão forte que o animal fugiu apavorado. Como quem o ouvia não acreditou, dizendo que , se assim fosse, ele teria sido devorado, o caçador, indignado, perguntou se, afinal, o interlpcutor era seu amigo ou amigo da onça. Atualmente, o ditado significa amigo falso, hipócrita.

Estar com a corda no pescoço

O enforcamento foi, e ainda é em alguns países, um meio de aplicação da pena de morte. A metáfora nasceu de anistias ou comutações de pena chegadas à última hora, quando o condenado já estava prestes a ser executado e o carrasco já lhe tinha posto a corda no pescoço, situação que, de fato, é um sufoco. Hoje, o ditado significa estar ameaçado, sob pressão ou com problemas financeiros.

Como sardinha em lata

A palavra sardinha vem do latim sardina. Designa o peixe abundante na Sardenha, conhecida região da Itália. É um alimento apreciado e nutritivo, de sabor bem peculiar. As sardinhas, quando enlatadas em óleo ou em outro molho, vêm coladas umas às outras. Por analogia, usa-se a expressão popular sardinha em lata para designar a superlotação de veículos de transporte público.

O pior cego é o que não quer ver

Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D’Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel.

Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que ou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos.

O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver. Atualmente, o ditado se refere a a alguém que se nega a itir um fato verdadeiro.

Andar à toa

Toa é a corda com que uma embarcação reboca a outra. Um navio que está “à toa” é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar. Uma mulher à toa, por exemplo, é aquela que é comandada pelos outros. Jorge Ferreira de Vasconcelos já escrevia, em 1619: Cuidou de levar à toa sua dama. Hoje, o ditado significa andar sem destino, despreocupado, ando o tempo.

Casa de Mãe Joana

Este dito popular tem origem na Itália. Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença (1326-1382), liberou os bordéis em Avignon, onde estava refugiada, e mandou escrever nos estatutos: “Que tenha uma porta por onde todos entrarão”.

O lugar ficou conhecido como Paço de Mãe Joana, em Portugal. Ao vir para o Brasil a expressão virou “Casa da Mãe Joana”. A outra expressão envolvendo Mãe Joana, um tanto chula, tem a mesma origem, naturalmente.

Onde judas perdeu as botas

Como todos sabem, depois de trair Jesus e receber 30 dinheiros, Judas caiu em depressão e culpa, vindo a se suicidar enforcando-se numa árvore.

Acontece que ele se matou sem as botas. E os 30 dinheiros não foram encontrados com ele. Logo os soldados partiram em busca as botas de Judas, onde, provavelmente, estaria o dinheiro.

A história é omissa daí pra frente. Nunca saberemos se acharam ou não as botas e o dinheiro. Mas a expressão atravessou vinte séculos. Atualmente, o ditado significa lugar distante, inível.

Quem não tem cão caça com gato

Se você não pode fazer algo de uma maneira, se vira e faz de outra. Na verdade, a expressão, com o ar dos anos, se adulterou. Inicialmente se dizia “quem não tem cão caça como gato”, ou seja, se esgueirando, astutamente, traiçoeiramente, como fazem os gatos.

De pá virada

Um sujeito da pá virada pode tanto ser um aventureiro corajoso como um vadio.

A origem da palavra é em relação ao instrumento, a pá. Quando ela está virada para baixo, é inútil não serve para nada. Hoje em dia, “pá virada” tem outro sentido. Refere-se a uma pessoa de maus instintos e criadora de casos ou a um aventureiro.

Deixar de Nhenhenhém

Conversa interminável em tom de lamúria, irritante, monótona. Resmungo, rezinga.

Nheë, em tupi, quer dizer falar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, eles não entendiam aquela falação estranha e diziam que os portugueses ficavam a dizer “nhen-nhen-nhen”.

Estar de paquete

Situação das mulheres quando estão menstruadas. Paquete, já nos ensina o Aurélio, é um das denominações de navio. A partir de 1810, chegava um paquete mensalmente, no mesmo dia, no Rio de Janeiro. E a bandeira vermelha da Inglaterra tremulava. Daí logo se vulgarizou a expressão sobre o ciclo menstrual das mulheres. Foi até escrita uma “Convenção Sobre o Estabelecimento dos Paquetes”, referindo-se, é claro, aos navios mensais.

Pensando na morte da bezerra

Estar distante, pensativo, alheio a tudo.

Esta é bíblica. Como vocês sabem, o bezerro era adorado pelos hebreus e sacrificados para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais bezerros, resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor, que tinha grande carinho pelo animal, se opôs. Em vão. A bezerra foi oferecida aos céus e o garoto ou o resto da vida sentado do lado do altar “pensando na morte da bezerra”. Consta que meses depois veio a falecer.

Não entender patavina

Não saber nada sobre determinado assunto. Nada mesmo.

Tito Lívio, natural de Patavium (hoje Pádova, na Itália), usava um latim horroroso, originário de sua região. Nem todos entendiam. Daí surgiu o Patavinismo, que originariamente significava não entender Tito Lívio, não entender patavina.

Jurar de pés junto

A expressão surgiu das torturas executadas pela Santa Inquisição, nas quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado para confessar seus crimes.

Emanuele Filiberto di Savoia

Testa de ferro

O Duque Emanuele Filiberto di Savoia, conhecido como Testa di Ferro, foi rei de Chipre e Jerusalém. Mas tinha somente o título e nenhum poder verdadeiro. Daí a expressão ser atribuída a alguém que aparece como responsável por um por um negócio ou empresa sem que o seja efetivamente.

Erro crasso

Na Roma antiga havia o Triunvirato: o poder dos generais era dividido por três pessoas. No primeiro destes Triunviratos, tínhamos: Caio Júlio, Pompeu e Crasso. Este último foi incumbido de atacar um pequeno povo chamado Partos. Confiante na vitória, resolveu abandonar todas as formações e técnicas romanas e simplesmente atacar. Ainda por cima, escolheu um caminho estreito e de pouca visibilidade. Os Partos, mesmo em menor número, conseguiram vencer os romanos, sendo o general que liderava as tropas um dos primeiros a cair. Desde então, sempre que alguém tem tudo para acertar, mas comete um erro estúpido, dizemos tratar-se de um “erro crasso“.

Lágrimas de crocodilo

O crocodilo, quando ingere um alimento, faz forte pressão contra o céu da boca, comprimindo as glândulas lacrimais. Assim, ele chora enquanto devora a vítima. Daí a expressão significar choro fingido.

Fila indiana

Tem origem na forma de caminhar dos índios americanos, que, desse modo, encobriam as pegadas dos que iam na frente.

ar a mão pela cabeça

Significa perdoar, e vem do costume judaico de abençoar cristãos-novos, ando a mão pela cabeça e descendo pela face, enquanto se pronuncia a bênção.

Gatos pingados

Esta expressão remonta a uma tortura procedente do Japão que consistia em pingar óleo fervente em cima de pessoas ou animais, especialmente gatos.

Existem várias narrativas ambientais na Ásia que mostram pessoas com os pés mergulhados num caldeirão de óleo quente. Como o suplício tinha uma assistência reduzida, tal era a crueldade, a expressão “gatos pingados” ou a significar pequena assistência sem entusiasmo ou curiosidade para qualquer evento.

Queimar as pestanas

Antes do aparecimento da eletricidade, recorria-se a uma lamparina ou uma vela para iluminação. A luz era fraca e, por isso, era necessário colocá-las muito perto do texto quando se pretendia ler o que podia dar num momento de descuido queimar as pestanas. Por essa razão, aplica-se àqueles que estudam muito.

Sem papas na língua

Significa ser franco, dizer o que sabe, sem rodeios. A expressão vem da frase castelhana “no tener pepitas em la lengua”. Pepitas, diminutivo de papas, são partículas que surgem na língua de algumas galinhas, é uma espécie de tumor que lhes obstrui o cacarejo. Quando não há pepitas (papas), a língua fica livre.

A toque de caixa

A caixa é o corpo oco do tambor que foi levado para a a Europa pelos árabes. Como os exercícios militares eram acompanhados pelo som de tambores, dizia-se que os soldados marchavam a toque de caixa. Atualmente, refere-se a uma tarefa que se tem de fazer rapidamente, eventualmente a mando de alguém ou mesmo à força.

Maria vai com as outras

Dona Maria I, mãe de D. João VI (avó de D. Pedro I e bisavó de D. Pedro II), enlouqueceu de um dia para o outro . Declarada incapaz de governar, foi afastada do trono. ou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via a rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar: “Lá vai D. Maria com as outras”. Atualmente aplica-se a expressão a uma pessoa que não tem opinião e se deixa convencer com a maior facilidade.

Fonte: CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções Tradicionais no Brasil. São Paulo, Editora Global/2008.

Fonte internet – http://saibahistoria.blogspot.com.br/2010/07/blog-post.html

VEJA UMA SEGUNDA PARTE SOBRE ESTE TEMA EM NOSSO TOK DE HISTÓRIA – https://tokdehistoria.wordpress.com/2013/10/03/ditados-populares-e-seus-significados-ii/

AS MARCAS DA AGEM DE LAMPIÃO – A HISTÓRIA DA CAPELINHA DA SERRA DA VENEZA

Serra da Veneza – Foto – Rostand Medeiros.

UMA MISSA EM UMA SINGULAR CAPELA, COM MAIS DE 90 ANOS DE TRADIÇÃO, MARCA A FÉ DOS SERTANEJOS NO MOMENTO DA AGEM DO BANDO DE LAMPIÃO PELO SERTÃO DO RIO GRANDE DO NORTE

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Um dos aspectos mais interessantes da história da agem do bando do cangaceiro Lampião pelo Rio Grande do Norte, entre os dias 10 e 14 de junho de 1927, não aponta apenas para os relatos de lutas, resistências, arroubos de valentia, covardias, ou sobre o alivio em relação à fuga dos cangaceiros. Foi possível encontrar em alguns locais, interessantes situações originadas pelo medo da agem de Lampião, que geraram manifestações que se perpetuam até hoje.

Capela do alto da Serra da Veneza – Foto – Rostand Medeiros.

Comento especificamente sobre uma ermida encontrada no alto de um promontório denominado Serra da Veneza, próximo ao sítio Garrota Morta, na fronteira entre os municípios de Antônio Martins e Pilões. Nesta elevação granítica, que segundo o mapa da SUDENE chega a atingir a altitude de 555 metros, existe uma capela edificada em razão do medo provocado pela agem do bando.

Lampião e seus cangaceiros.

Na tarde do dia 11 de junho de 1927, um sábado, quando empreendia uma viagem, na altura do sítio Corredor, a cerca de dez quilômetros de sua propriedade, o fazendeiro Manoel Barreto Leite, foi capturado pela fração do bando comandado por Sabino. Sua libertação foi orçada em cinqüenta contos de réis. O mesmo só foi libertado em Limoeiro, atual Limoeiro do Norte, no Ceará, após a derrota do bando em Mossoró.

Manoel Leite era um homem conhecido na região, que possuía bons recursos financeiros e extremamente respeitado, por esta razão a existência da capelinha branca no alto da serra homônima de sua propriedade, ficou associada a uma promessa feita pelo fazendeiro seqüestrado.

Dona Neuzimar Eugênia dos Santos – Foto – Rostand Medeiros.

Mas conforme seguíamos o trajeto, ao perguntarmos sobre este caso, percebemos o desconhecimento das pessoas da região em relação a esta versão. Buscamos apurar os fatos e no sítio Garrota Morta localizado nas proximidades desta serra, encontramos uma senhora chamada Neuzimar Eugênia dos Santos que esclareceu a verdade sobre esta capela. Esta senhora, pequena na estatura, mas é forte, voluntariosa, possui uma voz firma e olha direto no olho do interlocutor. Neuzimar Eugênia não é daquelas de ficar em casa vendo novelas, já está na faixa dos cinquenta anos, mas todo santo dia trabalha voluntariamente como animadora da congregação católica local. Participando ainda como catequista e ministra da eucaristia.

Foto – Rostand Medeiros.

Há alguns anos atrás, por sua própria iniciativa, em meio a este trabalho religioso ela iniciou uma pesquisa histórica com as pessoas mais idosas da sua região, onde apurou entre outras coisas a origem dos nomes dos logradouros, as histórias relativas as famílias da região e os fatos históricos mais representativos do lugar. Mesmo anotando estas informações em um caderno simples, através de sua louvável e comovente iniciativa foi possível conseguir as informações sobre a origem desta capela.

Segundo Neuzimar Eugênia foram as idosas moradoras conhecidas como “Francisca do Uru” e “Francisca da Garrota Morta”, que lhe narraram os fatos que a comunidade local considera um verdadeiro milagre.

1015 – O cineasta mineiro Sílvio Coutinho realizando filmagens para o documentário “Chapéu Estrelado” na região da Serra da Veneza, tendo ao seu lado Rivanildo Alexandrino, da cidade de Frutuoso Gomes-RN – Foto – Rostand Medeiros.

Na noite de 10 de junho de 1927, quando Lampião e seu bando se aproximavam da fazenda Caricé, a cerca de oito quilômetros da Garrota Morta, em meio às terríveis notícias, três fazendeiros da região procuraram refúgio junto às rochas da base desta elevação. Essas famílias eram comandadas respectivamente por Manoel Joaquim de Queiroz, proprietário do sítio Garrota Morta, Vicente Antônio, do sítio Cardoso e Francisco Felix, que habitava na pequena zona urbana que formava a Vila de Boa Esperança, atual cidade de Antônio Martins. Na época da agem de Lampião, todo este vasto sertão pertencia a área territorial do município de Martins.

Durante o período que lá permaneceram, as três famílias não se encontraram e sequer se viram em nenhum momento. Em meio à aflição, estes homens solicitaram junto ao mesmo santo, São Sebastião, que os protegessem contra a ação dos cangaceiros.

O autor deste texto na região da Serra da Veneza – Foto – Rivanildo Alexandrino.

No dia posterior o bando chegou próximo a Serra da Veneza. Os cangaceiros ainda palmilharam algumas casas edificadas dentro dos limites da propriedade Garrota Mortas, mas não chegaram próximo aos esconderijos no pé da serra.

Em meio ao sentimento de alivio que crescia, as três famílias que não se viam choravam de alegria e rezavam agradecendo. O mais interessante, segundo Neuzimar Eugênia, mesmo sem existir nenhuma espécie de combinação, os três homens elegeram a mesma penitência; galgar a Serra da Veneza, erguer um oratório e ali depositar uma imagem em honra a São Sebastião.

Capela de São Francisco, na antiga Vila de Boa Esperança, atual cidade de Antônio Martins – Foto – Rostand Medeiros.

Logo os fazendeiros e seus familiares foram a Vila de Boa Esperança a treze quilômetros da serra. Como muitos moradores da região, eles foram agradecer na capela do lugarejo, edificada em honra a Santo Antônio, o fato de nada de pior haver ocorrido. Neste local os três homens se encontraram, eram amigo, e logo debatiam sobre os fatos vividos. Para surpresa de todos os presentes, compreenderam que havia ocorrido uma interseção divina com relação a eles terem tido as mesmas idéias e os mesmos pensamentos.

Em pouco tempo eles adquiriam conjuntamente uma pequena imagem de São Sebastião e logo galgavam a Serra da Veneza, para unidos edificarem um pequeno oratório. A ação dos três fazendeiros e as estranhas coincidências chamaram a atenção das pessoas na região. Outros penitentes aram a subir a serra para pagar promessas. Mais algum tempo a comunidade da Garrota Morta já organizava uma singela procissão e não demorou muito para que o pároco local também viesse participar. Com o ar do tempo começou a ocorrer a participação de pessoas de outros municípios.

Foto da celebração de 2018 no alto da Serra da Veneza. Na fotografia vemos a celebração sob o comando do padre Wescley Pereira – Foto – Lucas Amorim.

Em 1948, vinte e um anos após a agem de Lampião e seu bando e do pretenso milagre, treze famílias da comunidade ergueram treze cruzes, formando uma via sacra entre a base da serra e o local do oratório. Cada uma destas cruzes tinha dois metros de altura e continha uma placa da família doadora. Percebendo o crescimento desta manifestação, conjuntamente estas pessoas deram início a construção da atual capela, em meio a uma intensa confraternização.

A capela foi construída em um ponto mais abaixo em relação à posição original do antigo oratório. Uma nova imagem de São Sebastião foi levada em procissão e se uniu a que ali havia sido colocada primeiramente.

Missa de São Sebastião no alto da Serra da Veneza. Ela é sempre celebrada nos dias 20 de janeiro, dia dedicado a esse santo calendário católico. Uma tradição que se iniciou em 1928 e perdura até hoje – Foto – Lucas Amorim.

Atualmente a participação popular só cresce. A cada dia 20 de janeiro, inúmeros ex-votos são colocados como pagamento de promessas, velas são acesas e fiéis de vários municípios vêm participar subindo a serra. Em meio a um intenso foguetório, sempre as primeiras horas da manhã, um público que atualmente gira entre 400 e 500 pessoas, comparece ao sítio Garrota Morta e com a tradicional fé característica do nordestino, sobrem a serra.

Paisagem da região- Foto – Lucas Amorim.

Entre as atrações do evento, sempre ocorrem apresentações de violeiros, que declamam em verso os medos e o pretenso milagre que envolveu as três famílias. Apesar da área onde a Serra da Veneza está situada não pertencer mais territorialmente a Martins, a capelinha está sob a jurisdição da Paróquia de Martins, que tem a frente o padre Possídio Lopes.

O alto da Serra da Veneza – Foto – Lucas Amorim

O sítio Garrota Morta esta localizado na área territorial do município de Antônio Martins, as margens da estrada que liga as cidades de Pilões e Serrinha dos Pintos. O dia da nossa visita a região estava particularmente quente, em meio a uma região já bem quente. Além do mais eram uma hora da tarde e nosso tempo era curto. Mas sei que vou voltar e subir esta serra.

AGRADECIMENTO – A LUCAS AMORIM, QUE TODOS OS ANOS PARTICIPA DA MISSA DE SÃO SEBASTIÃO NO ALTO DA SERRA DA VENEZA E ASSIM MANTÉM UMA TRADIÇÃO QUE COMEÇOU EM 1928 E É MANTIDA POR SUA FAMÍLIA.

Todos os direitos reservados

É permitida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.

O MITO SOBRE A ORIGEM DE SOBRENOMES DE JUDEUS CONVERTIDOS

x2012061221753.jpg.pagespeed.ic.icVtW3_1w4
No desenho ‘Caminhada dos prisioneiros para o auto de fé’, de A. Shoonebeck, um retrato da perseguição aos judeus – Reprodução

Nomes de plantas e árvores, como Pinheiro e Carvalho, não pertenceram só a cristãos-novos

POR DANIELA KRESCH, ESPECIAL PARA O GLOBO

Na Bahia do século XVII, o professor de um colégio jesuíta perguntou o sobrenome de um de seus alunos. A resposta foi inusitada: “Qual deles, o de dentro ou o de fora”? A história, contada pela historiadora da USP Anita Novinsky em sua dissertação “O mito dos sobrenomes marranos”, exemplifica o dilema dos cristãos-novos brasileiros, nos primeiros séculos do país. Expor ou não o sobrenome da família fora de casa, sob risco de ser identificado pela Inquisição e acusado do crime inafiançável de “judaísmo”? O temor e a delicadeza do tema fizeram com que a genealogia dos descendentes de judeus portugueses no Brasil fosse envolta, por séculos, numa bruma de mitos e ignorância. Nos últimos anos, no entanto, pesquisadores têm revelado surpresas sobre os sobrenomes marranos no Brasil.

img_1
Fonte – http://blogs.yahoo.co.jp/

No final do século XV, os judeus compunham entre 10% e 15% da população de Portugal — somando os cerca de 50 mil locais e os quase 120 mil que cruzaram a fronteira em 1492, quando os Reis Católicos Fernando e Isabela expulsaram toda a população judaica da Espanha. Nos primeiros dois séculos depois do Descobrimento, o Brasil recebeu boa parte dessa população, os chamados cristãos-novos (ou “marranos”, pelo apelido pejorativo da época), convertidos ao cristianismo à força, por decreto de Dom Manuel I, em 1497. Historiadores concordam que um em cada três portugueses que imigraram para a colônia era cristão-novo.

Até recentemente, acreditava-se que esses judeus conversos abandonaram seus sobrenomes “infiéis” para adotar novos “inventados” baseados exclusivamente em nomes de plantas, árvores, frutas, animais e acidentes geográficos. Assim, seria fácil. Todos os portugueses com os sobrenomes Pinheiro, Carvalho, Pereira, Raposo, Serra, Monte ou Rios, entre outros, que imigraram para o Brasil após 1500 devem ter sido marranos, certo? Errado.

arch-titus-relief-1a
Soldados romanos carregando os despojos das guerras judaicas. A destruição de Jerusalém aconteceu em 70 D.C., quando as legiões romanas saquearam Jerusalém e retornaram a Roma com os despojos, daquela que era considerada a cidade mais rica no Império Romano – Fonte – http://www.bible-history.com/archaeology/rome/arch-titus-menorah-1.html.

— Em minhas investigações, não encontrei prova documental de que nomes de árvores, animais, plantas ou acidentes geográficos tenham pertencido apenas ou quase sempre a marranos — afirma Anita Novisnky, uma das maiores autoridades no assunto.

O que causa confusão, segundo Novinsky, é o fato de que os sobrenomes adotados pelos cristãos-novos eram os mesmos usados por cristãos-velhos, alguns por nostalgia, outros por medo de perseguições. Afinal, no Brasil, os marranos foram perseguidos por 285 anos pela Inquisição portuguesa. Quem demonstrasse apego à antiga religião poderia ser condenado à morte na fogueira dos “autos de fé”, as cerimônias de penitência aos infiéis.

Como identificar, então, quem era marrano? A mais importante pista está justamente nos arquivos da Inquisição. Aproximadamente 40 mil julgamentos resistiram ao tempo, 95% deles referentes a crimes de judaísmo. Anita Novinsky encontrou exatos 1.819 sobrenomes de cristãos-novos detidos, só no século XVIII, no chamado “Livro dos Culpados”. Os sobrenomes mais comuns dos detidos eram Rodrigues (citado 137 vezes), Nunes (120), Henriques (68), Mendes (66), Correia (51), Lopes (51), Costa, (49), Cardoso (48), Silva (47) e Fonseca (33).

dsc01024
Primeira sinagoga das Américas, em Recife – Fonte – http://culturahebraica.blogspot.com.br/2013/01/amazonia-terra-prometida-historia-dos.html

— A Inquisição anotava todos os nomes dos detidos cuidadosamente, como se fosse a Gestapo nazista e mantinha uma relação de bens de cristãos-novos para confiscar — diz Anita.

Isso não quer dizer, no entanto, que todas as famílias com esses sobrenomes eram marranas. Nas investigações, sob tortura, os detidos diziam tudo o que os inquisidores queriam ouvir, acusando vizinhos, empregados e parentes “inocentes”. Fora isso, os sobrenomes eram realmente comuns.

— Não havia nenhum sobrenome exclusivo de cristãos-novos. Até porque eles mudavam sempre que podiam, além de adotarem nomes compostos. Muitos irmãos e esposos adotavam até mesmo sobrenomes diferentes, só para confundir — explica o historiador israelense Avi Gross.

237_59
Judaísmo no Âmbito Familiar. Nem assim havia total segurança – Fonte – http://www.coisasjudaictokdehistoria-br.informativoparaibano.com/2011/11/cripto-judaismo.html

O historiador paulistano Paulo Valadares, autor do “Dicionário Sefaradi de Sobrenomes”, no qual destaca 14 mil sobrenomes oriundos de judeus da Península Ibérica, aponta para mais uma complicação: o da mestiçagem brasileira. A grande maioria dos cristãos-novos se misturou depois de uma ou duas gerações com outras culturas e raças.

— Poucos conseguiram manter as tradições judaicas por muito tempo. Algumas famílias tentaram, se isolando em algumas áreas do país, principalmente no Sertão nordestino, e praticando a endogamia (casamentos dentro da família).

Para os aficionados em genealogia, um novo site na internet, o “Name your roots” (que tem versão em português), pode ajudar a descobrir as raízes. No portal, criado há três meses por dois religiosos israelenses, é possível obter explicações e bibliografia gratuitamente sobre sobrenomes marranos comuns no Brasil.

Rua dos Judeus - Mercado de Escravos - 1641
Rua dos Judeus e seu mercado de escravos. Quadro Rua dos Judeus – Slavenmarkt, de Zacharias Wagener – 1641 – Fonte – http://bairrodorecife.blogspot.com.br/2014/02/a-rua-do-bode-dos-judeus-da-cruz-e-do.html

Mas Paulo Valadares alerta que é preciso ir além: identificar se há anteados portugueses que chegaram ao Brasil nos séculos XVI ou XVII ou se foram citados nos anais da Inquisição até o século XVIII, se a família se estabeleceu em alguma região específica e se guarda tradições “estranhas”. O documentário “A estrela oculta do Sertão”, de Elaine Eiger e Luize Valente, traz exemplos de algumas dessas tradições, que ainda sobrevivem no Nordeste: olhar a primeira estrela no céu, não comer certos alimentos como carne de porco, não misturar carne com leite, vestir a melhor roupa na sexta-feira, enterrar corpos em “terra limpa” (envolto apenas numa mortalha), rezar numa língua estranha e colocar pedras em túmulos.

— Depois de conviver com comunidades do interior do país, percebi como os descendentes de marranos praticam tradições judaicas no dia a dia — conta Luize , que lança, em agosto, o romance “O segredo do oratório” (Record), contando a saga de uma família de cristãos-novos no Brasil.

O médico paraibano Luciano Canuto de Oliveira, que voltou ao judaísmo depois de descobrir suas origens marranas, define sua identidade de modo parecido com a resposta do aluno do colégio jesuíta, há quatro séculos: “Ser marrano é ser judeu por dentro e católico por fora”.

Leia mais: https://oglobo.globo.com/brasil/o-mito-sobre-origem-de-sobrenomes-de-judeus-convertidos-5227424#ixzz4tQKxtvVB


MAIS NO BLOG TOK DE HISTÓRIA SOBRE TEMAS LIGADOS AO JUDAÍSMO 

/2015/11/11/lei-pode-dar-cidadania-a-brasileiros-descendentes-de-judeus/ 

/2015/05/08/diaspora-descubra-como-os-judeus-se-espalharam-pelo-mundo/ 

/2016/07/12/15533/ 

/2014/03/23/sobrenomes-de-judeus-expulsos-da-espanha-em-1492-veja-se-o-seu-esta-na-lista/ 

/2012/04/18/a-expulsao-dos-judeus-de-portugal/

/2015/06/08/the-first-synagogue-in-the-americas-itamaraca-1634/ 

VIAGEM AO SERTÃO DOS MISSIONÁRIOS DO NORDESTE: PADRES ROLIM, IBIAPINA E CÍCERO

a cruz da estrada
Fonte – http://evans1309.blogspot.com.br/2012/12/a-cruz-da-estrada-castro-alves.html

Foi num sábado de primavera que de Natal partimos em direção ao sertão do padre Cícero Romão Batista. Na tripulação de quatro amigos (DaMata, Abimael, Homero e Antonio Medeiros), nenhum beato ou devoto do Padim Ciço.

Desde pequeno ouvimos nossos pais e avós falarem das romarias ao Juazeiro do Norte – A Meca do Nordeste. Sempre desejei fazer essa viagem assim como quem tem uma dívida com a sua cultura. Das promessas feitas e das graças alcançadas em tempos de privações e doenças por muitos familiares e amigos. Até os dias atuais essas romarias não arrefeceram e milhares de pessoas continuam fazendo a mesma peregrinação em direção ao Juazeiro onde está situado grande monumento do famoso padre do nordeste brasileiro.

A viagem ao cariri cearense foi feita via Caicó-RN, ando por Brejo do Cruz e Catolé do Rocha, na Paraíba. Terras-origens-cantadas pelos paraibanos Zé Ramalho e Chico César. Depois Sousa – terra dos Dinossauros – e, Cajazeiras. Viagem por um sertão profundo, cheio de mistérios e arcanos indecifráveis. Reserva cultural de um povo atencioso e pronto para qualquer informação. O Cariri Novo, de grandes engenhos de açúcar, beatos, cangaceiros, coronéis e rica cultura popular.

EHT_8946
Vale dos Dinossauros, Sousa, Paraíba – Fonte – gestao.patrimoniodetodos.gov.br

O Vale dos Dinossauros

Indo ao nordeste do Brasil e ando em Sousa ( Pb), é obrigatória a visita ao Lajedo da agem de Pedras, onde fica situado o famoso “Vale dos Dinossauros” com as pegadas deixadas por dinossauros que habitavam essa região alagada. A visita é melhor ainda se for acompanhada pelo guia Robson Araújo Marques, o “Velho do Rio”. Robson é um norte-rio-grandense, nascido em Florânia e há 35 anos trabalhando nesse importante sítio arqueológico que precisava ser melhor preservado e estudado. Seu avô Anísio Fausto da Silva indo em busca de animais perdidos, descobriu essas importantes pegadas e denominou “Rastro do Boi e da Ema”. Analisada depois por paleontólogos descobriu-se que aqueles rastros que impregnaram os lajedos da “agem das Pedras” eram fabulosos rastros de gigantes dinossauros que por ali eavam e caçavam há milhões de anos.

A Cajazeiras do Padre Rolim

Em Cajazeiras o encontro marcado com o amigo e historiador Francisco Pereira. Um grande estudioso do Cangaço e da cultura nordestina. A paixão de Pereira por esses temas o levou a colecionar e comercializar livros referentes ao Cangaço, Canudos e cultura nordestina. Conversar com o simpático amigo professor Pereira é uma viagem por essa rica cultura de beatos, coronéis e cangaceiros. Já o conhecia via internet e foi uma alegria conversar pessoalmente com ele e comprar uma dezena de livros sobre o nordeste profundo, seus costumes e crenças.

cajazeiras_geral
Cajazeiras, Paraíba – Fonte – cajazeiras.pb.gov.br

Pergunto ao Pereira sobre o filme “O Sonho de Inacim”, e ele diz que não gostou. Não gostou das liberdades do filme que poderia ser um belo documentário, e não é. Não gostou do pai do menino como cantor brega e achou – como historiador- que o filme presta um péssimo serviço à memória historiográfica nacional ao filmar o padre Rolim num colégio num colégio diferente daquele criado e mantido pelo pioneiro educador Rolim.

“O Sonho de Inacim” – O filme sobre o Padre Rolim

Duzentos anos após o nascimento do padre Ignácio de Sousa Rolim, nascido em 22 de agosto de 1800, o filme o “Sonho de Inacim” resgata a história desse “Educador do Sertão” que viveu na cidade de Cajazeiras, Pb, onde fundou um colégio. O menino Inacim sonha tendo contato com o Pe Botânico e sofre muitas discriminações. Expulso da escola vai para o psicólogo, médico, lançadora de Búzios e deixa a todos perplexos com os seus poderes para-normais. O menino vira celebridade na pequena cidade de cajazeiras já dominada por traficantes. Todas as revelações do menino Inacim são depois confirmadas pelo biógrafo do Pe Rolim, Padre Heliodoro Pires, que escreveu o importante “Padre Mestre Ignácio Rolim”, onde narra o pioneirismo do Pe Rolim no ensino da região da Paraíba. Rolim foi o melhor professor de Grego em seu tempo e a Paraíba teve que lutar para não perder o mestre para Olinda- PE.

folder_1
Fonte – http://rpscom1.blogspot.com.br/2010/11/eliezer-rolim-sobrinho-do-monsenhor-ze.html

O naturalista Pe Rolim de descendência sa escreveu os importantes livros “Extracto de Gramática Grega” e “Noções de História Natural”, onde descreve a fauna e flora do Sertão. Do colégio fundado pelo Pe Sábio saíram alguns dos maiores sacerdotes e personalidades do Brasil: O controvertido Padre Cícero Romão Batista, o Cardeal Arcoverde (Primeiro cardeal da América Latina), Peregrino de Araújo (Governador da Paraíba 1900-1904), Irineu Joffily (historiador, jornalista e advogado Paraibano) e outros.

Um belo filme dirigido por Eliezer Filho que resgata a fundação da cidade de Cajazeiras na Paraíba (terra do diretor). A importância na nossa formação e cultura dos padres que aqui chegaram. Um belo elenco, fotografia e a música do Chico César. O som das vozes (mesmo em Dolby) não está muito bom.

padre rolim 1
Fonte – http://noticiasdecajazeiras-claudiomar.blogspot.com.br/2011/08/uma-homenagem-significativamente-ao.html

José Wilker (sempre o mesmo) fez o Pe Rolim. Completa o elenco a excelente Marcelia Cartaxo, como mãe do menino Inacim (Gabriel Batistuta). E o excelente (meu voto de melhor ator) José Dumont – o Miguel do Jegue – toma uma cachaça amuada. O cantor brega Zé das Antas (Fubá) – o pai do menino – deixa a sua mãe e é suspeito de envolvimento com drogas.

Onde estão os restos mortais do padre Rolim, querem saber as autoridades da cidade para comemorar em grande estilo o seu bicentenário em 2000. Ninguém sabe. Inacim diz que o Padre está vivo. Claro, ele está sempre vendo o sacerdote professor e fala com o padre. Vê seu belo museu, etc.

Padre Ibiapina – o “Taumaturgo da Caridade”

Padre Ibiapina nasceu na cidade de Sobral (Ceará) em cinco de Agosto de 1806, seis anos após o nascimento do padre Rolim. Foi um grande peregrino do sertão nordestino e criador de inúmeras casas de caridade. Multidões seguiam seus ensinamentos de amor ao próximo, Mulheres eram acolhidas em suas 22 casas de caridades (dez só na Paraíba) deixadas por ele no Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Piauí e Ceará.

Ibiapina
José Antônio Maria Ibiapina, o Padre Ibiapina – Fonte – http://3.bp.blogspot.com/-dSexDaPLkGw/T7uHtOENRbI/AAAAAAAACN0/y7tug6IKBbc/s1600/Ibiapina.JPG

O padre Ibiapina foi o precursor de um catolicismo popular, inspirador de Antonio Conselheiro, Padre Cícero e de muitos outros padres, beatos ( Gedeões) e missionários. Um grande educador do nordeste deixou marcas profundas num séquito de fiéis seguidores, Nas casas de caridades as mulheres abrigadas aprendiam a ler, a contar, Aprendiam cozinhar, artesanar e recebiam também uma educação religiosa e moral. Quantos recém-nascidos não foram deixados na “ Roda dos Enjeitados” ou Expostos e abrigados pelas caridosas do padre educador da Paraíba e de todo nordeste brasileiro.

Padre Ibiapina realizou missões, organizou o povo humilde pólvora dos coronéis, conciliou intrigas, levantou e restaurou igrejas e capelas. Construiu em mutirões, o refrigério do nordeste: açudes, cacimbas e barragens.

O escritor e amigo Bartolomeu ganhou de herança e forneceu a um amigo uma bandeira daquelas usadas nas missões evangelizadoras do grande padre Ibiapina.

No dia 19 de fevereiro de 1883 falece o apostolo Ibiapina e seu tumulo está situado em Santa Fé, Paraíba.

Padim Ciço

O destino motivador da nossa viagem era o Juazeiro do padre Cícero Romão. Juazeiro, árvores que abriga o nordestino do sol inclemente, Já do hotel avistávamos a grande estátua do nosso Padim Ciço. A chegada ali foi coberta de grande emoção e sentimentos que amolecem o coração mais empedernido. Centenas e centenas de ônibus trazem os penitentes numa segunda feira imprensada, véspera do feriado da padroeira do Brasil. Tudo na cidade vive em função do padre Cícero e de suas pregações seguidas por uma multidão de fieis de todo o Brasil. Nordestinos eternamente pregados na cruz de uma terra seca e um sol inclemente.

IMG_20150903_152728347
Padre Cícero Romão Batista

Subimos a serra do horto cheio de penitentes e vendedores da fé, Imagens, fitas do padim Santo e velas para acender e rezar. Ouvem-se muitas rezas e loas em homenagem ao santo do nordeste.

Na casa de orações – ao lado – muitos ex-votos de madeira e fotos, A estátua do padre Cícero ao lado da beata Maria de Araújo, que em 1891 deixou a todos estupefatos quando a hóstia ficou vermelha em sua língua.

Romeiros com suas túnicas marrons, A ordem dos penitentes com seus costumes medievais e seguidores que se flagelam e entoam benditos. Tudo isso compõe um cenário de fé e de uma cultura viva, para alem das discussões acadêmicas sobre a beatitude e comportamento coronelístico do padre Cícero.

Multidões sobem as escadas para chegar mais perto da estátua do padre. Estátua que olha e abençoa o Cariri e seus devotos. Subo também e fico comovido com tanta fé e adorações. Assino meu nome no pé da estátua gigante. Muitos outros assinam formando um manto de letras e preces abençoadas pelo sacerdote nordestino.

Desço e digo para os meus amigos que ficaram em baixo que me sinto purificado. Um responde que estar cansado. Outro diz que tem sede.

É hora de voltar. Promessa cumprida. Muitos pedintes aproveitam para receber um dízimo dos beatos que rezam, pagam promessas e pedem pelos seus entes vivos e mortos.

Autor – João Da Mata

Professor de Física da UFRN. Amante da Literatura, dos Livros das Artes.

Fonte – http://www.substantivoplural.com.br/viagem-ao-sertao-dos-missionarios-do-nordeste-padres-rolim-ibiapina-e-cicero/