ÍTALO BALBO – O VOO ÉPICO E O BANHO DE MAR DO PILOTO ITALIANO EM NATAL

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

O que significa essa foto com essas pessoas em uma praia? Quando e onde ela foi feita? Quem são as pessoas que estão nessa foto?

Artigo originalmente pulicado na Revista Bzzz Número 110, nov. e dez. 2024, páginas 20 a 29.

Ela foi realizada em 10 de janeiro de 1931, na praia de Areia Preta, Natal, e entre os que foram fotografados estava a matriarca de uma das mais importantes famílias potiguares, Branca Pedroza, e seus três filhos, cujo um deles seria prefeito da capital potiguar e governador do Rio Grande do Norte, Sylvio Piza Pedroza. Já os homens clicados eram dois italianos, dos mais importantes aviadores do mundo naquela época e que lideraram uma esquadrilha de doze hidroaviões hidroavião Savoia-Marchetti S.55A que voaram desde a Itália até Natal, em um voo de grande destaque mundial. Além disso, eles trouxeram do seu país o presente mais importante que Natal já recebeu em sua História, a Coluna Capitolina. Esses homens também eram membros proeminentes de uma ditadura que propagava uma ideologia política nefasta, de caráter ultranacionalista, fortemente autoritário e altamente sanguinário. Era o fascismo implantado por Benito Mussolini na Itália. Ítalo Balbo era Ministro da Aviação desse governo, sendo um dos principais executores da política de aviação italiana no período fascista..

Balbo e sua equipe iniciaram no final da década de 1920 diversos estudos para a realização de grandes voos com várias aeronaves, algo até então nunca realizado e que repercutiria nas ações da Itália Fascista em todo o mundo. Um desses voos teve como destino o Brasil.

No dia de Natal de 1930, Balbo e seus comandados chegaram na Ilha de Bolama, no arquipélago dos Bijagós, na Guiné Portuguesa, atual Guiné Bissau. Ficaram alguns dias realizando testes de decolagem e, com o resultado dessas provas, na madrugada de 5 de janeiro de 1931, segunda-feira, decolaram para várias horas depois amerissarem no Rio Potengi, em Natal. No percurso, houve problemas sérios com perdas de aeronaves e a morte de cinco homens.

O hidroavião Savoia-Marchetti S.55A – Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Enquanto eles realizavam seu voo, em Natal, na Catedral de Nossa Senhora da Apresentação, na Praça André de Albuquerque, foram colocadas no alto da sua única torre duas grandes bandeiras do Brasil e da Itália. Escoteiros se posicionaram naquele local equipados com binóculos e lunetas. Tinham ordens expressas para quando avistassem as primeiras aeronaves informassem imediatamente o sineiro da velha igreja, que começaria a badalar os sinos pesados para que o povo fosse informado da chegada dos hidroaviões Savoia-Marchetti.

Pessoas se aglomeraram no cais do Porto de Natal, na Av. Tavares de Lira e nos prédios e casas às margens do Rio Potengi. Quem tinha alguma coisa que flutuasse estava dentro do rio, o que deu muito trabalho para o pessoal da Capitania dos Portos, pois o plácido Potengi tinha de ser liberado para a amerissagem das aeronaves.

O general italiano Aldo Pellegrini havia desembarcado em Natal no começo de dezembro para preparar a chegada de Balbo e dos seus aviadores. No dia 5 de janeiro esse militar ficou muito tempo em uma estação de rádio montada pelo Telégrafo Nacional no bairro do Alecrim, na Rua Coronel Estevão. Paulo Pinheiro de Viveiros nos conta em sua placa denominada “Presença de Roma em Natal” (1969), que essa estação possuía transmissores de ondas curtas de 250 e 500 watts e o responsável era Augusto Mena Barreto. Quando ficou certo que as aeronaves estavam chegando, o general Pellegrini foi para a Ribeira e por onde ou recebeu manifestações entusiásticas de carinho.

Os jornais comentaram que várias pessoas vieram de outros estados para acompanhar a chegada da esquadrilha italiana. Sei que por aqui se encontravam Antenor de França Navarro, então Interventor Federal da Paraíba, acompanhado de vários elementos do seu governo. Por volta das três horas o comércio e as repartições públicas fecharam suas portas e a massa de gente cresceu nas ruas. Finalmente, por volta das quatro horas os escoteiros na catedral viram surgir em direção ao norte os primeiros hidroaviões S.55A e logo os sinos começaram a badalar.

“Giovinezza” no Rio Potengi

Hidroavião italiano no Rio Potengi– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Antes mesmo de colocarem os pés na terra, flutuando a bordo dos S.55A no Rio Potengi, Balbo e seus homens ouviram um outro som, esse mais familiar, que os deixaram maravilhados. Assim Balbo falou: “As alegres fanfarras de “Giovinezza” já tocam e saúdam nossa vitória”. A “Giovinezza” era o hino oficial do Partido Nacional Fascista Italiano e no cais da Tavares de Lira ela foi tocada pela Banda da Polícia Militar.

Desembarque de Ítalo Balbo em Natal. Fernando Pedroza é o segundo da direita para a esquerda– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Balbo e a maioria dos seus homens desembarcaram trajados à moda fascista – calças brancas, camisas negras, luvas e botas marrons. Os jornais apontaram que o ministro italiano foi apresentado com ar fatigado, olheiras, mas afável, sorridente e a todo momento externando agradecimentos. Em meio às autoridades brasileiras e italianas que receberam os aviadores, estava o industrial Fernando Gomes Pedroza, um apaixonado pela aviação.

A Esquadrilha Balbo no Rio Potengi– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

O comandante afirmou em seu livro que desembarcou muito cansado e sem demora foi logo de carro para a Vila Cincinato, residência oficial do governador do Rio Grande do Norte. Uma verdadeira carreata, na época chamada de “corso de carros”, seguiu atrás do veículo do comandante italiano. Após chegar à residência, Balbo se trancou e foi descansar, mas lá fora uma multidão se formou na calçada para tentar ver o líder fascista italiano. Já os oficiais ocuparam a antiga sede da Escola Doméstica, na Praça Augusto Severo, que estava toda ornamentada, iluminada, com várias bandeiras italianas e brasileiras e sem alunas, pois estavam de férias. Os sargentos foram alojados num prédio recém-construído pela istração do porto. Esses últimos almoçaram no Hotel Avenida, na Tavares de Lira, pertencente ao “majô” Theodorico Bezerra.

Camisas Negras no Palácio Potengi

No outro dia, Ítalo Balbo foi até a sede do Telégrafo Nacional, na Av. Tavares de Lira, 88. Ali foi atendido por Augusto Gonçalves Marques, chefe da estação, onde Balbo lhe agradeceu o apoio nas comunicações durante o voo e depois ou a enviar telegramas. Consta que o primeiro foi para Alberto Santos Dumont, na França, com os seguintes dizeres: “Tocando na sua bela terra depois de um voo transatlântico, eivo-vos, pioneiro das empresas aeronáuticas, a minha calorosa saudação”. O segundo telegrama foi para Mussolini, onde transmitiu as últimas notícias e informou que os membros da esquadrilha “voltavam o seu pensamento devotado ao Duce”. Finalmente escreveu para o ditador Getúlio Vargas uma mensagem de agradecimento, mas sem tantos salamaleques.

O contratorpedeiro Lanzerotto Malocello– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Natal estava em verdadeiro êxtase. Para aonde Balbo e seus homens seguiram eram acompanhados por muita gente. Na agem dos aviadores o povo ecoava vários “Vivas” a Balbo, Mussolini e à Itália. O movimento das pessoas foi tão grande que até os soldados do 29º Batalhão de Caçadores do Exército fizeram a guarda e a contenção nos locais onde eles se hospedaram e circularam. Enfim, eram figuras de destaque em todos os jornais do mundo e com uma atração que hoje em dia, talvez, só se compare às astronautas. Uma noite os italianos participaram de um jantar de “50 talheres” na Escola Doméstica.

Atracado no Porto de Natal estava o contratorpedeiro Lanzerotto Malocello. Do seu porão foi discretamente retirado um grande e pesado engradado. Este foi levado para uma área próxima ao porto, onde trabalhadores locais construíram uma grande base de alvenaria com três metros de altura e um imenso círculo no centro.

No Palácio do Governo, os italianos foram recebidos pelo então interventor federal Irineu Joffily e o interventor da Paraíba, Antenor Navarro, que ergueram brindes de champanhe pelo sucesso da empreitada de Balbo e seus comandados. Nessa ocasião, Balbo, general Giuseppe Valle e o coronel Umberto Maddalena estavam vestidos com uniformes de gala, mas vários italianos envergavam as nefastas camisas negras fascistas.

Ítalo Balbo e seus comandados com os interventores Irineu Joffily e Antenor Navarro (de óculos)– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Na noite de 7 de janeiro, todos os aviadores foram para o salão nobre do Aeroclube de Natal, para um recital. Foram recebidos pelo casal Fernando e Branca Pedroza e se juntaram as autoridades, entre essas os interventores Joffily e Navarro. De início, Alberto Roseli, um rico comerciante de origem italiana que vivia em Natal há muitos anos, leu uma saudação a Balbo e aos aviadores. Após, um grupo de alunas do último ano da Escola Normal cantaram entusiasticamente a “Giovinezza”, para delírio e encanto dos militares italianos. Todos se colocaram de pé, cantando o hino com vigor e realizando a saudação fascista.

Depois, houve as apresentações musicais de alunos do Instituto de Música do Rio Grande do Norte, escola fundada pelo maestro Waldemar de Almeida. Entre os que se apresentaram estavam Dulce Cicco, Maria da Glória de Vasconcelos Sigaud, Odila Garcia, Anadyl Roseli, Eurídice Vilar Ribeiro Dantas, Dulce Wanderley, Ivone Barbalho. Waldemar de Almeida tocou ao piano a “Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro”, uma composição do pianista e compositor norte-americano Louis Moreau Gottschalk. Para orgulho de Fernando e Branca Pedroza, o jovem Fernando Pedroza Filho também se apresentou, tocando ao piano as obras “Gavota” opus 123, da compositora e pianista sa Cécile Chaminade, e o Prelúdio nº 20, de Frédéric Chopin.

Balbo e seus comandados cantando a “Giovinezza”– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Outro que se apresentou foi um garoto de nove anos chamado Orianne Corrêa de Almeida, primo de Waldemar de Almeida, que tocou uma “Marcha Militar” de Franz Shubert. Tempos depois esse garoto seria conhecido apenas como Oriano de Almeida e se tornou um dos maiores pianistas da história da música brasileira. Segundo me informou o professor Claudio Galvão, autor do livro “O Céu Era O Limite: Uma Biografia De Oriano De Almeida” (2010), não dá para cravar que essa exibição no Aeroclube em 7 de janeiro de 1931 tenha sido a primeira de Orione, provavelmente ele já tinha feito outras em Natal, mas o garoto chamava atenção pela precocidade que, talvez, tenha visto Balbo e seus comandados.

A Coluna Romana

No dia 8 de janeiro de 1931, uma quinta-feira, foi seguramente o mais movimentado dos italianos em Natal. De manhã cedo ocorreu a missa campal presidida pelo Bispo Dom Marcolino Dantas, com saudação aos aviadores que chegaram a Natal, homenagem aos que morreram na travessia e também a memória do falecido aviador italiano Carlo Del Prete, que esteve em Natal em 1928 junto com o colega Arturo Ferrarin. Estavam presentes todos os tripulantes dos hidroaviões, os militares do Lanzerotto Malocello, autoridades potiguares e italianas, além de uma multidão de natalenses, principalmente os moradores da região da Ribeira e das Rocas. Durante a realização da missa, uma aeronave Breguet, da companhia de aviação sa Latécoère, fez evoluções sobre a audiência e a multidão. Então, novamente a “Giovinezza” foi excetuada na capital potiguar e dessa vez pela banda do 29º Batalhão de Caçadores. Realmente esse hino, que não era o hino oficial do então Reino da Itália, estava fazendo um sucesso danado por aqui.

A Coluna Capitolina em Natal– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Em seguida, Dom Marcolino benzeu uma Coluna Romana de estilo coríntio, feita de mármore cinza, com cinco metros e oitenta centímetros de altura, uma base de três metros quadrados e confeccionada há mais de dois mil anos. Ela foi originária do Templo de Júpiter, na Colina do Capitólio, ou Monte Capitolino, uma das sete elevações sobre as quais foi fundada a cidade de Roma. Essa era uma das quatro colunas romanas existentes no Novo Mundo e foi um presente do regime de Benito Mussolini à cidade do Natal. Inclusive, a razão oficial para Natal receber um presente tão interessante e importante tinha relação com a agem de Del Petre por aqui.

Após Ferrarin e Del Petre partirem de Natal em seu voo histórico de 1928, ocorreu um acidente aéreo no Rio de Janeiro e Carlo Del Petre faleceu, fato que gerou enorme repercussão mundial. No ano seguinte Arturo Ferrarin lançou um livro intitulado “Voli por Il Mondo”, onde conta detalhes do voo e descreveu de maneira muito positiva sobre como agiu o Governo do Brasil em relação a morte de Del Petre e como ele e seu amigo foram recebidos em Natal. A repercussão dessa obra então teria gerado no governo Mussolini, ao menos em parte, o desejo de realizar a doação da coluna romana para Natal. Evidentemente que razões estratégicas, ligadas à expansão da aviação comercial italiana no Brasil, também explicaram a doação desse importante monumento histórico.

Rota do voo da Esquadrilha Balbo – Fonte – Arquivo do autor..

Após a missa, Balbo e os militares italianos estiveram na Praça Augusto Severo, onde prestarem uma homenagem ao aviador potiguar, que morreu em seu balão “Pax”, na cidade de Paris em dia 12 de maio de 1902. Balbo solenemente colocou uma coroa de flores na base da estátua de bronze do antigo aviador, abraçou seu filho Sérgio Severo Maranhão e todos os italianos realizaram a saudação fascista.

A noite, novamente os italianos e a sociedade natalense estiveram no Aeroclube, onde os italianos foram apresentados a dança do Maxixe. Conhecido como “Tango Brasileiro”, o Maxixe era uma dança de salão onde um casal se apresentava com bastante sensualidade dos movimentos corporais, o que causou grande furor na arcaica sociedade brasileira. É bem verdade que no início de 1931 essa dança andava meio fora de moda nas grandes cidades brasileiras, mas naquela noite no Aeroclube ninguém se importou muito com isso. Bem, tudo indica que nessa noite, enquanto a maioria dos aviadores assistiam, ou se arriscavam, no Maxixe no Aeroclube, o comandante Ítalo Balbo e alguns poucos oficiais se dirigiram para a casa do rico industrial potiguar Fernando Pedroza.

Fonte – Arquivo do autor.

E o Banho na Praia de Areia Preta?

A mansão dos Pedroza se localizava onde atualmente existe o encontro das Avenidas Nilo Peçanha e Getúlio Vargas, bem próximo do Hospital Universitário Onofre Lopes. Então, para saber mais desse encontro e sobre os anfitriões, procurei o funcionário público Antônio Carlos Magalhães Alves, mais conhecido em Natal como Toninho Magalhães, filho de Elza Pedroza e neto de Fernado e Branca Pedroza. Toninho me narrou que seu avô Fernando Gomes Pedroza nasceu em 30 de março de 1886, no chamado Casarão dos Guarapes, na zona rural da cidade potiguar de Macaíba. A família Pedroza possuía muitos recursos, tendo Fernando ido estudar na Inglaterra e junto com ele seguiu o natalense Manoel Augusto Pereira de Vasconcelos. Um dia Fernando e Manoel viajaram para a Suíça, onde duas irmãs de Manoel estudavam em uma tradicional escola feminina daquele país. Nesse encontro, Fernando conheceu uma moça chamada Branca Fonseca Toledo Piza, natural de Sorocaba, São Paulo e amiga das irmãs de Manoel. Não demorou e o namoro começou entre Fernando e Branca, tendo logo resultado em casamento. Vieram viver em Natal e Fernando Pedroza cresceu na exportação de algodão, a principal fonte de riqueza do Rio Grande Norte durante décadas.

Poster do voo da Esquadrilha Balbo entre a Itália e o Brasil – Fonte – Wikipedia.
Toninho Magalhães fala sobre a recepção pelos seus avós Branca e Fernando Pedroza – Foto – Rostand Medeiros

Certamente deve ter sido um encontro bem interessante e positivo. Tanto que no outro dia, 10 de janeiro, enquanto Balbo e seus oficiais aguardavam a chegada do último S.55A de Fernando de Noronha, ele e o coronel Umberto Maddalena foram aproveitar a praia de Areia Preta. Estavam acompanhados de Dona Branca Pedroza, seus filhos Fernando, Sylvio Piza Pedroza e a caçula Elza Piza Pedroza, e quem fez a foto foi Fernando Pedroza. Todos se mostram muito alegres e molhados, realizando aquilo que é muito normal e natural aos natalenses – Levar para as nossas belas e calientes praias, os visitantes que vem de perto e de longe. Ali já não estavam mais dois dos membros mais importantes do Partido Fascista Italiano e renomados aviadores do seu tempo. Eram apenas dois turistas italianos deslumbrados com nossas belezas naturais e recebendo atenções que tão bem sabemos ofertar a quem nos visita.

Ítalo Balbo em foto após o voo para o Brasil – Fonte – Arquivo do autor.

Já Ítalo Balbo, após completar com sucesso o voo para o Brasil, realizou entre julho e agosto de 1933 um voo com vinte e cinco hidroaviões S.55X, com destino final aos Estados Unidos, sendo essa uma empreitada de enorme repercussão internacional. Balbo levou adiante a construção de um culto político em torno da aviação, tendo alcançado enorme popularidade em todo o planeta, mas sendo considerado politicamente um forte rival de Mussolini. Então a situação de Balbo começou a declinar ante o Regime Fascista.

O final do voo da Esquadrilha Balbo foi no Rio de Janeiro– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

1972 – O QUE FOI O PACTO DE HONRA NA GUERRA DAS FAMÍLIAS ALENCAR E SAMPAIO DE EXU, PERNAMBUCO, FIRMADO NO BATALHÃO DE INFANTARIA DE GARANHUNS?

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial e a deposição do ditador Getúlio Vargas, teve início o processo de redemocratização no Brasil, que, infelizmente levou a inúmeras disputas políticas e conflitos pelo país afora. Na região de Exu[1], sertão de Pernambuco, não foi diferente.

Em 24 de dezembro de 1946, na segunda página do jornal recifense Folha da Manhã surgiu a manchete abaixo, verdadeira profecia do que iria então ocorrer naquela cidade.

Nesse jornal existe a transcrição de um telegrama de Romão Filgueira Sampaio Filho (21/08/1887 – 10/04/1949)[2], conhecido como coronel Romão Filho, ou ainda Seu Romãozinho, sobre o clima político existente na cidade. O telegrama foi enviado ao então deputado federal Agamenon Magalhães, ex-governador de Pernambuco entre 1937 a 1945 e que seria novamente governador pernambucano entre os anos de 1951 e 1952.

Prossegue, sem interrupção, as violências e ameaças desencadeadas no interior do Estado contra os elementos do Partido Social Democrático[3]. Ontem outros telegramas foram enviados ao deputado Agamenon Magalhães, nos quais os signatários, pertencentes ao partido majoritário ou dele simples simpatizantes, denunciam novas ameaças e agressões cometidas pelas autoridades policiais e prefeitos udenistas[4]. Foram os seguintes os despachos dirigidos ao deputado Agamenon Magalhães:

EM EXU – José Aires de Alencar Sete, indicado cargo de comissário de polícia, manteve durante a feira local atitude hostil, intimando eleitores, tendo agredido João Pereira de Carvalho e Expedita Sampaio, funcionários demitidos em ato arbitrário do prefeito. Levei ao conhecimento do caso ao juiz, pontuando lamentáveis incidentes. Provável e iminente hecatombe. Saudações. Romão Sampaio Filho.”

Notícia original dos trágicos acontecimentos do Domingo de Ramos de 1949 em Exu.

Dois anos e quatro meses após a publicação dessa notícia, mais precisamente as oito da manhã do dia 10 de abril de 1949, em plena Semana Santa e no Domingo de Ramos, o badalar dos sinos da missa do Padre Mariano de Souza Neto foi diminuído pelos disparos de armas de fogo, em um tiroteio que deixou mortos Romão Sampaio e Cincinato de Alencar Sete (23/11/1889 – 10/04/1949), conhecido como Seu Sete[5].

Esses homens eram os chefes das famílias Alencar e Sampaio, as duas principais da cidade de Exu e eram compadres. O primeiro foi morto por José Aires de Alencar, conhecido como Zito Alencar, então com 23 anos e filho de Cincinato Alencar. Comentou-se que Romão Sampaio engraxava os sapatos quando foi morto e outros dizem que caminhava quando discutiu com Zito e este lhe deu dois ou três tiros na cabeça.

Padre Mariano de Souza Neto, pároco de Exu durante a maior parte do período que ocorreram os conflitos.

Após essa morte e ainda naquele mesmo dia, Cincinato tombou ao receber vários tiros de rifle e revólver. Este foram disparados respectivamente por Aristides Sampaio Filgueira Xavier, filho do coronel Romão e suplente de deputado estadual pelo PR – Partido Republicano, e o então prefeito da cidade Otacílio Pereira de Carvalho, genro do coronel Romão e cunhado de Aristides. Ficaram feridos no tiroteio o prefeito Otacílio, na perna e sem gravidade, e Franscisco Aires de Alencar, esse último filho de Cincinato, que ficou paralítico e preso a uma cama pelo resto de sua existência[6]. Consta que também foi atingido com gravidade o cidadão de nome José de Miranda Parente[7].

Otacílio foi acusado de ter disparado seis tiros a queima roupa em Cincinato Alencar[8]. Mas as fontes divergem quando o assunto é quantos disparos mataram esse homem, com algumas apontando 11 tiros e outras que pulam para 23. O enterro dos dois líderes foi no mesmo dia, mas em horas diferentes para evitar mais mortes[9].

Francisco Aires de Alencar e sua cama oltada para a rua em Exu.

Para muitos as querelas políticas locais foram as principais causas do início das questões de sangue entre os Alencar e Sampaio em Exu no ano de 1949, mas existem outras versões.

Uma delas dá conta que na época havia sido recentemente instalada uma difusora de notícias em Exu, o serviço de autofalantes espalhados na cidade, as populares “bocas de ferro”. Ocorre que começou uma troca de mensagens divulgadas por esse serviço, todas de cunho político, entre adversários das duas famílias e o clima foi esquentando. As mensagens foram ficando mais ácidas e pesadas, deixando a “a de pressão” no limite, até descambar na tragédia do Domingo de Ramos de 1949.

Existe também a versão de um caso que envolveu uma pretensa traição matrimonial, junto com o uso da violência. Consta que Antoliano Aires Alencar comentou que uma parente sua, mulher casada, estava traindo o seu marido com Aristides Sampaio, o filho vingador do coronel Romão. Então, o que aparentemente era só um boato, um fuxico besta, acabou por gerar uma tremenda surra em Antoliano Alencar nas proximidades de sua propriedade. E houve mais – além de surrado, Antoliano foi amarrado e obrigado a engolir pedaços de páginas de jornais misturados com urina. Uma versão afirma que então Zito Alencar teria ficado possesso com a situação e tomou as dores do parente. Foi pessoalmente reclamar do caso com o coronel Romão Filho, que nada fez. E aí veio os crimes do dia 10 de abril de 1949.

Cemitério de Exu.

Seja lá quais forem as reais e corretas versões, a tristemente lembrada “Guerra do Exu” teve início naquele Domingo de Ramos de 1949. Ao longo dos anos muitas covas seriam abertas no Cemitério São Raimundo e muito choro seria derramado.

O Cenário das Lutas

A cidade de Exu começou a sua história nos primeiros anos do século XVIII, com os contatos entre os vaqueiros de uma fazenda vinculada à Casa da Torre, de possíveis proprietários baianos, com o povo indígena Ançu ou Açu, identificado com a nação Cariri e que viviam nas vizinhanças[10].

Exu e ao fundo o Serrote do Alto Grande.

Consta que os índios levaram esses vaqueiros até às suas tabas e estes informaram aos seus patrões que nas terras onde moravam os indígenas existiam fontes de água e terrenos de boa qualidade para o cultivo e criação. Anos depois chegaram alguns freis jesuítas, que ali permaneceram por certo período. Em 1734 foi constituída a Freguesia do Senhor Bom Jesus dos Aflitos, com um abrigo e uma capela, tendo com isso se desenvolvido o núcleo populacional local.

Em Exu circula a ideia que entre os primeiros colonos a penetrarem em terras que compõem atualmente esse município pernambucano estava o português Joaquim Pereira de Alencar, anteado do escritor e político cearense José de Alencar e avô do Barão do Exu[11]. Após o fim da Revolução Pernambucana, ou Revolução dos Padres (6 de março a 20 de maio de 1817), ocorreu em Recife a prisão da comerciante e revolucionária Bárbara de Alencar (1760 – 1832), exuense descendente dos primeiros colonos portugueses que se estabeleceram na região e considerada a primeira presa política do Brasil, marcou sua existência com muitas lutas. Em consequência sua Fazenda Caiçara foi confiscada e ela e outros membros da sua família só foram libertados da prisão em 1820[12].

Em março de 1846 o povoado de Exu era elevado à categoria de vila e em 7 de julho de 1885 a município.

Banho de Sangue

Mas voltando as questões ocorridas no século XX, com a morte dos antigos líderes políticos a família Alencar despontou nos pleitos municipais e seus membros assumiram o domínio político de Exu. A partir de 1950 elegeram todos os prefeitos e garantiram sempre a maioria dos nove vereadores da Câmara Municipal. Diziam que “não perdiam nem eleição de quermesse e pastoril”.

Em 1956 Juarez Aires de Alencar, filho de Cincinato e irmão de Zito Alencar, encontrou na cidade do Crato, Ceará, com o agora ex-prefeito Otacílio Pereira de Carvalho e aquilo lhe esquentou o sangue. Enfim, não era fácil encontrar com um dos assassinos do seu pai e tentou pegar sua arma. Mas naquele dia Otacílio não perdeu tempo com meditações e abriu fogo. Deu dois tiros secos e rápidos que mataram Juarez. Vale frisar que Otacílio aria por dois julgamentos e seria absolvido em ambos.

Notícia do resultado do julgamento de Otacílio Pereira de Carvalho.

Em 1957, em um final de tarde de um dia de feira, Francisco Vaqueiro, ajudante de Antoliano Alencar e tido pelas autoridades como pistoleiro, foi morto em Exu com quatro tiros e seus pretensos assassinos foram os irmãos Janilton e Javilmar Sampaio Peixoto e um primo de nome Delmar. Nessedia, como medida de precaução, ninguém saiu as ruas quando escureceu e o bilhar ficou vazio e sem conversas.

Então houve um momento de calmaria, de paz provisória, onde segundo escreveu o repórter Ricardo Noblat “Esse período de tranquilidade em Exu foi farto de casamentos entre os membros dos dois grupos e também de alianças políticas[13]. E quando veio a Revolução de março de 1964, o período da Ditadura Militar, em Exu só existia o partido do Governo Federal, a ARENA – Aliança Renovadora Nacional. E para acomodar os dois grupos foi criada por eles uma divisão local e surgiu a “ARENA 1” e a “ARENA 2”. Completamente desunidas na política local, mas unidas no plano federal.   

Em 1965, apenas pelo ódio latente existente, Antônio Jaílson Sampaio Peixoto foi morto em Exu com onze tiros pelas costas. Os autores foram os irmãos José Audísio Aires Alencar e Canuto Aires Alencar. Antônio Jaílson tinha 19 anos. Essa morte trouxe para luta outras duas famílias – os Aires se ombrearam com os Sampaio e os Alencar com os Peixoto.

Consta que a partir desse último caso, em meio a toda essa sangria, as autoridades pernambucanas despertaram mais seriamente para o problema. O destacamento policial do Exu foi reforçado e foram nomeados delegados com a missão de restaurar a paz na cidade. Mas logo as mortes se sucederam.

Blitz policial perto de Exu.

Em 1966, Getúlio Coutinho morreria em Exu com tiros disparados por Adauto Alencar Filho. No ano seguinte Raimundo Canuto de Alencar morreu no centro de Exu, diante de um clube local, com cinco tiros disparados pelos primos Jamilton Peixoto Sampaio e Carloto Peixoto. Esse crime ocorreu no dia 13 de agosto de 1967 e a viúva de Raimundo, Gilvandete Canuto de Alencar, ficou com a responsabilidade de cuidar de nove filhos. Ainda em 1967, Jeová Colombo Coutinho, muito ligado a família Sampaio, trocou tiros com Raimundo Aires Alencar Ulisses, tendo ambos saídos feridos. Colombo com dois balaços e Raimundo com um.

Alguns anos depois, no dia 20 de fevereiro de 1972, um domingo, João Wagner Canuto Alencar (um dos filhos de Raimundo Canuto), de 23 anos, foi morto a tiros por Romeu Soares de Oliveira Sampaio, o Romeuzinho, um menino de 16 ou 17 anos. Em depoimento ao Jornal do Commercio, de Recife (edição de 15 de setembro de 1972, pág. 8), sua mãe Gilvandete Canuto de Alencar afirmou que Romeu teria tido o apoio de outros membros da família Sampaio. Comentou ainda que seu filho foi morto com tiros pelas costas quando concertava um Jipe, em frente ao posto de gasolina de Exu.

Não demorou e o troco chegou. Na tarde de 30 de abril de 1972, José Sampaio de Oliveira, pai de Romão Sampaio e tabelião de Exu, foi atacado por dois pistoleiros e levou cinco ou seis tiros, mas incrivelmente sobreviveu. Contaram outros 16 buracos de balas na parede de sua casa e os autores foram dois jovens. Um deles fugiu sem deixar rastro e o outro foi até preso, mas fugiu da cadeia. José Sampaio ficou com uma das balas na barriga e se mudou para a cidade pernambucana de Serrita, reduto dos Sampaio.

Enquanto isso o povo do Exu vivia rezando todos os dias para ver se Deus acabava com aquelas lutas. Quase ninguém ia ver filmes nos cinemas São Paulo e Alvorada e na feira, ponto de concentração da economia do município, o movimento diminuiu cerca de 40% e a arrecadação da prefeitura caiu 1/3 naquele 1972 pavoroso. Consta, segundo informou o coletor público Wilson Saraiva aos jornalistas, que a arrecadação do ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) caiu 35% em meio aos tiroteios.[14] A luta dividiu a tudo e a todos. Os Sampaio só frequentavam o Clube Recreativo 8 de Setembro e os Alencar o CEE – Clube Estudantil do Exu. A Praça da Bomba era o ponto de encontro dos Sampaio e a Praça Aprígio Pereira era o reduto dos Alencar[15].  E tem um detalhe – A intensa Exu tinha apenas 5.000 habitantes em 1972.

Quatro meses depois do atentado a José Sampaio, no dia 19 (algumas fontes dizem 20) de junho, foi a vez de Adauto Alencar ser morto. Este era solteiro, com 30 anos de idade e filho adotivo de Antoliano Alencar. Foi atingido quando seu irmão, o engenheiro agrônomo João Oldan de Alencar, parou a sua camionete C-10 e Adauto desceu para abrir uma porteira da fazenda do seu pai, a Romana (ou “Rumânia”). Recebeu apenas um tiro nas costas, disparado de um rifle Winchester 44 e seu irmão testemunhou tudo. Segundo Oldan, que não foi ferido e nem viu o atirador, depois que seu irmão recebeu o disparo ele ainda sacou do seu revólver e deu três tiros a esmo, caiu gritando de dor e faleceu. No local onde ficou o atirador de tocaia foi encontrado um verdadeiro esconderijo camuflado por ramos de árvores, onde havia restos de comida, uma cama improvisada e outros objetos, mostrando que o assassino ou alguns dias na posição para executar seu plano malévolo. Nunca foi mencionado em documentação ou na imprensa quem disparou contra ele, mas lembremos que Adauto foi acusado da morte de Getúlio Coutinho em 1966[16].

Situação da Justiça em Exu na época dos conflitos.

Em 17 de agosto de 1972, uma quinta-feira, o fazendeiro Jeová Colombo Coutinho, ligado aos Sampaio, saiu de casa cedo com o propósito de seguir até o Crato, porém, na altura da Fazenda Cachoeira, ele foi obrigado a parar seu veículo para retirar algumas pedras e troncos de madeiras colocados na estrada. Logo uma saraivada de tiros se abateu contra ele. Mesmo ferido o fazendeiro ainda sacou seu revólver e revidou à agressão, não conseguindo, no entanto, ferir ou identificar os atacantes. Atraídos pelos disparos, os empregados da fazenda Cachoeira correram até o local e encontraram Jeová Colombo Peixoto todo ensanguentado e de revólver em punho. Ele foi conduzido até Exu, onde membros da família Sampaio o removeram para o hospital do Crato. No local da emboscada descobriram cabaças com água, uma sandália japonesa meio cortado e restos de comida. Ninguém foi preso[17]. Existe a informação que Jeová levou 20 tiros e ficou paralítico[18].

Praça no centro da cidade.

O ódio tinha criado raízes. Por Isso, Janilton Sampaio Peixoto, irmão de Jamilton e Antônio Jaílson, funcionário público residindo no Recife e istrando o Mercado de Santo Amaro, tombou crivado com nove tiros de calibre 38 no dia 11 de setembro de 1972, uma segunda-feira, quando jantava com a família no restaurante “Palhoça do Melo”. Luiz Alberto e Antônio Aires de Alencar foram acusados de matar Janilton. Existe a informação que eles viviam em Santa Catarina e vieram de lá só para praticar esse assassinato. Deuzimar Ulisses Peixoto, a esposa de Janilton, foi ferida no braço e os dois filhos do casal, crianças de sete e dez anos de idade, presenciaram tudo.

Cruzes nas estradas de Exu.

No dia seguinte, ainda em Recife, defronte ao Edifício Cristina, no bairro do Espinheiro, José Arez Aires de Alencar foi ferido com três tiros efetuados por Vital Sampaio Peixoto e outros homens. O ambulante José João da Silva, que ava pelo local, foi ferido na ação.

Segundo informava o Diário de Pernambuco (edição de 14 de setembro de 1972), que em meio as lutas e como “medida acauteladora”, vários integrantes das famílias Alencar e Sampaio mandaram suas mulheres e filhos menores para outras cidades. E em Exu ficaram “apenas os rapazes que sabem atirar”. E o jornal completava afirmando “As mulheres e filhos dos Sampaio foram para o Crato, no Ceará, e as dos Alencar estão no Araripe”, outra cidade cearense. Mas houve outros problemas. Desde dezembro de 1971 não havia mais festas na cidade e cinco professoras pediram desligamento do MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) de Exu, pois os alunos simplesmente sumiram das salas de aula.

Revista policiual em um veículo que entrava em Exu.

As Manobras em Exu e Bodocó

Foi quando alguém decidiu tomar uma iniciativa para acabar com aquela verdadeira “orgia de sangue”. O então coronel Ivo Barbosa, comandante do 71º Batalhão de Infantaria Motorizada (71º BIMtz), sediado na cidade pernambucana de Garanhuns, foi quem tomou essa iniciativa.

Coronel Ivo Barbosa de Araujo – Fonte – https://71bimtz.eb.mil.br/

Nascido em 19 de maio de 1928, na cidade de Nazaré da Mata, na área da zona da mata norte de Pernambuco, Ivo Barbosa de Araujo foi declarado aspirante a oficial da Arma de Infantaria em 17 de dezembro de 1948, ao concluir o curso de oficial da Escola Militar de Resende, atual Academia Militar das Agulhas Negras, e a partir daí foi galgando os postos do oficialato no Exército Brasileiro.

Soube que a ideia desse encontro começou durante uma manobra militar realizada entre as cidades pernambucanas de Bodocó e Exu e contava com a participação dos membros do 71º BIMtz. Durante quase uma semana (de 18 ao dia 24 de setembro de 1972) circularam nessa área com seus jipes e caminhões REO 6×6, um total de 379 militares (19 oficiais e 360 praças). Houve na verdade a realização de uma “Operação Presença” do Exército Brasileiro nessa área, que desdobrou em uma ACISO (Ação Cívico Social do Exército) em Exu. O tenente-médico Cláudio Montenegro Gurgel do Amaral e o tenente-dentista Climério Leite fizeram mais de 200 atendimentos e foram realizadas mais de 300 visitas sanitárias nas residências. Até a banda de música do batalhão tocou frevos na praça principal da cidade. Quem também adorou a chegada dos militares foi o comércio exuense, pois eles adquiriram muita comida e outros produtos na cidade e em propriedades vizinhas. Os militares circularam pelas ruas em seus uniformes verde-oliva, capacetes M-1 na cabeça, portando reluzentes fuzis FAL, metralhadoras INA e as famosas pistolas Colt 45, o que deixou Exu na mais absoluta paz durante aqueles dias[19].

Soldado do exército em uma esquina de Exu em setembro de 1972.

O coronel Ivo Barbosa então procurou os líderes das duas famílias e propôs um encontro na sede do seu batalhão, com o objetivo de sentarem frente a frente, dialogarem juntos e encontrarem o caminho da paz. E as lideranças concordaram. Na verdade, aquela proposta acabou sendo praticamente uma ordem, pois os chefes dos Alencar e Sampaio não eram idiotas de se colocarem contra o pedido de um oficial do Exército Brasileiro. Algo que naquela época poderia, talvez, trazer consequências mais complicadas para eles e seus negócios[20].

Mas antes até de ocorrer o encontro nas dependências do 71º BIMtz, um outro ato de violência foi praticado. José Aires de Alencar, o Zito Alencar, que matou o coronel Romão Sampaio no Domingo de Ramos de 1949, sofreu um atentado no dia 2 de outubro de 1972.

Soldados do Exérrcito Brasileiro em Exu.

Depois que Zito Alencar matou o coronel Romão ele foi preso, mas fugiu pouco tempo depois (dizem que subornou a guarda). Foi então para São Paulo de avião, onde ali ou alguns anos e existe a informação que teria até se formado. Daí voltou para o Nordeste, onde decidiu viver no município paraibano de Sapé com o nome falso de Adail Pessoa e montou um negócio. Mas nesse dia, ao dirigir na estrada que dava o a essa cidade, cruzou com um veículo Opala vermelho quando, de maneira rápida e inesperada, vários tiros partiram desse carro em direção ao seu, sendo Zito Alencar atingido no pescoço e na mão esquerda. Logo ele pegou um revólver com a mão direita e mandou três balaços no veículo dos pistoleiros, que fugiram. Como estava a apenas a cinco quilômetros de Sapé ele chegou rápido, recebeu apoio e sobreviveu[21].

O Acordo do Quartel de Garanhuns

O coronel Ivo Barbosa, apesar de preocupado, não esmoreceu e preparou seu 71º Batalhão de Infantaria Motorizado para o evento. Mas antes disso enviou para as autoridades em Brasília um relatório sobre o caso e sugeriu que, independentemente da do tal acordo, que em pouco tempo fosse decretada a intervenção federal no município, de forma a torná-lo área de segurança, com um policiamento ostensivo e permanente, onde seria realizado frequentes operações de desarmamento na cidade, nos sítios e nas fazendas. Evidenciando que apenas com à adoção de medidas preventivas e permanentes aquela luta fraticida e sangrenta teria um fim. Mas em Brasília ninguém deu atenção ao seu relatório!

Naqueles tempos complicados não era difícil ver em Exu.

Então, no domingo, 15 de outubro de 1972, ocorreu o encontro dos líderes e integrantes das famílias Alencar e Sampaio. Vejo que só o fato do coronel Ivo Barbosa colocar em uma mesma sala os integrantes daquelas duas famílias desarmados e uns diante dos outros, já poderia ser considerado um enorme êxito.

O maior resultado do comandante do Batalhão da Infantaria de Garanhuns foi ter sido redigido um “PROTOCOLO DE PAZ” constante de dez cláusulas, a ser assinado pelos membros de ambas as famílias. Lendo o documento eu percebo que ele atinge as raias do incrível, que mostra de alguma forma como se desenrolou essa reunião. Olhem abaixo:

Termos do acordo fimado na sede do 71º Batalhão de Infantaria Motorizada de Garanhuns.

Anos depois ao conceder uma entrevista, o coronel comentou que viu o clima em Exu muito tenso, fruto das mortes de muitos pais de famílias e outras pessoas que ali foram executadas. Afirmou que naquela luta jovens perderam a vida estupidamente e que em sua opinião a briga alcançou proporções incontroláveis de violência e barbarismo. Ele afirmou também que conheceu, provavelmente na época das manobras militares, muitos integrantes das duas famílias, que para ele eram homens trabalhadores e sérios, a elite da cidade, mas que estavam envolvidos emocionalmente no conflito e com o coração cheio de ódio. Afirmou que se mostrou chocado com os acontecimentos e apelou aos chefes dos clãs Sampaio e Alencar no sentido que fizessem uma pausa, meditassem e pensassem no futuro dos seus filhos e abandonassem a luta.

Para o coronel as manobras políticas e as intrigas se encarregavam de desencadear o ódio, de dar corpo a violência, de transformar rapazes imberbes em matadores frios e calculistas, justificando seus atos em nome da vingança, sentimento responsável pelo ciclo interminável da luta fratricida — “Matei para vingar, para lavar meu sangue com sangue – Essa era sempre a desculpa e a justificativa para a sucessão de mortes. Em um ambiente onde não há possibilidade de um equilíbrio emocional, os atentados, os homicídios e emboscadas são cometidos como um ato de heroísmo, de bravura, estimulando o derramamento de sangue. Então, a fúria incontrolável e inconsciente dos mais jovens havia se tornado o elemento de continuidade da luta entre os Sampaio e os Alencar.

Muitos fatores contribuíram para esse conflito continuar. As duas famílias lutavam pelo domínio da política partidária em Exu, recorrendo a todos os expedientes para alcançarem seus objetivos. Não esqueçamos as intrigas, a presença dos pistoleiros, os boatos alarmantes e a ausência da Justiça contribuíram muito para o caos. Some também a ideia do “Machismo do sertanejo” e a crença na letalidade fatalista de que “o homem só morre no dia certo”[22].

Segundo foi publicado no jornal carioca O Globo, após o encerramento do encontro, vários membros das duas famílias seguiram para as cidades cearenses de Barbalho, Crato, Missão Velha e Milagres e as localidades pernambucanas de Salgueiro, Araripina, Serrita, Bodocó e, evidentemente, Exu. Eles tinham a missão de conseguir as s dos membros das duas famílias que viviam nesses locais. Até Zito Alencar, que se recuperava do recente atentado em uma cama de hospital na Paraíba, assinou[23].

Policiais em Exu.

Acho que o maior problema desse momento foi que, por conveniência ou medo de estragar o encontro e uma possível paz, não se deliberou em nenhum momento punições para os envolvidos nos muitos crimes praticados. Se o Exército, que era politicamente muito forte nesse tempo, não apontou nenhum aspecto de punibilidade nesse encontro para os mais celerados, acho que só serviu para ampliar a já elevada sensação de impunidade e a certeza que tudo era possível!

Os jornais da época mostram uma certa euforia, torcida mesmo, para que aquele conflito se findasse. Mas…

O Começo do Fim

Mas o compromisso foi quebrado exatamente as uma e meia da tarde de 17 de janeiro de 1973, apenas três meses após o encontro em Garanhuns, quando Raimundo Aires de Alencar Ulisses, então prefeito de Exu, foi assassinado com tiros de revólver na praça principal da cidade, próximo a prefeitura e da Igreja Matriz de Bom Jesus dos Aflitos. Nesse crime ficou ferido com um tiro no pé Antônio Lourenço de Oliveira e foram acusadas seis pessoas. Raimundo Alencar não completou o seu mandato, sendo assassinado quando faltava 30 dias para terminar seu mandato. Deixou quatro filhos e sua esposa Riseuda Parente Aires estava gravida de seis meses[24].

Ao longo dos anos seguintes mais e mais mortes aconteceram, algumas sendo realizadas no Maranhão e até no Rio de Janeiro. Houve novas tentativas de acordos patrocinados pela Igreja Católica, que foram quebrados. Até Luiz Gonzaga, o mais ilustre filho de Exu, tentou com o seu prestígio acabar com aquela sangria. Mas, apesar do respeito que as famílias tinham pelo seu sucesso, não houve maiores resultados.

Luiz Gonzaga tocando para seu pai Januário em Exu. Foto realizada meses antes do falecimento de Seu Januário.

A imprensa pernambucana e nacional divulgava com destaque, muitas vezes mórbido e até mesmo doentio, cada acontecimento sangrento ocorrido em Exu, ou envolvendo os membros das famílias em litígio, o que só gerou problemas para os moradores do lugar. Várias vezes os jornais apontaram Exu como “A Cidade Maldita”. No final da década de 1970, o município foi até cenário das gravações de um documentário chamado “Exu, Uma Tragédia Sertaneja”, dirigido pelo competente documentarista Eduardo Coutinho, que buscou retratar os conflitos locais entre as famílias Alencar e Sampaio, tendo sido exibido no programa “Globo Repórter” e causado muita repercussão. Em meio a tudo isso, várias famílias de Exu se dispersaram pelo Brasil, em uma verdadeira diáspora para terem apenas o direito de viver!

Marco Maciel decreta a intervenção em Exu em 1981.

O fim, ou o começo do fim, só começou de verdade em 9 de novembro de 1981, quando Marco Antônio de Oliveira Maciel, então governador de Pernambuco, assinou a ordem de intervenção estadual no município de Exu e contando com o apoio do Governo Federal. Junto com o então Secretário de Segurança Pública Sérgio Higino Dias dos Santos Filho, decidiram exonerar José Peixoto de Alencar, o prefeito eleito de Exu, e todos os vereadores.

A esquerda o Secretário de Segurança Pública Sérgio Higino Dias dos Santos Filho, junto do major Jorge Luís de Moura, interventor do município de Exu.

Designaram como interventor na cidade o major Jorge Luís de Moura, da Polícia Militar do Estado de Pernambuco. Ficou famosa a foto do major Moura andando pela cidade fardado, com uma valise em uma mão e na outra uma escopeta calibre 12.

O coronel Ivo Barbosa, que esperou nove anos para ver a intervenção do governo chegar ao Exu, o que talvez pudesse ter evitado muitas mortes, alcançou o posto de general de brigada e faleceu, salvo engano, em 2005.

Material do extinto Servição Nacional de Informações (SNI) sobre a intervenção em Exu.

Quem hoje visita Exu encontra um município com mais de 30.000 habitantes, com crescimento estável, uma cidade agradável do sertão nordestino, com um povo muito receptivo, que se orgulha de ser a terra do “Rei do Baião”. Eles gostam de mostrar aos visitantes o Parque Aza Branca, um museu dedicado à vida e à carreira de Luiz Gonzaga, além do Museu Bárbara de Alencar, na casa-grande da Fazenda Caiçara, e os interessantes locais na zona rural para a prática do ecoturismo. Em nenhum momento para um visitante que ali vai se sente o mínimo aspecto de tensão e medo. Mas, definitivamente, os moradores de Exu detestam relembrar esse período complicado da história do seu lugar. E eu não lhes tiro a razão.

Exu atualmente – Fonte – G1-PE.

Por isso, buscando compreender mais do que ali aconteceu em relação aos fatos históricos, foi que pesquisei e escrevi esse texto.

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NOTAS


[1] A denominação Exu, conforme os habitantes da terra, teria duas versões, uma decorrente de uma corrutela do nome da tribo que ali habitava e a outra é a denominação popular de um tipo de vespa que produz mel, cujo nome científico é Nectarina lecheguana, e chamada de “Inxu”, que ao ferroar causa muita dor.

[2] Importante comentar que o coronel Romão Filgueira Sampaio Filho era irmão do coronel Francisco Romão Sampaio, o famoso Chico Romão, o chefe da cidade pernambucana de Serrita e que morreu baleado em 1964. Ambos eram filhos do coronel Romão Pereira Filgueira Sampaio, importante figura política do final do século XIX no extremo oeste pernambucano e sul do Ceará, com o seu poder alcançando desde a cidade cearense de Jardim, até Salgueiro e Serrita, em Pernambuco.

[3] Partido Social Democrático (PSD) foi um partido político brasileiro identificado como de centro e fundado em 17 de julho de 1945 por antigos interventores do Estado Novo nas unidades federadas. Elegeu dois presidentes (Eurico Gaspar Dutra e Juscelino Kubitschek) e dois primeiros-ministros (Tancredo Neves e Brochado da Rocha). Também foi o partido de três presidentes da república que ascenderam ao cargo em função da linha sucessória (Carlos Luz, Nereu Ramos e Ranieri Mazzilli). Foi extinto na ditadura militar, pelo Ato Institucional Número Dois (AI-2), em 27 de outubro de 1965. Ver – https://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Social_Democr%C3%A1tico_(1945) .

[4] Udenista é referente a UDN, ou União Democrática Nacional, um partido político fundado em 1945, de orientação conservadora e frontalmente opositor às políticas e à figura de Getúlio Vargas. Existiu de 1945 a 1965. Ver – https://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_Democr%C3%A1tica_Nacional

[5] Cincinato de Alencar Sete (ou algumas vezes Sette) é como o nome desse Senhor aparece nos registros oficias de bastimos dos seus filhos e até no atestado de óbito de Zito Alencar. Entretanto, em documentos da polícia pernambucana e na imprensa em geral, o nome que surge é Cincinato Sete de Alencar. Preferi seguir os documentos existentes em cartórios. Alguns desses registros apontam que Cincinato tinha a patente de capitão da Guarda Nacional.

[6] A imprensa informou na época que seu nome era Francisco Sete de Alencar. Novamente sigo os documentos em cartório que afirmam seu nome era Franscisco Aires de Alencar. Não consegui descobrir qual foi a real participação de Francisco nesse tiroteio, mas descobri que ele depois de ferido foi se tratar no Crato, Ceará, e de lá veio de avião para o Recife. Consta que faleceu em 1979.

[7] Ver Diário de Pernambuco, edição de 12 de abril de 1949, terça-feira, pág. 3.

[8] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 4 de fevereiro de 1953, quinta-feira, pág. 3.

[9] Ver revista O Cruzeiro, Rio de Janeiro-RJ, edição de 30 de outubro de 1979, págs. 20 a 25.

[10] A Casa da Torre foi o embrião de um grande morgado que se iniciou na capitania da Bahia ainda no século XVI e que, por quase 300 anos, expandiu-se ao longo das gerações dos seus senhores por mais de 400 léguas na Região Nordeste do Brasil — um território que correspondia ao dobro da capitania do Piauí — à custa de guerras de extermínio contra os índios, com escravização destes para trabalharem nas plantações de cana-de-açúcar, nos engenhos e nas criações de animais. A expansão também foi motivada pela busca de metais preciosos, mas sem maiores sucessos. Constitui-se no centro de um expressivo poder militar no período colonial. De 1798 em diante, esteve envolvido nas lutas pela Independência do Brasil. Muitos dos seus membros foram agraciados com títulos de nobreza pelos monarcas Pedro I e seu filho Pedro II – Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Casa_da_Torre .

[11] Guálter Martiniano de Alencar Araripe, primeiro e único barão de Exu (Exu, 18 de junho de 1822 — Exu, 22 de julho de 1889), foi um político brasileiro, coronel da Guarda Nacional e eleito por diversas vezes deputado provincial por Pernambuco – Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Gu%C3%A1lter_Martiniano_de_Alencar_Araripe

[12] Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%A1rbara_de_Alencar .

[13] Ver Revista Manchete, Rio de Janeiro-RJ, edição de 22 de julho de 1972, págs. 126 a 128.

[14] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 5 de julho de 1972, 1º Caderno, pág. 3.

[15] Ver revista O Cruzeiro, Rio de Janeiro-RJ, edição de 30 de outubro de 1979, págs. 20 a 25.

[16] Ver Diário de Pernambuco, edições de quarta e quinta-feira, 21 e 22 de junho de 1972, sempre nas primeiras páginas.

[17] Ver Diário de Pernambuco, edição de sexta-feira, 18 de agosto de 1972, pág. 12.

[18] Ver Revista Manchete, Rio de Janeiro-RJ, edição de 3 de fevereiro de 1973, págs. 123 a 126.

[19] Ver Diário de Pernambuco, edição de domingo, 14 de setembro de 1972, pág. 27.

[20] Ver Revista Manchete, Rio de Janeiro-RJ, edição de 3 de fevereiro de 1973, págs. 123 a 126.

[21] Ver Diário de Pernambuco, edição de domingo, 3 de outubro de 1972, pág. 1.

[22] Ver Diário de Pernambuco, edição de domingo, 3 de setembro de 1978, pág. 15.

[23] Ver O Globo, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta-feira, 20 de outubro de 1972, pág. Anos depois, quando o encontro no quartel de Garanhuns era somente uma lembrança quase irônica, foi a vez de Zito Alencar ser eliminado. Após se recuperar do atentado em Sapé em 1972, Zito decidiu voltar ao Exu e se candidatou a prefeito em 1977, sendo eleito em 1º de fevereiro. Governou Exu por apenas 15 meses, quando em 12 de maio de 1978 foi assassinado com dois tiros na cabeça, sentado na cabine de uma camionete D-10, estacionada defronte a Farmácia São José. O acusado de matar Zito foi o pistoleiro Gérson Lins, o “Joínha”, que na época estava preso na cadeia pública de Juazeiro do Norte, Ceará, mas saiu sem problemas para executar o crime. Na época Gerson confessou à polícia e a imprensa que o mandante da morte de Zito foi Raimundo Peixoto e a “encomenda do serviço” foi de CR$ 30.000,00 (Trinta mil cruzeiros). Depois de suas declarações à imprensa, Gérson Lins afirmou que confessou mediante tortura realizada por policiais, mas essas acusações foram refutadas.   

[24] Ver Diário de Pernambuco, edição de quinta-feira, 18 de janeiro de 1973, pág. 1.

1932 – COMO FOI O ATAQUE DOS “CANGACEIROS-OPORTUNISTAS” NO SÍTIO VACA BRAVA DE BAIXO, EM ACARI, RIO GRANDE DO NORTE

1932 – COMO FOI O ATAQUE DOS “CANGACEIROS OPORTUNISTAS” NO SÍTIO VACA BRAVA DE BAIXO, EM ACARI, RIO GRANDE DO NORTE

Um Caso Desconhecido de Violência Rural no Seridó Potiguar, Onde Encontramos Um Típico Caso de “Cangaço-Oportunismo” no Rio Grande do Norte.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros  

Em um sábado, dia 19 de julho de 2008, junto com o amigo Solon Rodrigues Almeida Neto e sua esposa Raquel Bezerra Mosca, visitamos a região do sítio Vaca Brava de Baixo, zona rural do município de Acari, no Seridó Potiguar. Um lugar que fica a cerca de 12 quilômetros a sudoeste da cidade de São Vicente e a 30 a sudeste da sede do município de Florânia. O objetivo foi pesquisar sobre um pretenso ataque de cangaceiros ocorrido no ano de 1932.

A informação que ocasionou essa viagem surgiu ao folhearmos os antigos exemplares do jornal A República, o principal do Rio Grande do Norte na primeira metade do século XX. Foi na edição de quinta-feira, 25 de agosto de 1932, que soubemos os detalhes do caso, do qual comentaremos mais adiante.

Edição do jornal A República de quinta-feira, 25 de agosto de 1932, foi que soubemos mais detalhes do caso.

Na zona rural de Acari tivemos a oportunidade de encontrar pessoas que tinham um bom conhecimento sobre aquele triste acontecimento. Conversamos com o Senhor João Bezerra dos Santos, então com 90 anos de idade e muito lúcido, bem como com o casal Tomaz Maurício Silva e Dona Josefa Maria da Silva, que na época da entrevista tinham 79 e 64 anos de idade respectivamente. Já o Senhor João dos Santos, com quatorze anos na época dos eventos comentou que nunca esqueceu o medo que os ditos “cangaceiros” viessem a atacar a casa da sua família, que não era muito distante da casa invadida.

De maneira geral o que me contaram foi o seguinte….

Vida Difícil em 1932  

Era madrugada de quinta para a sexta feira de mais uma noite quente e sem nenhuma perspectiva de chuvas no horizonte. Na propriedade Vaca Brava de Baixo o dono Antônio Theóphilo de Carvalho Pinto continuava trabalhando arduamente com a sua família para sobreviver a mais um desastre climático que castigava a sua propriedade e toda a região.

Seca no Nordeste – Fonte – http://vereadorgilsondejesus.blogspot.com.br

Ele já havia ultraado os 70 anos, tinha visto várias secas, algumas bem pesadas e difíceis, como as de 1877 a 1879, que presenciou quando bem jovem. Ou a de 1915, que também alterou toda a economia local. O problema era que naquela madrugada de 30 de junho para 1 de julho de 1932 a sua idade e o cansaço natural de enfrentar tantos contratempos naquele sertão cobravam o seu preço.

Mas Antônio Theóphilo tinha ao seu lado os filhos Antônio e Diavolácio, além das filhas Theresa, Maria, Ernestina, Justina e Josefa. Também contava muito com o apoio da sua mulher Umbelina Ernestina da Silveira Torres, com quem vivia unido nos sacramentos da Santa Igreja desde o século anterior e que teve o prazer de registrar oficialmente no ano de 1902 a sua união na “Lei dos Homens”, perante o Doutor Juvenal Lamartine de Faria, então juiz de Acari, tendo como testemunha seu amigo Cipriano Bezerra Galvão Santa Rosa, da Fazenda Fortaleza[1].

Para Antônio Theóphilo era uma tristeza que a tal da “Rivulução de 30” tenha mandado o Dr. Juvenal, que foi um governador tão bom para o Rio Grande do Norte pra tão longe, exilado na Europa.

Em 23 de maio de 1932 o chamado Batalhão Esportivo desfilava pelas ruas da capital paulista.

E naquele mesmo ano, além da seca que a tudo consumia, lá para os lados de São Paulo o povo daquela terra combatia as forças do governo do Dr. Getúlio Vargas. Diziam que eles queriam se separar do Brasil, mas o que se falava na região da Vaca Brava de Baixo era que até do Rio Grande do Norte foi tropa para combater os paulistas.

Realmente a vida não estava nada fácil naquele 1932 e o que Antônio Theóphilo não sabia era que naquela madrugada tudo iria ficar pior!

O Ataque dos Homens Maus

Seu João dos Santos, homem de uma memória privilegiada na época de nossa entrevista, lembrou que o grupo de bandoleiros chegou na região na “boca da noite”, ou seja, cerca de seis horas da tarde. Aí eles se “amoitaram”, ficaram escondidos para praticar o ataque quando fosse noite fechada.

Senhor João Bezerra dos Santos, então com 90 anos de idade e muito lúcido na época.

Os entrevistados também comentaram que circulou a informação que esses bandidos vieram para a região com uma lista de três casas para serem assaltadas. Foram na primeira, de um cidadão conhecido como “Chico Dondon” ainda na tarde de 30 de junho, mas perceberam que o local se encontrava com várias pessoas e desistiram por medo de alguma reação armada.

Aparentemente foi só na madrugada que a casa do Sítio Vaca Brava de Baixo foi invadida por quatro homens armados, que diziam ser “cangaceiros” e logo começaram a praticar terríveis violências. Gritavam que queriam os 60 contos de réis que o velho Antônio Theóphilo tinha apurado em um negócio recente de terras e que o homem que se apresentava como chefe do bando sabia em detalhes.[2]

Para as pessoas que entrevistei esses bandidos não eram conhecidos na região, mas me comentaram através dos relatos das vítimas e de outras pessoas que eles repetiram várias vezes serem “cangaceiros”. Mas nem os entrevistados e nem o material sobre o crime existente nas páginas de A República informaram se esses homens tinham os materiais típicos que caracterizavam os grupos de cangaceiros errantes.

Casas da região da propriedade Vaca Brava.

Independentemente dessa questão os nossos entrevistados comentaram que as violências foram extremas. Theóphilo, Dona Umbelina, as filhas, Antônio e Diavolácio sofreram bastante. Nessa ocasião dormia na casa um irmão de Dona Umbelina, de nome João Pereira, que também sofreu várias sevícias.

Gritos, empurrões, murros, estocadas com punhais e chutes eram dados em profusão. Logo o que se colocava como chefe do bando ou a ameaçar o fazendeiro Antônio Theóphilo mais fortemente com um punhal. O acossado idoso afirmava repetidamente, mesmo diante das maldades praticadas contra seus familiares, que já não tinha mais o dinheiro em casa.

Mas isso só enfurecia mais e mais o bandoleiro de punhal na mão, que não parava de espicaçar e sangrar o velho. Diante das negativas de Theóphilo, que teimosamente resistia ao interrogatório “a ponta de punhal”, a paciência do “cangaceiro” foi chegando ao fim e logo o homem sucumbiu ao martírio que sofria.

Aquela cena aterrorizou Diavolácio, que de alguma maneira se desvencilhou dos invasores e conseguiu pegar um rifle que existia na casa. Um objeto que os bandoleiros não sabiam da existência e parece que nem se deram o trabalho de procurar.

Conversando em 2008 sobre o assalto da Vaca Brava com o casal Tomaz Maurício Silva e Dona Josefa Maria da Silva, que na época da entrevista tinham 79 e 64 anos de idade

O que consta é que o jovem de arma na mão e carregado do mais puro ódio disparou contra o chefe do grupo, atingindo-o nas costelas, tendo o projétil varado seu corpo. Segundo Seu João me relatou em 2008, Diavolácio só não matou mais gente porque seu rifle de repetição, provavelmente um Winchester, “engasgou” no meio da balaceira.

Nessa hora de confusão outro atingido mortalmente foi João Pereira, o irmão de Dona Umbelina, que estava paralisado diante de toda aquela violência e acabou recebendo um tiro que lhe varou a cabeça. Consta que encontraram essa bala dentro da gaveta de uma cômoda.

Diavolácio correu então para uma parte anexa da casa, em uma espécie de depósito onde se guardava os frutos da produção agrícola e ali encontrou um facão. No meio da escuridão do ambiente gritou “– Posso até morrer, mas ainda mato outro”. Os bandidos compreenderam muito bem a ameaça daquele valente seridoense e debandaram. O ataque chegava ao fim!

Os entrevistados me narraram que após receber o balaço de Diávolácio o chefe do grupo seguiu se esvaindo em sangue e amparado por seus companheiros. Foi conduzido até um lajedo de pedras nas redondezas, onde foi ordenado que um dos bandidos ficasse guardando o cadáver enquanto os outros buscavam os animais para fugirem. Só que os bandidos começaram a demorar e o tal vigilante do morto deixou o corpo ali mesmo e tratou de desaparecer. No final das contas essa ação funcionou positivamente para ele, pois depois policiais vindos de Acari chegarem até o local, seguindo o rastro de sangue.

Os entrevistados recordaram também que após o assalto o valente Diavolácio pegou um búzio marinho e “buzou” para pedir ajuda aos vizinhos, que prontamente responderam. Essa antiga prática de alerta no sertão, hoje esquecida, acontecia porque certas espécies de búzios marinhos possuem a capacidade de produzir fortes sons, que serviam para comunicação a distância. Eles foram utilizados para esta prática em várias partes do mundo, por vários povos, através dos séculos. No sertão nordestino, de largas paragens, a utilização de búzios era uma forma de comunicação prática entre vaqueiros que tangiam gado no meio da caatinga. Vem daí o termo “buzar”, para tocar o instrumento.

Outra casa antiga da região da propriedade Vaca Brava.

Mas enfim, quem eram aqueles homens?

De onde vieram e para onde foram?

E eram mesmo cangaceiros?

E No Jornal…

Seu João recordou que no outro dia após o crime ele esteve na residência assaltada e viu os estragos. Também presenciou seus familiares irem para o enterro do dono da fazenda e do seu cunhado João Pereira.

Como disse anteriormente o Nordeste queimava com a seca e no sul do Brasil o povo de São Paulo sangrava em meio a Revolução Constitucionalista de 1932, o que gerava muitos problemas para as autoridades policiais potiguares, mas o caso da Vaca Brava de Baixo não poderia ficar sem algum tipo de resposta.

Nessa época o Chefe de Polícia do Rio Grande do Norte era João Café Filho, futuro Presidente da República e único potiguar a alcançar esse cargo. Ele então mandou a polícia proceder as investigações para capturar os assaltantes e assassinos e até designou um delegado especial para o caso. O escolhido foi o segundo tenente Agripino Antônio de Lima.

O Senhor Tomaz Maurício Silva.

E na edição do jornal A República de quinta-feira, 25 de agosto de 1932, foi que soubemos mais detalhes do caso[3]. O curioso é que as respostas partiram de uma menina de quatorze anos de idade.

Dias antes da publicação, em 11 de agosto, a jovem Iracema Muniz de Medeiros, acompanhada do seu pai Manuel Muniz de Medeiros, ambos moradores da cidade de Flores, atual Florânia, no Seridó Potiguar, entraram na Cadeia Pública da cidade para ela prestar um depoimento ao tenente Agripino. Esse militar estava acompanhado do sargento Augusto Emílio Dantas e quem atuou como escrivão foi o cidadão João Praxedes de Medeiros.

O texto existente no jornal A República informa que Iracema era filha de uma família muito humilde, analfabeta e trabalhava como empregada doméstica na casa de um dos mais ricos e influentes homens de Florânia.

Contou que cerca de dois meses antes viu a filha do seu patrão, uma mulher casada e com 33 anos, confeccionando uma “máscara de pano preto”. Curiosa com aquilo, a jovem empregada perguntou para que servia aquele negócio e a resposta foi – “amedrontar meninos”. Iracema não ficou nem um pouco satisfeita com o que ouviu.

Fita cassete da gravação da entrevista realizada em 2008.

No mesmo dia, segundo seu depoimento, chegou na casa do seu rico patrão um indivíduo bem conhecido na comunidade, tido como “uma pessoa de bem”, que junto ao genro e a filha do seu chefe se trancaram em um quarto da casa. Para a realidade comportamental e da moral vigente naquela época, aquela atitude era muito estranha e só atiçou a curiosidade da garota.

Ela contou no depoimento que foi observar, “brechar” como se diz no dito popular, o que acontecia no quarto por uma janela. Viu a filha do seu patrão experimentando a tal máscara preta em seu marido, sob o olhar do dito “cidadão de bem”. Não demorou e um filho do seu patrão, rapaz jovem e bem disposto, também se juntou a reunião que acontecia no quarto. Iracema então viu os homens buscando em baixo da cama alguns rifles e abrindo bornais de couro de onde extraíram farta munição.

O autor e seu João Santos.

A curiosa menina também relatou ao tenente Agripino que depois do encontro no quarto, já a noite, dois outros indivíduos chegaram em possantes cavalos à casa onde trabalhava. Não demorou para que o genro e o filho do seu chefe pegarem seus animais e partirem com os recém-chegados para local ignorado. O “cidadão de bem” que participou da reunião no quarto e trouxe a munição, presenciou a saída e ficou em Florânia.

No outro dia a menina viu o genro repartir com o dito “cidadão de bem” várias moedas de prata e dinheiro em cédulas. Logo ficou sabendo de um assalto praticado por supostos cangaceiros na propriedade denominada “Pau Lagoa”, que atualmente faz parte do território do município potiguar de Cruzeta.

Iracema narrou então que na tarde do dia 29 de junho viu o “cidadão de bem” trazer um bisaco com bastante carne, farinha e rapadura e que por volta das quatro da tarde desse dia os mesmos quatro homens que anteriormente partiram de Florânia a cavalo, saíram novamente da cidade. Afirmaram que se dirigiam para um lugar chamado “Bentos”, do qual não consegui nenhuma informação sobre a sua localização.

A menina afirmou que ainda na manhã do dia 1° de julho toda a Florânia soube da orgia de violência e sangue na propriedade Vaca Brava de Baixo, mas ela nada comentou sobre o retorno e o destino das pessoas ligadas ao seu patrão. Ainda delegacia Iracema reconheceu a máscara e afirmou que algumas pessoas reconheceram que entre os materiais roubados do sítio Pau Lagoa estavam as mantas utilizadas para transportar o corpo do chefe do bando para Florânia.  

Com o casal Tomaz Maurício Silva e Dona Josefa Maria da Silva, sendo fotografado pelo amigo Solón Rodrigues Almeida Neto no dia 19 de julho de 2008.

Depois do crime circulou na região a informação, comentada por todos que entrevistei, que um irmão do bandido morto buscou demovê-lo de praticar outros atos criminosos, mas sem sucesso. Esse irmão era conhecido como “Lopinho” e morava em Florânia.

Para os entrevistados em 2008 e no depoimento de Iracema publicado em 25 de agosto de 1932, não existe nenhuma referência que o rico sogro do falecido chefe do bando soubesse da atitude transloucada do seu genro, ou da participação dos seus filhos e de outras pessoas de Florânia naquela doidice.

Para o Senhor João dos Santos e o casal Tomaz e Josefa, esse caso repercutiu muito na região e durante vários anos se falou sobre isso.

Para finalizar fui informado que o valente Diavolácio não foi preso pela morte do bandido. Ele continuou a viver na Vaca Brava de Baixo, casou com uma prima, mas um dia foi embora para o sul e os meus entrevistados nunca mais tiveram notícias dele. Já Dona Umbelina parece não ter mais desejado viver na casa onde mataram seu marido e terminou seus dias morando com uma filha em Cruzeta. Imaginei que a jovem Iracema Muniz de Medeiros tivesse sofrido alguma represália daquela família de marginais, mas ela estava viva em 1946.

Nas pesquisas que realizei nas velhas páginas do jornal A República, estranhamente não encontrei mais nenhuma nota, nenhuma notícia e aparentemente nada mais saiu sobre esse caso. Não sei sequer se alguém foi preso, processado ou condenado!

“Cangaço Oportunismo”’

Certamente que nas priscas eras outros casos como o da propriedade Vaca Brava de Baixo aconteceram pelo sertão afora. Mas confesso que não sei aonde, quando e como ocorreram. Mas não deixa de ser interessante o conhecimento desses casos, até mesmo para compreender como esse tipo de situação, que possui suas especificidades, continua a acontecer e a crescer.

Talvez no ado a proporção desses casos fosse muito menor, ou muito se abafava para evitar escândalos. Mas também é verdade que sempre escutei nas minhas andanças pelos sertões afirmações como “– Muita gente se aproveitou do cangaço para praticar atos de violência, assaltos, roubos e até assassinatos”. Mas o fato é que eu nunca tinha me debruçado com um caso tão específico e ainda mais no meu Rio Grande do Norte e no querido Seridó das minhas raízes.

Ao comentar esse caso com uma pessoa ligada a justiça em Natal, ouvi que provavelmente quem praticou esses crimes eram “pessoas sem maiores perspectivas, normalmente desqualificadas, muito pobres e sem preparo”. Para mim ou essa pessoa ou não ouviu meu relato, saiu comentando na base do chute mesmo e só faltou dizer que os meliantes eram “negros”.

Como podemos ler anteriormente os homens que praticaram o crime na propriedade Vaca Brava de Baixo eram membros da “fina flor” da sociedade do seu lugar e tidos como “Gente de bem”. Eram cidadãos aparentemente exemplares, mas que não tiveram nenhum problema de matar um velho fazendeiro por dinheiro e aterrorizar sua família. Se não fosse um rapaz valente e a existência de uma arma de fogo, a situação teria sido muito pior.

Já para quem tem um mínimo de conhecimento sobre a História do Cangaço no Nordeste, os homens que praticaram o crime na Fazenda Vaca Brava de Baixo certamente não eram cangaceiros, ou pertenciam a algum grupo errante de bandoleiros que estava circulando pela região do Seridó Potiguar em 1932. Talvez algum deles tivesse tido alguma experiência nessa área, mas é algo que creio ser muito difícil. Para mim eram apenas um grupelho mal organizado de “cangaceiros-oportunistas, cujo chefe teve o que mereceu!

Sabemos através de estudos realizados que o fenômeno do cangaço possuía características peculiares e próprias sobre como os seus muitos membros agiam. Podemos compreender melhor essa questão na página 89 do interessante livro Guerreiros do Sol, de Frederico Pernambucano de Mello (Ed. A Girafa, São Paulo – SP, 2013), onde esse autor comentou sobre as formas básicas dos que praticaram o cangaceirismo no Nordeste do Brasil –

“São em número de três essas formas básicas: o cangaço-meio de vida; o cangaço de vingança e o cangaço-refúgio. A primeira forma caracteriza-se por um sentido nitidamente existencial na atuação dos que lhe deram vida. Foi a modalidade profissional do cangaço, que teve em Lampião e Antônio Silvino os seus representantes máximos. O segundo tipo encontra no finalismo da ação guerreira de seu representante, voltada toda ela para o objetivo da vingança, o traço definidor mais forte. Foi o cangaço nobre, das gestas fascinantes de um Sinhô Pereira, um Jesuíno Brilhante ou um Luís Padre. Na terceira forma, o cangaço figura como última instância de salvação para homens perseguidos. Representava nada mais que um refúgio, um esconderijo, espécie de asilo nômade das caatingas.”

Talvez fosse interessante o ilustre pesquisador e escritor Frederico Pernambucano de Mello incluir entre as ideias de formas básicas desse movimento a do “cangaceiro-oportunista”. Gente que aproveitava para agir prioritariamente durante o recrudescimento das secas, que geravam uma total desorganização socioeconômica do sertão e, nesse caso específico, talvez aproveitando a agitação social de fundo político, como o da Revolução Constitucionalista de 1932.

Através da sugestão de dois bons amigos que vivem no Seridó Potiguar, a quem confidenciei esse caso, resolvi aqui não apresentar os nomes das pessoas envolvidas como perpetradores desse crime. Poderia gerar uma tremenda chatice com a família daqueles bandidos, ainda cheia de “brilho e cobre” em Florânia. Mas o caso está todo aí, conforme foi publicado no jornal em 25 de agosto de 1932 e como me foi dito lá na Vaca Brava em 19 de julho de 2008 pelo Senhor João Bezerra dos Santos e o casal Tomaz Maurício Silva e Dona Josefa Maria da Silva, os quais nunca mais reencontrei e nem tive notícia alguma.

Só espero que aonde eles estiverem, estejam bem e em paz!

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NOTAS


[1] Os registros sobre Antônio Theóphilo de Carvalho Pinto e seus familiares se encontram disponíveis em https://www.familysearch.org/tree/person/sources/GFQ7-1HP

[2] Aquele valor era uma verdadeira fortuna, mais ainda em uma região assolada por uma forte estiagem. Para se ter ideia do que esse volume financeiro representava naquele tempo temos na página 2 do jornal natalense A República, edição de sábado, 9 de julho de 1932, a publicação do “Balancete das despesas e recitas referente aos meses de janeiro a abril de 1932” e consta que nesse período as despesas com a Imprensa Oficial no Rio Grande do Norte, ou seja a circulação, pagamento de pessoal e manutenção do jornal A República, foi de 66.359$780, ou seja sessenta e seis contos, trezentos e cinquenta e nove mil e setecentos e oitenta réis.

[3] Quem folheia as páginas desse jornal, existente na Hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, ou no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte, vai perceber o detalhismo existente nesse depoimento e o extenso espaço dado pelo jornal.